ARTIGOS ORIGINAIS

 

Processo comunicativo no pronto socorro entre a enfermagem e pacientes: representações sociais

 

Adriana Valongo Zani1, Sônia Silva Marcon2, Vera Lúcia Pamplona Tonete3, Cristina Maria Garcia de Lima Parada3

1Universidade Estadual de Londrina
2Universidade Estadual de Maringá
3Universidade Estadual Paulista

 


RESUMO
Objetivo: Descrever e analisar o processo comunicativo estabelecido entre profissional da área de enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem) e paciente/familiar em Unidade de Pronto Socorro, na perspectiva de profissionais e pacientes envolvidos.
Método: Foi utilizada abordagem qualitativa fundamentada na Teoria da Representação Social. Contou-se com a participação de 40 sujeitos, sendo 20 profissionais de enfermagem e 20 pacientes. A coleta de dados ocorreu no período de maio a junho de 2011 e, para análise, utilizou-se o referencial metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo.
Resultados: Os discursos foram agrupados em dois temas: Comunicação entre o profissional e o paciente/familiar e A importância do processo comunicativo com a família para a recuperação do paciente.
Discussão: As representações apreendidas mostraram-se semelhantes, especialmente ao considerar as dificuldades do processo comunicativo e restritas, ao reduzi-lo a orientações e informações.
Conclusão: Foi reconhecida a importância da comunicação com o familiar na recuperação dos pacientes.
Descritores: Comunicação; Enfermagem; Pacientes; Família; Serviços Médicos de Emergência.


 

INTRODUÇÃO

O termo comunicar é proveniente do latim communicare e significa "colocar em comum(1). Entende-se, a partir dessa definição, tratar-se de intercâmbio compreensivo de significação por meio de símbolos, havendo ou devendo haver reciprocidade na interpretação da mensagem. Seja qual for o modo da comunicação, porém, ela está sempre presente na cena terapêutica, veiculando conteúdos conscientes e inconscientes, cuja significação está vinculada ao contexto em que ocorre(2).

A comunicação é considerada pelos profissionais de saúde instrumento básico para o cuidado e está presente em todas as ações realizadas com o paciente/cliente, seja para orientar, informar, apoiar, confortar ou atender suas necessidades básicas. Assim, é uma das ferramentas utilizadas para desenvolver e aperfeiçoar o saber-fazer profissional, sendo especialmente relevante para viabilizar um cuidado com qualidade.

O cuidado é um complexo ato de interação entre seres humanos, constituído de ações e atividades de saúde dirigidas ao paciente e com ele compartilhadas, envolvendo diálogo, escuta, ajuda, troca, apoio, conforto, descoberta do outro, esclarecimento de dúvidas, cultivo à sensibilidade e promoção, valorização e compreensão mútuas(3). Requer interação direta entre profissional e paciente o que, por sua vez, depende de comunicação efetiva, cabendo ao profissional o uso adequado de técnicas da comunicação interpessoal.

É reconhecida a importância do familiar no cuidado frente ao adoecimento de um de seus membros. Assim, tem-se por pressuposto que, no processo de comunicação estabelecido em situações de internação, devem ser considerados tanto o paciente quanto seus familiares.

A comunicação pode ocorrer de forma verbal ou não verbal e associar-se a ruídos que interferem no seu desenvolvimento, resultando em dificuldades no cuidar e no relacionamento paciente-profissional. É processo complexo, especialmente quando o indivíduo encontra-se em ambiente hospitalar, situação em que as expectativas relativas ao tratamento e à qualidade do cuidado podem interferir no seu desenvolvimento e, consequentemente, na recuperação do doente(4).

A comunicação verbal é expressa pela fala ou escrita e a não verbal envolve manifestações de comportamento não expressas por palavras, como gestos, silêncio, expressões faciais e postura corporal. Aspectos da comunicação não verbal influenciam fortemente as relações humanas e devem ser observados no dia a dia pelos profissionais que lidam diretamente com pessoas, como os profissionais da área de saúde(5).

Ser competente em comunicação é habilidade fundamental a ser adquirida pelo profissional de saúde em geral e da enfermagem em especial, pois possibilita um cuidar consciente, verdadeiro e transformador(4).

Considerando-se o papel dos profissionais da área de enfermagem no cuidado em saúde e a relevância da comunicação para seu pleno desenvolvimento, especialmente quando envolve situação de urgência/emergência, propôs-se o presente estudo, cujo objetivo foi descrever e analisar o processo comunicativo estabelecido entre profissional da área de enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem) e paciente/familiar em Unidade de Pronto Socorro, na perspectiva de pacientes e profissionais envolvidos.

 

MÉTODO

Utilizou-se abordagem qualitativa para realização deste estudo. A pesquisa qualitativa é entendida como aquela capaz de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes a atos, relações e estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento como na sua transformação, como construções humanas significativas(6).

Constituiu-se cenário de estudo o pronto socorro de um hospital escola credenciado ao Sistema Único de Saúde (SUS), instituição pública do estado do Paraná que prioriza o desenvolvimento de atividades de assistência, ensino e pesquisa. Em razão de sua capacidade operacional ativa, classifica-se como hospital de porte quatro. Possui em sua estrutura unidades de internação médico-cirúrgica, pediátrica, maternidade, centro-cirúrgico, pronto-socorro e unidade de terapia intensiva (UTI) adulto, pediátrica e neonatal.

O pronto socorro dessa instituição atende em média 110 pacientes por dia, é referência no município para atendimento ao trauma, realiza acolhimento por classificação de risco nas especialidades de ortopedia, cirurgia e ginecologia e obstetrícia, sendo referência, também, para atendimento de casos de intoxicações e acidentes com animais peçonhentos, de ocorrências do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), do Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência (SIATE) e de encaminhamentos das unidades básicas de saúde, hospitais e municípios da 15ª Regional de Saúde do Paraná. Ressalta-se que apesar de tratar-se de unidade de pronto socorro, são comuns as internações hospitalares de adultos nesse local.

Participaram deste estudo 40 sujeitos, sendo 20 profissionais da saúde (enfermeiros e técnicos de enfermagem) atuantes no pronto socorro e 20 pacientes internados no mesmo setor.

Os sujeitos ao serem convidados pessoalmente pelas pesquisadoras eram informados sobre a ocupação e titulação das pesquisadoras, bem como dos objetivos da pesquisa, e após apresentava-se e assinava-se o termo de consentimento livre e esclarecido. Como critérios de inclusão: os profissionais da saúde deveriam ser enfermeiros ou técnicos de enfermagem e estarem atuando no serviço de pronto socorro no momento da coleta. Em relação aos pacientes, eles deveriam estar internados no pronto socorro para tratamento no mesmo período da coleta. Foram excluídos do estudo profissionais que estivessem apenas cobrindo folga no pronto socorro, mas pertencessem a outras unidades; e pacientes que estivem a menos de 24 horas no pronto socorro.

A duração média do encontro das pesquisadoras com os participantes foi em torno de 45 minutos, considerando a interação inicial e a entrevista propriamente dita. O número de participantes não foi definido a priori, tendo sido a coleta de dados encerrada no momento em que as inquietações foram respondidas e o objetivo do estudo alcançado.

As entrevistas foram gravadas e foi utilizado um caderno de campo que, ao final das mesmas, o participante ouvia sua gravação e o pesquisador lia a síntese feita no caderno de campo para que o mesmo pudesse concordar ou alterar as informações. As entrevistas tanto dos profissionais como dos pacientes ocorreu nos consultórios que no momento estivessem desocupados, salvo algumas exceções em que o paciente não podia se locomover a entrevista ocorreu no leito.

A coleta de dados foi realizada no período de maio a junho de 2011, por meio de entrevista semiestruturada. Teve-se por pressuposto que entrevista é um processo de interação social, no qual o entrevistador tem a finalidade de obter informações do entrevistado, através de roteiro contendo tópicos em torno de uma problemática central(7). Além disso, privilegia a obtenção de informações através da fala individual, a qual revela condições estruturais, sistemas de valores, normas e símbolos e transmite, através de um porta-voz, representações de determinados grupos(6).

As questões norteadoras utilizadas para motivar a fala dos profissionais foram: Como você vê a comunicação entre você e o paciente e/ou familiar (facilidades/dificuldades)? Em que situações você conversa com o paciente e/ou familiar? Considerando o processo comunicativo, como você avalia a presença de familiares no pronto socorro? Para os pacientes: como você avalia a comunicação que ocorre entre você e os profissionais de enfermagem que o assistem? Como você gostaria que esses profissionais conversassem com você sobre sua saúde? Quem conversou com você e sua família durante a internação e o que disseram?

O referencial teórico adotado para análise dos dados foi a Teoria das Representações Sociais, uma interpretação da realidade que pressupõe que não haja distinção entre sujeito e objeto da pesquisa, uma vez que toda realidade é representada pelo indivíduo. Assim, a representação constitui a visão global e unitária de um objeto e, para que o indivíduo possa formar essa visão global, ele usa elementos de fatos cotidianos e de conhecimentos do senso comum(8).

A representação social é expressa como "forma de conhecimento socialmente elaborada e compartilhada, com alcance prático que contribui para a construção de uma realidade comum a determinado conjunto social"(9:609), onde o sujeito da pesquisa dá sentido a um objeto, partindo da sua própria realidade e/ou experiências(9). É expressão filosófica que significa a reprodução de uma percepção anterior da realidade ou do conteúdo do pensamento. Assim, é expressa por representações coletivas, com o objetivo de referir as categorias de pensamento por meio das quais determinada sociedade elabora e expressa sua realidade(6).

Os dados foram trabalhados de acordo com o referencial metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). A proposta do DSC consiste basicamente em analisar o material verbal coletado, extraindo-se dos discursos quatro figuras metodológicas para organizar, apresentar e analisar os dados obtidos através dos depoimentos. As “expressões-chave” são constituídas por transcrições literais de parte dos depoimentos, que permitem o resgate do que é essencial no conteúdo discursivo; a idéia central (IC) de um discurso pode ser entendida como a(s) afirmação(ões) que permite(m) traduzir o essencial do conteúdo discursivo; o DSC busca reconstruir, com pedaços de discursos individuais, como um quebra–cabeça, tantos discursos-síntese quantos se julgue necessário para expressar o pensamento ou representação social de um grupo de pessoas sobre determinado tema e é construído na primeira pessoa do singular; a ancoragem é a manifestação linguística explícita de uma dada teoria, ideologia ou crença que o autor do discurso pode declarar e que, na qualidade de afirmação genérica, está sendo usada pelo enunciador para “enquadrar” uma situação específica(10). No presente estudo, foram desenvolvidas as três primeiras figuras.

A pesquisa foi realizada mediante parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa local (Parecer nº 111/2011) e atendeu plenamente a Resolução no 196, de 10 de outubro de 1996, que aprovou as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos(11). Para garantir o anonimato dos sujeitos, os profissionais de enfermagem foram identificados pelas letras PE e os pacientes pela letra P, seguidas de sequência numérica.

 

RESULTADOS

Breve caracterização dos profissionais evidencia que os enfermeiros estavam na faixa etária entre 25 e 35 anos e tinham tempo médio de experiência em pronto socorro entre seis meses e cinco anos; os técnicos de enfermagem estavam na faixa etária entre 35 e 55 anos, com tempo de atuação em pronto socorro entre cinco e 20 anos. A idade dos pacientes variou entre 18 e 65 anos, com tempo de internação variando de três a 15 dias.

Para análise, os discursos dos profissionais foram agrupados em dois temas: Comunicação entre o profissional e o paciente/familiar e A importância do processo comunicativo com a família para a recuperação do paciente, conforme apresentados a seguir.

 

Tema 1- Comunicação entre o profissional e o paciente/familiar
Emergiu dos discursos de profissionais e pacientes visão negativa e restrita do processo comunicativo, conforme pode ser apreendido das IC 1 a 3:     

 

IC 1 – A comunicação não ocorre adequadamente

DSC 1: Percebo que devido ao grande número de pacientes, excesso de trabalho, deficiência no quadro de funcionários, por vezes não realizamos uma orientação adequada e contínua, sendo que em sua maioria apenas respondemos ao que a família ou o paciente questionam e nem sempre nos fazemos claros. Em muitas situações nossas orientações são inadequadas e precárias (PE1-PE2, PE5, PE12, PE15, PE17, PE20).

DSC 2: De modo geral, não existe muita facilidade em relação às orientações, pois a maioria da minha clientela, ou seja, os meus pacientes e familiares, pertencem a um nível socioeconômico e cultural baixo e por mais que eu oriente e tente utilizar uma linguagem mais comum e simples, observo que eles não conseguem compreender as informações e voltam a questionar várias e várias vezes sobre um mesmo assunto (PE1-PE2, PE4, PE9-PE10, PE18).

DSC 3: Acredito que outro fator que favorece para que o paciente e a família tenham dificuldade em compreender as informações e orientações que lhes passo, ocorra por que muitos pacientes ficam hospitalizados por longos períodos, aguardando procedimentos cirúrgicos, pois infelizmente nós, profissionais, não temos como precisar o tempo que eles irão aguardar. Isto acaba por gerar descontentamento, ansiedade e estresse, o que acredito que pode ser uma justificativa para que o paciente e a família não consigam compreender nossas orientações (PE1-PE3, PE7, PE9-PE10, PE18-PE20).

 

IC 2 – Os profissionais dão informações falsas

DSC 4: Muitos profissionais não se fazem entender, eles utilizam palavras que não conheço, dão informações falsas, dizendo que vou embora e depois vem outro e diz que não, que terei que operar. Eles, muitas vezes, não sabem precisar quanto tempo ficarei internado e quando irão resolver meu problema, ou então porque está demorando tanto para resolver... (P1, P6, P7,  P9, P11, P14, P17, P18, P20).

 

IC 3 – Não há informação sobre a rotina do hospital

DSC5: Na verdade, não recebi nenhuma informação sobre a rotina do hospital. Toda vez que preciso de algo, tenho que perguntar. Só sei o horário de visitas porque peguei o papel lá na recepção, mas do resto não sei nada. Ah, também sei que não pode trazer alimentos de casa, pois um dia minha família trouxe e não deixaram entrar, disseram que era norma do hospital (P2, P3, P4, P8, P10, P12, P15, P16, P19).

Em contraponto, o DSC 6, elaborado a partir da fala de pacientes, revela situação favorável relativa ao processo de comunicação com a equipe de enfermagem:

 

IC4 – As informações são claras e fáceis de entender

DSC6: As informações que recebi dos profissionais da saúde, principalmente da enfermeira, em muitas situações foram claras e consegui entender, elas conseguem explicar de um jeito que é mais fácil de entender (P1, P2, P3, P5, P6, P8, P13, P19).

As IC 5 e 6 estão relacionadas à discussão de situações aplicadas de comunicação.

 

IC5 – São fornecidas informações em todas as situações, da internação até a alta

DSC 7: Eu normalmente realizo orientações em relação ao quadro clínico do paciente que está na sala de emergência, falo sobre intervenções a que ele será submetido, ou que já foi submetido, oriento a família sobre como obter informações sobre resultados de exames e verificar a situação do paciente na fila de espera para cirurgias ou transferências para outros serviços, ou seja, eu procuro oferecer informações em todas as situações, desde a internação até a alta hospitalar (PE1, PE3, PE5, PE7, PE8).

 

IC6 – São fornecidas informações somente sobre procedimentos

DSC 8: As situações em que especificamente forneço informações ao paciente e/ou família são: nos casos de jejum para cirurgias ou exames, situações de preparo de exames, encaminhamento do paciente para procedimentos fora do hospital e em casos que vou realizar procedimentos no paciente como: curativos, punções venosas e/ou sondagens (PE1, PE3, PE5, PE9, PE11, PE13, PE16-PE17).

 

Tema 2 - A importância do processo comunicativo com a família para a recuperação do paciente

De um modo geral, a comunicação com a família foi considerada positiva, com potencial de auxiliar na recuperação dos pacientes, especialmente em situações de maior dependência e no momento da alta, conforme evidenciam as IC 7 a 9:

 

IC 7 - A presença da família é positiva e importante para o cuidado       

DSC 9: A presença da família junto ao paciente internado no pronto socorro, de modo geral, é positiva e importante, pois ela auxilia tanto a equipe de enfermagem quanto o paciente, principalmente nos casos de pacientes mais debilitados. O fato de o paciente possuir acompanhante possibilita que os mesmos acompanhem os cuidados prestados pela equipe de enfermagem e demais profissionais ao seu familiar doente (PE1, PE3, PE5, PE17, PE20).

DSC 10: O acompanhante proporciona conforto e segurança ao paciente, pois ele fornece principalmente apoio psicológico e emocional, algo que os profissionais de saúde, pela demanda de trabalho e pelo número reduzido de profissionais, não conseguem realizar (PE5, PE7, PE17-PE19).

DSC 11: O acompanhante ajuda o paciente em procedimentos simples, como higiene bucal, banho e alimentação, leva-o ao banheiro, incentiva a deambulação quando permitida, auxilia o paciente a se levantar da cama, a sentar na poltrona e a trocar de roupa (PE1-PE2, PE4-PE5, PE7).

 

IC8 – Conta-se com o acompanhante para alguns comunicados
DSC 12: Procuro, primeiro, avaliar o paciente: idade, diagnóstico e quando tenho algum comunicado a fazer solicito a presença do acompanhante. Como na situação de alta, em que o paciente seja dependente e terá que ir com uma sonda enteral, por exemplo, solicito apoio do serviço social e da nutrição, para que possamos juntos orientar este familiar no preparo e administração da dieta e nos cuidados com a sonda. Acredito que as orientações fornecidas são importantes, pois irão ajudar o familiar a cuidar do seu paciente tanto no hospital quanto principalmente em seu domicílio (PE1, PE2, PE5, PE9, PE11).

 

IC9 – Comunicação entre família e equipe contribui com o cuidado

DSC 13: Quando a família permanece junto com seu ente doente, esse fato permite que possam sanar suas dúvidas e facilita para que a família, no momento da alta, sinta-se mais segura para cuidar de seu familiar em domicilio, bem como propicia que assimilem mais rapidamente as orientações fornecidas pelos profissionais de saúde (PE1, PE3, PE5-PE6, PE8).

DSC 14: Eles (acompanhantes) auxiliam a equipe de enfermagem, fornecendo informações sobre a história do paciente, avisando sobre alterações no quadro do paciente nos casos em que a enfermagem não está no quarto naquele momento, avisam sobre procedimentos, como quando a medicação ou soro acabaram, quando o paciente está com dor e precisa de medicação ou mesmo em situações em que há necessidade de troca ou higiene do paciente acamado (PE9, PE12, PE14-PE15, PE17-PE19).

Em contraponto, no discurso 15, os profissionais apresentaram aspectos negativos relacionados à presença da família que, na percepção deles, pode permanecer no ambiente hospitalar não se atendo apenas ao seu familiar:

 

IC10 – Conversas paralelas tumultuam o ambiente hospitalar

DSC 15: Existem algumas situações em que a família pode dificultar o tratamento do paciente, principalmente quando não permitem determinados cuidados e procedimentos, ou quando o familiar, ao invés de permanecer ao lado de seu familiar doente, prestando cuidados e/ou fazendo-lhe companhia, opta por caminhar pelos corredores das unidades conversando com outros pacientes e familiares, tumultuando o ambiente hospitalar (PE5-PE6, PE12, PE17, PE20).

 

DISCUSSÃO

Sabe-se que a expectativa que o indivíduo tem em relação à hospitalização, ao tratamento e à qualidade do cuidado são fatores que podem interferir na sua recuperação(4). O cuidado de enfermagem é um ato de interação, constituído de ações e atividades dirigidas ao paciente e com ele compartilhadas, envolvendo diálogo, escuta, ajuda, troca, apoio, conforto e o esclarecimento de dúvidas, cultivando sensibilidade, descoberta, valorização e compreensão do outro. Nessa perspectiva, a comunicação pode contribuir para uma ação terapêutica eficaz, capaz não só curar o corpo mas de também trazer o conforto ao espírito.

O ato de cuidar, que traz no seu contexto a objetividade da técnica e a subjetividade da criação, pode incentivar a equipe de enfermagem a refletir e a olhar de forma genuína a vida, melhorando a qualidade para aqueles que física ou emocionalmente dependem dela. É nesse cotidiano do cuidar que a relação dialógica enfermagem–paciente/familiar pode resultar em apoio, equilíbrio e bem-estar(4).

Parte intrínseca do cuidado, a comunicação com o paciente e familiar, no presente estudo, esteve vinculada a orientação, tomando o processo de orientação ideal como algo contínuo, mas apontando como real apenas a resposta a dúvidas, nem sempre de forma clara. É certo, porém, que o familiar e o paciente esperam que o profissional esteja pronto para lhe fornecer informações que possam amenizar suas angústias e dúvidas, mas que o processo de comunicação não deve restringir-se a isso.

Os discursos indicam, também, que as mensagens verbais emitidas pelos profissionais nem sempre são compreendidas pelo paciente/familiar. Nas falas, surge a reflexão sobre o processo de comunicação, sendo atribuídos aos últimos eventuais fracassos.

Ressalta-se que as dificuldades de comunicação com pacientes/familiares são frequentemente colocadas pela equipe de enfermagem e, como uma forma de se protegerem, técnicos de enfermagem tendem a fornecer o menor número de informações possíveis, solicitando a presença dos enfermeiros em muitas das interações necessárias(12). Outro aspecto a ser considerado é que para alguns enfermeiros, as diferenças sociais, econômicas e culturais têm se constituído como barreiras de comunicação. Por outro lado, os pacientes citam a comunicação com enfermeiros como efetiva, quando compara com a estabelecida com outros profissionais da área da saúde.

A comunicação entre os trabalhadores de enfermagem e a família do paciente internado merece destaque, pois ainda presencia-se um significativo desconhecimento da evolução clínica pelos seus parentes.

O direito dos familiares à informação sobre o estado clínico e psicológico do seu parente, embora assegurado no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem e na Constituição Brasileira, nem sempre ocorre(12). Lembrando que a finalidade é possibilitar ao profissional de saúde e ao paciente/familiar delinearem as necessidades a serem atendidas, para ajudar a pessoa que está sendo cuidada sentir-se um ser humano digno e com autonomia para solucionar seus problemas, visando a promoção, manutenção e recuperação de sua saúde física e mental, como também encontrar novos padrões de comportamento diante de uma situação inesperada.

Com relação ao paciente, este espera que o profissional de saúde lhe forneça informações precisas sobre seu estado de saúde/doença. No entanto, a percepção de que estas informações não são claras ou são contraditórias, gera descontentamento e ansiedade em relação ao tratamento a que estão recebendo.

Embora a comunicação diária seja primordial para o exercício da prática profissional, observam-se aspectos que interferem negativamente na interação entre profissionais de saúde e paciente. A sobrecarga de trabalho, a falta de tempo, a supremacia dada à rotina de trabalho em relação à interação com o paciente, a falta de capacitação, a exclusão da família no processo de cuidar do paciente, constituem aspectos negativos(12).

Nos discursos dos pacientes, evidencia-se ainda a existência de problemas, mesmo quando considerada a transmissão de informações básicas, simples e corriqueira para os profissionais, mas extremamente necessárias e importantes para que o paciente e família compreendam a dinâmica hospitalar. Conhecer as rotinas do hospital contribui com o preparo do paciente para vivenciar sua condição de internado em pronto socorro, situação que pode gerar medo e angústia.

Portanto, é necessário que o profissional enfermeiro realize a gerência do cuidado e englobe também a realização de ações visando o bom funcionamento da unidade e consequentemente minimize as dificuldades de convívio entre o paciente-família e profissionais em uma unidade hospitalar(13).

Familiares e pacientes internados têm necessidades específicas, inclusive relativas à comunicação e, quando não atendidas, podem desencadear estresse, distúrbios do humor e ansiedade.

Os ambientes físicos destinados ao restabelecimento da saúde, como os hospitais, de uma forma geral, carecem de um tratamento apropriado, que lhes permita serem reconhecidos como ambientes saudáveis. Uma das causas deste problema está relacionada à dificuldade dos ambientes hospitalares fornecerem informações claras e objetivas aos seus usuários, no caso pacientes e familiares. Por outro lado, ouvir críticas, demandas e sugestões desses usuários pode diminuir os aspectos negativos e revelar dados importantes a serem incorporados nas rotinas e normas e, assim, contribuir para que os ambientes assumam a condição de promotores da saúde(14).

O estudo revelou a importância do processo comunicativo com a família para a recuperação do paciente. Sabe-se que para o ser humano, a doença representa a quebra da harmonia orgânica, interferindo com todos os setores da vida e afetando, inclusive, a convivência com os familiares mais próximos. Quando a hospitalização se faz necessária, o indivíduo é retirado de seu ambiente familiar e levado a um mundo completamente estranho, onde rotinas e normas rígidas podem controlar e determinar suas ações(15).

Os pacientes frequentemente relatam ser o ambiente hospitalar desconhecido e agressivo, no qual sofrem com a mudança forçada de hábitos alimentares e de hidratação, com o medo de morrer, a dependência de outrem, o desrespeito à privacidade e a falta de atenção individualizada(3). Nesse contexto, a recuperação pode ser retardada, o que tem feito com que as instituições hospitalares aceitem ou mesmo incentivem a presença de familiares acompanhantes.

Além de dar apoio ao paciente, a família pode oferecer as informações necessárias para um melhor cuidado, pois decodifica os gostos, manias, expressões dos pacientes com restrição de comunicação verbal; e esses dados podem ser essenciais aos cuidados de enfermagem(3).

O contato estreito da família com o sujeito hospitalizado, além de benéfico para este, diminui o sentimento de impotência diante do sofrimento desse indivíduo(3). Ressalta-se que a família deve, e tem amparo legal nesse sentido, ser informada das condições de saúde de seu familiar, podendo participar ativamente do processo de atenção ao doente. À equipe de enfermagem, ao reconhecer esse papel, cabe inseri-la efetivamente no processo comunicativo.

Deve-se considerar, também, que para os familiares pode ser difícil sair de sua rotina e vivenciar a doença de alguém próximo. Cabe, então, aos serviços, promoverem ambiente favorável, onde paciente e familiar sintam tranquilidade e confiança para a vivência do direito de estarem juntos, ao mesmo tempo em que possibilita ao acompanhante identificar, sentir, saber, escolher e decidir sobre as formas de agir nesse ambiente, sem interferência negativa na organização dos serviços de saúde.

Frente à necessidade de internação, especialmente em situação de pronto socorro, a família dos pacientes precisa de apoio e não deve ser vista como um auxílio “técnico” ao trabalho de enfermagem, mas sim como indivíduos a serem cuidados. Para que esta cumpra o seu papel de dar suporte à situação vivenciada pelo paciente, também precisa de suporte nas suas necessidades físicas e emocionais, como uma conversa esclarecedora, a possibilidade de contar com uma cadeira extra que viabilize o contato com seu ente querido, ou mesmo a oferta de uma refeição num momento mais crítico, entre outras ações que demonstrem acolhimento.

No presente estudo, a comunicação também esteve vinculada à orientação de aspectos biológicos do cuidado, reconhecendo a divisão do trabalho em especialidades e atribuindo ao profissional o papel de informante e ao paciente/familiar o de receptor da mensagem.

A comunicação adequada deve ser entendida como a recepção de informações daquilo que o indivíduo quer saber, fazer as perguntas e obter as respostas, receber notícias. Sendo imprescindível que o profissional entenda aquilo que o familiar está perguntando e vice e versa(3).

Em síntese, é essencial para a família o bem estar de seus membros e as evidências de seu papel positivo na recuperação da saúde tem obrigado as instituições e os profissionais a considerarem o cuidado humanizado, centrado na família, como parte integrante da prática em saúde(16).

 

CONCLUSÃO

Este estudo revelou que as representações de pacientes e profissionais atuantes em unidade de pronto socorro guardam semelhanças em alguns aspectos, especialmente na consideração das dificuldades inerentes a esse processo e sua percepção de forma restrita: os profissionais a identificaram como orientação e os pacientes como informações recebidas. Ampliar essa concepção é desafio a ser assumido, especialmente pelos profissionais da área de enfermagem.

Entre as representações dos profissionais sobre o processo comunicativo a família teve destaque, sobretudo no que se refere à sua possível contribuição para a recuperação do paciente familiar. Nesse sentido, cabe aos profissionais e serviços buscarem a comunicação efetiva com a família, de forma a potencializar o seu papel.

 

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16. Soares M. Cuidando da Família de Pacientes em Situação de Terminalidade Internados na Unidade de Terapia Intensiva.  Revista Brasileira de Terapia Intensiva, 2007 out-dez; 19(4): 481-84.

 

 

Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 

 

Recebido: 04/09/2012
Revisado: 13/04/2014
Aprovado:09/04/2014