Caracterização da demanda não pertinente ao SAMU de Porto Alegre: estudo descritivo

 

Andréa Márian Veronese1, Dora Lúcia Leidens Corrêa de Oliveira2, Karoline Nast3

 

1 SAMU Porto Alegre; 2, 3 Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 

 

RESUMO

Em 2009, a demanda não pertinente (DNP) ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) de Porto Alegre representou 36% (26.233) das chamadas telefônicas dirigidas ao 192. Essa não pertinência fica estabelecida quando o caso não se configura, para o médico regulador, como situação de risco de vida, sendo desnecessário, portanto, o envio de ambulâncias para o atendimento. Objetivou-se apresentar a caracterização a DNP por Gerências (GER) da Secretaria Municipal de Saúde, do ano citado. O estudo foi quantitativo e as variáveis analisadas foram: faixa etária, sexo, faixa horária, dia da semana, mês, tipo de socorro e subtipo de socorro. Em todas as oito GER, as chamadas mais frequentes partiram do sexo feminino, faixa etária dos 20-39 anos e por tipo de socorro clínico. Caracterizar a DNP subsidia a proposta de que enfermeiros atuem em oficinas de primeiros socorros para dialogar com a comunidade sobre problemas de saúde urgentes, um assunto que tem sido tratado como de domínio do profissional de saúde.

Palavras-chaves: Enfermagem em emergência. Serviços de saúde. Serviços médicos de emergência. Acesso aos serviços de saúde.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O atendimento pré-hospitalar móvel (APH) em Porto Alegre foi estruturado em 1993(1), a partir do modelo francês. A Central de Regulação Médica (CR), elemento central no modelo citado(2) é o local onde chegam todos os pedidos de socorro (PS) procedentes dos usuários através do fone 192, dos rádios da Brigada Militar e da Empresa de Transporte Público de Circulação (EPTC). Na CR localizada no Hospital de Pronto Socorro (HPS), as telefonistas auxiliares de regulação médica (TARMS) realizam o atendimento dos PS, registram o nome e o endereço dos solicitantes e transferem as ligações para os médicos reguladores (MR). A função dos MR é triar os PS, enviando os recursos necessários para o atendimento, conforme a complexidade de cada caso(3).

Atualmente, o serviço possui 11 ambulâncias de suporte básico, três ambulâncias de suporte avançado e uma ambulância de transporte, 44 médicos, 21 enfermeiros, 52 técnicos de enfermagem, 74 condutores, 26 TARMS e rádio-operadores e cinco assistentes administrativos(1). As equipes distribuem-se em 12 bases: HPS, Restinga, Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul, Lomba do Pinheiro, Centro Vida, Bom Jesus, Navegantes, Belém Novo, Hospital Cristo Redentor, Partenon, Cavalhada e Serraria(1).O local das bases é definido por critério geográfico, a fim de permitir um melhor tempo resposta às ocorrências(1). Tempo resposta é o tempo decorrido entre o momento em que o incidente acontece até a chegada do APH na ocorrência(4). Quanto menor for o tempo resposta, maior será a possibilidade de evitar ou minimizar sequelas decorrentes de um agravo de saúde(4).

Os PS que, na avaliação dos MR, correspondem a situações onde não há risco de vida são definidos como não pertinentes (NP) à natureza do serviço e, portanto, não são atendidos pelo SAMU. Essa demanda não pertinente (DNP) pode ter pelo menos duas implicações importantes. Primeiramente, pode comprometer o tempo resposta do serviço, em função de um possível atraso no atendimento de situações que efetivamente põem em risco a vida de um usuário. Além disso, a definição de um PS como NP desvaloriza a urgência do usuário e do problema de saúde que motiva a chamada ao 192, deixando-o sem atendimento. Nesse caso, independentemente do nível de gravidade do problema no momento da chamada telefônica, este pode se agravar em função do não atendimento(5).

Considerando o cenário descrito acima, é relevante identificar as características da DNP. Tal caracterização poderá subsidiar o planejamento de ações que reduzam essa demanda, melhorando o tempo resposta do SAMU e a autonomia dos usuários com problemas de saúde urgentes.

 

METODOLOGIA

 

Foi analisada a totalidade da DNP ao SAMU de Porto Alegre, originada em chamadas ao telefone 192, durante o ano de 2009. As informações foram obtidas no banco de dados do Sistema de Atendimento Pré-Hospitalar (SAPH) do SAMU. A amostra foi de 26.233 chamadas, o que correspondeu a 36% das 79.078 ligações que foram avaliadas pelos MR naquele ano. A metodologia de análise foi quantitativa, orientada pela estatística descritiva. A estatística descritiva abrange o conjunto de técnicas utilizadas para organizar, resumir, classificar, descrever e comunicar dados em tabelas, gráficos ou outros recursos visuais, obtendo-se, assim, estimativas de parâmetros representativos desses dados(6).

A(s) frequência(s) (F) e o(s) percentual(is) de frequência (PF) apresentados foram obtidos com o auxílio do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) e orientação do Núcleo de Apoio Estatístico (NAE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). As variáveis analisadas foram: faixa etária (FE), sexo, faixa horária (FH), dia da semana (DS), mês, tipo de socorro (TS) e subtipo de socorro (SS).Os resultados serão apresentados por Gerência(s) (GER) da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMS), em função da crença de que futuros investimentos na redução da DNP ao SAMU devam ser planejados em conjunto com outros serviços de saúde designados para atender a população, os quais se encontram sob coordenação das referidas GER.

Houve a possibilidade de definir as GER através dos endereços digitados pelas TARMS de 25.884 chamadas telefônicas. As demais apresentaram erros de registro. São oito Gerências, a saber: 1) Centro; 2) Noroeste/Humaitá/ Navegantes/Ilhas; 3) Norte/Eixo Baltazar; 4) Leste/Nordeste; 5) Glória/Cruzeiro/ Cristal; 6) Sul/Centro Sul; 7) Partenon/Lomba do Pinheiro; e 8) Restinga/Extremo Sul.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da SMS sob o registro 346, em 3 de junho de 2009.

 

RESULTADOS

 

A demanda não pertinente nas Gerências da SMS de Porto Alegre

TABELA 1. DNP por GER da SMS. Porto Alegre, 2009.

GER

N

(%)

1

4993

(19)

2

3247

(12,4)

3

3719

(14,2)

4

2161

(8,2)

5

2302

(8,8)

6

3681

(14)

7

3790

(14,4)

8

1991

(7,6)

18*

349

(1,3)

Total

26233

(100)


*GER 18 são pedidos com GER ignorada.

Conforme mostra a Tabela 1, em relação às GER, a maior F de DNP ao SAMU de POA ocorreu na GER 1, seguida das GER 7, 3 e 6.

 

Faixa etária da demanda não pertinente

TABELA 2. DNP, faixa etária por GER da SMS. Porto Alegre, 2009.

 

FE

GER

< 10

10 a 19

20 a 39

40 a 59

60 a mais

Total

 

n

(%)

n

(%)

n

(%)

n

(%)

n

(%)

n

(%)

1

939

(23)

298

(13)

1299

(18)

989

(20)

1058

(18)

4583

(18)

2

488

(12)

245

(11)

834

(11)

695

(15)

834

(12)

3086

(12)

3

483

(12)

296

(13)

1041

(14)

942

(16)

863

(15)

3625

(15)

4

308

(8)

217

(10)

623

(9)

497

(8)

450

(8)

2095

(8)

5

333

(8)

225

(10)

709

(10)

564

(8)

412

(9)

2243

(9)

6

596

(15)

338

(15)

1066

(15)

825

(14)

770

(15)

3595

(15)

7

586

(14)

387

(17)

1110

(15)

896

(13)

712

(15)

3691

(15)

8

314

(8)

237

(11)

594

(8)

451

(6)

344

(8)

1940

(8)

Total

4047

(100)

2243

(100)

7276

(100)

5859

(100)

5443

(100)

24858*

(100)

*O valor total apresentado é diferente daquele da Tabela 1 devido à ausência de registros no Bando de Dados analisado.

 

Em relação à variável idade, a análise da Tabela 2 permite pontuar, entre outros achados, que os pedidos de socorro ao 192 ocorreram com maior F na FE dos 20 aos 29 anos em todas as GER. Observa-se que na GER 2 houve a mesma F nesta FE e na FE dos 60 anos ou mais, ou seja, entre idosos. A segunda FE de maior F é a dos 40 aos 59 anos nas GER 2 a 8. Na GER 1, a segunda FE de maior F é a dos 60 anos ou mais.

 

Sexo da Demanda não pertinente

TABELA 3. DNP, sexo por GER da SMS. Porto Alegre, 2009

GER

Sexo

Total

n

(%)

1

F

2285

(50)

M

2298

(50)

2

F

1667

(54)

M

1429

(46)

3

F

1994

(55)

M

1631

(45)

4

F

1091

(52)

M

1004

(48)

5

F

1246

(56)

M

997

(44)

6

F

1974

(55)

M

1621

(45)

7

F

1991

(54)

M

1700

(46)

8

F

1092

(56)

M

848

(44)

Total

 

24868*

 -

*O valor total apresentado é diferente daquele da Tabela 1 devido à ausência de registros no Bando de Dados analisado.

 

A DNP apresentou um PF de 53% procedentes do sexo feminino e 47% procedentes do sexo masculino. Na Tabela 3 pode-se constatar que a incidência do sexo feminino foi maior em todas as GER com exceção da GER 1, onde o percentual entre os sexos foi o mesmo.

 

Tipo de socorro da demanda não pertinente

TABELA 4. DNP, tipo de socorro por Gerência da SMS. Porto Alegre, 2009.

GER

Clínico

Obstétrico

Psiquiátrico

Traumático

Orientação

Transporte

Total

 

N

(%)

n

(%)

n

(%)

n

(%)

n

(%)

n

(%)

n

(%)

1

2076

45

45

1

714

16

554

12

1138

25

61

1

4588

100

2

1497

48

97

3

367

12

328

11

8786

25

27

1

3102

100

3

1783

49

109

3

521

14

272

8

919

25

27

1

3631

100

4

1008

48

76

3

269

13

206

10

522

25

21

1

2102

100

5

963

43

92

4

345

15

220

10

597

27

27

1

2244

100

6

1516

42

142

4

482

13

415

12

1013

28

26

1

3594

100

7

1746

47

150

4

471

13

329

9

952

26

42

1

3690

100

8

851

44

128

6

211

11

182

9

540

28

32

2

1944

100

 

Na Tabela 4, verificou-se que, em todas as GER, o TS clínico foi o de maior F. O TS orientação é onde o MR classifica aqueles PS que o usuário telefonou ao 192 solicitando um conselho sobre como proceder diante de um problema de saúde como, por exemplo, o que fazer em casos de febre em crianças. Este TS ocupou segundo lugar de PF em todas as GER. O terceiro TS que apresentou maior PF em todas as GER foi o Traumático e o quarto foi o Psiquiátrico, em todas as GER. Com exceção da GER 1, onde o TS Obstétrico e o TS Transporte apresentam o mesmo PF, em todas as outras GER, estes TS ocuparam o quinto e o sexto lugar respectivamente.

 

Dia da semana da demanda não pertinente

Em relação à variável dia da semana, os PF foram semelhantes em todos os DS e os maiores foram igualmente 15,2% às sextas-feiras e aos domingos. Nos demais DS, os percentuais foram os seguintes: nas quintas-feiras 14,6%, nos sábados 14,3%, nas segundas-feiras 13,9%, nas terças-feiras 13,5% e nas quartas-feiras 13,3%. Entre as GER, destacam-se os resultados a seguir.

Nos domingos foi quando ocorreu o maior PF nas GER 3, 4, 6, 7 e 8, sextas-feiras nas GER 1 e 2, e terças-feiras na GER 3. Entre os TS por DS, foi possível constatar que o TS Psiquiátrico foi o que apresentou um padrão de PF em relação aos outros TS. Em todas as GER, exceto na GER 3, ocorreu o TS Psiquiátrico nos fins de semana.

 

Faixa horária da demanda não pertinente

Em termos gerais, pode-se identificar, a partir dos dados sobre a DNP, que no ano de 2009, 12,6% da DNP ocorreu entre 1h e 5h59min (1ª FH), 24,7% entre 6h e 12h59min (2ª FH), 29,8% entre 13h e 18h59min (3ª FH) e 32,8% entre 19h e 0h59min (4ª FH). Considerando a possibilidade de que a DNP tivesse características diferentes, de acordo com o local de onde procederam as chamadas telefônicas, analisou-se o TS e a FH em relação a cada GER.

Na GER 1, os resultados encontrados a partir da análise dos dados foram que o TS clínico, o obstétrico, o psiquiátrico e o transporte apresentaram maior PF na 3ª FH (33,1%, 36%, 30,7%, 36,8% e 46%) e o TS orientação teve maior PF na 4ª FH (31,1%). Nessa GER, os PS ocorreram com maior PF na 3ª FH (32,3%).Na GER 2, o TS clínico, o obstétrico, o psiquiátrico e a orientação apresentaram maior PF na 4ª FH (31,5%, 34%, 33,4% e 35,3%), o traumático apresentou maior PF na 3ª FH (38%) e o transporte apresentou maior PF na 2ª FH (44,4%). Nessa GER, os PS aconteceram com maior PF na 4ª FH (32,5%).

Na GER 3, o TS clínico, o obstétrico, o psiquiátrico e a orientação apresentaram maior PF na 4ª FH (32,3%, 31,5%, 32,8% e 39,1%). O TS traumático e o transporte apresentaram maior PF na 3ª FH (34,3% e 48,1%). Nessa GER, os PS aconteceram com maior PF na 4ª FH (33,9%).

Na GER 4, o TS clínico, o obstétrico, o psiquiátrico e a orientação apresentaram maior PF na 4ª FH (31,7%, 32,5%, 39,9% e 41,8%), o traumático apresentou maior PF na 3ª FH (33,6%) e o transporte apresentou maior PF na 2ª FH (61,9 %). Nessa GER, os PS ocorreram com maior PF na 4ª FH (35,3%).

Na GER 5, o TS clínico, o obstétrico, o psiquiátrico, o traumático e a orientação apresentaram maior PF na 4ª FH, e o transporte apresentou o maior PF com o mesmo valor na 2ª e na 3ª FH (35,7%). Nessa GER, os PS ocorreram com maior PF na 4ª FH (34,1%).

Na GER 6, o TS clínico, o obstétrico, o psiquiátrico, o traumático e a orientação apresentaram maior PF na 4ª FH (31,1%, 36,9%, 40,5%, 35,8% e 39%), e o transporte teve maior PF na 2ª FH (42,3%). Nessa GER, o maior PF de PS ocorreu na 4ª FH (35,3%).

Na GER 7, o TS clínico, o obstétrico, o psiquiátrico e a orientação apresentaram maior PF na 4ª FH (31,4%, 42,2%, 33,5% e 40,9%), o traumático e o transporte apresentaram maior PF na 3ª FH (33% e 42,9%). Nessa GER, os PS tiveram maior PF na 4ª FH (34,5%).

Por último, na GER 8, o TS clínico, o psiquiátrico e a orientação apresentaram o maior PF na 4ª FH (32,5%, 39,3% e 38,4%). Já o TS traumático e o transporte apresentaram maior PF na 3ª FH (37,8% e 37,5%) e o obstétrico na 2ª FH (32,8%). Nessa GER, os PS ocorreram com maior PF na 4ª FH (33,9%).

 

A sazonalidade da demanda não pertinente

A análise indicou que a DNP apresenta uma característica de sazonalidade apenas nos TS clínico e orientação. Conforme os dados analisados, nos meses do inverno (principalmente julho e agosto) houve um aumento da DNP com relação aos TS clínico e orientação em todas as Gerências. Para os demais TS não houve um padrão em relação aos meses em que ocorreram(5).

 

O subtipo de socorro da demanda não pertinente

Após ser selecionado o TS, o SAPH possibilita que o MR classifique o OS conforme o SS. Os resultados da análise do SS por Gerência mostraram que alguns SS são mais frequentes em todas as GER, conforme ilustrado na Figura 1. Os SS com maior F foram: as solicitações por orientação, os problemas classificados como outros (e todos os problemas de outras classificações), os problemas digestivos, os problemas de agitação, o abuso de álcool e drogas, os problemas infectológicos, as quedas de altura ou da própria altura, os problemas neurológicos, os problemas respiratórios, os problemas ortopédicos (reumatologia, ortopedia, dor), as síncopes ou tonturas, os problemas cardiológicos e os trabalhos de parto.

FIGURA 1. DNP ao SAMU, porcentagens de SS por GER da SMS. Porto Alegre, 2009.

 

DISCUSSÃO

 

Entre as GER, foi observado que na GER Centro ocorreu o maior PF (19%) de DNP, seguida pelas GER Partenon/Lomba do Pinheiro (14,4%), Norte/Eixo Baltazar (14,2%) e Sul/Centro Sul (14%).

A GER Centro abrange bairros com intenso comércio popular e bancos. Pessoas que se encontram sozinhas nessa região e que têm um agravo de saúde são socorridas por transeuntes e por trabalhadores da localidade. O acionamento frequente do SAMU na região dessa GER por situações NP à natureza do serviço sugere que os usuários que circulam ou residem na área central da cidade recorrem ao SAMU ou por dificuldade de acesso a outros serviços de saúde ou porque as pessoas que atendem tais situações desconhecem primeiros socorros.

Ao analisar as variáveis FE, sexo, FH, mês, TS e SS dos PS da DNP ao SAMU por GER da SMS, foram encontradas semelhanças e diferenças entre os resultados de cada GER. Entre as semelhanças, destaca-se o resultado de que em todas as GER o TS clínico foi o mais frequente entre os demais TS, em ambos os sexos. Nas diferenças, foi constatado que, dentre todas as oito GER, foi na GER 1 que ocorreu a menor F de TS obstétrico. Essa pouca frequência de TS obstétrico como gerador de DNP pode estar relacionada ao fato de a GER compreender a região da cidade onde se localiza a maioria dos serviços de referência do SUS para atendimento obstétrico – Hospital (H) Fêmina, H de Clínicas e H Presidente Vargas.

Em relação à variável dia da semana, é possível considerar que a DNP não segue um padrão para os TS clínico, obstétrico, traumático, transporte e orientação. Já em relação à variável TS psiquiátrico e à variável DS, diferentemente da situação anterior, atendeu a um padrão, apresentando maior F nos fins de semana em todas as GER e menor F nos outros dias. Uma hipótese é que esse achado possa estar relacionado ao fato de que os fins de semana, quando a convivência de lazer entre as pessoas é maior, podem aflorar conflitos e problemas influenciados pelo uso de álcool e drogas e por distúrbios emocionais já existentes, com maior veemência que nos dias de semana.

Em relação às variáveis FH e TS, em todas as GER, ocorreu maior F da DNP na 4ª FH, com exceção da GER 1, cujos PS apresentaram maior F na 3ª FH, correspondente a um horário em que o movimento de pessoas nessa região da cidade ainda é grande, em função de compreender o horário comercial.

Em relação às variáveis mês e TS, comparou-se as porcentagens de TS ocorridos por mês, por Gerência. O TS clínico e o TS orientação tiveram PF maior nos meses de inverno em todas as GER. Isso demonstra que a DNP é sazonal, com maior F no inverno, sugerindo que se dirijam ações especiais nessa época do ano.

Em relação ao SS, as orientações apresentaram maior F em todas as GER, o que sugere que os sujeitos da DNP, entre outras situações, desconhecem procedimentos de primeiros socorros.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O fato de o SAMU ser um observatório privilegiado do Sistema de Saúde(3;7)permite que o profissional de saúde que nele atue possa analisar, além dos PS que são atendidos, aqueles que não recebem atendimento, os quais correspondem à DNP.

Analisar a DNP não costuma ser rotina num serviço de APH. A atenção do APH é para aqueles usuários que precisam de atendimento de urgência por apresentar sinais de risco de vida iminente aos MR(5). Os estudos com foco na DNP iniciaram em 2006(5) e, apesar dos importantes resultados deles originados, ainda há lacunas de conhecimento sobre o tema. Tais lacunas estão sendo estudadas na continuação desta pesquisa e se referem à atuação dos usuários com problemas de saúde urgentes diante de seus PS negados pelo SAMU.

Um dos resultados obtidos neste estudo foi a constatação de que os PS da DNP pertinente ocorrem principalmente em função do SS orientação, o que evidencia que os usuários, frente a um problema de saúde, buscam os médicos do SAMU para obter orientações sobre primeiros socorros. O fato de que o acesso a um conselho médico(3) é facilitado através do telefone 192 faz com que as pessoas utilizem esse recurso. A facilidade de acesso a um conselho médico é positiva quando o indivíduo aconselhado adquire, a partir do aconselhamento, certa competência para agir com autonomia em relação ao seu problema de saúde.

Sugere-se que orientações sobre procedimentos de primeiros socorros sejam realizadas continuamente, a fim de que esse assunto ganhe conotação popular(5;8). O roteiro de assuntos a serem tratados nessas orientações pode ser embasado neste estudo. Promover que um tema tenha conotação popular significa investir na incorporação do mesmo ao cotidiano da população, de modo que não seja, no caso dos primeiros socorros, um assunto apenas abordado em cursos dirigidos a profissionais de saúde(5). Isso pode ser obtido através de um trabalho contínuo de enfermeiros(5) com a população e as lideranças comunitárias de locais onde é expressiva a DNP ao SAMU.

Nesse sentido, acredita-se que um trabalho contínuo, que promova a competência da população para agir com autonomia diante de um problema urgente de saúde, pode resultar na diminuição da DNP ao SAMU. Além disso, como sugerido em outro estudo, oferecer orientações sobre o uso adequado do SAMU poderia igualmente contribuir para a diminuição da DNP ao serviço(9). Outra recomendação importante que emerge deste trabalho é que o banco de dados do SAMU seja mais bem preenchido pelas TARMS e pelos MR, a fim de que as pesquisas possam dispor de informações mais precisas sobre as características da demanda ao serviço.

 

REFERÊNCIAS

 

1.    Ciconet RM. Samu 15 anos. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Saúde, Assessoria de Comunicação; 2011.

2.    Eifler LS, Dalcin RR. Serviço de Atendimento Móvel de Urgência em Porto Alegre: passado, presente e futuro. Revista do HPS. 2009;48(1):22-26.

3.    Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção às Urgências. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2006.

4.    Poggeti SR, Novo FCF. Atendimento pré-hospitalar ao traumatizado. Rio de Janeiro: Elselvier; 2007.

5.    Veronese AM, Oliveira DLLC. Risco de vida na perspectiva de usuários do SAMU que foram sujeitos da demanda não pertinente, Bairro Cavalhada, POA – Subsídios para a gestão do serviço. Relatório de Pesquisa. Porto Alegre: Programa de pesquisas para o SUS, Edital 2006; 2009.

6.    Motta VT. Bioestatística. Caxias do Sul: Educs; 2006.

7.    Pelegrini A, Santos J, Marques G, Ciconet R, Lima M. Organization of health services attention to emergencies: narrative review. Online braz j nurs [periódico online]. 2010 [cited 2011 Jul 5]; 9(1):[1 tela]. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/2888

8.    Veronese AM, Oliveira DLLC, Rosa IM, Nast K. Oficinas de primeiros socorros: relato de experiência. Rev Gaúch Enferm. 2010; 31(1):179-82.

9.    Kawakami C, Kenji O, Kubota K, Tochikubo O. Influence of socioeconomic factors on medically unnecessary ambulance calls. BMC Health Serv Rev. [periodic online]. 2007 [cited 2008 Fev 18]; 7(120):1-9. Available from: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/7/120

 

 

Recebido: 16/08/2011

Aprovado: 09/04/2012