AVALIAÇÃO DA SISTEMATIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM EM HOSPITAL DE DOENÇAS INFECCIOSAS

Alexsandra Rodrigues Feijão, Maria de Fátima Carvalho, Fidelarina Teixeira do Carmo, Daniele Mary Silva de Brito, Marli Terezinha Gimenez Galvão
 

RESUMO: Objetivou-se apreender a percepção de enfermeiros quanto ao processo de enfermagem e avaliar o preenchimento dos instrumentos da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE). Pesquisa convergente assistencial com abordagem quali-quantitativa realizada no Hospital São José de Doenças Infecciosas em Fortaleza-CE, entre 2004 e 2005. Entrevistou-se 11 enfermeiros e foram analisados 643 impressos da SAE. Os resultados indicam: compreensão da equipe quanto a importância da SAE e interesse expresso para melhorar o processo; preenchimento inadequado do impresso da SAE; sua estrutura atual exige consulta freqüente ao referencial teórico; deficiência de capacitação sobre metodologia da assistência entre a equipe. Diante dos aspectos analisados recomenda-se ao serviço pesquisado realizar oficinas para elaborar um projeto de modificação impresso da SAE; treinamento e capacitação periódicas em metodologia da assistência e execução da SAE.

Descritores: Pesquisa em avaliação de enfermagem; Processos de enfermagem; Registros de Enfermagem.

INTRODUÇÃO

O avanço do conhecimento teórico tem proporcionado aos enfermeiros criação de modelos e processos próprios de cuidar, tornando-se o cliente o cerne da assistência de enfermagem. Durante os anos de 1950 até a primeira metade dos anos 60 pesquisadores definiram planos de cuidados de enfermagem, e enfermeiros assistenciais iniciaram a operacionalização da idéia. Esse plano era, inicialmente elaborado para um conjunto de pacientes com diagnóstico ou problemas semelhantes, mas não proporcionava individualidade aos mesmos. Com isso, distorções começaram a ocorrer e os profissionais iniciaram investigações a fim de rever as metodologias propostas1, desde então, essa metodologia recebeu várias denominações, como plano de cuidados, metodologia da assistência, sistemática da assistência ou processo de enfermagem2.

Entretanto, entende-se como processo de enfermagem uma seqüência de etapas descritas como coleta de dados, diagnósticos de enfermagem, planejamento, implementação e avaliação, as quais focalizam a individualidade do cuidado através de uma abordagem cientifica de identificação e solução de problemas.

Entre os diversos estudiosos, cita-se Horta, a qual descreveu o processo de enfermagem como a dinâmica das ações sistematizadas e inter-relacionadas, visando a assistência humana. O modelo proposto compreendia seis etapas sistematizadas, denominadas de histórico, diagnóstico, plano assistencial, prescrição, evolução e prognóstico de enfermagem. Estes passos auxiliam o enfermeiro no planejamento da assistência a ser prestada ao paciente, seja ele indivíduo, família ou comunidade3.

Com a aprovação da Lei do Exercício Profissional de Enfermagem, que estabeleceu como atribuição privativa do enfermeiro a prescrição de enfermagem4, o processo de assistência passou a se alvo de preocupação para os profissionais brasileiros. Este fato teve reflexo desde a implementação dos currículos dos cursos de enfermagem das universidades brasileiras, até a necessidade de os serviços de saúde repensarem a forma de sistematização dos atendimentos de enfermagem aos seus clientes. Contudo, a necessidade de se implantar e implementar uma metodologia de cuidar baseada no processo de enfermagem ainda se constitui um grande desafio para os gerentes e toda a equipe.

No cotidiano do hospital de doenças infecciosas do estado do Ceará, a equipe de enfermagem ponderava que a assistência prestada necessitava de um método que proporcionasse ao enfermeiro uma assistência global ao paciente, pautada em um referencial teórico pertinente para a realização das ações. Assim, em 2001 a equipe iniciou a implantação da Sistematização da Assistência de Enfermagem no serviço, utilizando-se como referencial o processo de enfermagem segundo Wanda Horta.

Para elaboração dos instrumentos para anotações (histórico, prescrição e evolução de enfermagem) buscou-se suporte teórico na literatura específica2,5,6, utilizando embasamentos teóricos associados a modelos divulgados na literatura e nas experiências de outros serviços do estado, desenvolveu-se um modelo construído pela equipe do serviço. Concomitante à implantação da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) em uma unidade piloto, houve treinamento e supervisão dos profissionais, dando-lhes condição de execução da proposta, até a completa utilização no serviço, que para isso houve necessidade de alguns ajustes ao longo do tempo.

Destaca-se que a enfermagem representada pela prática assistencial tem se voltado mais para instancia do fazer, mas para se renovar, necessita “aprender a fazer” que, por sua vez implica, necessariamente, “pensar o fazer”7.

Portanto, a avaliação dessas ações é necessária para a otimização das estratégias de implantação e acompanhamento. O avaliar está relacionado a tecer considerações, isto é, fazer julgamentos quanto à utilidade e o valor de um produto, pratica ou desempenho de indivíduos, possibilitando um planejamento de mudanças onde for necessário8. O propósito principal da avaliação é assistir o desenvolvimento do trabalho profissional e melhorar as estratégias de administração, com o intuito de buscar o controle e a garantia da qualidade.

Neste contexto, buscando-se argumentos para avaliar o processo de enfermagem em um serviço de saúde de referência em infectologia, teve-se como objetivos apreender a percepção do processo da SAE entre enfermeiros e avaliar o preenchimento dos instrumentos da SAE produzidos no serviço.

 METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa convergente assistencial. Este tipo de investigação articula o exercício profissional com o conhecimento teórico, e formula temas de investigação a partir da necessidade emergida do contexto da prática7.

O estudo foi desenvolvido no Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ) de Fortaleza-CE. O serviço de enfermagem do hospital instituiu um instrumento próprio para desenvolver o processo de enfermagem, que contempla cinco partes: as duas primeiras partes (histórico e exame físico) constituem-se de duas páginas com questões abertas, as quais são preenchidas pelo enfermeiro na admissão do paciente. As demais partes (diagnóstico, prescrição e evolução) são utilizadas durante a internação do cliente. Para o estabelecimento dos diagnósticos há um rol de possibilidades diagnósticas observadas com maior freqüência na unidade (determinadas em estudo preliminar) que são conferidas a cada paciente, seguido por espaço para acrescentar outros quando necessário. Os diagnósticos são descritos e avaliados de acordo com a taxonomia de NANDA (North American Nursing Diagnosis Association). Para as prescrições, os mesmos critérios são seguidos, e finalmente para a evolução dispõe-se de amplo espaço em branco.

Para o desenvolvimento do presente estudo utilizou-se uma abordagem quali-quantitativa, pois ao ser analisado objeto de estudo, identificou-se a necessidade de uma intervenção quantitativa na caracterização e descrição das anotações feitas nos instrumentos da SAE, que constituiu o foco de investigação. Embora a quantificação dos fatos apóie-se no positivismo e no empirismo, as posições qualitativas se baseiam em abordagem mais ampla que permitem analisar as percepções do sujeito pesquisado à luz do esclarecimento, do tratamento, da interpretação da descrição do estudo qualitativo da realidade estudada, tanto em nível de análise por conteúdo como por categorização9.

Para o estudo, selecionou-se enfermeiros e impressos da SAE das unidades de internação de média complexidade do hospital. Entrevistou-se uma amostra de 30% dos enfermeiros (n=11), nos meses de janeiro e fevereiro de 2005. E, aleatoriamente, foram analisados 10% dos prontuários (n=43) dos pacientes atendidos nas referidas unidades de janeiro a dezembro de 2004. Os prontuários selecionados continham 643 impressos da SAE, sendo todos avaliados.

A coleta de dados constituiu-se de duas etapas: 1. entrevista com enfermeiros utilizando-se roteiro semi-estruturado, com questões norteadoras que incentivam o diálogo, permitindo que os sujeitos respondessem mais do que “sim” ou “não”, buscando respostas mais completas, incluindo contribuições com sugestões para a otimização da SAE, 2. análise do preenchimento da SAE, sendo a obtenção dos dados por meio de instrumento tipo check-list compreendendo seis questões com as opções “sim”, “não” e “não consta” e espaço para eventuais observações.

Para a análise dos dados foram utilizadas três etapas, a saber: 1. leitura e apreciação das entrevistas, cujos depoimentos foram confrontados ao longo das observações dos resultados da análise da SAE; 2. análise e interpretação dos dados quantitativos; 3. confrontação dos resultados das duas etapas, traçando um paralelo entre a síntese dos conteúdos obtidos a partir das entrevistas e as observações da análise dos impressos da SAE. Assim, foram elaboradas quatro categorias temáticas: Importância da SAE para o planejamento da assistência; Dificuldades no uso da SAE; Satisfação do profissional em relação à SAE, e, Capacitação teórico-prático para implementação da SAE.

Para os dados obtidos da analise dos impressos da SAE foi construído uma Tabela, a qual apresenta as principais descrições: avaliação da admissão, histórico e exame físico, prescrição de enfermagem, evolução de enfermagem

O estudo seguiu referenciais básicos da resolução 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde10, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição. Para manter o anonimato dos enfermeiros utilizou-se a nomenclatura “E” seguido pelo número da entrevista.

 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em relação à caracterização dos enfermeiros entrevistados, 64% informaram idade entre 41 e 60 anos. O tempo de experiência profissional variava de cinco a 20 anos ou mais, sendo que a maioria (91%) possuía mais de 10 anos de formação em enfermagem e estavam exercendo a profissão no hospital em um período compreendido entre três e 25 anos, e informavam utilizar a SAE de oito meses a três anos. Estes dados foram oportunos para justificar e complementar outros achados ao longo desta investigação.

Para a compreensão dos resultados, apresenta-se a seguir categorias que destacam a importância e as dificuldades da SAE emitida pelos sujeitos do estudo e as diferentes observações realizadas pela análise dos impressos corroborando-se com os depoimentos obtidos dos profissionais que vivenciam na prática cotidiana a sistematização da assistência prestada.

 IMPORTÂNCIA DA SAE PARA O PLANEJAMENTO DA ASSISTÊNCIA

A SAE tem como prioridade ser arquétipo teórico para a prática assistencial, fazendo com que a atuação dos profissionais de enfermagem seja cientificamente coerente, planejada quanto à identificação de necessidades, obtendo estabelecimento e alcance de metas e avaliação. Neste contexto, ao serem questionados quanto à importância da SAE para a assistência, os sujeitos expressaram sua magnitude de forma quase unânime, como demonstram-se nas falas a seguir:

“...é importantíssima. Dentro dela se faz levantamento de problemas” (E2); “...considero importante... dar prioridades, não deixando passar o essencial..” (E4); “A SAE organiza e planeja a assistência de enfermagem. É de grande importância.”(E9).

Outro estudo constatou que os enfermeiros vêem a SAE como facilitador da assistência, a realimentação do processo, ajustando-o de acordo com as necessidades, além de possibilitar, por meio de documentação, o controle de seus resultados1.

 DIFICULDADES NO USO DA SAE:

Pelas entrevistas, verificou-se que a maioria dos enfermeiros cita dificuldades em realizar algumas das fases do processo, em especial a etapa de elaboração dos diagnósticos de enfermagem, justificando que há uma falta de familiaridade aos diferentes diagnósticos, ocasionando demora para identificação do enunciado e dos fatores relacionados. As diferentes informações foram confirmadas ao serem analisadas o preenchimento do impresso da SAE, conforme observa-se pela Tabela 1.

 Tabela 1: Distribuição dos itens avaliados entre os 643 impressos da SAE analisados. Fortaleza, 2005.

ETAPAS

Dados Preenchidos

SIM

N  (%)

NÃO

N  (%)

NC*

N  (%)

Incomp.**

N (%)

Diagnósticos de enfermagem    (N= 643)

 

 

 

 

Utilização dos descritores*** em todos os diagnósticos

463 (72)

159 (24,7)

-

21 (3,3)

Diagnósticos pertinentes seguidos de fatores relacionados

356 (77)

35 (7,5)

-

72 (15,5)

Histórico de enfermagem****   (N=43)

 

 

 

 

Há histórico preenchido no prontuário?

07 (16,3)

36 (83,7)

-

-

Há registro de admissão pelo enfermeiro?

32 (74,4)

11 (25,6)

-

-

Há registro de exame físico pelo enfermeiro no prontuário?

05 (11,6)

36 (83,7)

-

02 (4,6)

Prescrição  (N=643)

 

 

 

 

Há prescrição diária?

524 (81,5)

119 (18,5)

-

-

Os cuidados prescritos foram checados?

207 (39,5)

83 (15,8)

-

234 (44,6)

Evolução  (N=643)

 

 

 

 

Há evolução diária?

617 (96)

26 (4)

-

-

A evolução possibilita uma visão global das condições gerais do paciente?

459 (73,4)

158 (25,6)

-

-

A evolução fornece informações dos resultados dos cuidados prestados?

340 (55,1)

277 (44,9)

-

-

*NC = não consta, refere-se ao dado da SAE específica da unidade avaliada
**Incomp.= dados incompletos
***Nos descritores utilizam-se as seguintes abreviaturas para assinalar os diagnósticos: A=ausente, P=presente, M=mantido, R=risco.
****Referente ao número de prontuários pesquisados

 Pela Tabela 1 observa-se que diversos impressos da SAE apresentam itens incompletos no espaço determinado para as anotações e outra parcela dos impressos sequer foi preenchida. As revelações pelos depoimentos dos enfermeiros confirmam essa realidade do serviço, demonstrando que as dificuldades emitidas são claramente confirmadas.

Diversas são as dificuldades observadas e que prejudicam a implementação da SAE. Em 2004, pesquisadora11 divulga que os enfermeiros aplicavam a sistematização empiricamente, devido a falta de acesso ao modelo teórico. Entretanto, no presente estudo, o principal motivo da dificuldade para realizar o diagnóstico esteve relacionado ao tempo para se buscar ou procurar a definição estabelecida pela NANDA, fazendo com que esta procura fosse denominada de “perda de tempo”. Na instituição foi adquirido, para cada setor ou unidade, um livro para consultas dos profissionais dos diferentes diagnósticos. Outro fator que provavelmente, determine o argumento de “perda de tempo” esteja relacionado ao fato que há um elenco predefinido no impresso e, na ausência de diagnóstico específico, faça com que o profissional proceda uma busca no referencial.

Avaliação da admissão, histórico e exame físico

O levantamento de dados tem o objetivo de conhecer problemas de enfermagem vivenciados pelos pacientes para que a assistência seja direcionada ao atendimento de suas necessidades12. É de grande importância, pois possibilita uma interação e conhecimento mútuo entre enfermeiro e paciente no momento inicial da SAE durante a admissão.

Percebeu-se através dos dados disponibilizados pela Tabela 1 que a maioria dos prontuários investigados não apresentavam histórico e exame físico realizados pelo enfermeiro, o que se confirmou com as falas dos sujeitos descritas a seguir:

Não, porque eu não fui habilitada durante a faculdade. Já assisti aula sobre o assunto aqui no hospital, mas não sei fazer.(E3)”; “Não, pela falta de prática, e não tenho condições teóricas. Antigamente era mais simples, hoje tem mais tecnologia. Nem curso em relação a exame físico nunca fiz. (E9)”; “Sim. Quando dá, realizo superficialmente e tento na medida do possível me adaptar. E11)”.

Grande parte dos discursos revela que a dificuldade é referente ao reduzido conhecimento teórico, multiplicidade de tarefas e tempo escasso. Isso implica na desistência da fase inicial da SAE, gerando uma falha em todo o processo. Mas, ainda que precariamente, histórico ou parte dele é realizado tendo em vista que sem ele faltam subsídios para quem pretende diagnosticar, prescrever e avaliar13.

Prescrição de enfermagem

A prescrição de enfermagem resulta do julgamento das ações consideradas prioritárias levantadas durante a entrevista e o exame físico de enfermagem, além das informações obtidas junto aos registros da equipe multidisciplinar. Esse processo sofre uma realimentação contínua, uma vez que diariamente o exame físico é feito, há uma nova abordagem do paciente e são verificados os registros de outros profissionais12.

Quando perguntado aos enfermeiros quanto à prescrição, a fala demonstra que a maioria (80%) tem dificuldade em adequá-la de modo que atenda às necessidades identificadas do paciente.

  “Acho que sim. Mas pela questão de tempo. Às vezes não dá tempo de fazer a SAE como você queria. Eu principalmente tenho dificuldade...”(E1); “Ele(paciente) tem mais necessidades  do que o que apresenta no impresso da SAE e precisa ter mais alguma coisa.”(E6); “A minha dificuldade é apenas em ir consultar o livro da taxonomia da NANDA, procurar os problemas pois leva tempo. O distanciamento com o paciente por ser noturno e ficar com duas unidades de internamento...”(E9).

Para confrontar com os dados confrontados anteriormente o Quadro 1 demonstra que a maioria dos cuidados prescritos foram apenas parcialmente checados, ou seja, quando eram anotados pela manhã não eram à noite, sendo a recíproca verdadeira.

Quanto ao envolvimento da equipe em relação à sistematização, as falas revelam que é insuficiente e os auxiliares não participam diretamente da SAE.

“Não teve muito envolvimento no começo pelos próprios enfermeiros, principalmente por não haver gente suficiente em uma unidade grande, complexa...porque se não é valorizada pelo enfermeiro, conseqüentemente não é pelos demais membros da equipe...”(E2); “Os auxiliares não checam, inclusive às vezes eu checo quando executo, mas acho que ninguém checa.Mas isto já mudou muito... até o corpo médico já valoriza, eles perguntam – Cadê as folha de vocês? ... mas é preciso haver uma maior conscientização, pois eles fazem os sinais vitais, colocam o cateter de O2 mas não há preocupação em checar.”(E7); “ No início houve resistência. Os auxiliares não preenchem pois pensam que a SAE é só do enfermeiro, que atrapalha a relação com o paciente,é perda de tempo.”(E11).

Percebe-se através do exposto que, na perspectiva dos sujeitos, os demais membros da equipe não atribuem ao método a valorização devida tendo em vista o desconhecimento teórico e o resultado da mesma na prática.

Quando questionados quanto à problemas na continuidade da implementação dos cuidados de enfermagem entre os turnos, a maioria dos enfermeiros respondeu que existem muitos empecilhos de continuidade do processo, como percebe-se nas falas:

“Sim. Durante o dia não temos problemas, mas com relação ao turno da noite não temos continuidades... o enfermeiro do período noturno reclama quanto se deixa algo para ser feito à noite.” (E1); “Sim, não existe continuidade, eu mesmo não faço nenhuma alteração ou dou continuidade ao processo no período da tarde.”(E9); “A SAE nos períodos de trabalho deixa muito a desejar. É como se a SAE não tivesse continuação da assistência, por exemplo eu evoluo que o paciente deve diarréia ou sangramento e no outro dia eu vou ver a evolução e não vejo nenhuma anotação.” (E10)

Observa-se que na percepção dos enfermeiros há uma ruptura na assistência durante os turnos de trabalhos, evidenciando que a SAE é algo estanque e não ocorre como um processo contínuo. Provavelmente isto ocorra falta de conhecimento e até por falta de supervisão sistemática nos turnos de trabalho ao se confrontar estas constatações e relacioná-las e com inferências anteriores cujos enfermeiros indicam pouco ou ausência de embasamento teórico, a falta de familiaridade com o processo, bem como compromisso e envolvimento com a SAE. Urge-se da supervisão periódica e da educação permanente atuante no serviço.

Entretanto, a prática de enfermagem baseada no cumprimento de tarefas, inicialmente, aparenta ser simples e demandar menos tempo. No entanto, a SAE utilizada como instrumento de trabalho permite estabelecer prioridades assistenciais, planejamento, além de gerar registros das ações implementadas tendo como o foco o indivíduo.Descreve-se que o benefício dos cuidados de enfermagem é assistir o individuo saudável ou doente, no desempenho das atividades que contribuam para a saúde14. Situações estas não observadas plenamente quando se avalia o processo de enfermagem, denota-se que o cliente pode não receber os cuidados adequados.

Evolução de enfermagem

A evolução de enfermagem é um registro realizado após a avaliação do estado geral do paciente com o objetivo de nortear o planejamento da assistência a ser prestada e informar os resultados das condutas de enfermagem implementadas. A evolução mostra os efeitos, as repercussões e as conseqüências dos cuidados prestados em relação a determinados parâmetros pré-estabelecidos e indica a manutenção, a modificação ou a suspensão da prescrição de enfermagem anterior12.

Percebe-se, através da Tabela 1, que a maioria dos impressos da SAE possuía evolução de enfermagem. Porem, estas evoluções nem sempre permitem um visão geral dos problemas detectados, uma vez que as questões não eram retomadas junto ao paciente, conforme a proposta inicial. Além disso, o distanciamento enfermeiro/paciente durante o preenchimento deste instrumento impedia a percepção de alguns aspectos existentes naquele momento.

As evoluções subseqüentes em sua maioria possuem dados pontuais, não descrevendo comparativamente os resultados da assistência prestada, considerando que o histórico de enfermagem não era retomado como parte do processo.

Observa-se que cuidar em enfermagem revela-se nas práticas como um conjunto de ações, procedimentos, propósitos, entre outros14. Nesta perspectiva, as ausências de evoluções apresentam elementos insuficientes para avaliação dos sujeitos cuidados.

SATISFAÇÃO DO PROFISSIONAL EM RELAÇÃO À SAE

A satisfação no trabalho pode resultar na percepção do indivíduo, sobre até que ponto as atividades que ele desenvolve em seu trabalho, atendem a valores considerados, por ele, como importantes15.

Ao serem questionados quanto à satisfação em relação à SAE implantada no hospital pesquisado, os enfermeiros se expressam como segue:

“Mais ou menos, justamente pela falta de continuidade é preciso fazer alterações, como uma prescrição para as 24 horas, dividir as atividades, como prescrição, curativos, banhos, pois todos estes procedimentos são realizados no turno da manhã.”(E4); “Sim. Não acho que precise ser feito muita coisa, não, está suficiente, não dá para ter uma idéia geral do paciente. Também poderia ser criada uma folha da SAE para pacientes graves”. (E1); “Como profissional acho que é necessário anotarmos tudo o que fazemos com o paciente e termos a SAE. O dia é pouco para seguirmos a taxonomia desenhada pela NANDA, como se deve. Acho que deveríamos fazermos apenas o histórico, quanto a prescrição de enfermagem há necessidade de criar um check-list para assinalarmos. Com relação à evolução de enfermagem, ela é importante para o paciente e, inclusive, para a equipe multiprofissional”. (E11)

 

CAPACITAÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA PARA IMPLEMENTAR A SAE

Quanto a treinamento específico sobre metodologia da assistência de enfermagem, dois sujeitos informaram que embora desenvolvessem a atividade, não foram treinados, três referiam que o conteúdo apreendido havia sido obtido durante a graduação, entretanto oito informavam capacitação para o desenvolvimento da ação do próprio serviço.

Estudo demonstra que os fatores que freqüentemente dificultam a utilização do processo de enfermagem, devem-se a falta de preparo dos enfermeiros sobre o método11. Neste sentido, as instituições de ensino de graduação são os elementos que devem favorecer os diferentes modos de cuidar, alem dos métodos de trabalho, cujo treinamento deve ser embasado em vários modelos facilitando a compreensão do enfermeiro ao longo de sua vida profissional.

Também, acrescenta-se sugestões de pesquisadores, os quais sugerem que no processo de trabalho em saúde se exige práticas inovadoras para as demandas presentes nos cenários das organizações assistenciais16, situação desejável na presente investigação.

 ConCLUSÃO

Segundo concluiu-se no estudo a avaliação da sistematização da assistência de enfermagem, como processo de interpretação das diferentes ações do enfermeiro permitiu identificar pontos positivos e negativos.

Como pontos positivos destacam-se que os enfermeiros se mobilizaram inicialmente para implantar a SAE, ocorreu compreensão entre os enfermeiros, da importância da SAE para o planejamento, implementação e avaliação da assistência de enfermagem. Também houve interesse em melhorar o processo, a partir do diagnóstico da situação atual de implementação da SAE.

Quanto aos pontos negativos, observou-se o preenchimento inadequado do impresso da SAE, com informações incompletas ou ausentes; dificuldades dos enfermeiros quanto a freqüência de consultas à Taxonomia adotada pela NANDA, fazendo com que o profissional desvie parcela considerável de seu tempo para tal atividade.

Destaca-se ainda, como fator negativo nesta avaliação, a complementaridade das fases do processo instituído, observado mediante a carência de informações da fase de coleta de dados (histórico e exame físico) ou não especificação em grande parcela dos prontuários, prejudicando todo o processo. Também evidenciou pouco envolvimento da equipe de enfermagem em relação à SAE, mediante informações dos profissionais quanto suas dificuldades na continuidade da implementação da SAE entre os turnos, além da deficiência de capacitação específica sobre metodologia da assistência de enfermagem entre a equipe.

Diante dos diferentes aspectos listados, os quais apresentam um feedback à gerencia do serviço, recomenda-se: realizar oficinas com enfermeiros para elaborar projeto de modificação do impresso da SAE; construir e avaliar o novo impresso com a participação da equipe de enfermagem; instituir o novo impresso nas unidades de internação e fazer o acompanhamento da implementação; elaborar projeto de treinamento e capacitação em metodologia da assistência e execução da SAE.

 REFERÊNCIAS

1. Friendlander MR. O processo de enfermagem ontem, hoje e amanhã. Rev Esc Enf USP 1981 15 (2): 129-34.

2. Thomaz VA, Guidardello EB. Sistematização da assistência de enfermagem: problemas identificados pelos enfermeiros. Rev Nursing 2002 nov; 5 (54): 28-34.

3. Horta WA. Processo de enfermagem. São Paulo: EPU/EDUSP; 1979.

4. Conselho Regional de Enfermagem do Ceara. Legislação. Fortaleza; 1999.

5. North American Nursing Diagnosis Association - NANDA. Diagnósticos de enfermagem: definições e classificação: 2001-2002. Porto Alegre: Artmed; 2002.

6. Carpenito LJ. Manual de diagnósticos de enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2001.

7. Trentini M, Paim L. Pesquisa em Enfermagem: uma modalidade convergente-assistencial. Florianópolis: UFSC; 1999.

8. Grant M. Desenvolvimento do corpo docente em departamentos universitários: avaliando o trabalho de um departamento. Universidade Federal do Ceará. Impresso 2000.

9. Triviños ANS. Introdução à pesquisa em ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas; 1988.

10. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Comitê Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília: O Ministério; 1997.

11. Hermida PMV. Desvelando a implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem. Rev Bras Enf 2004 nov/dez; 57 (6): 733-7.

12. Cianciarrulo TI, Gualda DMR, Melleiro MM, Anabuki MH. Sistema de assistência de enfermagem: evolução e tendências. São Paulo: Ícone; 2001.

13. Cruz ICF. Metodologia da assistência de enfermagem: impasses e perspectivas. Conferência apresentada no X Enf-Nordeste, Salvador, 1994. Acesso em: 14 ago 2005; Disponível em: http://www.uff.br/nepae

14. Souza ML, Sartor VVB, Padilha MICS, Prado ML. Ocuidados em enfermagem: uma aproximação teórica. Texto Contexto Enfermagem 2005 abr-jun; 14(2): 266-70.

15. Soriana JB, Winterstein PJ. Satisfação no trabalho do professor de educação física. Rev Paul Educ Física 1998 jul-dez, 12(2):145-59

16. Sousa FG, Terra M, Erdmann A. Health services organization according to the intersectoral perspective: a review. Online Braz J of Nurs [Online] 2005; 4 (3). Avaliable at: http://www.uff.br/objnursing/viewarticle.php?id=86.