NOTIFICAÇÃO DE ACIDENTES DO TRABALHO COM EXPOSIÇÃO A MATERIAL BIOLÓGICO: ESTUDO TRANSVERSAL

 

Marília Duarte Valim1, Maria Helena Paluuci Marziale2

1,2 Universidade de São Paulo.

 

 

RESUMO

Objetivo: Identificar ocorrência e características dos acidentes do trabalho registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) direcionadas ao Centro Regional de Saúde do Trabalhador (CEREST) de uma cidade do interior de São Paulo, Brasil. Método: Estudo descritivo, transversal, quantitativo, constituído pelas fichas de AT direcionadas ao CEREST, 2010. Resultados: 52 AT; dos quais 34,5% eram passíveis de prevenção. Do total, 61,5% envolveu trabalhadores de enfermagem, 15,4% estudantes de enfermagem e 15,4% profissionais da limpeza. Em 23,1% a fonte era desconhecida e 5,8% a fonte positiva para HIV. A quimioprofilaxia foi prescrita a 34,6% dos acidentados. Não se registrou conversão sorológica, porém 3,5% abandonaram o tratamento e 25,9% não preencheram a evolução. Conclusão: A inadequação do uso da ferramenta de registro de AT dificulta a adoção de estratégias preventivas, revelando necessidade de treinamento dos trabalhadores e responsáveis pelos registros.

Palavras-chaves: Acidente Ocupacional; Exposição a Agente Biológicos; Enfermagem.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Acidente do trabalho (AT) é definido como o ocorrido pelo exercício do trabalho a serviço de uma empresa, que provoque lesão corporal ou perturbação funcional que cause morte, perda ou redução da capacidade para o trabalho, podendo ser temporária ou permanente. Ressalta ainda que o AT independe de inserção do trabalhador no mercado de trabalho. Consideram-se ainda acidente de trabalho a doença profissional e doença do trabalho (1).

Dentre os riscos ocupacionais, o risco biológico é um tema muito discutido nas últimas décadas e merece atenção devido aos sérios problemas que causam, não apenas ao indivíduo exposto ao risco, mas para a família, a comunidade e o Estado. A exposição ocupacional aos riscos biológicos pode levar o trabalhador exposto a graves problemas de saúde e até mesmo à morte, sendo os mais preocupantes aqueles envolvendo exposição aos vírus HBV, HCV e HIV (2).

A Portaria Nº 777/GM do MS (3), dispõe sobre os procedimentos técnicos para a notificação compulsória de agravos à saúde do trabalhador, o que perfaz um total de 11 agravos, dentre os quais está regulamentado a notificação dos AT com exposição a material biológico. A regulamentação da notificação destes agravos deve ser efetuada em ficha própria, padronizada pelo Ministério da Saúde, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e em redes sentinelas específicas, a exemplo dos Centros Regionais de Saúde do Trabalhador (CEREST).

Segundo o Ministério da Saúde, 2007(4), o uso sistemático do SINAN NET, de forma descentralizada, visa a contribuir para a democratização da informação relacionada aos agravos em saúde, o que permite que os profissionais da saúde tenham acesso às informações, de forma a torná-las disponíveis à comunidade. Assim, o SINAN NET se enquadra como um instrumento relevante para auxiliar no planejamento da saúde, a fim de definir prioridades em intervenções e avaliar o impacto destas.

No ano de 2007, o Centres for Disease Control and Prevention(5) publicou um guia de orientação atualizado referente às precauções de segurança direcionadas à equipe de saúde, denominadas Precauções-padrão (PP). As PP incluem um grupo de práticas para prevenção de infecções que são aplicadas a todos os pacientes, independentemente do status de infecção confirmado ou suspeito, em quaisquer instituições de assistência à saúde. Elas incluem: higienização das mãos; o uso dos equipamentos de proteção individual (EPI) como: luvas, aventais impermeáveis, máscaras, proteção para os olhos; práticas seguras de trabalho, a fim de prevenir a contaminação dos profissionais a agentes biológicos potencialmente contaminados, incluso a manipulação correta de perfurocortantes, vigilância em saúde direcionada à vacinação dos profissionais e pacientes, entre outras práticas seguras de saúde.

No Brasil, a partir de 2005 foi aprovada a Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde - NR 32(6), que tem por finalidade estabelecer diretrizes de forma a implementar medidas de proteção e segurança à saúde dos trabalhadores lotados em instituições de saúde, bem como dos trabalhadores que exercem atividades de promoção e assistência à saúde em geral.

Segundo esta NR, fica previsto que: toda instituição de saúde deve contemplar o fornecimento dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) aos trabalhadores, a avaliação e o reconhecimento dos agravos a que os trabalhadores estão expostos, a localização das áreas de risco, a vigilância médica dos trabalhadores potencialmente expostos, bem como o estabelecimento do programa de vacinação das doenças imunopreviníveis, como a Hepatite B.

O Centres for Disease Control and prevention (7),revela que 143 novos casos de infecção pelo HIV foram reportados entre trabalhadores da saúde nos EUA, os quais não relataram outros fatores de risco associados à exposição ao HIV entre 1981 a 2006, e cujos relatos foram de histórico de exposição ocupacional à sangue, outros fluídos corpóreos ou material de laboratório contaminado pelo vírus, porém a soroconversão após a exposição não foi documentada. Ademais, outros 57 trabalhadores de saúde apresentaram soroconversão ao HIV nos EUA após exposição ocupacional, sendo que 26 apresentaram a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.

Portanto, o número de trabalhadores que adquiriram esta infecção de forma ocupacional é desconhecido e cabe ressaltar que, segundo a fonte, devido à natureza voluntária do sistema de notificação, há provavelmente casos de subnotificação, e o número relativamente baixo de casos de soroconversão documentados e possíveis, pode não refletir a realidade do número de casos reais de acidentados.

Estudo realizado neste mesmo município do interior de São Paulo com consultas ao SINAN NET dos AT com material biológico no biênio 2008-2009 revelou a possibilidade de subnotificação por parte dos estabelecimentos de saúde, tendo em comparação o número de profissionais expostos em cada instituição e o total de acidentados (8).

Diante do exposto, a análise epidemiológica das informações dos AT com material biológico notificadas no CEREST por meio do SINAN pode fornecer subsídios para o planejamento e aplicação de intervenções direcionadas a prevenção e controle desses agravos, bem como na investigação de possível subnotificação dos dados.

 

OBJETIVOS

 

Identificar a ocorrência e as características dos acidentes do trabalho com exposição a material biológico ocorridos entre trabalhadores de instituições de saúde vinculadas a um Centro de Referência Regional de Saúde do Trabalhador.

 

MÉTODOS

 

Estudo descritivo, de corte transversal e com abordagem quantitativa dos dados. A população de estudo foi composta pelas fichas de notificação do Sistema de Agravos de Notificação (SINAN-NET) relativas aos AT com exposição ocupacional a material biológico, no ano de 2010, envolvendo profissionais lotados em instituições de saúde de São João da Boa Vista - Brasil que sofreram AT e os direcionaram ao Centro de Referência Regional de Saúde do Trabalhador

Os dados foram coletados no período de janeiro a dezembro de 2010 relativos às seguintes unidades de saúde:

§     Unidade A: Um Hospital filantrópico de 224 leitos.

§     Unidade B: Instituições vinculadas a Prefeitura Municipal (oito Unidades Básicas de Saúde (UBS), cinco Programas de Saúde da Família - PSF, um Ambulatório de Atenção Especializada (SAE), dois Laboratórios de Análises Clínicas (LAC) e um Pronto Socorro (PS).

§     Unidade C: Um Hospital particular vinculado a Cooperativa.

§     Unidade D: Escola formadora de profissional técnico de enfermagem.

§     Unidade E: Instituição Superior de Ensino, formadora de enfermeiros.

§     Unidade F: Instituição particular especializada em doenças renais.

 

As características dos AT registrados foram obtidas por meios das seguintes variáveis presentes na ficha padronizada do SINAN para a notificação de AT com material biológico: categoria profissional; tipo de exposição; material orgânico envolvido; circunstância do acidente; agente causal; uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) no momento do acidente; situação vacinal do trabalhador com relação a Hepatite B e condutas pós exposição ocupacional.

Ademais, foram calculados os coeficientes de riscos (CR) para cada categoria profissional exposta ao risco de acidente de trabalho com material biológico, sendo este o resultado do total de acidentados de cada instituição pelo total de trabalhadores expostos.

As informações foram coletadas por uma das autoras da investigação e registradas e codificadas em planilha eletrônica, em forma de banco de dados Excel for Windows, transferidas e analisadas pelo programa Epi-Info versão 3.5.1.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP, conforme Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde9. Para a realização do estudo, foi solicitada a autorização à coordenadoria do CEREST de São João da Boa Vista. O projeto foi autorizado sob protocolo 1128/2010.

 

RESULTADOS

 

Durante o período investigado foram registrados 52 AT entre trabalhadores das Instituições apresentadas na Tabela 1.

 

Tabela 1 – Caracterização dos trabalhadores vítimas de acidente do trabalho com exposição a material biológico segundo as variáveis: idade, categoria profissional e instituições de saúde. São João da Boa Vista - Brasil, 2010

Variáveis

2010 (n= 52)

N

%

Idade (anos)

 

 

19 | 30

14,0

26,9

30 | 40

20,0

38,5

40 |50

11,0

21,1

 ≥ 50

6,0

11,5

Sexo

 

 

Feminino

45,0

86,5

Masculino

7,0

13,5

Categoria Profissional

 

 

Auxiliar de Enfermagem

20,0

38,5

Técnico de Enfermagem

6,0

11,5

Enfermeiro

6,0

11,5

Trabalhador da limpeza

4,0

7,7

Estudante de Enfermagem

4,0

7,7

Outros

12,0

23,1

Instituição de Saúde

 

 

Santa Casa de Misericórdia

13,0

25,0

Prefeitura Municipal

14,0

26,9

Hospital Particular Cooperado

9,0

17,3

Escola técnica de enfermagem

3,0

5,9

Instituição Superior de Ensino

2,0

3,8

Instituição particular de doenças renais

2,0

3,8

Outras Instituições

9,0

17,3

 

O sangue foi o material envolvido em 76% das exposições e fluídos com sangue, líquido pleural e líquor estiveram presentes em 6,0% das exposições. Em 12% das exposições foram relatados outros materiais não especificados.

Com relação ao tipo de exposição sofrida, o acidente com exposição percutânea foi responsável por 78,8% das exposições e foram relatados apenas 5 casos de exposição mucosa. Quanto à exposição cutânea, a exposição de pele íntegra foi de 30,8% e 3,8% casos de exposição à pele não íntegra. Ressalta-se que em alguns AT houve mais de um tipo de exposição.

A agulha com lúmen foi responsável por 63,5% das exposições; as sem lúmen, por 9,6% dos acidentes. Os vidros, as lancetas e lâminas somaram 7,6% e 17,3% das notificações indicaram outros materiais cortantes.

 

Tabela 2 – Distribuição dos acidentes do trabalho segundo as circunstâncias causadoras dos acidentes ocorridos em instituições de saúde. São João da Boa Vista - Brasil, 2010

Variáveis

2010 (n=45)

N

%

Circunstâncias do Acidente

 

 

Administração de medicação Endovenosa

2

3,8

Administração de medicação Intramuscular

4

7,8

Administração de medicação Subcutânea

3

5,8

Administração de medicação Intra-dérmica

0

0

Punção venosa/arterial para coleta sangue

3

5,8

Punção venosa/arterial não especificada

1

1,9

Descarte perfurocortante em saco de lixo

5

9,6

Descarte perfurocortante em outros locais

2

3,8

Lavanderia

0

0

Lavagem de Material

1

1,9

Manipulação de caixa com perfurocortante

9

17,3

Procedimento cirúrgico

4

7,8

Procedimento odontológico

0

0

Procedimento laboratorial

1

1,9

Dextro

2

3,8

Reencape

2

3,8

Outros

13

25

Ignorado

0

0

TOTAL

52

100

 

A situação vacinal do acidentado evidenciou que 100% estavam vacinados contra a Hepatite B; porém, com relação à eficácia da imunização, cinco trabalhadores mostraram ser negativos ao anticorpo anti-HBs, dois registros relataram o exame inconclusivo, e em duas notificações este importante dado não foi relatado, o que perfaz um total de 18,4% dos acidentados. Das notificações realizadas, 40 relataram possuir o anticorpo, o que condiz com 81,6% dos casos. Com relação ao Anti-HIV dois casos não foram preenchidos, dois casos foram inconclusivos, em dois casos o teste não foi realizado, em três acidentados o item foi ignorado e este dado não foi preenchido em uma ficha, o que perfaz 17,3% das notificações. O registro da sorologia para Hepatite C foi inconclusiva em dois casos, não foi realizada em dois acidentados e não preenchida em três ocorrências, somando 13,5% das notificações.

O paciente fonte foi conhecido em 75,0% dos casos; em 23,1% dos AT notificados a fonte não foi relatada; houve dois casos de não preenchimento e em uma notificação foi ignorada.Os testes sorológicos evidenciaram três sorologias positivas para o vírus HIV, corroborando com a gravidade deste tipo de acidente ocupacional; não foram relatados casos positivos para Hepatite C e B, porém em 13,6% das exposições o exame sorológico não foi realizado.

Com relação às condutas tomadas quando da exposição a material biológico potencialmente contaminado, foi constatado que 18 trabalhadores (34,6%) necessitou fazer uso de quimioprofilaxia. A ficha padronizada do SINAN NET relata a evolução do caso do profissional acidentado, e a análise faz relatar que não houve notificações de alta com conversão sorológica. Em 36,5% foi concedida alta sem conversão e em 48,0% foi prescrita alta devido ao paciente fonte ter os resultados das sorologias negativas. No entanto, relatou-se que houve dois casos de abandono pelo profissional, sendo que a um deste foi prescrita a indicação de quimioprofilaxia anti-retroviral. Seis fontes notificadoras não preencheram esta informação, somando 11,5% das evoluções.

A Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) foi emitida em 84,6% dos acidentes ocupacionais; em 5,8% dos casos a mesma não foi preenchida e em 9,6% dos casos o dado foi ignorado ou não preenchido adequadamente.

Para melhor compreensão da chance de ocorrência dos acidentes relatados, foi calculado o coeficiente de risco (CR) para as classes mais atingidas por estas injúrias: auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem, enfermeiros, trabalhadores da limpeza e estudantes de enfermagem. O CR é o resultado do total de acidentados pelo total de trabalhadores expostos ao risco biológico, por categoria profissional, em cada instituição de saúde.

Sendo assim, a Unidade A relatou 13 AT com exposição a material biológico, de um total de 236 expostos (CR=5,5). O CR por categoria profissional revela que os enfermeiros obtiveram o maior CR de exposição, sendo que do total de 21 trabalhadores expostos ao risco, 3 se acidentaram (CR=14,2). Os auxiliares somaram quatro ocorrências (CR = 4,0); os técnicos de enfermagem três acidentes (CR = 3,9) e os trabalhadores de limpeza apenas uma notificação (CR = 2,4). Cabe ressaltar a ocorrência de um acidente com um instrumentador cirúrgico e apenas um AT com a classe médica.

A Unidade B, representada por instituições de saúde vinculadas a Prefeitura Municipal, houve notificação de 14 AT com material biológico (CR = 9,0). Foram registrados 12 acidentes com auxiliares de enfermagem (CR= 11,0), a categoria profissional mais acometida nesta Unidade. Ressalta-se que houve dois registros de acidentes com auxiliares de laboratório.

A Unidade C, o hospital particular vinculado à cooperativa, notificou a ocorrência de nove AT no ano de 2010, de 13 trabalhadores expostos (CR= 6,9). A classe trabalhadora mais acometida foi a dos trabalhadores da limpeza (CR=14,3), seguida dos enfermeiros (7,7). Três acidentes acometeram auxiliares de enfermagem (CR = 6,7) e três técnicos (CR = 5,7).

A Unidade D, escola técnica de enfermagem, notificou três acidentes com material biológico envolvendo seus estudantes, com cerca de 75 expostos ao ano (CR = 4,0). A Unidade E, Instituição de Ensino Superior, notificou dois acidentes, de 140 estudantes expostos (CR = 1,4).

A Unidade F relatou duas exposições, sendo o trabalhador da limpeza a vítima em uma ocorrência, de um total de oito trabalhadores (CR = 15,3) e a outra notificação foi de uma assistente social que teve contato de pele íntegra com material biológico potencialmente contaminado.

 

DISCUSSÃO

 

A idade dos expostos variou de 21 a 61 anos, com média de 35 anos de idade. O sexo predominante foi o feminino, abrangendo 86,5% dos acidentados (Tabela 1), relacionado ao fato da grande maioria dos acidentados serem trabalhadores de enfermagem e estudantes de enfermagem (69,2%), o que condiz com os achados na literatura de que o sexo feminino ainda é predominante(8,10).

Os auxiliares de enfermagem representando a maioria dos acidentes (38,5%), seguidos dos técnicos de enfermagem e enfermeiros (11,5%, respectivamente), trabalhadores da limpeza e dos estudantes de enfermagem (7,7%) e 23,1% foi representado por outros profissionais, como auxiliares de laboratório, cirurgião dentista, assistente social e soldado. A equipe de enfermagem foi representada por 61,5% do total de acidentes.

A categoria profissional da enfermagem repercute como a mais acometida por este tipo de acidente de trabalho, sendo que dos 57 casos de HIV ocupacional documentados nos EUA, 24 são representados por enfermeiros(7).

Os trabalhadores da limpeza e os estudantes de enfermagem foram a segunda categoria mais acometida por tais injúrias. Os profissionais da limpeza (7,7%) merecem especial atenção, uma vez que se deparam com materiais cortantes de fonte desconhecida, o que intensifica a gravidade da exposição e a necessidade do uso de quimioprofilaxia. Ademais a essas notificações, somam-se as duas notificações da empresa terceirizada que presta serviços de limpeza a Prefeitura Municipal. Metade dos AT com esses profissionais eram de fontes não identificadas, o que intensifica a seriedade do acidente e as repercussões físicas e psíquicas advindas da exposição ocupacional.

O acometimento dos estudantes de enfermagem direciona para que as práticas de biossegurança sejam revistas pelos currículos das Instituições Superiores de Ensino, pois alguns estudos têm demonstrado que quanto maior o conhecimento relacionado à transmissão de doenças ocupacionais, maior a adesão destes às medidas de precauções-padrão(11).

Nas notificações categorizadas por “outras instituições”, têm-se a relação de três AT ocorridos em consultório médico, clínica médica e clínica especializada na administração de vacinas. Estas notificações também contemplaram duas ocorrências de AT com trabalhadores da limpeza de uma empresa terceirizada, que presta serviços a Prefeitura Municipal. Uma empresa privada destinada a produção de cerâmica notificou dois acidentes envolvendo um atendente de consultório dentário e um cirurgião dentista no ano de 2010, quando da prestação de assistência odontológica aos trabalhadores da fábrica. Houve duas notificações envolvendo soldados da Polícia Militar do Estado, sendo que os dois acidentes foram ocasionados por arranhadura, com a veiculação de sangue.

A exposição percutânea foi responsável por 78,8% das exposições, como os achados da literatura (8,10).

Em 10,6% dos casos houve exposição de mucosa e em 36,5 % exposição à pele íntegra. Verificou-se que em alguns acidentes houve mais de um tipo de exposição. Os registros condizem com uma moderada adesão dos acidentados às luvas de procedimento (59,6%) e uma baixa adesão aos aventais (26,9%). Os óculos de proteção individual e as máscaras foram colocados em apenas 15,7% e 9,8% dos procedimentos, respectivamente. Estes equipamentos de proteção devem ser usados sempre que houver possibilidade de respingos de qualquer material biológico potencialmente contaminado (5).

O uso de luvas é essencial para segurança dos profissionais quando da realização de procedimentos com material perfurocortante, pois os fatores de risco para a aquisição da soroconversão depois da exposição a material biológico dependem da quantidade e do grau de contato do trabalhador com o sangue inoculado(12). Achados na literatura nacional e internacional condizem com as evidências da presente investigação, revelando baixa à moderada adesão dos profissionais de saúde ao uso de luvas(13-14-15).

A adição de medidas preventivas é considerada a melhor estratégia para diminuir a ocorrência de acidentes ocupacionais causados por materiais cortantes. Para surtirem efeito, os programas preventivos devem estar centrados na prevenção primária efetuada através da análise das práticas de trabalho, a fim de que se possam identificar os riscos presentes no ambiente laboral e realizar o controle de engenharia e ergonomia dos instrumentos e materiais que diminuam a ocorrência das lesões percutâneas (16).

Do total de 18 trabalhadores que necessitaram fazer uso de quimioprofilaxia, foi prescrito AZT + 3TC a maioria dos casos; e em três ocorrências houve indicação de AZT + 3TC + Efavirenz; AZT + 3TC + Kaletra e AZT + 3TC + Lopinavir + Ritonavir, respectivamente. Foi notificado recusa da quimioprofilaxia em um caso, no qual o paciente fonte era conhecido, porém sem notificação dos resultados dos exames sorológicos, o que condiz com a seriedade do acidente e das possíveis repercussões deste. O atendimento ao acidentado deve se realizar imediatamente, de preferência nas primeiras duas horas após o acidente. O trabalhador de saúde necessita ser monitorado e orientado no momento do acidente e durante todo o período de tratamento prescrito. Atenção especial deve ser dada à vítima, já que a exposição biológica o afeta psicológica e emocionalmente, devido à espera dos resultados dos testes sorológicos e a possível soroconversão(17).

Com relação ao esquema preconizado de imunização para Hepatite B, esta deve ser realizada nos primeiros dias de vida, seguindo os intervalos das três doses preconizadas, de forma que a resposta imune do indivíduo possa ser atingida. Essa vacina é extremamente eficaz e segura, com 90 a 95% de resposta vacinal em adultos imunocompetentes. Seus efeitos colaterais são raros e usualmente pouco importantes. Não existe contra-indicação da utilização da vacina na gravidez e lactação. Sua eficácia é longa, podendo ultrapassar os dez anos, não necessitando de reforço, exceto em casos pós-exposição e em profissionais de saúde que façam diálise (18).

Os exames realizados no momento do AT revelaram que três pacientes eram positivos para o vírus HIV e em 13,6% das notificações, as sorologias não foram realizadas. Tendo como referência o total de paciente fonte conhecido, 39 pacientes (75%), tem-se a prevalência de 7,7% de HIV na população estudada. Desta forma, pesquisadores alertam para que municípios com grande número de habitantes e municípios em tendência de crescimento, como é o caso do município investigado no presente estudo, aprimorem o modelo de intervenção direcionado às ações de prevenção e maior cobertura da atenção básica,a fim de que estratégias educativas direcionadas à redução da transmissão do HIV sejam pensadas e implementadas(19).

Do total de notificações, duas delas realizaram apenas o teste anti-HIV no paciente fonte, o que demonstra a necessidade de conscientização das unidades notificadoras quando de um AT envolvendo material biológico sobre o risco de contaminação para os vírus B e C. Destaque deve ser direcionado à exposição ocupacional ao vírus da Hepatite C, pois não há no momento profilaxia existente. O seguimento preconizado para trabalhadores que se acidentaram com fonte HCV positiva consiste na realização de alguns exames, sendo que no momento do acidente deve-se realizar o teste sérico de alanina aminotransferase (ALT) e prosseguir ao monitoramento (17).

As circunstâncias causadoras mostram que 34,5% da ocorrência dos AT foi devido a: descarte de perfurocortante em saco de lixo comum; descarte de perfurocortantes em outros locais; reencape e manipulação de caixa de materiais cortantes, sendo que este última foi responsável por 17,3% dos acidentes registrados.

Análise das notificações deste município realizada no biênio 2008-2009 relatou uma taxa de ocorrência de 8,5% e 7,8% de AT relacionados ao manuseio de caixas coletoras de material perfurocortante(8). Diante do crescente número de AT por esta causalidade em 2011 (17,3%) e por ser esta uma circunstância passível de prevenção, sugere-se o planejamento de intervenções para conscientização dos profissionais de estabelecimentos de saúde.

A fim de que estratégias eficazes possam ser elaboradas, a educação em saúde deve ser tida como uma premissa aos enfermeiros e profissionais da saúde, a fim de possibilitar a transformação das práticas em saúde (20).

A evolução do caso do profissional acidentado evidenciou que não houve casos de conversão sorológica. A maioria dos profissionais recebeu alta devido ao paciente fonte ser negativo às sorologias (48,1%) ou recebeu alta sem conversão sorológica (36,5%). Casos de não preenchimento somaram 11,5% e houve 3,8% casos de abandono.

Com relação à abertura da CAT, em toda circunstância de AT com material biológico, com ou sem afastamento do trabalhador, a CAT deve ser emitida, mesmo com a notificação do AT no SINAN (6)

Os profissionais de limpeza foram os mais acometidos por este tipo de acidente (CR= 15,3; CR= 14,3). Em seguida, têm-se os enfermeiros (CR = 14,2; CR = 7,7) e os auxiliares de enfermagem (CR = 11,0 CR = 6,7), sendo os achados semelhantes à investigação realizada neste município nos anos de 2008 e 2009(8), com exceção dos estudantes de enfermagem, nos quais se percebeu um decréscimo nos registros deste AT direcionados ao CEREST.

A categoria profissional dos médicos foi registrada em apenas um AT com material biológico potencialmente contaminado, número não estatisticamente significante frente ao número de profissionais expostos nos diversos estabelecimentos de saúde. Ademais, foi observado um decréscimo de notificações por estes profissionais quando comparado anos de 2008 e 2009(8). Pesquisadores apontam que a provável subnotificação de AT com exposição a material biológico entre profissionais está relacionada à falta de conscientização do risco pelos trabalhadores e pela gerência de hospitais; ao receio por parte da chefia e medo da perda de emprego pelo trabalhador; à culpabilidade por parte do acidentado; à falta de organização das ações do serviço de atendimento ao trabalhador de forma adequada; às dificuldades do sistema de informação e, ainda, à descrença da importância do AT com exposição a material biológico(21).

Das Unidades de saúde investigadas, a Unidade B obteve a maior quantidade de notificações envolvendo AT com exposição à material biológico (CR = 9,0), o que revela um aumento das notificações quando comparado aos anos de 2008 (CR = 6,6) e 2009 (CR = 3,3)(8).

O hospital particular cooperado (Unidade C) aparece em segundo lugar (CR = 6,9), evidenciando um ligeiro decréscimo quando comparado aos anos de 2008 e 2009. O mesmo ocorre com o hospital filantrópico (Unidade A), cujo CR se apresentou com em queda quando comparado ao biênio anterior (CR = 7,0 em 2008 e CR = 6,0 em 2009)(8).

 

CONCLUSÕES

 

O número de AT com material biológico registrado no SINAN e direcionado ao CEREST é baixo considerando a população exposta e os dados da literatura, os quais citam alguns fatores impeditivos ou desestimulantes para a notificação de AT. No entanto, devido à importância que o registro destas informações tem para o planejamento de ações preventivas à ocorrência dos AT com exposição à material biológico, faz-se necessário conscientizar os trabalhadores da relevância da notificação, treinar e preparar os profissionais para registrar corretamente os dados e aperfeiçoar o fluxo de informação para alimentar o sistema eletrônico.  

Novos estudos são necessários a fim de investigar quais as dificuldades encontradas para notificar os AT, pois o pequeno número de AT notificados pode estar subestimado quando analisado o número de trabalhadores expostos e quantidade e diversidade dos procedimentos executados pelos profissionais lotados em estabelecimentos de saúde que envolvem risco de exposição.

 

REFERÊNCIAS

 

1.   Brasil. Lei nº. 8213 de 24 de julho de 1991: dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário oficial da União, Brasília: Ministério da Saúde, 14 Jul 1991 [acesso 2009 Jul 12].  Disponível em: http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1991/8213.htm

2.   Soerensen AA. Acidentes ocupacionais com ênfase ao risco biológico em profissionais do atendimento pré-hospitalar [dissertação]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo; 2008

3.   Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 777/GM de 28 de abril de 2004: dispõe sobre os procedimentos técnicos para a notificação compulsória de agravos à saúde do trabalhador em redes de serviço sentinela específica, no Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, 2004 [acesso 2010 Fev 02]. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2004/GM/GM-777.htm.

4.   Ministério da Saúde (BR). Normas e Manuais Técnicos. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação: SINAN. 2ed. Brasília; 2007.

5.   Centers for disease control and prevention (CDC). Guideline for Isolation Precautions: Preventing Transmission of Infectious Agents in Healthcare Settings [online]. 2007 [acesso 2011 jun 10] Disponível em: www.cdc.gov/hicpac/2007IP/2007isolationPrecautions.html

6.   Ministério do Trabalho e Emprego (BR). Riscos biológicos: guia técnico: os riscos biológicos no âmbito da NR 32. Brasília (DF): MTE; 2008.

7.   Centers for disease control and prevention (CDC). Department of Health and Human Services. Surveillance of Occupationally Acquired HIV/AIDS in Healthcare Personnel, as of December 2010. Fact Sheet. [online]. Set 2007 [acesso 2011 maio 12] Disponível em: http://www.cdc.gov/HAI/organisms/hiv/Surveillance-Occupationally-Acquired-HIV-AIDS.html

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Recebido: 05/08/2011

Aprovado: 18/04/201