ARTIGO ORIGINAL

Procura pelo curso de língua de sinais brasileira: estudo descritivo exploratório

 

 

William Cesar Alves Machado1; Nébia Maria Almeida de Figueiredo2; Teresa Tonini3; Carlos Roberto Lyra da Silva4; Roberto Carlos Lyra da Silva5

1,2,3,4,5 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

 

 


RESUMO
Objetivo:Discutir as razões que levam cidadãos comuns e profissionais de diversas áreas a procurar o Curso da Língua de Sinais Brasileira Método Estudo descritivo exploratório, qualitativo, realizado no período de março a maio de 2010. O instrumento usado para coleta dos dados foi tipo questionário. A análise das falas deu-se segundo a técnica de análise de discurso.Resultados: Da análise dos dados emergiram as categorias: “Busca de complemento de Libras para especialização na área de educação especial e atendimento digno ao aluno surdo”; ”Comunicação e integração adequada com surdos como estratégia para inclusão social e promoção da cidadania”; e “Atendimentos e cuidados com dignidade na área de saúde”. Conclusão: Conclui-se que as pessoas que buscam o curso o fazem por motivos que variam da necessidade de complementar curso em nível de pós-graduação ao atendimento digno ao surdo em diversos setores públicos e privados no âmbito da educação, saúde, esportes e lazer.
Palavras-chave: Pessoas com deficiência. Deficiência auditiva. Comunicação não verbal. Língua de sinais brasileira.


 

INTRODUÇÃO

A busca de conhecimentos sobre a Língua de Sinais Brasileira (Libras) tem-se revelado elemento de grande interesse para educadores, profissionais liberais, servidores de várias instâncias públicas, entre os quais enfermeiros, demais profissionais de saúde e pessoas conscientes do dever de cada cidadão acerca das responsabilidades que temos para a construção de uma sociedade justa e inclusiva para todos.

A propósito da denominação correta da Libras, por uma questão de esclarecimento quanto ao uso adequado da terminologia, cumpre-se ressaltar que se trata de uma língua e não de uma linguagem. Língua de Sinais Brasileira é preferível à Língua Brasileira de Sinais por uma série imensa de razões. Uma das mais importantes é que Língua de Sinais é uma unidade que se refere a uma modalidade linguística quiroarticulatória-visual e não oroarticulatória-auditiva. Assim, Língua de Sinais Brasileira tem essa denominação porque é a língua de sinais desenvolvida e empregada pela comunidade surda brasileira. Não existe uma Língua Brasileira, de sinais ou falada(1).

Equivocadamente, os surdos têm sido narrados e definidos exclusivamente a partir da realidade física da falta de audição e, portanto, aos olhos da sociedade majoritária ouvinte, têm sido vistos exclusivamente a partir desse fato. O efeito disto é que os surdos e as línguas de que fazem uso (LIBRAS e português escrito/oral) tornam-se telas com espaços em branco para a projeção do preconceito cultural e do discurso da normalização.

Tendo em vista as dificuldades das pessoas com deficiência auditiva interagirem com as demais ou ouvintes nos diversos serviços disponíveis na administração pública e setores da iniciativa privada, a tomada de providências é fundamental. Visando facilitar o processo de inclusão do surdo nas conjunturas da sociedade contemporânea, como forma de disseminar conhecimento e facilitar a interação com essas pessoas, optou-se pela profissionalização do intérprete de Libras. A história da constituição do intérprete de língua de sinais iniciou-se por meio de atividades voluntárias que foram valorizadas na medida em que os surdos passaram a desenvolver o exercício da cidadania e em paralelo com a proposta de educação bilíngue(2).

No Brasil, o trabalho com intérpretes iniciou-se nos anos 1980, principalmente, em função de serviços religiosos e informais. Nesse contexto, a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) passou a organizar encontros de intérpretes de LIBRAS(3).

Os termos surdo-mudo e mudo não são exemplos isolados de demonstração de preconceito somente, mas são indicadores de um mundo mais amplo de redes de significados que estabelecem convenções para descrever relações entre condições, valores e identidades. Além disso, dentro desse mundo de significados, há alinhamentos distintos e desiguais entre uns e outros, já que, no caso da minoria surda, os discursos da medicalização e da normalização têm prevalecido sócio-historicamente(4).

Abrangendo área de 3.218.976 Km2, população de 316.532 habitantes, densidade 98,3 Hab/Km2, PIB R$ 1.854.267.507,00, PIB per capta R$ 5.858,07, a Região Centro-Sul Fluminense envolve os seguintes municípios: Areal; Comendador Levy Gasparian; Engenheiro Paulo de Frontin; Mendes; Miguel Pereira; Paracambi; Paraíba do Sul; Paty do Alferes; Sapucaia; Três Rios; e Vassouras(5). Como o curso em questão é oferecido na cidade de Três Rios, seu primeiro módulo atendeu ao elenco de interessados residentes nas cidades localizadas em seu entorno.

Registros históricos revelam que a educação de surdos teve sua origem no século XVI, a partir do trabalho desenvolvido pelo monge beneditino Pedro Ponce de León. Seu trabalho não apenas influenciou os métodos de ensino para surdos no decorrer dos tempos, como também demonstrou que eram falsos os argumentos médicos, filosóficos e as crenças religiosas da época sobre a incapacidade dos surdos para o desenvolvimento da linguagem e, portanto, para toda e qualquer aprendizagem(6).

Nesse ínterim, destacam-se alusões à exclusão e opressão que os surdos vivenciaram no decorrer dos períodos históricos. Os registros mais antigos sobre pessoas surdas são as passagens do Antigo Testamento que mostram que hebreus, egípcios e romanos já conviviam com os surdos e os consideravam inferiores. Nas sociedades antigas, os surdos ficavam restritos aos seus lares por vergonha da família ou isolados em asilos, hospitais, celas ou calabouços, como uma forma de “banimento dos indesejados" ou ainda como objeto de compaixão, fato que ainda perdura. Em 1880, foi adotado oficialmente o método do oralismo, baseado em intervenções clínicas que prometiam curar ou corrigir a surdez e reabilitar a fala. Desde então, foram excluídas todas as possibilidades de uso das línguas de sinais em instituições que recebiam surdos(2).

Em estudos históricos que descrevem e discutem os fatos ocorridos ao longo dos últimos cinco séculos (os primeiros registros datam do século XVI) à luz de diferentes teorias, pode-se observar que o foco dos debates sempre esteve relacionado a questões ligadas à(s) língua(s), ou seja, se os surdos deveriam desenvolver a linguagem oral (acompanhada ou não de sinais) e, assim, sua educação ser realizada e pensada a partir da língua utilizada pelos ouvintes ou se deveria ser permitido a eles (já que essa educação sempre foi determinada por ouvintes que se autoatribuíram poder para a tomada dessa decisão) o uso da língua de sinais, cujo reflexo seria também sentido nas esferas educacionais(6).

Um novo movimento social de oposição à ideologia verbal-oral começa a delinear-se na educação dos surdos no século XVIII, em 1760, aproximadamente. Movimento que teve seu início no Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, primeira escola pública para surdos na Europa, fundado pelo abade Charles Michel de l'Epée. De l'Epée reconheceu que os surdos possuíam uma língua utilizada para propósitos comunicativos com seus pares e  que poderia ser usada em sua educação(4).

O movimento social organizado que clamava pelos direitos dos surdos ganhou expressão e substantiva forma de resistência e, em consequência disso, foram criadas várias associações de surdos no mundo. No Brasil, as primeiras associações surgiram na década de 1950, chegando atualmente a cerca de 100 associações. Em 1987, foi criada a Feneis (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos), primeira entidade nacional que congrega todas as instituições e associações de surdos e que vem historicamente lutando pelo direito ao uso da língua de sinais e da vivência da cultura surda. A Feneis desenvolve ações em todo o país com a função de auxiliar na criação de novas associações; orientar escolas sobre o uso da Libras (Língua de Sinais Brasileira); promover campanhas de divulgação e esclarecimento sobre a surdez; e representar os surdos junto aos órgãos governamentais(2)

Mais tarde, nos anos 20 do século XIX, o embate entre surdos e ouvintes voltou a acentuar-se. Em 1822, com a morte de Roch Ambroise Sicard, sucessor de de l'Epée no Instituto de Paris, entram em cena novos diretores que, desconhecendo os problemas educacionais dos surdos, passaram a questionar o papel da língua de sinais nessa educação e, consequentemente, o papel dos professores surdos(6).

As transformações e/ou mudanças na conjuntura comportamental das pessoas em sociedade, em se tratando das relações e aceitação das diferenças individuais do outro, são lentas e danosas para as ditas minorias. Há níveis de explicitação de preconceitos e estes  podem estar velados até mesmo na narrativa da diferença.

Sabe-se que a palavra diversidade ou o discurso da diferença podem estar sendo utilizados para encobrir uma ideologia de assimilação que está na base do discurso do multiculturalismo conservador e corporativo e, no caso da surdez, não é a pregação dessa narrativa que garantirá uma atitude de respeito às minorias linguísticas(4).

Nesse contexto, deve-se destacar que, durante quase um século (1880-1960), o discurso dominante sobre a surdez centrou-se no “abafar”, no inferiorizar, no descaracterizar as diferenças, elevando e enfatizando aquilo que estava ausente no surdo frente ao modelo ouvinte (a audição, a fala, a linguagem). Isso determinou o desenvolvimento de abordagens clínicas e práticas pedagógicas que buscavam o apagamento da surdez por meio da tentativa de restituição da audição pelo uso de aparelhos de amplificação sonora e de promoção do desenvolvimento da linguagem oral a partir de técnicas mecânicas e descontextualizadas de treino articulatório(6).

O objetivo deste estudo é discutir as razões que levam cidadãos comuns e profissionais de diversas áreas a procurar o Curso da Língua de Sinais Brasileira na região Centro-Sul Fluminense, Estado do Rio de Janeiro, Brasil.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo exploratório, pautado na perspectiva qualitativa, realizado com alunos do curso de Língua de Sinais Brasileira Libras em Contexto, no período de março a maio de 2010. A pesquisa qualitativa surge diante da impossibilidade de investigar e compreender por meio de dados estatísticos alguns fenômenos voltados para a percepção, a intuição e a subjetividade.

O instrumento usado para coleta dos dados foi tipo questionário com perguntas abertas e fechadas, de forma a proporcionar a análise e interpretação compatíveis com elementos interpretativos do objeto investigado. Os dados foram analisados segundo a técnica de análise de discurso de Orlandi. Foram selecionadas algumas falas que, em seguida, foram analisadas a partir dos princípios da análise do discurso.

A análise do discurso visa, partindo da superfície linguística (o material linguístico coletado; neste caso, os registros das falas), apontar o objeto discursivo através da análise da materialidade linguística. Não se restringindo à análise dos significados pretendidos pelo autor, a análise do discurso procura o intertexto que atravessa a produção textual, apontando para o modo como os objetos simbólicos produzem sentidos, ou seja, como as formações ideológicas regem os processos de significação. Assim, este instrumento de análise procura entender a língua fazendo sentido, concebendo a linguagem como mediadora entre o homem e a realidade natural e social.

Foram considerados sujeitos do estudo 30 alunos que se mostraram interessados em participar voluntariamente, os quais assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com o delimitado na Resolução 196/96 do CNS.

O presente estudo derivou-se da pesquisa institucional “Cuidados de enfermagem para com pessoas com deficiência: Inclusão através da autonomia funcional e habilitação de cuidadores domiciliares”, registrada no Comitê de Ética em Pesquisa – CEP-UNIRIO, FR 268983 021/2009, de 30 de julho de 2009.

 

RESULTADOS

Para dar conta da abordagem qualitativa implícita no desenho proposto por este estudo, após criteriosa leitura e interpretação dos dados descritivos relatados pelos seus informantes em resposta a questão (Por que você está fazendo o curso de LIBRAS?) e valendo-se da técnica de análise de discurso, emergiram as seguintes categorias:“Busca de complemento de Libras para especialização na área de educação especial e atendimento digno ao aluno surdo”;”Comunicação e integração adequada com surdos como estratégia para inclusão social e promoção da cidadania”; e “Atendimentos e cuidados com dignidade na área de saúde”.

 

Categoria 1 – “Busca de complemento de Libras para especialização na área de educação especial e atendimento digno ao aluno surdo”.
Os registros das falas dos sujeitos revelam inquietações referentes ao despreparo dos educadores para atender as necessidades de comunicação dos alunos surdos, seja no convívio diário, seja no desempenho de atividades do ensino para com essas crianças, deixando claras expectativas positivas ao final do curso.
Alguns alunos do Curso de Libras já exercem a função docente com crianças e  adolescentes surdos; inclusive, com pós-graduação em Educação Especial, como pode ser observado nas falas que seguem:

Porque ao terminar especialização em deficiência auditiva, ficou faltando o principal, Libras, para me comunicar com surdos. Pois sou alfabetizadora e pedagoga (I – 8).

[...] Como complementação da pós-graduação, já que a mesma não me ofereceu o principal: o meio de entender e me fazer entender pela comunidade dos surdos (I – 9).

Porque tenho uma aluna com deficiência auditiva e quero muito alfabetizá-la. Ela é muito esperta; eu é que não estou conseguindo trabalhar com ela adequadamente. Estou aqui procurando ajuda (I – 24).

Porque já trabalhei com crianças com essa deficiência e vi que são poucos professores que têm paciência. Por isso, venho me especializar em Educação Especial. Já tinha procurado fazer o curso de Libras, mas meu horário não batia. (I – 11).

Porque, na escola onde trabalho, convivemos com aluno surdo e quando ele tenta se comunicar conosco ficamos sem saber como ajudá-lo, isso faz com que nos tornemos um tanto incapazes, impotentes. (I – 18).

Na escola que trabalho, temos uma aluna surda. Não leciono na turma dela, mas tenho contato com ela. Acho importante nós professores estarmos preparados para a inclusão de alunos deficientes na escola (I – 20).

[...] Agora que sinto mais necessidade, pois na Escola em que atuo tem muitas pessoas surdas e mudas. (I – 13).

[...] Me preparar para receber futuros alunos na instituição em que trabalho (I – 23).

Poder atuar na área de educação com mais esse diferencial de poder manter comunicação com aqueles que precisam dos meus serviços. Preciso me aperfeiçoar para ter conhecimento e poder um dia ser multiplicadora (I – 3).

 

Categoria 2”Comunicação e integração adequada com surdos como estratégia para inclusão social e promoção da cidadania”.
Alguns depoentes preocupados com a comunicação adequada e respeito aos direitos de cidadania e inclusão social do surdo assim se colocaram:

[...] Necessidade de me aperfeiçoar, ajudar o próximo. (I – 3)
Porque trabalho com pessoas com deficiência, por ter necessidade de me comunicar, me fazer compreendida e entender o que os surdos precisam ao se comunicarem comigo. (I – 7).

[...] Estou fazendo o curso para ampliar meus conhecimentos. Além disso, aprender a conviver com os deficientes auditivos e assim com demais deficientes. (I – 10).
Sempre quis fazer o curso e o que consegui foram duas oficinas. Gosto do trabalho voluntário e me sinto incapaz quando não consigo me comunicar com as pessoas com deficiência auditiva (I – 25).

[...] Para aumentar meu conhecimento e poder por em prática curso na área de informática para atender a demanda de pessoas com deficiência auditiva (I – 28).

[...] Para me comunicar diretamente com pessoas surdas que buscam ajuda na Secretaria do Idoso e da Pessoa com Deficiência, bem como manter coerência entre o discurso e a prática social inclusiva (I – 30).

 

Categoria 3 –“Atendimentos e cuidados com dignidade na área de saúde”.
Aqui, destacam-se recortes dos informantes desse estudo, focados nos atendimentos de saúde prestados aos surdos, como observado a seguir.

[...] Me interessei em fazer o curso de Libras porque o profissional de fonoaudiologia atua diretamente na reabilitação do surdo, promovendo a ele o melhor nível de comunicação possível. (I – 14).

[...] Porque trabalho na área de fisioterapia neurológica e possuo pais de pacientes que são deficientes auditivos, poderei fazer orientações e me comunicar melhor (I – 2). 

Com o objetivo de me aperfeiçoar mais em relação a Libras, já que, como fonoaudiólogos, atuamos diretamente com surdos, além de ser importante, já que estou começando no mercado de trabalho (I – 21).

[...] Devido a trabalhar com surdos, utilizo o método aurioral, mas vejo a necessidade de utilizar outra linguagem para a comunicação deles. E também uma maneira de satisfazer o trabalho fonoaudiológico com deficientes auditivos, pois muito utilizam esta comunicação (I – 1).

[...] Para melhor interagir com clientes surdos na consulta e no planejamento da assistência e cuidados de enfermagem, atuando na unidade de reabilitação municipal. (I – 5)

 [...] Para melhor atender pessoas no meu ambiente de trabalho e na minha faculdade, quando me formar no curso de graduação em Enfermagem (I – 4).

 

DISCUSSÃO

Os sujeitos deste estudo demonstraram preocupação com a qualidade do ensino oferecido aos estudantes surdos, já que, em geral, esses encontram uma desigualdade linguística dentro da sala de aula por não terem uma língua compartilhada com seus colegas e professores ouvintes. A maioria buscou o curso de Libras para promover os processos interacionais com clientes surdos na área da educação, saúde, esporte, lazer, administrativa, entre outras.

A inclusão de crianças deficientes no ensino regular foi tomada como uma política que traduz exemplarmente as premissas do modelo social. Segundo o discurso do modelo social, não existiriam pessoas deficientes, mas sim uma sociedade deficiente, no sentido de excludente, na consideração de múltiplos graus de necessidades.

Porém, os depoentes deste estudo confirmam certa contradição entre o politicamente instituído e a realidade no sistema de ensino, uma vez que afirmam já lidar com alunos surdos e que buscam o curso para aprender a lidar com eles, ou que receberam certificados de pós-graduação em educação especial de surdos sem que os cursos oferecessem noções de Libras.

Dados do Censo IBGE 2000 confirmam a existência de 5,7 milhões de pessoas com Deficiência Auditiva, o equivalente a 2% da população brasileira. Dessas, mais de 406 mil em idade escolar; no entanto, somente 56 mil (13%) cursavam a educação básica no ano de 2003. No ensino médio, este número caiu para 2 mil e, nas universidades, para 300. Tais resultados confirmam o quanto essa população está fora da escola(1).

A escola inclusiva, aquela que colocaria juntas, nas mesmas salas de aula, crianças com deficiências – de todo e qualquer tipo e gravidade – e crianças sem deficiências, reafirma, assim, a neutralidade da condição de deficiente porque pressupõe um ambiente de aprendizagem ajustado, multiparametrado, à semelhança da sociedade que preconiza o modelo social(7). Pouco ou nada representam para pais e alunos com necessidades educacionais especiais a oferta de escolas inclusivas sem professores habilitados para o ensino especializado de alunos com deficiência, a exemplo das mencionadas pelos docentes do ensino fundamental e básico participantes deste estudo.

Determinar, por força de lei, que crianças com necessidades educacionais especiais sejam absorvidas pelo sistema regular de ensino, que não consegue dar conta, atualmente, sequer das crianças sem deficiência, é pretender uma solução fácil e ilusória para o problema da educação especial. Os professores do ensino regular não têm sido preparados para a tarefa de lidar com crianças com necessidades educativas especiais e,  sem este preparo, por melhor que seja o método utilizado, as chances de sucesso são muito limitadas(8)

Vale ressaltar que, com base na Declaração de Salamanca, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996, reconhece o direito de todas as crianças, com ou sem necessidades educacionais especiais, à educação de melhor qualidade, preferencialmente nas escolas regulares de ensino(8).

Atualmente, a política de educação no Brasil tem o objetivo de viabilizar uma educação integradora, ou seja, uma educação organizada de forma a atender a todos, incluindo pessoas com necessidades educacionais especiais no contexto da escola regular. Essa política encontra-se explicitada em propostas curriculares, nas quais o Ministério da Educação propõe que as escolas regulares devem oferecer, em sua organização, atividades em classe comum e serviços de apoio especializados para os surdos(3).

Sabe-se que 95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes, o que as impede de adquirir naturalmente a linguagem oral, que é utilizada pelo grupo ouvinte majoritário. Além do problema comunicativo, a maior gravidade que envolve a condição de vida do surdo refere-se ao acesso, muitas vezes tardio e limitado, à língua de sinais, configurando especificidades ao desenvolvimento linguístico e, consequentemente, cognoscitivo do sujeito(1).

A este respeito, cabe ressaltar que crianças surdas, por necessidade de comunicação com seus entes familiares, recorrem a estratégias comunicacionais alternativas que consistem na aprendizagem de alguns códigos informais de comunicação não verbal. Esses códigos informais dificultam sobremodo o aprendizado da Libras quando as crianças chegam nas escolas para alfabetização no sistema formal de ensino.

No âmbito das práticas de cuidar e assistir em saúde, é importante enfatizar que a dificuldade de relacionamento com os deficientes auditivos não é geral, pois alguns profissionais sempre tentam aprender maneiras de relacionar-se eficazmente no intuito de proporcionar o bem estar e transmitir maior confiança. Esses profissionais evidenciam seus esforços e a busca pela melhor forma de relacionamento com esse tipo de cliente, porém o sucesso é limitado pela falta de preparo específico desde a sua formação acadêmica(9).

Os enfermeiros que participaram deste estudo relataram que a procura do curso de Libras deveu-se à percepção da necessidade de promover a qualidade da assistência e cuidados junto aos clientes surdos, como forma de complementar lacuna da formação profissional nos programas de graduação. Aliás, não há mesmo como garantir a qualidade do cuidado e assistência de enfermagem aos clientes surdos sem que os enfermeiros estejam habilitados a interagir através da Língua de Sinais Brasileira.

Para consultas médicas, os surdos sempre vão acompanhados, dada a necessidade de um intérprete para permitir a exposição dos motivos que os levaram a procurar o médico e garantir a compreensão da fala desse profissional. Isso configura não apenas uma limitação na autonomia, mas também a redução da privacidade, muitas vezes crucial para o diagnóstico e o tratamento, ainda que prefiram acompanhantes em que confiam (10).

Exatamente por isso que a participação de profissionais de saúde é fundamental nos cursos de Libras; inclusive médicos, embora não se tenha registrado no caso aqui estudado.

Expressiva preocupação foi detectada nas falas dos fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos e demais profissionais da área de saúde em termos de habilidade, conhecimento e domínio da Libras para atuar na identificação das necessidades dos seus clientes surdos. Também foram detectados sinais favoráveis ao reconhecimento da necessidade de conhecer outra forma de comunicação, essa não verbal e através da Libras, como imprescindível ao adequado interagir com pessoas surdas.

Por mais que se possa improvisar, a relação profissional da saúde e cliente surdo precisa ser melhorada porque para os surdos o atendimento digno é atingido quando são compreendidos em suas necessidades, efetivando assim a inclusão na saúde. A comunicação estabelecida com os surdos instaura-se como um dos grandes obstáculos do cuidar em saúde. O bloqueio de comunicação prejudica a interação entre profissionais da área de saúde e pessoas com deficiência, a exemplo dos surdos, comprometendo o atendimento de suas necessidades afetadas. Imagina-se que a presença do intérprete solucionaria todos os problemas de comunicação, entretanto, verifica-se que nem sempre é assim que ocorre. A atuação do intérprete melhora, mas não contribui totalmente para a inclusão dessas pessoas(11).

Partindo-se da perspectiva da surdez como deficiência está o que se convencionou chamar de modelo clínico-terapêutico de surdez. O direcionamento dado por profissionais da saúde e da educação centra-se na reabilitação: a perda auditiva traz consequências ao desenvolvimento psicossocial do surdo, diminuindo consideravelmente sua capacidade de adaptação social. Deve-se tentar a cura do problema auditivo (implantes cocleares, próteses) e a correção dos defeitos da fala por meio da aprendizagem da língua oral. Nesse sentido, ser Surdo (com "S" maíusculo) é reconhecer-se por meio de uma identidade compartilhada por pessoas que utilizam língua de sinais e não veem a si mesmas como sendo marcadas por uma perda, mas como membros de uma minoria linguística e cultural com normas, atitudes e valores distintos, e uma constituição física distinta(10)

Uma das dificuldades de comunicação dos enfermeiros com os deficientes auditivos advém da condição desta clientela, pois o comprometimento na aquisição e desenvolvimento da linguagem representa incalculável prejuízo, uma vez que modifica o processo de raciocínio e pensamento. Além dessa dificuldade de comunicação entre estes dois grupos, considera-se também o despreparo na formação acadêmica dos profissionais (9,12) para a leitura de signos não linguísticos presentes nos corpos dos clientes, que possibilitam o reconhecimento de significantes ricos em mensagens que colaboram sobremaneira para a avaliação, diagnóstico e intervenção de enfermagem.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que as pessoas que buscam o curso o fazem por motivos que variam da necessidade de complementar curso em nível de pós-graduação em Educação Especial à inclusão através do atendimento digno ao surdo em diversos setores públicos e privados no âmbito da educação, saúde, esportes e lazer, entre outros.

Da mesma forma, foi reveladora a preocupação com o cumprimento da legislação quanto aos direitos das pessoas com deficiência, assegurando-lhes cuidados de saúde e processos comunicacionais não verbais consoantes com a Libras, em respeito às diferenças e necessidades dos surdos.

Houve quem declarasse buscar o curso como caminho facilitador para ingressar no mercado de trabalho, valendo-se da já adquirida formação acadêmica voltada para atuar com surdos; em particular jovens egressos de programas de graduação e pós que, embora desempregados no momento, aguardam oportunidade para trabalhar e interagir sem barreiras com esse segmento da sociedade.

Como a região Centro-Sul Fluminense vive momentos de expansão econômica e social decorrente dos crescentes investimentos nos setores industrial, comercial, educacional e de serviços, compete aos seus gestores públicos a tomada de iniciativas divulgadoras e implementadoras das políticas focadas na inclusão e cidadania das minorias, como a comunidade de surdos, eliminando barreiras comunicacionais e promovendo acesso aos direitos garantidos pela legislação, a exemplo da oferta do Curso Libras em Contexto deste estudo.

 

REFERÊNCIAS

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5. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2000. Estatística da População com deficiência [homepage in the Internet]. Rio de Janeiro: IBGE;[cited 2010 Jan 26] Available from: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao / censo2000 /populacao/deficiencia_Censo2000.pdf

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Recebido:12/05/2012
Aprovado:28/06/2012