Casais inférteis vivenciando a fertilização in vitro

Parejas infértiles probando la fertilización in vitro

Resumo: A infertilidade é um problema de saúde que vem acometendo pessoas na sociedade contemporânea. Esta investigação qualitativa utilizou o Interacionismo Simbólico como referencial teórico-metodológico para compreender os significados vivenciados pelas mulheres durante uma fertilização in vitro em Fortaleza-Ceará. Seis mulheres concordaram em participar deste estudo conduzido entre março/2002 e janeiro/2003. Os métodos incluíram observação participante, diário de campo e uma entrevista. A FIV foi considerada difícil pelas mulheres as quais experienciaram temor, dor física e emocional, ansiedade, e expuseram seus corpos para tentar gerar uma nova vida e satisfazer o desejo da maternidade. A experiência diária com o processo de FIV moldou os sentimentos, comportamentos e atitudes das mulheres. O suporte de enfermagem foi crucial para a habilidade da mulher de enfrentar a trajetória da FIV, especialmente durante os períodos críticos do tratamento.

Descritores: Cultura, Infertilidade, Fertilização in vitro, Enfermagem.

Resúmen: La infertilidad  es un problema de salud que ha acometido personas en la sociedad contemporánea. Esta investigación cualitativa utilizó el Interaccionismo Simbólico como referencial teórico-metodológico para comprender los significados probados por las mujeres durante una fertilización in vitro (FIV) en Fortaleza-Ceará. Seis mujeres concordaron en participar de este estudio conducido entre marzo/2002 y enero/2003. Los métodos incluyeron observación participante, diario de campo y una entrevista. La FIV fue considerada difícil por las mujeres que, a la vez, tuvieron temor, dolor físico y emocional, ansiedad, y además exhibieron sus cuerpos para intentar generar una nueva vida y satisfacer el deseo de la maternidad. La experiencia diaria con el proceso de FIV amoldó los sentimientos, comportamientos y actitudes de las mujeres. El soporte de enfermería fue crucial para la habilidad de la mujer de enfrentar la trayectoria de la FIV, especialmente durante los periodos críticos del tratamiento.

Palabras claves: Cultura, Infertilidad, Fertilización in vitro, Enfermería.

Introdução

A infertilidade sempre foi algo presente no cotidiano das diversas sociedades do mundo, pois acomete todos os tipos de pessoas, independente do continente em que vive, raça, credo, posição social, ou escolaridade. Além disso, a infertilidade é um problema de saúde que vem acometendo pessoas na sociedade contemporânea. A infertilidade data de tempos remotos como se evidencia pela leituras de textos bíblicos.

Um casal é considerado infértil quando ele falha em conceber após um ano de coito regular e sem uso de contraceptivos durante a idade reprodutiva. A infertilidade pode ser classificada em primária, quando o casal nunca concebeu, ou secundária, quando o casal atingiu a concepção uma ou mais vezes e a partir de então tornou-se infértil (1-2) .

As políticas de saúde reprodutiva no Brasil, na atual conjuntura, regulamentam normatizações relacionadas ao direito de concepção e contracepção. No entanto, o que se vê na rede básica de saúde, incluindo seu sistema de referência e contra-referência, é a ênfase no controle de natalidade, especialmente dos mais pobres, como se casais de classes menos privilegiadas, quando diante da infertilidade, não vivenciassem os mesmos conflitos daqueles que podem arcar com os altos custos dos sofisticados tratamentos de reprodução humana.

Diferentes alternativas de tratamento têm sido usadas pela moderna medicina reprodutiva para oferecer uma nova esperança aos casais inférteis. Este estudo aborda de forma particular a fertilização in vitro (FIV). A FIV é uma intervenção na qual os gametas feminino e masculino são primeiro combinados fora do corpo, em uma placa de Petri, surgindo assim um pré-embrião mantido em condições semelhantes às intra-uterinas (temperatura e pressão) até a fase de blastocisto (4º dia de fecundação) e então implantado no útero da mulher.

Em se tratando da assistência que é prestada à essa clientela verificamos um rico acervo literário no que se refere ao processo tecnicista dos procedimentos de reprodução humana e da fisiopatologia da infertilidade. No entanto, ao buscar referencial relacionado ao cuidado de enfermagem aos casais inférteis brasileiros, percebemos uma lacuna no nosso saber-fazer, tendo sido encontrado escassos registros sobre o assunto (3-6) .

Tendo em vista que os casais ao se submeterem à FIV vivenciam conflitos pessoais, sociais e conjugais em diferentes níveis de complexidade, eles necessitam de cuidados de saúde física, emocional e mental. Quanto às necessidades físicas a equipe médica de reprodução humana consegue promover uma assistência satisfatória. No entanto, essa mesma equipe não abrange as demais necessidades dos clientes. Existem diferentes estratégias que podem ser utilizadas para promover o cuidado no âmbito emocional e mental(7). Daí a relevância de estabelecer estratégias de cuidado que atendam às necessidades da clientela de forma personalizada.

            Logo, o objetivo deste estudo foi compreender os significados vivenciados pelas mulheres durante o processo de FIV para que se possa conhecer suas reais necessidades.

 Metodologia

            Trata-se de um estudo qualitativo fundamentado no Interacionismo Simbólico (8) . Esta perspectiva teórica conceitua o indivíduo como ator e reator do mundo empírico no qual está inserido, influenciando e sendo influenciado por uma interação social dentro do contexto da sociedade. As premissas do interacionismo simbólico foram adaptadas para este estudo e aqui se apresentam da seguinte forma: 1. A mulher atua em relação à fertilização in vitro baseada nos significados que este processo tem para ela; 2. Os significados da fertilização in vitro são derivados ou surgem a partir da interação social que a mulher estabelece com sua rede social, e 3. Estes significados são manipulados e modificados através de um processo interpretativo usado pela mulher no enfrentamento da fertilização in vitro.

Este estudo foi conduzido em um centro de medicina reprodutiva de Fortaleza, Ceará, entre março/2002 e janeiro/2003. O comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal do Ceará aprovou o estudo. As informantes chave foram as mulheres que decidiram submeter-se à FIV no referido centro. Na maioria das vezes as informantes estavam acompanhadas de seus parceiros, contudo eles se recusaram a participar diretamente do estudo, sendo portanto considerados coadjuvantes em nossa investigação.

Das 12 mulheres que estavam se submetendo à FIV no período do estudo, quatro mulheres recusaram participar e duas foram excluídas devido a interrupção do tratamento. Sendo assim, seis mulheres concordaram e assinaram o termo de consentimento de acordo com as exigências ético-legais da Resolução 196/96 (9) . Como forma de resguardar seu direito ao anonimato protegemos as identidades das informantes codificando os dados com nomes fictícios.

Para a coleta de dados incluimos a observação participante na clínica de reprodução humana durante todo o tratamento (aproximadamente dois meses). Estes momentos de observação e interação com cada uma das mulheres foram registrados em diário de campo. Durante o primeiro contato com cada mulher, além do convite para participar do estudo, leitura e assinatura do termo de consentimento, a pesquisadora solicitou que a participante registrasse suas impressões, sentimentos e dúvidas relacionadas ao tratamento em um diário.

Ao final do tratamento as informantes foram entrevistadas privativamente em suas residências partindo da seguinte questão norteadora: “Como está sendo vivenciar o processo de fertilização in vitro? As entrevistas foram gravadas com a anuência das participantes e variaram de uma hora a uma hora e meia, sendo posteriormente transcritas pela pesquisadora. Os diários redigidos pelas informantes foram devolvidos à pesquisadora no dia da entrevista.

Para a análise dos resultados, os achados foram lidos e comparados linha por linha, sentença por sentença como recomendado pela Análise Temática (10) e então agrupados em temas e categorias. Assim, os temas foram empiricamente derivados dos dados.

Resultados

As informantes deste estudo tinham entre 28 e 38 anos idades, cuja escolaridade variou de ensino médio (2), graduação (3) e mestrado (1). A maioria delas (5) é de classe média, inseridas no mercado de trabalho, contribuindo portanto para a manutenção do sustento da família. Somente uma das mulheres estava incluída na classe social alta e não trabalhava. Quanto às causas da infertilidade estiveram presentes a endometriose severa (2), oligospermia (2), vasectomia prévia (1) e idiopática (1). O tempo dispendido no processo de busca do filho desejado variou de um a sete anos. Durante este período os casais se submeteram a diversos tratamentos clínicos menos invasivos, tais como estimulação hormonal e inseminação artificial, antes de submeter-se à FIV, contudo não obtiveram sucesso nesses tratamentos. Uma cliente havia se submetido a outras duas FIVs sem êxito. Ao decidir pela FIV cinco mulheres necessitaram de apoio financeiro adicional para arcar com os altos custos do tratamento. Para tanto, utilizaram diversas estratégias, desde o uso de economias feitas ao longo de um período de tempo até empréstimo bancário.

Durante a FIV as informantes e seus parceiros enfrentaram uma série de diferentes desafios sociais, psicológicos e financeiros, algumas vezes houve um misto de ansiedade, desesperança e dor. Cada momento do tratamento foi caracterizado por diferentes significados, repercutindo tanto no aspecto físico como comportamental, auto-estima e no desejo da maternidade. Cada etapa do tratamento passou a ser uma descoberta única, sendo vivenciada de modo particular, gerando ações, interações e reações ao longo do tratamento.

Estimulação hormonal e monitoração folicular

Os casais vivenciaram a FIV em uma clínica de reprodução humana exigindo uma constante interação com a equipe de reprodução, com a equipe do laboratório onde as clientes realizavam seus exames e com a pesquisadora. Tais processos interativos propiciaram um vivenciar único de cada casal. Além disso, essas interações ocorreram de tal forma que levou, algumas vezes, à ausência de pessoas significativas durante o tratamento, quando o casal decidiu manter o tratamento em sigilo de sua família e amigos.

Durante essa primeira fase as mulheres relataram desconforto físico e mental devido as aplicações diárias de medicação intramuscular e subcutânea, bem como pelas ultrassonografias transvaginais (US-T) e dosagem dos níveis séricos hormonais a cada dois dias. Todas as mulheres concordaram que esta fase do tratamento foi a mais dolorosa, como pode ser verificado pelo seguinte relato:  

Porque em nenhum momento foi bom. Tomar aquelas injeções que me doíam até a morte, até o solado dos pés, a dor subia e descia e eu ficava gelada. É uma agressão. Você é agredida quando toma aquelas injeções. Todo o processo é doloroso, dor física mesmo. As injeções foram todas muito dolorosas, as US-T foram horríveis. Tiveram as últimas que os ovários estavam mais inchados doeram demais. Teve um dia que eu estava para não agüentar mais. (Isabel)

Além da dor física provocada pelas injeções, as respostas individuais aos efeitos dos hormônios foram difíceis de enfrentar. Em geral, ocorreram instabilidade emocional e reações físicas (dor pélvica) especialmente quando os ovócitos começaram a se acumular dentro dos ovários (uma exigência do tratamento, para que a aspiração folicular possa ser realizada no momento adequado). Outro fator presente foram as reações adversas dos medicamentos (Citrato de Clomifeno ® e Gonadotrofina Coriônica Humana ®) ocasionando desconforto mamário, cefaléia, depressão, náusea, edema, êmese, fadiga, irritabilidade e desconforto emocional, corroborando com os efeitos já descritos na literatura (11) .

Eu descobri que é um negócio que mexe muito com o meu emocional, não sei se é a quantidade de hormônio todo dia, é quase uma overdose, e aí a gente fica muito sensível. (Rute)

O medicamento deixa a gente nervosa. Tinha dias que eu estava tão emotiva que eu começava a chorar (...) Tinha dias que eu estava desesperada (...) Então não foi uma coisa tão fácil que eu possa sair dessa sem futuramente me queixar de um trauma. Porque realmente vai deixar alguma coisa, vai deixar algum trauma porque foi um momento muito difícil. (Raquel)

Nesta fase do tratamento as mulheres freqüentemente exigiam uma assistência mais personalizada como forma de apoiá-las a continuar o tratamento e tentar reduzir o desconforto e a fragilidade emocional. A equipe foi imprescindível para o comportamento do casal, tendo em vista que os casais passaram a exigir de seus membros, mesmo que de forma sutil, o apoio que não estavam tendo da família e dos amigos. No entanto, a equipe de reprodução humana não conseguia abranger o cuidado biomédico, emocional, social e psicológico que os casais necessitavam, de forma que, algumas mulheres buscaram terapias alternativas para atingir seus objetivos, tais como: massagem, reiki, homeopatia e psicanálise.

Expectativa grande, processo desgastante, emocional atacado, tudo isso enfrentei nesse tempo. Procurei até terapias alternativas para dominar minha ansiedade, como massagem e Reiki. (Ana)

Levei o que estava acontecendo para a minha psicanalista, onde fizemos vários questionamentos a respeito do processo, elogiei a equipe que está me acompanhando e detalhes técnicos que são de meu conhecimento, sinto-me satisfeita e normalmente ansiosa. (Sara)

Contudo, algumas mulheres tais como, Rebeca e Rute seguiram o tratamento sem qualquer assistência complementar. No entanto, seus parceiros foram considerados demasiadamente importantes para que as mulheres seguissem o tratamento até o fim unindo esforços para transpor os problemas vivenciados por elas.

Destarte, a primeira etapa do tratamento foi considerada pelas mulheres como a mais dolorosa, sendo necessária bastante determinação para prosseguir no tratamento, apesar das diversas manipulações do corpo feminino durante a realização das injeções intramusculares e subcutâneas, coletas de sangue e ultrassonografias transvaginais durante o ciclo de FIV.

Todas as clientes consideraram o estímulo e monitorização folicular uma agressão corporal. No entanto, a mulher se expõe, se entrega aos cuidados dos profissionais porque seu principal objetivo é o filho, para que possa realizar seu sonho de ser mãe, de conceder um filho ao seu esposo, de se redescobrir como mulher.

A mulher se submete à FIV porque ter um filho é importante para ela, é seu maior sonho, é a mola propulsora para que a mulher avance em cada etapa do processo superando as dores, os desconfortos, os medos, as angústias, as ansiedades e tudo mais que lhe foi apresentado durante os procedimentos médicos e de enfermagem em favor de ter seu filho querido.

Durante a vivência dessa primeira etapa do tratamento emergiu como principal significado – ser um processo doloroso e agressivo em decorrência da manipulação do corpo feminino – exigindo total desprendimento e dedicação por parte da mulher para se chegar até o fim.

A evolução desta etapa do tratamento revela à mulher que seu corpo não é de todo infértil, sendo capaz de produzir folículos de tamanho e maturidade ideais para se continuar tentando, para seguir seu caminhar de busca, que em breve poderia estar acolhendo o filho em seu ventre.

 Aspiração ou punção folicular

Com a evolução dos folículos ovarianos, as mulheres se submeteram à segunda etapa do tratamento, a punção folicular, e isto significou a vitória do corpo feminino que produziu os folículos necessários para dar vida ao seu filho. Por outro lado, a ansiedade aumentou, porque doravante, os dois gametas, feminino e masculino, se ‘encontrariam’ no laboratório e gerariam a vida do filho tão desejado. Nesta segunda fase, as mulheres foram novamente desafiadas com novas expectativas, ansiedade e insônia.

Hoje é o décimo dia da indução e a proximidade de fazer a punção está me dando calafrios, sinto um resfriamento no coração, uma aflição, acho que isso é medo mesmo. (...) Continuo muito tensa. Sinto-me trêmula, como se estivesse com a pressão baixa. Quanto mais se aproxima o momento de realizar a punção mais aflita eu fico. (Isabel)

A punção folicular foi bastante desafiadora para as mulheres por diversas razões: 1. O casal, desde a primeira consulta, tem conhecimento de que a punção folicular é um procedimento que envolve riscos devido ao uso de agulhas especiais para aspirar os folículos que podem, ao serem incorretamente manipuladas, acarretar perfuração de orgãos; 2. Medo da anestesia; 3. Temor e expectativa quanto as taxas de sucesso. As mulheres se preocupavam com quantos folículos de boa qualidade seriam obtidos ao final do procedimento.

A despeito do medo, a aspiração folicular oferecia também o surgimento de uma nova esperança. Através desse processo, as mulheres entenderam que elas estariam aptas a conceber um filho através da FIV. Após uma fase dolorosa (estimulação e monitoração folicular), as mulheres começaram a sentir seus corpos não como um instrumento estéril, mas como uma fértil fonte de vida, ao perceber que o mesmo corpo que gerou os folículos estaria apto a gerar uma criança em seu ventre.

Algumas mulheres disseram que a presença física e o apoio emocional da enfermeira pesquisadora as ajudou a enfrentar os momentos mais difíceis do tratamento:

Passei mais de uma hora esperando. Graças a Deus que a enfermeira passou a maior parte do tempo comigo. Foi uma força e tanto. (…) A minha expectativa grande era assim: eu nunca tinha levado uma peridural, tinha o maior medo da agulhona da anestesia. É tanto que depois da punção, eu fiquei super calma. (Ana)

Após a punção, resta algum desconforto físico em decorrência dos efeitos da anestesia e o manuseio do procedimento, contudo raramente as mulheres solicitaram qualquer tipo de intervenção medicamentosa (analgésicos).

Algumas mulheres tentaram discutir com a pesquisadora sobre o número de folículos que comumente eram coletados em procedimentos dessa natureza, de forma a fazer comparações com outras pacientes, avaliando assim suas próprias chances de concepção o que gerou uma grande expectativa e ansiedade em relação ao número de embriões a serem gerados. Em relação aos pré-embriões, os médicos de cada uma das participantes tentaram mantê-las informadas sobre o progresso do protocolo laboratorial para minimizar as expectativas e a ansiedade. Este momento foi muito significativo para as mulheres.

Dr. A falou que haviam sido fertilizados cinco embriões e que esses embriões são de boa qualidade... Senti na hora uma emoção super forte... não sei nem explicar (...) Estou confiante. (Ana)

No Brasil, a regulamentação do Conselho Federal de Medicina permite a transferência de até quatro embriões para o útero materno (12) . Para a decisão de quantos embriões transferir, vários fatores devem ser considerados, incluindo: a qualidade dos embriões, a idade da mulher e seu status de saúde.

Todas as mulheres tinham o conhecimento de que caso houvessem embriões extras eles seriam congelados (criopreservados) em nitrogênio líquido para um posterior ciclo de tratamento. Contudo, Isabel não aceitava bem a idéia de ter seus ‘filhos congelados’ em um laboratório. Assim, ela decidiu acender uma vela com quatro laços dourados representando o número máximo de bebês que ela poderia receber em seu ventre e começou a rezar até o final da transferência, quando ela receberia os pré-embriões em seu útero.

Fiquei rezando, pegando na fita e dizendo: “Olha eu estou chamando nossos nenês à vida”. Do período da punção até a transferência embrionária eu deixei acesa. A gente tem todo esse simbolismo. Eu acredito muito em Deus, se eu não investir nisso minha fé não existe. (Isabel)

 

Transferência embrionária

Entre três e cinco dias após a punção folicular as mulheres estavam prontas para a transferência embrionária. Este momento foi relevante para as mesmas pois desse ponto em diante elas poderiam se considerar grávidas significando que o bebê é uma realidade no útero materno.

Hoje novamente é um grande dia, espero que tudo corra bem. A transferência será às 13 horas e estou ansiosa para que chegue logo. Espero que tudo dê certo. (Isabel)

Hoje é o grande dia, acordei bem, estou ansiosa em saber como andam os nossos embriões, peço a Deus que tudo corra bem. (Sara)

Após a transferência embrionária as informantes expressaram sentimentos de esperança e alívio. Elas tinham passado por experiências dolorosas, contudo a partir deste momento seus esforços resultaram em uma renovada esperança para o sucesso do tratamento. Ao final do dia, elas finalmente acreditavam na possibilidade real de uma gravidez saudável. Suas faces felizes expressavam que elas e seus parceiros celebravam com muito mais força e esperança o sonho de uma nova vida.

Como a partir da transferência embrionária o processo deixou de ser artificial para ser natural, e ninguém mais tinha pleno controle sobre o mesmo, os casais intensificaram sua interação com a fé (objeto abstrato), rogando a ajuda divina para que seu filho se tornasse real, que o tratamento tivesse sucesso, que finalmente sua última chance se concretizasse.

Expectativa do diagnóstico

A rotina do centro de reprodução humana onde o estudo foi conduzido, recomenda repouso absoluto após a transferência embrionária até o dia em que a mulher for realizar o exame de gravidez para evitar qualquer tipo de risco de perder esse filho precioso. Manter-se em repouso foi, em geral, uma fase muito difícil para as mulheres por diversos motivos: 1. A partir de agora, ninguém poderia interferir no processo, nem ela, nem o parceiro, nem os médicos. É a natureza quem definirá a gravidez, surgindo uma sensação de impotência; 2. Por serem mulheres ativas, independentes e inseridas no mercado de trabalho ficar duas semanas em casa, sem ao menos estarem doentes gerou oscilação do humor, impaciência e ansiedade; 3. Como não há garantias de que ficando em repouso o seu filho estará resguardado as mulheres precisaram conviver com a incerteza. Saber das possibilidades do método, fez surgir a sensação de estar descansando para nada, apenas perdendo tempo, como se pode evidenciar pelo seguinte relato:

Por exemplo eu estou aqui, não estou sentindo nada, fisicamente bem, posso andar, fazer minhas atividades e no entanto eu estou aqui perdendo tempo, você entende quando eu digo perdendo tempo, porque eu posso estar descansando do nada. Não estou sentindo nada especial apenas impaciência e preocupação com o resultado, acho a gravidez tão distante de mim, procuro confiar e acreditar, mas tem momentos que bate aquele medo de estar acreditando em nada. (Sara)

Durante esse processo, todas as mulheres relataram sentimentos de ansiedade, dor e esperança. Contudo, ao interagir com a pesquisadora elas se sentiram confortadas e expressaram sentimento de confiança no cuidado de enfermagem.

Não posso deixar de ressaltar a grande força que recebi da enfermeira, por estar sempre presente, que para mim que sou muito ansiosa é muito significante. Quantas vezes cheguei no hospital tensa e fiquei calma. Essa relação humana é de grande valia. (Ana)

Esta experiência com a assistência de enfermagem ao longo da FIV foi muito importante para estabelecer uma relação de confiança entre a pesquisadora e as informantes. Estas mulheres tiveram a oportunidade de compartilhar sua fragilidade, sua dor em momentos críticos do tratamento quando o apoio emocional e psicológico foram extremamente úteis para manter o foco no seu objetivo primordial que era ter um filho. Como enfermeira, a pesquisadora esteve apta a explicar os aspectos técnicos do tratamento enquanto avaliava todo o processo na perspectiva da mulher, indo além dos aspectos biológicos e técnicos da FIV.

             Durante o tratamento, as informantes entenderam que seu sonho poderia ou não tornar-se realidade. Novos sentimentos foram surgindo a cada fase do tratamento. Em alguns momentos estes comportamentos foram contraditórios. Os significados emergiram e foram interpretados por cada mulher de acordo com suas experiências anteriores, nível de confiança no tratamento e em suas redes sociais de apoio. No decorrer do tratamento seus parceiros, alguns membros da família e amigos mais íntimos foram cruciais para se continuar até o fim.

Ao final do tratamento, a pesquisadora teve a oportunidade de compartilhar a alegria da gravidez de Rebeca, Sara, Raquel, Isabel e Ana. Rebeca e Raquel tiveram seus esforços especialmente recompensados pois estavam grávidas de gêmeos. Somente Rute não atingiu o objetivo da gravidez, contudo ela decidiu superar seu desapontamento dedicando-se ao seu filho adotivo e adotando uma nova criança.

Dessa forma as mulheres construíram dois significados nessa última fase: a realização de um sonho e ser mãe através da adoção de uma criança. Inicialmente tais significados podem parecer contraditórios pois a busca do filho biológico dá lugar à adoção. Contudo, o fim último de exercer a maternagem se sobressai fazendo com que a mulher continue a buscar o filho desejado.

Discussão e implicação para a prática de enfermagem

Este estudo focalizou as experiências de mulheres durante a FIV. A partir da perspectiva do Interacionismo Simbólico consideramos o processo interpretativo estabelecido pelas mulheres no seu contexto social durante a FIV. Os dados revelaram diferentes significados em cada fase do tratamento. Além disso, durante o tratamento as mulheres realizaram comparações entre suas situações e de outras pacientes. Alguns autores postulam que ao fazer comparações sociais as mulheres buscam uma auto-avaliação e uma auto-valorização (13) . Ao fazer comparações entre si mesmas e outras mulheres férteis e inférteis, as mulheres buscam alívio psicológico quanto a sua própria condição, reconstituir sua auto-estima e reduzir a distância entre o que elas sentem atualmente e o que elas acham que as mulheres mais férteis sentiriam (14) .

Outros significados e símbolos foram reportados. Por exemplo, quando Isabel usa a simbologia da vela ornamentada com os laços dourados e intercede a Deus pelos filhos está exercendo uma interação simbólica que envolve objetos físicos (vela e laços) e objetos abstratos (a fé). A vela acesa significa energia, calor e luz, em síntese significa vida. O amarelo é considerado uma cor quente, de alto valor estimulativo e representa poder e liderança (15) . Especialmente o amarelo dourado representa o ouro, o metal mais precioso e anti-corrosivo que existe, simbolizando o valor inestimável de ter filhos.

A interação entre a pesquisadora e as informantes enfatizou a importância de uma abordagem multiprofissional durante todo o processo da FIV para promover uma assistência mais holística que vá além do protocolo biológico e tecnicista. Os enfermeiros passam a incorporar novas dimensões de cuidado humano quando enfrentam novas situações na sua prática assistencial, especialmente em áreas de mudanças rápidas e dinâmicas tais como a gineco-obstetrícia e a saúde da família. Historicamente, a família tem sido considerada o contexto para se moldar o caráter e a personalidade do indivíduo. Portanto, ao abordar a família dos clientes a partir de uma perspectiva holística, os enfermeiros podem avaliar se a família está atuando como um recurso terapêutico ou um estressor.

Destarte, ao considerarmos o casal infértil como uma unidade familiar que deseja extender sua rede social através da criança, acreditamos que este dinâmico grupo social tem uma necessidade especial de assistência de enfermagem. Numerosos estudos têm documentado a importância do cuidado de enfermagem para casais inférteis (16-21) .  Contudo, dentro do contexto do Brasil, especialmente no Nordeste, a medicina reprodutiva é ainda uma recente intervenção tecnológica (em média 6 anos de surgimento). Portanto, é relevante que se possa incorporar novos avanços no cuidado desenvolvido pelos enfermeiros brasileiros objetivando oferecer aos casais inférteis uma abordagem multidisciplinar de cuidado. Isto é verdadeiramente imperativo no Brasil, já que a maioria das clínicas não inclui o enfermeiro como parte da equipe de reprodução humana.

Por outro lado, a escassez de publicações nas revistas de enfermagem do Brasil sobre o papel do enfermeiro na assistência a essa clientela é outro fator que contribui para o desconhecimento dos enfermeiros sobre as necessidades destes clientes, bem como de seu papel enquanto membro de uma equipe de reprodução humana.

Em suma, acredita-se que a enfermagem possa abordar o mundo do casal infértil de forma mais humana, oferecendo um cuidado holístico, não somente do indivíduo isoladamente mas também de sua família que vivencia esse contexto dinâmico. Com este estudo espera-se que outros enfermeiros que estejam enfrentando os mesmos desafios possam aprender com os significados revelados através do processo de interpretação da FIV, pois humanismo, holismo e cuidado estão intrínsecos na enfermagem de todos os países e culturas.    

  Referências

   1    DeCherney A. Work-up of the infertile couple. In: Stovall TG, Ling FW, editors. Gynecology for the primary care physician. Philadelphia (PA): Current Medicine; 1999. p. 156-164.

    2   Ostrzenski A. Infertility. In: Ostrzenski A, editor. Gynecology: integrating conventional, complementary and natural alternative therapy. Philadelphia (PA): Lippincott Williams & Wilkins; 2002. p. 129-151.

    3   Centa ML. Vislumbrando uma aproximação entre o processo de trabalho em enfermagem e  o cuidado ao casal estéril. Cogitare Enferm 1997; 2(2):91-94.

    4   Centa ML. Do natural ao artificial: a trajetória do de um casal infértil. Curitiba (PR): Ed do Autor; 2001.

    5   Muramatsu CH, Capelossi PF, Gouvea MB, Merighi MA, Sanchez IM. Married couples' experiences at a human reproduction center. Rev Esc Enferm USP 1997; 31(2):274-286.

    6   Oriá MOB, Ximenes LB. Casais inférteis diante da fertilização in vitro: o significado de vivenciar essa decisão. Acta Paul Enferm 2004; 17(3):278-285.

7   Tavares CMM, Branchat MA, Conceição S, Silva B, Knust R. Therapeutical activities as technologies of caring in  mental health. Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN -ISSN 1676-4285) 1 (2) 2002 [Online]. Available at: www.uff.br/nepae/objn102tavaresetal.htm 

8   Blumer H. Symbolic interactionism: perspective and method.  Englewood Cliffs (NJ): Prentice-Hall; 1969.

    9   Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 196, de 10 de outubro de 1996. Dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Bioética 1996; 4(2 Supl): 15-25.

   10 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PT): Edições 70; 1977.

   11  Karch A. 2003 Lippincott's nursing drug guide. Philadelphia (PA): Lippincott Williams & Wilkins; 2002.

   12 Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1358/92, de 11 de novembro de 1992. Dispõe sobre as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida. Disponível em: <http://www.cfm.org.br/ResolNormat/numerico/1358_1992.htm> acesso em 06 abr 2002.

   13  Suls J, Miller R. Social comparison processes: Theoretical and empirical perspectives. Washington (DC): Hemisphere; 1977.

   14   Sandelowski M. Without child: the world of infertile women. Health Care Women Int 1988; 9(3):147-161.

   15   Gonçalves A, Perpétuo S. Dinâmicas de grupos - na formação de lideranças. 2ª ed. Rio de Janeiro (RJ): DP&A; 1998.

   16  Allan H. A 'good enough' nurse: supporting patients in a fertility unit. Nurs Inq 2001; 8(1):51-60.

   17  Barber D. The extended role of the nurse: practical realities. Hum Fertil (Camb ) 2002; 5(1):13-16.

   18  Devine KS. Caring for the infertile woman. MCN Am J Matern Child Nurs 2003; 28(2):100-105.

   19 Muirhead MA. Nursing care in an assisted conception unit. In: Brindsen PRC, editor. A textbook of in vitro fertilization and assisted reproduction: the bourn hall guide to clinical and laboratory practice. New York (NY): Parthenon; 1999. p. 391-400.

   20   Schoener CJ, Krysa LW. The comfort and discomfort of infertility. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs 1996; 25(2):167-172.

   21  Shu-Hsin L. Effects of using a nursing crisis intervention program on psychosocial responses and coping strategies of infertile women during in vitro fertilization. J Nurs Res 2003; 11(3):197-208.

 Nota das autoras:

Recorte de Dissertação de Mestrado em Enfermagem intitulada: “O Casal Infértil em Busca do Filho Desejado: Uma Abordagem Interacionista na Perspectiva da Mulher”, apresentada ao Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (2003). Estudo realizado com apoio da FUNCAP.