ARTIGOS DE REVISÃO

 

Tendências na produção do conhecimento científico de enfermagem sobre HIV/AIDS: estudo bibliométrico

 

Eliane Rolim de Holanda1, Maria da Conceição Cavalcanti Lira1, Marli Teresinha Gimeniz Galvão2, Marta Maria Coelho Damasceno2, Thelma Leite de Araujo2

1Universidade Federal de Pernambuco
2Universidade Federal do Ceará

 


RESUMO
Objetivo: Analisar a produção científica de enfermagem sobre HIV/AIDS publicada em periódicos editados no Brasil e disponíveis eletronicamente de 2000 a 2011.
Método: Estudo bibliométrico realizado com 194 artigos os quais foram analisados descritivamente quanto à categoria, ano, Qualis, formação, titulação, atividade exercida e instituição dos autores, método, sujeitos, cenários e subtemas.
Resultados: Os dados apontaram aumento significativo na quantidade de publicações sobre a temática, expressiva participação de doutores, docentes e discentes de universidades públicas nas autorias e incipiente participação de enfermeiros assistenciais. Predominaram artigos do Sudeste e Nordeste, em cenários hospitalares. Percebeu-se escassez de trabalhos com crianças, adolescentes, idosos, profissionais do sexo, usuários de drogas e homossexuais. Houve uma tendência por métodos qualitativos de pesquisa.

Conclusão: Conclui-se que os achados desta pesquisa apontam para lacunas do conhecimento que podem ser exploradas por futuras investigações no âmbito da enfermagem.
Descritores: Pesquisa em Enfermagem; HIV; AIDS; Conhecimento.


 

INTRODUÇÃO

Identificada no início da década de 1980, a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) representam um grave problema de saúde pública internacional em virtude do crescente aumento de pessoas infectadas, alto custo da terapêutica, sequelas físicas e emocionais e elevados índices de mortalidade(1).

De acordo com estimativas, em âmbito mundial existem cerca de 42 milhões de pessoas infectadas e convivendo com o HIV(2). Dados recentes mostraram que a epidemia da AIDS no Brasil continua em patamares elevados. São 608.230 casos registrados de 1980 a 2011 e a taxa de incidência oscila em torno de 17,9 casos por 100 mil habitantes(3).

Com o advento da terapia antirretroviral e o acesso ao tratamento, estudos têm apontado uma mudança do perfil epidemiológico e a melhoria da qualidade de vida das pessoas soropositivas. Apesar disso, o problema está longe de ser resolvido e muitos desafios continuam instigando cientistas de todas as disciplinas em relação a este tema.

Nesse contexto, a enfermagem tem importantes contribuições a oferecer, sobretudo no concernente a ações de prevenção dos comportamentos de risco, adesão à terapia farmacológica, assistência dos pacientes enfermos, entre outros. Ao atuar diretamente com essas questões, é preciso se estruturar, juntamente com a equipe de saúde, na busca por soluções para as diversas transformações advindas da epidemia.

O entendimento do caminho percorrido na construção do conhecimento acerca da infecção pelo HIV/AIDS é um passo fundamental. Desta forma, o estudo da produção científica de enfermagem em relação ao paciente soropositivo é essencial para auxiliar na identificação das necessidades para o aprimoramento das ações. Este tipo de pesquisa permite analisar quais aspectos têm sido pouco explorados com vistas a estimular a realização de novos estudos(4).

Para a obtenção de indicadores de avaliação e mensuração da produção científica, a bibliometria vem sendo utilizada como metodologia nas diversas áreas do conhecimento. Tem como princípio analisar a atividade científica ou técnica pelo estudo quantitativo das publicações(5).

A relevância deste estudo é a de possibilitar o resumo e a quantificação, por meio da bibliometria, das publicações divulgadas na literatura científica no âmbito da temática HIV/AIDS. Ao mesmo tempo, estudos desta natureza podem subsidiar a reflexão sobre a produção acadêmica e modelos de investigação por elas adotados, bem como evidenciar as lacunas científicas existentes que apontam para futuras prioridades de investigação.

Diante do exposto, teve-se por objetivo analisar a produção científica brasileira de enfermagem sobre HIV/AIDS publicada em periódicos no período de 2000 a 2011.

 

MÉTODO

Realizou-se estudo bibliométrico, com a proposta de avaliar a produção científica contida em todos os periódicos de enfermagem disponíveis eletronicamente, produzidos no Brasil e publicados entre 2000 e 2011 sobre o HIV/AIDS, possibilitando, assim, identificar o perfil destas publicações.

A busca pelos artigos foi efetuada diretamente em websites de destacados periódicos de enfermagem, a saber: Acta Paulista de Enfermagem, Revista da Escola de Enfermagem da USP, Revista Latino Americana de Enfermagem, Revista Texto e Contexto Enfermagem, Revista Brasileira de Enfermagem, Revista Gaúcha de Enfermagem, Revista da Escola Ana Nery, Revista Baiana de Enfermagem, Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN), Revista de Enfermagem da UERJ, Revista Mineira de Enfermagem (REME), Revista Eletrônica de Enfermagem, Nursing (São Paulo), Cogitare Enfermagem, Revista de Enfermagem UFPE Online (REUOL) e Revista de Investigação em Enfermagem.

Com a finalidade de abranger o maior número possível de artigos, procedeu-se, ainda, a busca na base de dados eletrônica BDENF, a qual está contida na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), e na Scientific Eletronic Library Online (SciELO).

A coleta dos artigos ocorreu no mês de outubro de 2011. Para tanto, utilizaram-se os descritores controlados advindos dos Descritores em Ciência da Saúde (DeCS) sob consulta “HIV” or “AIDS”.

Na seleção dos artigos foram adotados os seguintes critérios de inclusão: a) artigos publicados em periódicos de enfermagem editados no Brasil, nos idiomas português, inglês e espanhol; b) publicações com textos no formato eletrônico disponíveis na íntegra e gratuitamente; c) artigos que possuíssem ao menos um autor enfermeiro; d) publicações relativas à temática enfermagem e HIV/AIDS contidas no recorte temporal de janeiro de 2000 a setembro de 2011. Excluíram-se todos os demais tipos de publicação (editoriais, comentários, reflexão, ensaio, relato de experiência, estudo de caso clínico, teses e dissertações) e artigos que, embora possuíssem algum dos termos delimitados na busca, não tratavam do assunto de interesse do estudo. Artigos que estavam repetidos nas bases de dados foram contabilizados apenas uma vez a fim de evitar duplicidade de informações.

Para a coleta dos dados elaborou-se um instrumento em formato de quadro, no intuito de extrair dos artigos os seguintes aspectos: categoria do artigo, ano de publicação, Qualis do periódico, segundo classificação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em 2009, formação dos autores, titulação acadêmica, atividade exercida (assistencial, docente, estudante), instituição dos autores, abordagem metodológica da investigação, sujeitos do estudo, local de realização (referente ao local de coleta de dados) e subtemas abordados. Cumpre dizer que o Qualis é o sistema de classificação de periódicos, anais e revistas da CAPES para estratificação da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação. Para tanto, os veículos de divulgação são enquadrados em categorias indicativas da qualidade, sendo atribuídos conceitos como A1, classificados como o mais elevado, seguido de A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C, com peso zero.

Para a identificação dos subtemas, após leitura criteriosa dos artigos, consideraram-se os principais assuntos explorados no manuscrito.

Para a organização dos dados, utilizou-se o software Microsoft Excel 2007®. Os resultados foram analisados por meio da estatística descritiva e a discussão pautou-se na literatura científica pertinente à compreensão dos achados.

Por se tratar de pesquisa com dados de documentos publicados e de domínio público, não houve necessidade de apreciação por um comitê de ética em pesquisa com seres humanos. Ressalta-se que foram respeitados os princípios éticos em pesquisa ao longo da análise dos conteúdos textuais.

 

RESULTADOS

A busca bibliográfica resultou em 1049 artigos. No entanto, em consonância com os critérios de inclusão e exclusão elegidos, obteve-se uma amostra de 194 publicações, as quais compuseram o escopo da análise (Figura 1).

 

No tocante à categoria do artigo publicado, 22 dos 194 (11,34%) eram de revisão bibliográfica e os demais 172 (88,66%) eram artigos originais, desenvolvidos em hospitais, universidades, escolas, dentre outros campos. Assim, o número de pesquisas de campo foi superior ao de revisões.

A distribuição anual dos artigos publicados mostrou-se crescente, evidenciando-se um predomínio das produções científicas em 2009 e 2010, no total de 30 (15,46%) trabalhos (Tabela 1).

Ao analisar a classificação dos periódicos segundo o Qualis, observou-se que 92 artigos (47,42%) foram publicados em revistas qualificadas como Qualis A2, 61 (31,44%) como B1, 24 (12,37%) como B2, 10 (5,15%) como B3 e apenas sete (3,61%) estavam incluídos no estrato B4. Não se teve acesso a artigos referentes à temática em periódicos classificados como B5 e C.

Obteve-se um total de 640 autorias nos artigos investigados, contabilizando o mínimo de uma e o máximo de oito autorias por estudo. Foi frequente a dupla contagem de alguns autores que publicaram em coparticipação.

Com base nesse quantitativo, no referente à formação profissional dos autores, verificou-se que os artigos foram desenvolvidos por 461 (72,03%) enfermeiros, seguidos por 20 (3,13%) profissionais com outra formação em saúde, a saber: médico, odontólogo, nutricionista, fisioterapeuta, biólogo, farmacêutico e fonoaudiólogo. Também publicaram em periódicos de enfermagem oito (1,25%) profissionais de outras áreas do conhecimento, distribuídos entre pedagogos, terapeutas ocupacionais, físicos, estatísticos e psicólogos. Uma proporção significativa de artigos, expressa por 151 (23,59%) autorias, não mencionaram a formação profissional dos autores.

No relacionado à titulação dos autores dos artigos, identificou-se que 284 (44,38%) possuíam doutorado e/ou PhD, 87 (13,59%) mestrado, 48 (7,50%) apenas graduação ou especialização, 109 (17,03%) eram estudantes e 112 (17,03%) não informaram esse dado. Quanto à caracterização dos estudantes, 43 (6,72%) eram doutorandos, 45 (7,03%) mestrandos e 21 (3,28%) alunos de graduação. Registra-se que não foram encontrados artigos cujos autores eram estudantes de pós-graduação Lato Sensu.

Sobre as atividades exercidas pelos autores, do total de 640 autorias, a maior parte (n=340), equivalente a 53,13% eram docentes, 103 (16,06) eram exclusivamente discentes de cursos de graduação ou de pós-graduação e 69 (10,78%) eram profissionais que praticavam funções assistenciais. Não se obteve informação sobre as atividades exercidas de 128 (20%) autorias analisadas.  

Quanto à categorização das instituições dos autores, das 640 autorias, 528 (82,5%) pertenciam a 25 universidades públicas brasileiras, 67 (10,47%) a instituições privadas de ensino superior e 45 (7,03%) a diversas instituições de saúde distribuídas entre hospitais, unidades básicas de saúde e órgãos ligados à gestão de serviços. Entre as instituições assistenciais, os hospitais universitários, públicos e privados, sobressaíram na participação da produção científica.

No tangente à localização geográfica, verificou-se um predomínio de 287 (44,84%) autorias de pesquisas realizadas na região Sudeste, seguida pela região Nordeste com 190 (29,68%). Observou-se que 68 (10,63%) autorias não informaram a instituição a que estavam vinculados (Figura 2).

A Universidade de São Paulo destacou-se com 20,47% (n=131) dentre as autorias do Sudeste, seguida pela Universidade Federal do Ceará, que obteve a expressiva participação de 119 autorias, equivalente a 18,59% da região Nordeste. Em terceira posição, constou a Universidade do Estado do Rio de Janeiro com 73 (11,71%) autorias publicadas.

A abordagem metodológica predominante foi a qualitativa, adotada em 114 (58,76%) artigos. Nos demais trabalhos, observou-se que 48 (24,74%) utilizaram a pesquisa do tipo quantitativa, 26 (13,4%) eram artigos de revisão ou documental e apenas seis (3,1%) optaram pelo método quantiqualitativo.

Quanto aos sujeitos ou população investigados nos estudos, a maioria (n=40), equivalente a 20,62%, concentrou-se em adultos soropositivos ao HIV, assintomáticos ou com AIDS, sem, no entanto, fazer distinção de gênero. Houve 26 (13,40%) artigos de revisão bibliográfica ou documental, cujo material empírico foi coletado em bases de dados ou ambientes informatizados. Por não especificarem uma população, foram classificados na categoria “não se aplica”. Apenas três estudos (1,55%) focalizavam os profissionais do sexo, fato a ser mencionado, haja vista as normatizações sociais relacionadas a estes trabalhadores (Tabela 2).

Ao se investigar a variável “cenário de estudo”, ou seja, os locais de desenvolvimento das pesquisas, verificou-se predominância de 61 (31,44%) estudos realizados em hospitais, seguido de 46 (23,71%) em ambulatórios especializados. Os demais campos foram: centros especializados, unidades básicas de saúde, instituições de ensino, ambiente domiciliar.

No tocante às principais categorias e subtemas abordados nos artigos, observaram-se inúmeras temáticas, destacando-se a categoria relacionada aos enfrentamentos e significados em face da AIDS (n=69), à promoção da saúde (n=53), ao desenvolvimento dos processos de saúde em HIV/AIDS (n=43) e à prevenção de doenças ou da reinfecção (n=29). Explicita-se que o subtema comorbidades, identificado em cinco artigos, abordavam doenças diretamente correlacionadas ao HIV, tais como tuberculose, hepatite C, insuficiência renal crônica e síndrome da lipodistrofia (Tabela 3).

Observa-se ainda, na Tabela 3, que houve expressiva divulgação sobre o emprego de teorias de enfermagem e processos de sistematização da assistência de enfermagem, demonstrando a aplicação do conhecimento da profissão para a consolidação da enfermagem como ciência.

 

DISCUSSÃO

Ao se investigar a produção do conhecimento sobre HIV e AIDS, percebeu-se que os artigos classificados como originais ou de pesquisa representaram a maior parte dos trabalhos divulgados. Este achado evidencia o esforço da profissão de enfermagem para consolidar seu corpo de conhecimento, bem como para conhecer as dimensões das inserções concretas da epidemia do HIV/AIDS na sociedade(6).

Além disto, os editores tentam cumprir os critérios de seleção para indexação dos periódicos em bases de dados a partir do caráter científico dos trabalhos. Assim, há uma pontuação maior quando a maioria de artigos é original(7).

Nesse sentido, o desenvolvimento do conhecimento gerado em estudos científicos é essencial para a melhoria constante da assistência de enfermagem. Conforme se defende, os enfermeiros devem adotar a prática baseada em evidências, utilizando os resultados de pesquisas para fundamentar suas decisões, ações e interações com os pacientes sob sua responsabilidade, fortalecendo a identidade da enfermagem como profissão(8).

Percebeu-se um aumento expressivo do número de trabalhos ao longo do recorte temporal delimitado. Tal fato mostra o interesse pela pesquisa nesta temática e parece refletir as novas demandas suscitadas pela cronificação do agravo em discussão.

Quanto à queda na produção verificada entre 2000 e 2004, pode refletir a falta de atualização das bases de dados e periódicos investigados. Contudo, é preciso considerar a possibilidade de os enfermeiros estarem publicando em outros periódicos que não sejam da área específica da enfermagem(9).

Mediante a estratificação do Qualis 2009, obteve-se a maior parte dos artigos publicados em níveis satisfatórios de estratificação. Isto demonstra o interesse crescente na busca pela excelência da profissão. Considerando esta classificação, talvez a inexistência, entre os textos que formaram o corpus de análise, de artigos publicados em periódicos A1 se deva a inexistência de periódicos de enfermagem, editados no Brasil e classificados efetivamente com este estrato no período da coleta dos dados.

As diretrizes da CAPES para avaliação de programas de pós-graduação stricto sensu têm direcionado os programas a manterem periódicos com perfil internacional, o que parece justificar a maior demanda de artigos em periódicos com bom Qualis. Essa constatação tem expressivo significado para a enfermagem que presta cuidados à pessoa soropositiva, visto que as revistas nas quais os artigos foram publicados têm excelente qualidade e exercem grande impacto sobre a comunidade científica(4).

Houve a predominância de enfermeiros nas autorias. Este dado pode ser explicado por se tratar de pesquisas publicadas exclusivamente em periódicos de enfermagem. No entanto, foi muito tímido o número de autorias de outras categorias profissionais. Nesse sentido, o trabalho multiprofissional precisa ser mais estimulado, pois contribui para ampliar o entendimento sobre o HIV, tema que necessita de uma abordagem interdisciplinar(10).

Como identificado, grande parte dos artigos foi elaborada por docentes de universidades. Mencionada constatação encontra apoio em estudos que apontaram a supremacia da docência no inerente às autorias(9,11). A maior produção na área acadêmica pode ser atribuída a aspectos das funções exercidas pelos docentes, em especial de instituições públicas, nas quais a ascensão de carreira universitária está relacionada a fatores como titulação, orientações e publicações. Também para a manutenção dos conceitos nos programas de pós-graduação se requer publicações de trabalhos de pesquisa envolvendo o corpo docente e discente(12).

Observou-se expressiva participação de estudantes de nível de graduação e de pós-graduação entre as autorias, evidenciando-se a inserção precoce de alunos de graduação no âmbito científico e de enfermeiros nos cursos de pós-graduação stricto sensu. Tal achado vem ao encontro das recomendações dos órgãos brasileiros de fomento para pesquisa, que advogam em favor das iniciativas de inserção dos estudantes de graduação no aprendizado em pesquisa. O apoio à iniciação científica impulsiona maior participação nas questões que se relacionam com o crescimento da ciência no país e contribui para formação de recursos humanos melhor qualificados.

Evidentemente, a pesquisa não é uma atividade restrita à academia. Contudo foi incipiente a participação de enfermeiros assistenciais de pessoas soropositivas nas autorias dos estudos. Desse modo, verifica-se marcante desídia na produção do conhecimento da enfermagem brasileira, uma vez que estes podem trazer importantes contribuições a questões emergentes advindas de seu objeto de cuidado.
Neste sentido, é necessário haver incentivo das instituições de saúde no que se refere ao envolvimento de profissionais da assistência em projetos de pesquisa para estimulá-los quanto ao desenvolvimento de uma prática reflexiva e cientificamente embasada(8).

Conforme já mencionado, não foram obtidas informações sobre a área de atuação de um número representativo das autorias analisadas. Essa ausência de dados constituiu lacuna para a pesquisa bibliométrica. Ademais, foi evidenciada a necessidade da inclusão de dados completos e padronizados nos periódicos nacionais disponibilizados eletronicamente.

A predominância de pesquisas oriundas do Sudeste foi semelhante à encontrada em outros estudos(4,5,9,12-14). Tais pesquisas indicam o pioneirismo desta região na implantação e na concentração de cursos de graduação e de pós-graduação em enfermagem, além da maior concentração de hospitais. Somado a isto, ressalta-se também que São Paulo foi o primeiro estado a criar oficialmente um programa de AIDS, em 1983, com a publicação de um informe técnico sobre a doença, tendo iniciado as pesquisas sobre esta infecção quase concomitantemente ao seu surgimento no mundo(11).

A expressiva produção de enfermagem oriunda do Nordeste vem caracterizando-o como um importante polo de geração de conhecimento científico. Isto pode ser justificado pela consolidação dos cursos de pós-graduação locais, ampliação de hospitais especializados, bem como pelo aumento da epidemia nessa região, fomentando o interesse dos seus pesquisadores por investigações.

Pelos achados, evidenciou-se maior tendência dos estudos em utilizar a abordagem qualitativa, não excluindo, no entanto, as demais possibilidades metodológicas. No Brasil, a pesquisa qualitativa surgiu na década de 1970, como uma nova abordagem metodológica, cujas características se diferenciavam dos estudos até então realizados. Em sua natureza holística, descritiva e baseada em significações, enfatiza a importância de se conhecer, entender e interpretar os significados de eventos, crenças e valores dos indivíduos. Com base no pressuposto, segundo o qual a realidade social não se esgota nas informações quantitativas, a pesquisa qualitativa impôs-se como estratégia imprescindível na realização das investigações em enfermagem(15).

A predominância da abordagem dos fenômenos e objetos de pesquisa a partir de uma perspectiva qualitativa pode ter origem em fatores diversos. Entre estes, a necessidade dos pesquisadores de adquirir conhecimento sobre questões subjetivas, capazes de refletir em seu cotidiano de trabalho, e a busca da enfermagem pelo distanciamento do modelo biomédico(13).

Conforme apontou a análise da produção levantada, a categoria de sujeitos mais frequente nos estudos foram os adultos soropositivos para o HIV ou com AIDS. Possivelmente, este dado relaciona-se à mudança de curso da infecção pelo HIV, de doença fatal para condição crônica, redução da morbimortalidade e melhoria da qualidade de vida, principalmente após a Lei Nº 9.313, de 13 de novembro de 1996, a qual dispõe sobre a garantia da distribuição gratuita de medicamentos antirretrovirais.

As mulheres representadas por mães, gestantes ou puérperas soropositivas corresponderam aos sujeitos com a segunda maior participação nas pesquisas, o que pode se explicar pela feminização da epidemia observada no Brasil a partir da década de 1990. Cita-se que em 1985, para cada 26 casos entre homens havia um caso entre mulheres. Em 2010, essa relação foi de 1,7 homens para cada caso em mulheres(3).

Embora a razão de sexos ainda seja maior no sexo masculino, as mulheres representam a população na qual se observa a expansão mais rápida da infecção(16). O mencionado processo de feminização possui dois aspectos decisivos a serem ressaltados: o aumento sistemático da AIDS entre mulheres jovens e o problema adicional da transmissão vertical que representa a principal forma de disseminação do vírus na população infantil incluindo, assim, um novo grupo populacional na epidemia, as crianças. No entanto, foi inexpressivo o número de artigos que trataram sobre crianças, fato que corrobora a assertiva destacada em outros estudos(17,18) de que apesar da grande população pediátrica com HIV, a investigação em cuidados e tratamento neste cenário ainda é limitada.

A reduzida quantidade de estudos com crianças, adolescentes e idosos, soropositivos ou não, representa uma lacuna do conhecimento a ser preenchida por futuras publicações. Cabe ressaltar também, a escassez de pesquisas com profissionais do sexo, usuários de drogas e homossexuais no recorte temporal estudado. Esta escassez pode refletir dificuldade metodológica de inserção nos campos onde esses sujeitos se encontram ou de anuência em participar de pesquisas que possam interrogá-los sobre traços de sua intimidade. Por outro lado, também é possível que os pesquisadores tenham pouco interesse em explorar o fenômeno da AIDS em tais grupos populacionais por receio de enfrentar situações de marginalização social de certa forma ameaçadora(19). Portanto, os estigmas e preconceitos podem se manifestar não apenas na sociedade em geral, mas também na comunidade científica(13).

Como demonstra o baixo percentual de estudos abarcando estes três grupos, essa população ainda não está recebendo a devida atenção dos pesquisadores. Por serem as vias sexual e sanguínea as principais formas de contágio entre a população brasileira, e como atualmente não existe mais o conceito de grupo de risco, logo, todos os diversos extratos populacionais precisam ser igualmente alvos de estudos(20).

Pesquisas envolvendo profissionais de enfermagem obtiveram visível representação, ocupando o terceiro lugar no estudo. Este dado corrobora os apontamentos de autores(6,13,20) que discutiram as implicações trazidas pela epidemia para a prática profissional, em seus múltiplos aspectos, desde as relações com os pacientes, acesso aos conhecimentos produzidos acerca da doença, compartilhamento de decisões com o binômio paciente-cuidador até os possíveis riscos ocupacionais.

De modo geral, as publicações sobre HIV/AIDS parecem manter o paradigma hospitalocêntrico como norteador dos cenários das investigações em enfermagem. Neste âmbito, a presença marcante do lócus hospitalar indica a necessidade de investimento em outros cenários de pesquisa, tais como escolas, universidades e locais públicos, privilegiando a abordagem preventiva.

Ainda como evidenciado, a delimitação prioritária do subtema “vivências e significados de estar com HIV” nas pesquisas caracterizou a busca pela compreensão das mudanças ocorridas na vida de pessoas soropositivas, em nível biológico, social ou psicológico, bem como das necessidades daí resultantes.

A partir do ano 2000, passou-se a observar os impactos do uso dos antirretrovirais na sobrevida dos portadores e dos doentes, colocando como problema de pesquisa as questões inerentes à sobrevivência desses sujeitos, fato este que provavelmente justifica a segunda maior frequência de estudos relativos ao subtema “adesão à terapia antirretroviral” entre os artigos investigados.

A forte presença da temática “prevenção do HIV/AIDS” vai ao encontro das questões referentes às práticas que objetivam a prevenção do contato com o vírus. Sua ocorrência deve-se, provavelmente, à inexistência e às dificuldades vislumbradas para o alcance da cura da doença, além da sua letalidade, tornando a prevenção relevante estratégia para o enfrentamento da epidemia.

Os demais resultados dos principais subtemas aqui encontrados apontam tendências e dão subsídios para o reconhecimento da urgência de realização de novas pesquisas voltadas às lacunas existentes na literatura que precisam ser mais investigadas com vistas a se encontrar estratégias de prevenção, enfrentamento, assistência e formação de recursos humanos na área de enfermagem mais eficazes contra o HIV.

 

CONCLUSÃO

Implicações para a prática e para a pesquisa em enfermagem

Este estudo demonstrou tendências, avanços e lacunas na pesquisa de enfermagem relacionada ao HIV. Constatou-se o crescente desenvolvimento de estudos sobre a temática provenientes do Nordeste brasileiro, a pouca participação de enfermeiros assistenciais em pesquisas e de outros profissionais da saúde nos artigos de enfermagem.

Ressalta-se a escassez de trabalhos direcionados para crianças, adolescentes, idosos, profissionais do sexo, usuários de drogas e homossexuais, com ou sem o vírus, aspecto que merece atenção em virtude das suas importantes representatividades na atual situação epidemiológica da doença no Brasil.

As temáticas abordadas também foram caracterizadas e fornecem subsídios para uma compreensão mais ampla dos interesses da comunidade acadêmica no tocante às ações de enfermagem e à epidemia. Os subtemas centraram-se nos significados de viver com HIV/AIDS e nas questões relativas à adesão medicamentosa e na prevenção da doença.

Contudo, alguns artigos analisados não apresentaram dados relevantes para sua identificação, tais como formação, titulação acadêmica, atividade exercida e instituição dos autores. Isto indica a necessidade de mais cuidado ao publicá-los, pois, estas variáveis constituem informações significativas para fins de caracterização das produções científicas.

Pode-se afirmar que a pesquisa em enfermagem é importante pela sua potencialidade de legitimar o fazer, buscar novas maneiras de cuidado por aproximar as dimensões teóricas e práticas da profissão, contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população, e, ao mesmo tempo, dar sustentação à prática profissional.

Ante ao exposto, recomenda-se o desenvolvimento de novas pesquisas no intuito de preencher as lacunas ora apontadas. Este estudo propiciou reflexões para o entendimento da trajetória da produção do conhecimento pela enfermagem brasileira acerca da epidemia por HIV/AIDS, ao longo da última década e início da vigente, trazendo consideráveis achados para o direcionamento de futuras investigações sobre o tema.

 

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Colaboradores
Eliane Rolim de Holanda e Maria da Conceição Cavalcanti Lira participaram da concepção do projeto, coleta dos dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada.
Marli Teresinha Gimeniz Galvão, Marta Maria Coelho Damasceno e Thelma Leite de Araujo supervisionaram todas as etapas da pesquisa, contribuíram com a revisão crítica do conteúdo intelectual, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada.

 

Recibido: 07/03/2012
Revisado: 19/07/2013
Aprobado: 10/09/2013