ARTIGO ORIGINAL
Diagnósticos de enfermagem em prontuários de pacientes diabéticos: estudo descritivo
Lillian Helena Alves da Silva1; Elenice Valentim Carmona1; Ana Raquel Medeiros Beck1; Maria Helena Melo Lima1; Eliana Pereira de Araújo1
1Universidade Estadual de Campinas
RESUMO
Objetivo: identificar Diagnósticos de Enfermagem da Taxonomia II da North American Nursing Diagnoses Association – International em registros de enfermeiros de atendimento a pacientes diabéticos ambulatoriais.
Método: Estudo descritivo e retrospectivo. Dados coletados a partir de 35 prontuários de pacientes, usando instrumento desenvolvido pelos autores e analisados por meio de frequências absolutas e relativas.
Resultados: De um total de oito diagnósticos, três deles apareceram em mais de 50% da amostra: Autocontrole ineficaz da saúde; Nutrição desequilibrada: mais do que as necessidades corporais e; Estilo de vida sedentário.
Discussão: Considerou-se que estes três diagnósticos estão relacionados a uma questão muito importante e única no contexto do cuidado do paciente diabético: a dificuldade dos pacientes em aderirem ao tratamento e ao autocuidado.
Conclusão: Os achados mostram que os diagnósticos de enfermagem são úteis para nomear fenômenos que exigem atenção em contextos específicos de cuidado, bem como nortear a assistência direta a ser oferecida.
Palavras-chave: Diagnóstico de Enfermagem; diabetes mellitus; processos de enfermagem.
INTRODUÇÃO
O diabetes mellitus (DM) é uma doença crônica que em longo prazo acarreta complicações como alterações degenerativas, oftalmológicas, renais, acidente vascular cerebral, aterosclerose e amputações(1). A elevada prevalência desta doença demonstra a necessidade de intervenções que diminuam seu desenvolvimento e complicações.
O enfermeiro, como membro atuante na equipe multidisciplinar, tem papel fundamental como educador no acompanhamento de pacientes com doenças crônicas, como o diabético. Diversos estudos têm apontado as contribuições na adesão ao tratamento e na identificação de problemas vivenciados pelos pacientes com vistas à proposição de intervenções específicas de Enfermagem(2,3,4,5). Entretanto, para que as intervenções sejam propostas, e possam melhorar a qualidade da assistência de Enfermagem, faz-se necessário que os problemas sejam adequadamente descritos e nomeados.
Os problemas identificados pelo enfermeiro, ao longo do Processo de Enfermagem, podem ser nomeados como Diagnósticos de Enfermagem (DEs), o que direciona a escolha das intervenções individualizadas ao diabético e família, responsabilizando o enfermeiro quanto à assistência prestada e resultados obtidos. Entretanto, em alguns contextos de trabalho o enfermeiro ainda não descreve os fenômenos de Enfermagem como diagnósticos, deixando de exercitar o uso da nomenclatura padronizada, fruto de estudos e desenvolvimento de uma ciência específica deste profissional.
Este trabalho teve como objetivo identificar Diagnósticos de Enfermagem da Taxonomia II da North American Nursing Diagnoses Association - International nos registros de enfermeiros que assistem pacientes diabéticos em acompanhamento ambulatorial.
MÉTODO
Trata-se de estudo exploratório-descritivo, restropectivo. O local de estudo foi um hospital-escola público, de alta complexidade hospitalar e ambulatorial, localizado na cidade de Campinas, estado de São Paulo, Brasil.
Os dados foram coletados de 35 prontuários de pacientes diabéticos atendidos no Ambulatório Geral de Adultos do referido hospital, de maio a agosto de 2010, considerando-se os dados da última consulta de enfermagem. Foram excluídos os prontuários de pacientes que abandonaram o acompanhamento ambulatorial, tiveram alta ou foram a óbito. A coleta foi realizada pela primeira autora do estudo, que preencheu um instrumento para cada prontuário.
O instrumento de coleta de dados foi composto por três partes:
1) Caracterização sociodemográfica: representada por iniciais do nome do paciente, idade, sexo, data de nascimento, número de registro no hospital, situação conjugal, profissão, procedência e renda familiar;
2) Caracterização clínica: representada por diagnóstico médico principal, ou seja, DM1 (Diabetes Mellitus 1) ou DM2 (Diabetes Mellitus 2), problemas associados como Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), dislipidemias, tabagismo, etilismo, sobrepeso e obesidade. Para sobrepeso considerou-se IMC (Índice de Massa Corpórea) maior ou igual a 25Kg/m² e, para obesidade, maior ou igual a 30Kg/m²(6). Também utilizados os valores de glicemia e hemoglobina glicada, considerando-se preocupantes valores acima de 110mg/dL e acima de 7%, respectivamente(2);
3) Diagnósticos de Enfermagem: considerados os possíveis para os pacientes em questão. Neste estudo foi utilizada a Taxonomia II proposta pela North American Nursing Diagnosis Association International (NANDA-I), que tem se destacado como uma classificação padronizada da linguagem de Enfermagem, internacionalmente conhecida e disponível em várias línguas(7).
Esta parte do instrumento apresentou oito diagnósticos propostos pela NANDA-I(7) e seus componentes (fatores de risco, características definidoras e fatores relacionados), estabelecidos segundo a literatura e a experiência clínica das autoras, quais sejam: Autocontrole ineficaz da saúde; Nutrição desequilibrada: mais que as necessidades corporais; Perfusão tissular periférica ineficaz; Risco de lesão; Risco de disfunção neurovascular periférica; Conhecimento deficiente; Risco de glicemia instável e; Estilo de vida sedentário(7,8,9).
Os diagnósticos, ao longo da coleta de dados, foram assinalados conforme encontrados registros que davam suporte à sua proposição. Para tanto, os prontuários foram avaliados pela primeira autora, treinada para realizar o mapeamento dos problemas e proposição de diagnósticos, e discutidos com as demais pesquisadoras, em encontros quinzenais, buscando-se consenso para assinalar os diagnósticos e seus componentes.
Os dados foram analisados descritivamente por meio de frequências absolutas (n) e relativas (%). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Parecer n°434/2009).
RESULTADOS
Foram incluídos 35 prontuários de pacientes diabéticos. O grupo foi constituído predominantemente por mulheres (62,8%; n=22 pacientes), com idades variando de 39 a 72 anos e média de 54,6 anos. A maioria dos pacientes é casada (65,7%; n=23) e branca (88,6%; n=31). Quanto à atividade profissional, 45,7% (n=16) desenvolvem trabalho remunerado, 31,3% (n=11) são aposentados, 20% (n=7) são trabalhadoras do lar e um (2,8%) paciente está desempregado. Apresentaram renda mensal fixa 27 pacientes (77,1%), para sendo que para 22 deles (62,8%) ela variou de um a quatro salários mínimos. Cinco pacientes (14,2%) apresentam renda de cinco a nove salários mínimos. O valor do salário mínimo brasileiro, na época da coleta de dados, correspondia a aproximadamente 300 dólares.
Quanto à escolaridade: não foram encontrados dados relativos à escolaridade de sete pacientes (20%). Cinco (14,2%) são analfabetos, porém encontrou-se descrito no prontuário que dois deles aprenderam a ler e escrever, sem educação formal. Assim, de um total de 28 pacientes (80%) com dados sobre alfabetização, verificou-se que os anos de estudo variaram de zero a 15 anos, com uma média de 7,75 anos.
Quanto ao perfil clínico: 32 pacientes (94,1%) possuem DM 2; 29 (82,9%) são portadores de HAS; 23 (65,7%) são obesos e 15 pacientes (42,9%) têm dislipidemia. Apenas seis pacientes (17,1%) são tabagistas e 17 (48,6%) nunca fumaram. Quanto ao etilismo, 27 pacientes (77,1%) nunca foram etilistas, sete (20%) têm história pregressa, mas não atual, e, atualmente, apenas um paciente (2,8%) apresenta o problema.
A glicemia de jejum variou de 89 a 330 mg/dL, com média de 161,3 mg/dl. Apresentaram glicemia maior que 110mg/dL 21 pacientes (60%), bem como Hemoglobina glicada maior que 7%. Opostamente, 10 pacientes (28,5%) apresentaram valores menores ou iguais a 110mg/dL. A hemoglobina glicada esteve menor ou igual a 7% em 10 pacientes (29%). Quatro prontuários (11,4%) não apresentaram dados sobre os resultados destes exames.
A Tabela 1 a seguir apresenta a frequência dos DEs levantados, segundo os registros da última consulta dos pacientes.
Dos oito DEs considerados neste estudo, três deles apresentaram maior percentual nos prontuários analisados: Autocontrole ineficaz da saúde (n=33; 94,3%); Nutrição desequilibrada: mais do que as necessidades corporais (n=25; 71,4%) e; Estilo de vida sedentário (n=23;65,7%). A Tabela 2 apresenta os referidos DEs com a descrição de seus componentes.
DISCUSSÃO
Observou-se um predomínio de mulheres, porém os estudos não apontam prevalência significativa de diabetes em relação ao sexo, mas sim um aumento da frequência com o aumento da idade(10).
A hemoglobina glicada é uma avaliação mais abrangente que a glicemia de jejum. Portanto, neste estudo, verificou-se que a maioria dos pacientes apresentou valores acima de 7%, o que denota risco para complicações em longo prazo do estado hiperglicêmico, como neuropatia, nefropatia, retinopatia e eventos cardiovasculares(10). Além disto, a amostra também apresenta fatores de risco importantes para complicações adicionais ao diabetes, o que deve ser um alerta para propostas de intervenções que melhorem a adesão ao tratamento.
Verificou-se que todos os diagnósticos propostos para o estudo foram identificados nos prontuários, com presença de dois a cinco diagnósticos por paciente: 17 pacientes (48,5%) apresentaram três diagnósticos. A seguir são discutidos os três DEs presentes em mais de 50% dos prontuários.
O DE Autocontrole ineficaz da saúde é definido como “Padrão de regulação e integração à vida diária de um regime terapêutico para tratamento de doenças e suas sequelas que é insatisfatório para alcançar as metas específicas de saúde”. Nutrição desequilibrada: mais que as necessidades corporais é definido como “ingestão de nutrientes que excede as necessidades metabólicas”. O terceiro diagnóstico foi Estilo de vida sedentário, o qual “refere-se a um hábito de vida que se caracteriza por um baixo nível de atividade física”(7).
Estes eventos tão bem descritos pela linguagem padronizada de Enfermagem corroboram com a literatura sobre o paciente diabético(3,11,12). Portanto, os DEs são úteis para descrever fenômenos que requerem atenção e pelos quais o enfermeiro se responsabiliza ao nomeá-los. Além disso, direciona intervenções, torna a comunicação e a documentação do cuidado mais eficientes.
Considera-se que estes três DEs e seus componentes (características definidoras e fatores relacionados) estão relacionados a problemas comuns no contexto do paciente diabético: dificuldade de adesão ao tratamento e manejo do autocuidado. O autocuidado em diabetes é definido como um conjunto de tarefas com as quais o paciente precisa se comprometer para viver bem, o que inclui capacidade, conhecimento, habilidades e confiança para tomar decisões diárias, selecionar e mudar comportamentos e lidar com os aspectos emocionais da doença no contexto de sua vida(3). A intensidade e a repetição diária do tratamento, que muitas vezes são difíceis e desgastantes, produzem um impacto na vida do sujeito e da família. A identificação precoce do DE pode direcionar o enfermeiro a propor intervenções que ajudem na mudança de comportamento.
A baixa adesão ao tratamento é um problema complexo no paciente com doença crônica. Os obstáculos à adesão são independentes do sistema de saúde ao qual ele está inserido(13). Ressalta-se que a responsabilidade do próprio cuidado não pode ser negociada, atribuída a outrem ou diminuída. Embora reconhecido há anos, o dilema tem se mantido sobre o que fazer para melhorar a adesão e o autocuidado. Múltiplas estratégias tem sido desenvolvidas, avaliadas e implementadas na tentativa de solucionar esta questão(3,14). Os resultados mais significativos se deram quando as estratégias foram associadas (educação do paciente, da família e educação dos profissionais), os pacientes incluídos nas decisões relativas ao seu tratamento e os encontros entre pacientes e profissionais de saúde ocorreram com maior frequência e em longo prazo(3,14,15). O que ainda se mostra escasso é o número de estudos randomizados que acompanhem os resultados das intervenções em longo prazo(14).
Do ponto de vista da prática clínica, os DEs encontrados neste estudo indicam necessidades de cuidados que devem ser priorizados e que, na maioria das vezes, sobrepõem-se, como mostra a literatura(3,11,12). O que também evidencia a utilidade clínica do uso da linguagem padronizada de Enfermagem, uma vez que ela é capaz de descrever a resposta humana a qual requer atenção e intervenção com suporte científico. Entretanto, o enfermeiro algumas vezes não reconhece e não utiliza esta importante ferramenta de trabalho.
CONCLUSÃO
Os fenômenos de Enfermagem que mais se destacaram nesta amostra de prontuários de pacientes diabéticos foram: Autocontrole ineficaz da saúde; Nutrição desequilibrada: mais que as necessidades corporais e; Estilo de vida sedentário. Uma vez que grande parte do manejo do diabetes, além do tratamento medicamentoso, baseia-se no grau de autocuidado do paciente, considera-se que os DEs encontrados descrevem as respostas humanas apresentadas por estes pacientes.
Nomear problemas como DEs permite a identificação de intervenções de Enfermagem direcionadas para as reais necessidades desses pacientes, possibilitando elaboração de plano de cuidados individualizado e eficiente. Além de melhorar a comunicação na equipe de saúde e o registro da assistência.
Este estudo teve como limitação o uso de prontuários em que a linguagem padronizada de Enfermagem não é utilizada, além da presença de registros sucintos, sem alguns dados que poderiam oferecer mais subsídios sobre características definidoras, fatores relacionados ou fatores de risco para subsidiar o raciocínio clínico. Portanto, considera-se que este estudo possa contribuir para evidenciar a importância da apropriação pelo enfermeiro de habilidades diagnósticas e uso de classificações de Enfermagem.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 22/04/2012
Aprovado: 31/01/2013
Participação dos autores na pesquisa
Lillian Helena Alves da Silva: concepção do estudo, revisão de literatura, coleta de dados, elaboração das tabelas, análise dos dados, relatório final da pesquisa.
Elenice Valentim Carmona: delineamento do estudo, análise dos dados, revisão crítica do artigo, aprovação final do artigo.
Ana Raquel Medeiros Beck: análise dos dados, revisão crítica do artigo, aprovação final do artigo.
Maria Helena Melo Lima: delineamento do estudo, análise dos dados, revisão crítica do artigo, aprovação final do artigo.
Eliana Pereira de Araújo: concepção e delineamento do estudo, coleta de dados, análise dos dados, revisão crítica do artigo, aprovação final do artigo.