SAÚDE

DA

MULHER

NEGRA

 

Ações afirmativas para a mulher no período perinatal

Isabel CF da Cruz

 

Fonte:
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Perspectiva da eqüidade no pacto nacional pela redução da mortalidade materna e neonatal: atenção à saúde das mulheres negras / [Maria Auxiliadôra da Silva Benevides; Alaerte Leandro Martins; Isabel Cristina Fonseca da Cruz; e Maria de Fátima Oliveira.].20 p.: il. color. – (Série F. Comunicação e Educação em Saúde) ISBN 85-334-0884-6.

 

 

 

 

 

 

 

Por razões sociais ou de discriminação, as mulheres negras têm menor acesso aos serviços de saúde (...) e apresentam também maior risco do que as mulheres brancas, de contrair e morrer de determinadas doenças cujas causas são evitáveis

 

I. INTRODUÇÃO

Qualificar e humanizar a atenção integral à saúde da mulher pressupõe considerar os direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos e levar em conta a diversidade e necessidades específicas da população feminina. Neste contexto, é necessário que, em qualquer planejamento de ações de saúde da mulher, além do enfoque de gênero, seja incorporado o enfoque da e diversidade e, portanto, as questões relativas à raça/etnia para que os indicadores de saúde reflitam a realidade destas variáveis.

A Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde incluiu, nas diretrizes e no plano de ação 2004-2007 da Política Nacional para Atenção Integral a Saúde da Mulher, um capítulo relativo às mulheres negras.

O Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal incluiu nas suas ações estratégicas a necessidade de oferecer atenção às mulheres e recém-nascidos negros, respeitando suas particularidades étnicas e culturais, no sentido de reduzir as desigualdades no perfil de morbi-mortalidade.

II. AS  MULHERES NEGRAS NO BRASIL

Segundo o Censo de 2000, a população de mulheres negras brasileiras é de 36 milhões de pessoas (30% da população feminina geral) que vivem, em sua maioria, na zona urbana. A sub-notificação da variável cor/raça na maioria dos sistemas de informação da área de saúde tem dificultado uma análise mais consistente sobre a saúde das mulheres negras no Brasil.

Por outro lado, os dados sócio-econômicos disponíveis já indicam que a grande maioria das mulheres negras encontra-se abaixo da linha da pobreza (R$135, no RJ, em 2003), com uma taxa de analfabetismo que é o dobro em relação à taxa das brancas. São majoritariamente chefes de família sem cônjuge e com filhos. Conseqüentemente, por razões sociais ou de discriminação, as mulheres negras têm menor acesso aos serviços de saúde de boa qualidade, a atenção ginecológica e a assistência obstétrica - seja no pré-natal, parto ou puerpério, e apresentam também maior risco do que as mulheres brancas, de contrair e morrer de determinadas doenças cujas causas são evitáveis.

2.1. AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS

São grupos populacionais remanescentes dos antigos quilombos e que constituem uma representação da resistência dos negros brasileiros.

Embora, os dados oficiais reconhecerem 743 comunidades quilombolas no Brasil, as informações dos movimentos sociais indicam a existência de 4.000 grupos, distribuídos em todos os estados, na zona rural.

O Ministério da Saúde está formulando uma Política de Saúde para a População do Campo, onde estão incluídos os quilombolas. Mas, efetivamente, o SUS ainda não conseguiu atender da forma necessária e adequada esta população. A população quilombola é, na sua maioria, analfabeta, mas possui  um conjunto de crenças e valores e saberes medicinais sobre o processo saúde/doença acumulados ao longo da história.

A pressão arterial normal deve ser igual ou inferior a 120/80 mm Hg.

Para a saúde do coração a alimentação deve ser pobre em sal e gorduras, mas rica em legumes, verduras e grãos. Deve-se também praticar atividade física. Mas, se a PA for igual ou maior que 140/90, deve haver o reforço das orientações e o encaminhamento da gestante ao médico para avaliação

 

Embora crônica e sem cura, a diabetes, tal como a hipertensão, deve ser tratada com a educação em saúde, que promova na mulher as necessárias alterações no estilo de vida, e os medicamentos prescritos pelo médico


 

III. PROBLEMAS DE SAÚDE MAIS PREVALENTES NA POPULAÇÃO NEGRA – REPERCUSSÕES NA ATENÇÃO OBSTÉTRICA

HIPERTENSÃO ARTERIAL

A principal causa de morte no Brasil são as doenças vasculares e circulatórias. A hipertensão arterial é mais freqüente e assume um caráter mais grave na população negra. A hipertensão arterial (HA) também é a principal causa de morte materna, sendo mais freqüente e caráter mais grave na população negra. Toda usuária deve ter a pressão arterial (PA) verificada sempre que for à consulta. A PA normal deve ser igual ou inferior a 120/80 mm Hg. Se a PA for de 120-139/80-89, o profissional de saúde deve reforçar as orientações quanto à alimentação pobre em sal e gorduras, mas rica em legumes, verduras e grãos, e quanto à atividade física. Mas, se a PA for igual ou maior que 140/90, deve haver o reforço das orientações e o encaminhamento da gestante ao médico para avaliação. Embora a HA seja uma doença crônica e sem cura ela é perfeitamente controlável com a educação em saúde que promova na gestante as mudanças no estilo de vida e com medicamentos prescritos pelo médico, se necessário.

DIABETES MELLITUS TIPO II

A Diabetes tipo II - não insulino-dependente - é mais prevalente entre a população negra. As mulheres negras têm 50% a mais de chances de desenvolver diabetes que as mulheres brancas.

Entre a população diabética a hipertensão arterial é duas vezes maior que na população em geral. As mulheres portadoras de diabetes correm sérios riscos durante a gravidez. Embora crônica e sem cura, a diabetes, tal como a hipertensão, deve ser tratada com a educação em saúde, que promova na mulher as necessárias alterações no estilo de vida, e os medicamentos prescritos pelo médico.

Em cada cidade um comitê de prevenção da mortalidade materna:
dever do Estado, compromisso da sociedade.

98% dos óbitos materno podem ser evitados

28 de maio – Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher
Mortalidade materna: um assunto de direitos humanos, uma demanda de justiça social
Rede Nacional Feminista de Saúde,

 

 

MORTE MATERNA ENTRE MULHERES NEGRAS

Morte materna é a morte de uma mulher durante a gravidez ou até 42 dias após o término da gestação, independentemente da duração ou da localização da gravidez. Quando a morte ocorre num período superior a 42 dias e inferior  a um ano após o fim da gravidez, denomina-se morte materna tardia. São também mortes maternas aquelas ocorridas em conseqüência de aborto espontâneo ou provocado.

No Brasil, não há muitos dados de mortalidade materna considerando a variável raça ou cor. Contudo, eles revelam que a taxa das mulheres negras  é quase seis vezes maior do que a de mulheres brancas. Conseqüentemente, em razão de serem, em sua maioria, chefes de família sem cônjuge, mas com filhos, a mortalidade materna da mulher negra relega à orfandade e à miséria absoluta um número significativo de crianças.

As causas podem estar relacionadas à predisposição biológica das negras para doenças como a hipertensão arterial e diabetes, mas também aos fatores relacionados à dificuldade de acesso e baixa qualidade do atendimento, falta de ações e  de capacitação dos profissionais de saúde que sejam voltadas para os riscos específicos aos quais as mulheres negras estão expostas.

As mulheres portadoras de anemia falciforme apresentam maior risco de abortamento e complicações no parto

Todas as gestantes devem ser orientadas quanto ao valor do teste do pezinho para seus bebês de modo a detectar e tratar precocemente a anemia falciforme e outras doenças na criança

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEMIA FALCIFORME

A Anemia falciforme é a doença genética mais comum no Brasil. Trata-se de uma doença hereditária que apresenta maior prevalência na população negra.

As principais formas clínicas são a doença propriamente dita e o traço falciforme.

No Brasil, a anemia falciforme afeta milhões de pessoas e tem um alto índice de mortalidade. Segundo a OMS, nascem anualmente no Brasil, cerca de 2.500 crianças portadoras de doença falciforme e há 30 portadores do traço falcêmico para cada 1.000 crianças nascidas vivas. A OMS também afirma que no Brasil, 25% dos portadores de doença falciforme, sem assistência específica, morrem antes dos 5 anos de idade. A melhor estratégia para o enfrentamento deste problema é o diagnóstico precoce e o seguimento adequado.

As mulheres portadoras de anemia falciforme apresentam maior risco de abortamento e complicações no parto (natimorto, prematuridade, toxemia grave, placenta prévia e DPP, entre outros). Como esta doença é mais prevalente entre as negras, elas estão expostas a um maior risco de durante a gravidez e, portanto, necessitam de um acompanhamento mais intensivo, tanto da gestante, quanto do bem-estar fetal.

DISCRIMINAÇÃO E EXCLUSÃO

A esperança de vida para as mulheres negras é de 66 anos enquanto que para as mulheres brancas é de 71 anos. Há um potencial patogênico das discriminações sobre o processo bem-estar/saúde e doença/mal-estar, e como a mulher negra está na intersecção das discriminações raciais, de gênero e classe social, torna-se maior o risco de comprometimento de sua identidade pessoal, imagem corporal, seu autoconceito e auto-estima. Além disso, a discriminação e a exclusão aumentam na mulher negra sua susceptibilidade à violência dirigida e si própria e aos outros, aos hábitos de vida insalubres, como o tabagismo, por exemplo, e à dificuldade em desenvolver estratégias positivas de enfrentamento do distresse.

Assim, as ações de saúde de combate à discriminação e exclusão no que se referem à mulher negra (sujeito) devem ser desenvolvidas integralmente sem desconsiderar o corpo, as relações de gênero (sexualidade) e as relações políticas (emancipação/empoderamento).

Anathomia de Mundinus (1493)

demonstração de confiança e respeito), assim como incentivo à participação no processo de tomada de decisão sobre o cuidado

preparar a gestante para o parto ativo e natural

o sucesso do aleitamento depende do ensino no prá-natal sobre os cuidados de preparação do seio e do mamilo para amamentação

o curso de preparo para o parto ativo e natural ensina as técnicas respiratórias que minimizam a dor

 

 

para a redução da taxa de mortalidade materna e neonatal na população negra, as consultas pré-natais devem ser intercaladas ou simultâneas com as ações educativas do curso de preparo para o parto ativo e natural e o aleitamento exclusivo

 

 

 

 

A informação sobre a raça/cor deve ser auto-referida e com base na classificação adotada pelo IBGE (preto/a, branco/a, pardo/a, indígena, amarelo/a)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O recém-nascido deve ser submetido à triagem neonatal, atentando especialmente para a anemia falciforme

 

 

 

 

 

 

 

a Portaria 1434/2004, do Ministério da Saúde, definiu aumentar em 50% o valor dos incentivos

 

 

Iemanjá

IV. COMO O SUS PODE ACOLHER E ATENDER COM QUALIDADE AS GESTANTES E RECÉM-NASCIDOS NEGROS

1.      SENSIBILIZAÇÃO E CAPACITAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE - Inclusão nas capacitações dos profissionais da rede básica – com ênfase nas equipes do PSF – e nas equipes dos serviços de referência e das maternidades, os conteúdos sobre diferenciais raciais nas condições de vida e saúde, assim como sobre os conteúdos de comunicação assertiva e terapêutica (estabelecimento de confiança e demonstração de respeito), e as estratégias de enfrentamento da discriminação de gênero e raça (incentivo à participação no processo de tomada de decisão).

2.      AÇÕES EDUCATIVAS para a gestante negra, visando a redução dos indicadores negativos de morbi-mortalidade e do contexto de exclusão social, devem ser realizadas, a partir do 3o. mês de gestação. As ações educativas devem ser sistematizadas, visando aumentar a qualidade de vida e preparar a gestante para o parto, o cuidado e o aleitamento do bebê que vai chegar. Realizado preferencialmente em grupo (extensivo a familiar/companheiro), o curso de preparo da mulher negra para o parto ativo e natural e para o aleitamento materno exclusivo deve contemplar a prevenção dos principais problemas decorrentes das modificações anátomo-funcionais provocadas pela gestação; orientação sobre a alimentação; o desenvolvimento do bebê; os cuidados posturais; os exercícios de fortalecimento do assoalho pélvico (períneo); amamentação e suas técnicas; os exercícios e os cuidados de preparação do seio e do mamilo para amamentação; as práticas de relaxamento a serem utilizadas no pré-natal e durante o trabalho de parto; as técnicas respiratórias que minimizam a dor; os posicionamentos que auxiliam a dilatação; os posicionamentos para auxiliar na saída do bebê; o papel ativo e participante da gestante durante o trabalho de parto; as rotinas de avaliação da equipe de saúde; alojamento conjunto; e a monitorização da gestante e do bebê; os cuidados com o bebê e a vacinação e triagem neonatal; planejamento familiar, prevenção das DSTs/AIDS e câncer.

3.      QUESITO COR/RAÇA NOS DOCUMENTOS E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO DO SUS – Dentre os “Compromissos do Ministério da Saúde para com  a saúde da mulher”, documento assinado pelo Ministro Humberto Costa, em 28/5/2003, uma diretriz é determinar a inclusão do quesito cor  nos sistemas de informação  e nos documentos do SUS. É necessária a sensibilização dos trabalhadores da saúde  sobre a importância da informação e capacitação para coleta e registro da informação sobre a raça/cor da população atendida. A informação sobre a raça/cor deve ser auto-referida e com base na classificação adotada pelo IBGE (preto/a, branco/a, pardo/a, indigena, amarelo/a).

4.     PRÉ NATAL – Segundo o PHPN a pressão arterial das gestantes deve ser aferida em todas as  consultas de pré-natal. Caso o valor seja igual ou superior a 140/90 mm Hg, em especial nas gestantes negras, é recomendado o acompanhamento e o encaminhamento para serviços de alto-risco. Deve-se também, atentar para os resultados de glicemia, garantindo a realização de 2 exames de rotina, conforme preconiza o PHPN, entre outras ações. É fundamental para a redução da taxa de mortalidade materna das mulheres negras que as consultas pré-natais sejam intercaladas ou simultâneas com as ações educativas do curso de preparo para o parto e o aleitamento.

5.     PROGRAMA  DE ANEMIA FALCIFORME -  A doença falciforme não é contra-indicação para a gravidez, mas mediante os riscos, a mulher portadora de doença falciforme deve ser acompanhada por serviços especializados ou conforme o que preconiza o Manual de Diagnóstico e Tratamento de Doenças Falcêmicas, do Ministério da Saúde (ANVISA, 2001). O recém-nascido deve ser submetido à triagem neonatal, atentando especialmente para a anemia falciforme, e dispor de serviço para atenção precoce  aos portadores desta hemoglobinopatia, conforme preconiza o PAF, criado em 2000 pelo Ministério da Saúde e cuja operacionalização está  a cargo dos estados e municípios.

6.      QUILOMBOLAS – Investigar se no município existem comunidades quilombolas, e incluí-las nas ações de saúde numa abordagem adequada às suas necessidades e que não esteja descolada da sua realidade sócio-cultural. Identificar, reconhecer e capacitar as parteiras tradicionais quilombolas, vinculando-as ao sistema local de saúde. Observar que a Portaria 1434/2004, do Ministério da Saúde, definiu aumentar em 50% o valor dos incentivos da ESF e Saúde Bucal nos municípios com população remanescente de quilombos.

7.      PARCERIAS – Os terreiros e outros espaços de matriz africana podem se constituir importantes possibilidades de parcerias para atividades educativas, campanhas, etc. O setor saúde precisa compreender a importância destes espaços assim como conviver, sem preconceito, com as práticas de saúde adotadas pela população negra.

 

 

 

 

Promover o parto natural e sem dor, assim como para a amamentação precoce e o alojamento conjunto são ações da enfermeira, de qualquer especialidade, em qualquer nível da atenção à saúde

 

 

 

A saúde da gestante é uma das metas do milênio


8.      ATENÇÃO HUMANIZADA AO PARTO, AO RECÉM-NATO E AO PUERPÉRIO – além da qualidade da assistência pré-natal, observável pelas ações educativas, faz-se necessário que a mulher negra gestante seja atendida em um serviço humanizado e seguro de assistência obstétrica e neonatal voltado para a promoção do parto natural e sem dor, assim como para a amamentação precoce e o alojamento conjunto, visando o fortalecimento do vínculo mãe/filho/a tão necessário a uma estrutura familiar saudável. 

O Ministério da Saúde pontua aqui algumas especificidades da população negra, no campo da saúde, com olhar especial para as mulheres negras. São apontadas algumas estratégias que poderão ser incorporadas pelos gestores estaduais e municipais, na perspectiva da equidade no Pacto Nacional de Redução da Mortalidade Materna e Neonatal.

É importante que os gestores desenvolvam ações e atividades considerando a demanda das usuárias, o sistema local de saúde e os recursos disponíveis, incluídas aí as parcerias com a sociedade civil.