ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Conhecimento do paciente com insuficiência cardíaca no contexto domiciliar: estudo experimental

 

 

Daiane Bertuzzi1, Emiliane Nogueira de Souza2, Maria Antonieta Moraes1, Claudia Mussi3, Eneida Rejane Rabelo4

1Fundação Universitária de Cardiologia
2Universidade Federal de ciências da Saúde de Porto alegre
3Hospital de Clínicas de Porto Alegre
4Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 


RESUMO
Objetivo: Verificar o conhecimento, de pacientes com insuficiência cardíaca (IC), sobre a doença e autocuidado antes e após o acompanhamento de enfermagem no domicílio. Método: Estudo experimental, tipo antes-depois, realizado com pacientes que estiveram internados por descompensação da IC. Após a alta hospitalar foram realizadas, por enfermeiras especialistas, duas visitas domiciliares (VD) em um intervalo de 30 dias. Foi aplicado um questionário, validado no Brasil, com 14 questões, sobre o conhecimento da doença e do autocuidado. A intervenção educativa baseava-se nas orientações acerca da IC.  Foi considerado conhecimento adequado aos pacientes que tiveram pelo menos 70% de acerto no questionário. Resultados: Incluiu-se 41 pacientes, 21 (51,2%) homens, com idade média de 64±13,7 anos. O escore de acertos foi de 64% na VD1 e 70,9% na VD2 (P=0,020). Discussão: Intervenções de enfermagem beneficiam os pacientes, aprimorando seu conhecimento. Conclusão: Ocorreu uma melhora significativa do conhecimento da doença e autocuidado após a intervenção domiciliar.
Palavras-chave: Insuficiência Cardíaca; Conhecimento; Visita Domiciliar; Enfermeiras.


 

INTRODUÇÃO

O tratamento da insuficiência cardíaca (IC) consiste na otimização de fármacos com impacto comprovado em morbidade e mortalidade(1). Adicionalmente ao tratamento farmacológico, medidas relacionadas à adesão às medicações e mudanças no estilo de vida relacionadas ao autocuidado, como peso diário, vacinação, atividade física, reconhecimento precoce dos sinais e sintomas de descompensação, entre outras, trazem benefícios comprovados(2)

O sucesso do tratamento depende da adesão do paciente que precisa modificar comportamentos e estilos de vida. Para isso, é necessário que o paciente tenha um conhecimento adequado sobre a patologia, sinais e sintomas de descompensação e seu tratamento, a fim de evitar a internação hospitalar e melhorar a qualidade de vida(3). Inúmeras formas de intervenção podem auxiliar o paciente no entendimento da IC, como consultas ambulatoriais, visitas domiciliares, contato telefônico, entre outras.

Apesar de tantas estratégias, observa-se que os pacientes com IC ainda apresentam dificuldades e barreiras no aprendizado sobre sua condição de saúde. Um estudo, realizado com pacientes com IC, constatou que as principais barreiras para o aprendizado sobre a doença foram os aspectos cognitivos: dificuldades de entendimento sobre as inúmeras medicações, desconhecimento dos sintomas de descompensação, idade avançada e nível de alfabetização baixo(4)·

Acredita-se que o conhecimento do paciente sobre a IC aumenta a sensação de controle pessoal e facilita a adaptação ao estado crônico da doença e ao tratamento. O sucesso deste processo educativo deve ser discutido no contexto do paciente, de maneira que aspectos como a condição socioeconômica, escolaridade, ocupação e crenças de saúde sejam considerados. A estratégia da escuta sensível, implementada na consulta de enfermagem, demonstrou que a enfermeira consegue perceber melhor as necessidades não verbalizadas pelo cliente(5).

Nesse sentido, o acompanhamento domiciliar ao paciente, após a alta hospitalar, é uma estratégia que facilita a abordagem do paciente com família em ambiente real(6), com vistas a aprimorar o conhecimento sobre tratamento e, desta forma, contribuir com a adesão.

Assim, este estudo teve por objetivo verificar o conhecimento do paciente com IC sobre a sua doença e autocuidado antes e após acompanhamento de enfermagem no contexto domiciliar.

 

MÉTODO

Tipo de Estudo
Trata-se de um estudo experimental, tipo antes-depois, aninhado em um ensaio clínico randomizado, cujo objetivo é avaliar o impacto do acompanhamento domiciliar, pela equipe de enfermagem, junto a pacientes com IC, após a alta hospitalar, no período de seis meses.

Este estudo foi realizado com pacientes com diagnóstico comprovado de IC, internados por descompensação dessa doença, em dois hospitais da região metropolitana de Porto Alegre, RS. Os pacientes foram localizados, a partir de busca ativa em unidades de internação clínica e prontuários e recrutados consecutivamente nas unidades de internação clínica e de emergência, entre abril de 2010 e janeiro de 2011.

A verificação do conhecimento e a intervenção educativa ocorreram no domicílio do paciente, após a alta hospitalar, em duas visitas domiciliares (VD), realizada por uma enfermeira especialista em cardiologia. A 1ª VD ocorreu entre 4 a 7 dias após a alta hospitalar, enquanto a 2ª VD ocorreu entre 14 e 16 dias após a 1ª VD.

Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, idade igual ou superior a 18 anos, com diagnóstico de IC com disfunção sistólica (fração de ejeção ≤ 45%), de qualquer etiologia, internados, por descompensação da doença, e que concordaram em participar do estudo.

Foram excluídos pacientes que apresentavam barreiras de comunicação e portadores de doenças neurológicas crônico-degenerativas, bem como pacientes que tinham apresentado síndrome coronariana aguda nos últimos seis meses antes da randomização, pacientes com doença renal/hepática/pulmonar ou sistêmica, para não confundir a interpretação dos achados ou resultar em limitada expectativa de vida, plano cirúrgico ou terapêutico que poderiam influenciar no seguimento e gravidez.

Também pacientes que não tinham interesse em receber visitas domiciliares ou não tinham possibilidade de contato telefônico.

Acompanhamento Domiciliar de Enfermagem
O acompanhamento domiciliar de enfermagem, realizado por enfermeira especialista, incluiu a avaliação clínica do paciente com posterior orientações sobre IC como: etiologia, reconhecimento precoce dos sinais e sintomas; efeitos desejados e colaterais dos medicamentos, reforço dos horários e doses dos medicamentos prescritos; restrição hídrica e salina; abstenção do cigarro e restrição de álcool e medidas preventivas, como a vacinação e atividade física(7).

Coleta de Dados
Durante a internação hospitalar, após o convite para participar do estudo e o aceite do paciente, foram coletados os dados sociodemográficos e clínicos registrados em prontuários. Após a alta hospitalar era combinado com o paciente, por meio de contato telefônico, data e horário para a realização da VD.

Para avaliação do desfecho, utilizou-se o Questionário de Conhecimento da Doença e Autocuidado, validado no Brasil(8). Este questionário engloba questões relacionadas à dieta (uma questão), líquidos e peso (três questões), informações gerais de IC (duas questões), medicamentos (cinco questões), atividade física (uma questão), medidas que melhoram a IC (uma questão) e motivos de reinternação (uma questão), totalizando 14 questões. O percentual de conhecimento foi determinado pela soma do número de respostas corretas, tendo, como pontuação máxima, 14 acertos, correspondendo a um percentual de conhecimento sobre a IC de 100%.

Os autores consideram conhecimento adequado quando o paciente acerta, pelo menos, 70% das questões(8).

Na primeira vista domiciliar (VD1), aplicava-se o instrumento para verificar o conhecimento basal do paciente e, após, a enfermeira especialista, realizava a intervenção de enfermagem. Na segunda visita domiciliar (VD2) verificou-se novamente o conhecimento do paciente sobre a IC.

Este estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética de ambas as instituições (Instituto de Cardiologia – Fundação Universitária de Cardiologia e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre), sob os números 4334/09 e 09-911, respectivamente. Todos os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em duas vias.

Análise Estatística
Após a análise estatística, foi calculado o poder do estudo para a avaliação do conhecimento sobre a IC que foi de 80%, com 6,9% de aumento do percentual médio de conhecimento (magnitude do efeito), DP=18,2 e DP=16,9. As variáveis contínuas foram descritas como média e desvio padrão (m+dp) para aquelas com distribuição normal ou com mediana e intervalo interquartil.

As variáveis categóricas foram descritas com números absolutos (n) e relativos (%). O escore do conhecimento nas VDs foi comparado pelo teste t pareado e pelo teste de McNemar. Para verificar associação entre o delta do percentual de conhecimento médio adquirido e o tempo de IC e escolaridade (anos de estudo), foi realizada a correlação de Spearman's (P <0,05). O Programa Estatístico SPPS v.14 foi utilizado para estas análises.

 

RESULTADOS

Dos 41 pacientes incluídos por IC descompensada, que receberam a intervenção de enfermagem em duas visitas domiciliares, 51,2 % eram do sexo masculino, com idade média de 64±13,7 anos. A mediana da renda familiar mensal foi de 1140 (635-1500) reais, sendo que 58,5% dos pacientes eram casados e 70,7% moravam com a família. Os demais dados estão descritos na Tabela 1.

 

Quanto às internações prévias, 51,2% dos pacientes internaram no último ano por descompensação da IC. Grande parte dos participantes era ex-fumantes (57,7%), não consumia bebida alcoólica (82,9%) e era sedentária (95,1%).

Foi observada melhora no conhecimento da IC após a intervenção de enfermagem em visita domiciliar, conforme demonstra a Figura 1 . Em média, o percentual de conhecimento médio sobre a IC, na primeira visita domiciliar, foi de 64±18,2%. Após a intervenção de enfermagem, na segunda visita domiciliar, o percentual de conhecimento médio aumentou para 70,8±16,9%, mostrando uma melhora significativa do aprendizado sobre a IC (p=0,020).

 P= 0,020*
VD1: primeira visita domiciliar; VD2: segunda visita domiciliar                              
  

Os pacientes demonstraram, nas visitas domiciliares, que tinham um maior conhecimento em relação aos sintomas da IC, efeito do diurético, alimentos que contém líquido e sal e os motivos que levavam à hospitalização. Quando comparadas o acerto das questões antes e após a intervenção de enfermagem, houve diferença, estatisticamente significativa, apenas na questão relacionada à atividade física (P=0,035), conforme mostra a Figura 2.

     

Não houve correlação significativa entre o delta do percentual de conhecimento médio, adquirido na VD1 e VD2 sobre a IC e o tempo de IC (rs= ­0,23; P=0,152), e, também, entre a escolaridade e o delta do percentual de conhecimento médio (rs=0,23; P=0,153).

 

DISCUSSÃO

Este estudo avaliou o conhecimento do paciente com IC sobre a sua doença e autocuidado, antes e após a intervenção de enfermagem no contexto domiciliar. Acredita-se que a adesão ao tratamento da IC depende do conhecimento e entendimento, por parte dos pacientes e de seus familiares em um processo contínuo de educação(6).

Observa-se, neste estudo, que os pacientes apresentavam um nível de conhecimento basal elevado sobre a IC quando comparado com o estudo americano (4), que avaliou o mesmo desfecho, e obteve um percentual médio de conhecimento de 38,9% (5,83 acertos) nas 15 questões avaliadas, sendo considerado um nível de conhecimento insatisfatório sobre a doença.

Além disso, os pacientes tiveram uma melhora no conhecimento sobre a IC após a orientação de enfermagem em visitas domiciliares. A intervenção de enfermagem beneficia os pacientes, aprimorando seu conhecimento, seja ela realizada através de visitas domiciliares, contato telefônico ou orientação em grupo. Um estudo realizado com pacientes internados por IC e acompanhados por contato telefônico, durante três meses, demonstrou melhora significativa dos escores de conhecimento e autocuidado(9).

Neste estudo, dentre as questões avaliadas sobre o conhecimento da IC, observa-se que a questão sobre atividade física teve um maior número de acertos pelos pacientes, mostrando-se estatisticamente significativa. Houve também um maior número de acertos nas questões sobre controle do peso, medicações, sintomas da IC, controle de líquidos e medidas que melhoram a IC. Entretanto, esses resultados não foram estatisticamente significativos.

Observa-se que os pacientes apresentam dificuldade no entendimento do tratamento não farmacológico da IC, o qual é essencial para a otimização do tratamento. No estudo(8) de validação do questionário sobre a IC para o Brasil, pouco mais da metade dos pacientes soube responder a questão relacionada ao aumento do peso e, um em cada cinco pacientes, não soube responder o quanto deveria restringir o sal diariamente. Isso demonstra que os pacientes ainda têm dúvidas em relação ao aumento de peso por retenção de líquidos e piora da IC, bem como restrição de sal e líquidos(8).

Neste estudo, a estratégia de enfermagem utilizada foi a visita domiciliar, a qual mostra-se como uma ferramenta facilitadora de aproximação entre o profissional de saúde e o paciente e seus familiares. Um estudo realizado na Espanha, com pacientes com IC que receberam uma intervenção domiciliar por enfermeiras treinadas, comprovou que, após um ano, as taxas de reingressos hospitalares, mortalidade e qualidade de vida(10) diminuíram.

 

CONCLUSÃO

O acompanhamento domiciliar, realizado por enfermeira especialista, possibilitou uma melhora significativa do conhecimento da doença e autocuidado em pacientes com insuficiência cardíaca.

 

REFERÊNCIAS

1. Sociedade Brasileira de Cardiologia. III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica. Arq Bras Cardiol. 2009; 93 (1supl. 1): 1-71.

2. Rabelo ER, Aliti GB, Domingues FB, Ruschel KB, Brun AO. O que ensinar aos pacientes com insuficiência cardíaca e por quê: o papel dos enfermeiros em clínicas de insuficiência cardíaca. Rev Latino-Am Enfermagem [ serial in the Internet ]. 2007 Feb [ cited 2012 June 23 ] 15(1): 165-70. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692007000100024&lng=en

3. Linhares JC, Aliti GB, Castro RA, Rabelo ER. Prescrição e realização do manejo não farmacológico para pacientes com insuficiência cardíaca descompensada, internados em emergência de hospital universitário.Rev Latino-Am Enfermagem. 2010; 18(6):1145-51.

4. Artinian NT, Magnan M, Christian W, Lange PM. What do patients know about their heart failure? Appl Nurs Res. 2002; 15(4): 200-8.

5. Corrêa L, Santos I, Albuquerque D. Nursing assessment: Research/Care through the sensible listening in the heart failure clinic. Online braz j nurs [ serial in the Internet ]. 2008 Mar [ cited 2011 November 16 ] 7(1). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2008.1066

6. Aliti GB, Rabelo ER, Domingues FB, Clausell N. Cenários de educação para o manejo de pacientes com insuficiência cardíaca. Rev Latino-Am Enfermagem. 2007; 15(2): 344-9.

7. Rabelo E, Aliti G, Domingues F, Ruschel K, Brun A, Gonzalez S. Impact of nursing systematic education on disease knowledge and self-care at a heart failure clinic in Brazil: prospective an interventional study. Online braz j nurs [ serial in the Internet ]. 2007 Nov [ Cited 2011 November 29 ] 6(3). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/1039

8. Rabelo ER, Mantovani VM, Aliti GB, Domingues FB. Adaptação transcultural e validação de um questionário de conhe­cimento da doença e autocuidado, para uma amostra da população brasileira de pacientes com insuficiência cardíaca. Rev Latino-Am Enfermagem [ serial in the internet ]. mar 2011 [ cited 2011 June 15 ]19(2). Available from: www.eerp.usp.br/rlae.

9. Domingues FB, Clausell N, Aliti GB, Dominguez DR, Rabelo ER. Educação e monitorização por telefone de pacientes com insuficiência cardíaca: ensaio clínico randomizado. Arq Bras Cardiol. 2011; 96(3): 233-9.

10. Brotons C, Falces C, Alegre J, Ballarin E, Casanoas J, Catá T, et al.  Randomized clinical trial of the effectiveness of a home-based intervention in patients with heart failure: the IC-DOM study. Rev Esp Cardiol. 2009; 62(4):400-8.

 

 

Participação dos autores na pesquisa

Daiane Bertuzzi: Concepção e design, coleta de dados, interpretação e análise, escrita do artigo, aprovação final do artigo.

Emiliane Nogueira de Souza: Concepção e design, coleta de dados, interpretação e análise, escrita do artigo, revisão crítica do artigo, aprovação final do artigo.
Maria Antonieta Moraes: Concepção e design, revisão crítica do artigo, aprovação final do artigo.
Cláudia Mussi: Concepção e design, coleta de dados, interpretação e análise, aprovação final do artigo.
Eneida Rejane Rabelo: Concepção e design, revisão crítica do artigo, aprovação final do artigo.

 

 

 

Recebido: 20/01/2012

Aprovado: 05/07/2012