ARTIGO ORIGINAL

 

Trabalho de enfermagem em emergência hospitalar - riscos psicossociais: pesquisa descritiva


Elias Barbosa Oliveira1, Jacqueline Silveira Pinel2, Juliana Botelho de Andrade Gonçalves3, Dayana Barbosa Diniz4

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro
2Enfermeira
3Secretaria de Saúde do Municipio do Rio de Janeiro
4Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro

 


RESUMO
Objetivos: identificar, na visão do enfermeiro, os riscos psicossociais presentes em serviço de emergência e analisar como esses riscos afetam a saúde do grupo. Método: pesquisa qualitativa, exploratória, descritiva. Para coleta dos dados se utilizou a entrevista semiestruturada mediante uso de um roteiro. Os dados foram tratados por análise de conteúdo. Participaram do estudo 12 enfermeiros de um hospital público localizado no município do Rio de Janeiro, em 2010. Resultados: os riscos psicossociais identificados acarretam estresse ocupacional, sendo alguns deles: insuficiência de recursos humanos e materiais, ambiguidade de papéis e violência. Conclusão: cabe ao empregador investir em ações preventivas a partir dos riscos psicossociais identificados pelo enfermeiro, no intuito de promover a saúde física e mental do grupo e motivar a participação na tomada de decisões que revertam em melhoria das condições de trabalho.
Palavras-chave: Enfermagem; Risco Ocupacional; Saúde do Trabalhador; Saúde Mental.


 

INTRODUÇÃO

Apesar da expansão da oferta de serviços de saúde à população com a implantação do Programa Saúde da Família (PSF) e das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), em alguns municípios, persiste a demanda indevida por atendimento nos serviços de emergência(1) devido à problemas como: baixa oferta ambulatorial; ausência de procedimentos de triagem; falência da rede no que diz respeito à retaguarda de especialistas; reserva de leitos em unidades intensivas e; a não absorção pelo próprio hospital do atendimento gerado na emergência. Acrescenta-se a crença dos usuários de que estes serviços, por serem dotados de recursos tecnológicos e humanos especializados, possuem respostas efetivas para os seus problemas de saúde.

Outro fator que contribui para a superlotação dos serviços de urgência e emergência é o aumento da violência no país, principalmente nas regiões urbanas(2), onde se concentram mais de 75% de todas as mortes por causas externas decorrentes de lesões físicas, envenenamentos, fraturas, queimaduras e intoxicações. A violência afeta materialmente os serviços de saúde, seus custos e sua organização e também envolve os profissionais, ora como vítimas, ora como atores que cooperam para superar a violência no ambiente de trabalho ou exacerbam expressões de abuso, maus tratos e outras formas de violência.

A enfermagem, por prestar assistência direta a pacientes e familiares, é uma das equipes mais afetadas em seu processo de trabalho em emergência(3) devido à pressão por produtividade, tendo que se adaptar as exigências impostas pela organização e aos próprios usuários. A precarização das condições de trabalho decorrente do déficit de pessoal e recursos materiais acarreta insatisfação, desmotivação e estresse ocupacional às equipes, tanto pela carga de trabalho, como pela especificidade da atividade no que diz respeito à assistência a pacientes graves que exige, por sua vez, tomada de decisão rápida.

Assim, a urgência de maior produtividade associada à redução contínua do contingente de trabalhadores, à pressão do tempo e, ao aumento da complexidade das tarefas podem gerar tensão, fadiga e esgotamento profissional, constituindo-se em fatores de risco psicossocial(4), que implicam em grandes exigências combinadas com recursos insuficientes para o seu enfrentamento. Na área da saúde, as situações indutoras de estresse no trabalho dos profissionais, embora sejam reconhecidas, têm recebido pouca atenção nos estudos de investigação. Sabe-se, porém, que os hospitais em particular(5) proporcionam aos seus trabalhadores condições de trabalho precárias, expondo um número cada vez maior de trabalhadores aos riscos ocupacionais, contribuindo não só para a ocorrência de acidentes de trabalho, como também para o desencadeamento frequente de situações de estresse e de fadiga física e mental.

Apesar dos avanços e implementação de políticas públicas e programas, existem muitos problemas pendentes no setor saúde(6), citam-se: fracasso da gestão de recursos humanos no processo de reforma do Estado, baixa prioridade nas discussões entre gestores, terceirização, abertura insuficiente de concursos públicos, baixos salários, ausência de planos de cargos e salários nos três níveis do governo e relações frágeis entre serviços e universidade e entre necessidades dos serviços e práticas educativas.

Deste modo, as mudanças que vem ocorrendo no mundo laboral decorrentes de formas concretas de flexibilização(7) que se difundem em todas as atividades, a precarização dos contratos (terceirização), a redução do número de trabalhadores e a intensificação do ritmo de trabalho vão resultar no aumento do número de pessoas afetadas por doenças relacionadas ao estresse, o que poderá originar uma grave deterioração da saúde mental e física dos trabalhadores.

É de suma importância a análise da influência dos riscos psicossociais na vida do trabalhador do setor saúde, principalmente por não haver um número significativo de estudos que abordem essa problemática em serviço de emergência, dificultando uma melhor compreensão dos agravantes e suas consequências para saúde do profissional. No intuito de contribuir com estudos que abordam a influência dos fatores psicossociais no ambiente de trabalho, a compreensão dos agravantes e suas consequências para saúde dos trabalhadores de enfermagem, esse artigo possui como objetivos: identificar, na visão do enfermeiro, os riscos psicossociais presentes em serviço de emergência e analisar como esses riscos afetam a saúde do grupo.

 

MÉTODO

Optou-se pela pesquisa qualitativa(8), pois, aplicada à enfermagem apoia-se em uma variedade de métodos e técnicas que possibilitam o desvendar de problemas emergentes do cotidiano da sua prática, uma vez que se desenvolve em uma situação natural e rica em dados descritivos, já que focaliza a realidade de forma contextualizada.

Participaram do estudo 12 enfermeiros que trabalhavam em um serviço de emergência de um hospital público, situado no município do Rio de Janeiro. Adotaram-se como critérios de inclusão: ser do quadro efetivo da instituição e trabalhar pelo menos há um ano no serviço de emergência, pois se acredita que este tempo contribui para as percepções e experiências no que tange à familiarização com o processo de trabalho e os riscos psicossociais decorrentes dele.

Na coleta de dados, realizada no segundo semestre de 2010, utilizou-se a técnica de entrevista mediante a aplicação de um roteiro contendo questões que possibilitaram ao enfermeiro discorrer sobre o trabalho na emergência, os problemas enfrentados no cotidiano institucional e as repercussões para a sua saúde. Os depoimentos foram gravados em equipamento mp3 e transcritos em sua íntegra para posterior análise.

As entrevistas foram realizadas em local privativo após convite, agendamento, devidos esclarecimentos, ciência do parecer emitido pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/HUPE/UERJ - 0169.0.228.000-10) e assinatura do termo de Consentimento Livre e Esclarecido em atenção a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Garantiu-se o anonimato e ratificou-se que os participantes poderiam se retirar da pesquisa em qualquer fase. Esclareceu-se que os resultados do estudo seriam apresentados em eventos e publicados em revistas de cunho científico. Na construção do corpus do texto foi adotada a seguinte convenção: entrevistado (letra E) seguido de um número de acordo com a ordem de entrada no texto. 

As categorias do estudo resultaram da aplicação da técnica de análise de conteúdo do tipo temática(9), em que se deteve em buscar, nas condições de produção do texto mediante leitura exaustiva do material e identificação da frequência de presença, homogeneidade ou itens de sentido. Analisados os depoimentos, as palavras de sentido ou unidades de registro foram agrupadas e formaram unidades temáticas que, em seu conjunto, perpassaram as experiências/vivências dos enfermeiros em relação ao trabalho, aos riscos psicossociais e às repercussões para a saúde. Os resultados estão apresentados na seguinte ordem: superlotação da emergência e sobrecarga de trabalho; precarização e adaptações; ambiguidade de papéis: intermediando conflitos; violência no trabalho: outra causa de sofrimento e; repercussões do trabalho para a saúde do enfermeiro.

 

RESULTADOS

Superlotação do serviço e sobrecarga de trabalho
A primeira questão apresentada pelo enfermeiro no que se referiu ao fluxo de trabalho na emergência, foi a tentativa de o serviço contornar o problema da superlotação por meio da implantação do sistema de classificação de risco de pacientes em acordo com as normas do QualiSUS. Trata-se de uma estratégia essencial e que reflete a forma de relacionamento da emergência com o restante do hospital e com os serviços externos. Apesar da triagem (acolhimento) realizada pelo enfermeiro na porta de entrada do serviço, o profissional relata que persiste a procura pelo serviço de pacientes com quadros clínicos que poderiam ser atendidos na rede ambulatorial ou em unidades de atenção primária, onde se denota dificuldades no acolhimento.  

A gente classifica o risco do paciente e de acordo com o risco é que ele vai ter a prioridade no atendimento. Se o risco for vermelho a gente encaminha direto pra sala do trauma. O risco que a gente tem é a gente não saber lidar com essa demanda que a população traz. Ela traz uma doença crônica e o risco é a gente achar que tem que dar conta de tudo e a gente não consegue. (E1)

O setor fica muito cheio! Como todo sistema de saúde, a demanda é maior do que a nossa oferta! Então temos muitos pacientes e isso gera um atrito, um desconforto. Por exemplo, hoje estamos com quarenta e oito pacientes. A gente não dá conta, não tem como. (E2)

Bom, essa emergência é uma emergência de porta aberta, acolhe de tudo, desde paciente de alta complexidade até paciente básico. Só que o que acaba ocorrendo aqui é que a gente trabalha com superlotação, uma sobrecarga de paciente. E, assim, a gente trabalha no caos e dentro do possível a gente faz o melhor que pode. (E7)

 

Precarização e adaptações
Como evidenciado, a superlotação do serviço de emergência repercute no processo de trabalho da enfermagem, o que gera sobrecarga de trabalho e desgaste, tendo o enfermeiro papel essencial no que diz respeito ao planejamento de recursos humanos e apoio às equipes na solução de problemas de ordem técnica e organizacional. Acrescenta-se a grande responsabilidade no que diz respeito ao cuidado de pacientes críticos sujeitos a complicações e ao suporte às famílias em termos de orientações e encaminhamentos. Como a demanda de atendimento no serviço de emergência excede a sua capacidade, o enfermeiro se depara com o baixo controle sobre o trabalho, o que acarreta prejuízos na autonomia e poder decisório do profissional diante da pressão por produtividade. No intuito de contornar os problemas apontados, o enfermeiro recorre à improvisações e à adaptações.

Na emergência a gente tem aquela característica: o que não tem a gente tem que dar conta e improvisa e a coisa flui. Espera-se que no final tudo dê certo! Porque as dificuldades são muitas: faltas, deficiências de materiais, deficiência de material humano. Enfim, essas coisas a gente sabe que tem de administrar e a gente procura fazer o melhor que pode. (E4)

A gente enfrenta dificuldades em relação aos recursos materiais e a sobrecarga também de trabalho. Um grande número de pacientes para poucos recursos humanos também. Mas a gente tenta fazer o que pode da melhor forma possível para dar uma assistência adequada. (E8)

Em termos de recursos materiais também oscila muito. Vira e mexe tem falta de alguma coisa. Tudo na enfermagem é assim! Deve fazer improviso! Adaptação! Vamos levando. (EF12)

A planta física do serviço por não ter sido reestruturada para atender a crescente procura por atendimento obriga os trabalhadores a contínuas adaptações e improvisações do mobiliário. O espaço exíguo de trabalho compromete o processo de trabalho e acarreta prejuízos ao conforto dos trabalhadores e dos próprios usuários. Para agravar esta situação, os trabalhadores têm de cuidar de pacientes com quadros clínicos agudos, expondo-se a posturas inadequadas e a riscos biológicos.

Uma coisa é o paciente voltar da hemodiálise e ficar no leito! Outra coisa é ele voltar da hemodiálise e ficar sentado! Ele pode cair para frente e causar um trauma e ir para o trauma! Entendeu? Então, isso é insuportável! O número, de pessoal tanto de enfermeiro quanto de técnico é insuficiente e não tem como continuar trabalhando. (E1)

O espaço físico é ruim. Nas intercorrências de parada cardiorrespiratória nós não temos espaço. Nós temos que fazer adaptações! O que eu acho errado. [...] a questão das precauções de contato! Você tem um paciente que está deitado quase em cima do outro. Para você estar intervindo, fazendo um procedimento é péssimo para o paciente e para o profissional também. (E5)

Nosso posto de enfermagem é muito pequeno, não tem lugar para a gente sentar. A gente fica na dança das cadeiras! Um levanta o outro senta! O dia todo revezando para poder sentar um pouquinho. As condições tanto para o paciente, quanto para o profissional, são muito ruins! Mas [...] Enfim. (E6)

Ambiguidade de papéis: intermediando conflitos
A ambiguidade de papéis foi identificada nas situações em que o enfermeiro, na tentativa de solucionar problemas de ordem técnica e assistencial que nem sempre são de responsabilidade da enfermagem, perpassa pela falta de clareza em relação ao seu papel. Levando-se em consideração as inúmeras dificuldades decorrentes da própria dinâmica do serviço e da ausência de especialistas, o enfermeiro é “pressionado” a intermediar conflitos e acolher às expectativas de familiares insatisfeitos com a demora e a qualidade do atendimento. Há também o senso de responsabilidade em relação a vidas que estão sob os cuidados da equipe, o que contribui para o papel discordante com a função; acarretando sobrecarga física e emocional do profissional, cujo tempo despendido na resolução de problemas, poderia ser dedicado à pausa ou outra atividade específica ao cargo.
Às vezes é um paciente que está sem acesso profundo aí a gente tem que procurar o cirurgião geral pra ele vir avaliar! Ver se realmente vai poder fazer uma dissecção no paciente para não ficar sem medicação. (EF1)

Acho que também é uma característica da enfermagem trazer pra si a responsabilidade do cuidado do contexto! De todo contexto. (EM4) 

 

A violência no trabalho: outra causa de sofrimento
Tendo em vista os inúmeros problemas organizacionais e estruturais apontados pelo enfermeiro no cotidiano do trabalho em emergência, a qualidade do atendimento é comprometida, sendo a insatisfação de pacientes e familiares projetada na enfermagem. A ansiedade é exacerbada, pois há vidas em jogo, e, ao se confrontar as necessidades dos usuários e as precárias condições de trabalho que a equipe tem de administrar no dia a dia de trabalho, cria-se um terreno fértil para a eclosão de conflitos e atitudes hostis por parte do familiar e do próprio paciente.
Tanto a equipe quanto os pacientes são muito revoltados com a situação do local! Já pensou você pegar a sua mãe e aí o médico diz que vai internar! Aí interna e senta numa cadeira dura. Então os pacientes ficam muito agressivos, principalmente quando chegam. (EF1)

A gente não dá conta! É muita cobrança! Como eu te falei: paciente te cobrando! Xingando! Reclamando! Porque a pessoa quer um atendimento rápido! E o problema não é seu enquanto enfermeira. (EF9)

A emergência é bem desgastante por ser a porta de entrada do hospital! Você, às vezes, tem que lidar com situações que oferecem certo risco! Como até a uns dois meses atrás tivemos um colega de serviço que foi agredido. (EM11)

 

Repercussões do trabalho para a saúde do enfermeiro
O trabalho em serviço de emergência hospitalar, devido às exigências de cunho técnico, organizacional e relacional, configura-se como uma atividade de alta demanda e baixo controle por parte do enfermeiro, principalmente em relação a problemas como recursos humanos, materiais e o controle do fluxo de pacientes. Esta configuração do trabalho fere a dignidade do profissional devido às limitações impostas pela própria organização em termos de poder decisório e a autonomia. O profissional vivencia sentimentos como insatisfação, desesperança e desmotivação, pois os problemas se repetem dia após dia sem perspectiva de mudança, com repercussões para a saúde do trabalhador identificadas através de expressões como cansaço, fardo, exaustão e depressão.

Trabalhando nessa unidade eu me sinto mal, cansada, exausta, porque a gente quer dar o melhor para o paciente e a gente não pode dar. (EF1)

Depois de um dia de trabalho eu me sinto muito cansada! Trabalhar 12 horas numa emergência é um fardo! O trabalho na emergência não diminui! Você tem que estar sempre pronto. (EF2)

Um problema ali (se referindo ao serviço) é com o funcionário! Há uma humanização para o paciente, mas não existe uma humanização para o funcionário. Eu mesma passei por isso, eu entrei em depressão por conta disso. (EF9)

 

DISCUSSÃO

Apesar dos inúmeros riscos que o enfermeiro enfrenta em serviço de emergência, optou-se por analisar os riscos psicossociais e as repercussões para a saúde do profissional, por ser um objeto de grande relevância social na atualidade. Tais riscos encontram-se atrelados à percepção do trabalhador e aos recursos disponíveis para o seu enfrentamento em nível individual, coletivo e organizacional. Nesse sentido, problemas de ordem técnica e/ou estrutural, quando não trabalhados pela organização, repercutem na satisfação, no bem estar e na saúde do trabalhador, sendo as principais causas de faltas e licenças para tratamento da saúde. Portanto, a organização do trabalho possui grande responsabilidade na solução dos problemas apontados pelo enfermeiro e entre eles: a superlotação do serviço, a precarização do trabalho e a violência laboral.

A superlotação do serviço de emergência referida pelo enfermeiro é um problema organizacional que reflete diretamente na qualidade do atendimento e no trabalho das equipes, devido à utilização indevida do serviço pela população, tendo como consequência o excesso da demanda e demanda inadequada; fatores que em seu conjunto interferem na comunicação, no conforto e no bem estar dos pacientes e trabalhadores. O enfermeiro, por ser responsável pela gerência e realização de cuidados complexos, é diretamente afetado em seu processo de trabalho em que o desgaste é acentuado em decorrência das dificuldades na acomodação de pacientes e familiares e realização de procedimentos técnicos.

O acesso indiscriminado à emergência(10), resulta principalmente da incapacidade das unidades locais de saúde fornecerem resposta eficaz às necessidades de atendimento da população, que procura o serviço com quadros clínicos considerados menos complexos e, que poderiam ser resolvidos em nível ambulatorial ou na atenção primária. Por outro lado, existem usuários que buscam assistência com quadros de extrema gravidade e com risco de morte. Daí a necessidade de implantação de triagem(11) com profissionais altamente qualificados e com suporte das demais especialidades para que a decisão tomada pela equipe não resvale para a omissão de socorro e suas implicações legais.

O enfermeiro que atua em emergência(12) assume papel fundamental e de grande responsabilidade, pois responde pela qualidade da assistência, deve, portanto, ter conhecimentos de cunho técnico e organizacional e tomar decisões rápidas por trabalhar com a imprevisibilidade clínica dos pacientes. No aspecto gerencial, esses profissionais precisam administrar recursos humanos e materiais e garantir infraestrutura que permitam às equipes atuarem no atendimento emergencial. Esses encargos, apesar de proporcionarem autonomia ao profissional, conformam uma situação com vários pontos de tensão, conflitos e atritos, que refletem as relações de poder que se apresentam nos processos de trabalho.

Por ser o profissional para o qual converge a grande maioria das informações, o enfermeiro está sujeito a ambiguidade de papéis devido ao excesso de atribuições. Deste modo, é importante que haja por parte do trabalhador clareza quanto ao papel a ser desempenhado, pois a centralização de informações e a tomada de decisão quando essencialmente focalizadas para o exercício do controle(13) podem impedir outras formas mais nobres de poder que privilegiam certo grau de criatividade e autonomia.

Em virtude da evolução técnica e do conhecimento científico, desde o início do século XX, o enfermeiro passou a acumular uma diversidade de papéis(14), tais como o de gestor da unidade de cuidados e o de apoio à pessoa doente e à família. No entanto, sabe-se que o profissional é constantemente dominado por uma sensação de ambivalência, por não realizar aquilo que lhe compete, tendo em vista a enorme quantidade de tarefas obrigatórias e que, cotidianamente, deve executar em tempo útil. Tal realidade, quando percebida pelo enfermeiro, provoca sentimentos de irritação e de frustração por se sentir condicionado por fatores do contexto de trabalho à margem do seu ideal profissional e pessoal.

Por responder por vidas que estão sob seus cuidados e sofrer pressão para trabalhar em condições precárias, o enfermeiro recorre a adaptações e improvisações com dispêndio de tempo e esforço psicofísico para selecionar e reunir os materiais necessários à consecução do trabalho. Realizar adaptações(15) para viabilizar o processo de trabalho revela-se como algo dialético, pois ao mesmo tempo que gratifica e satisfaz, também espolia física e psiquicamente o trabalhador. Há também de se considerar os riscos envolvidos nesta prática devido à possibilidade de erros e iatrogenias, cabendo à organização do trabalho intervir nesta realidade, oferecendo insumos em quantidade e qualidade com vistas à segurança no desempenho e satisfação do trabalhador.  

A intensificação do ritmo de trabalho em emergência, ditado por fatores como a superlotação do serviço, o risco de vida dos pacientes e a precariedade das condições de trabalho, expõe o trabalhador a uma diversidade de cargas físicas e/ou emocionais que favorecem o estresse ocupacional. Um agravante desta situação é a mobilização subjetiva dos trabalhadores decorrente do significado atribuído ao cuidado de pacientes(10) onde, alguns minutos na demora do atendimento podem significar a morte. Desta forma, o ambiente social do trabalho pode gerar insegurança, irritação, pouca tolerância e até mesmo rejeição, porque o indivíduo terá dificuldades em se situar nas tarefas que lhe cabem e seu desempenho pode vir a ser prejudicado.

Tendo em vista a dinâmica do setor e as inúmeras atribuições, há possibilidade de o profissional se envolver em situações de violência, o que implica em exposição ao risco de sofrer agressão verbal e/ou física que prejudicam o desempenho, a segurança, o bem estar no trabalho e a integridade física e psíquica. As principais consequências da violência laboral para a saúde do trabalhador(16) são sintomas emocionais como raiva, tristeza, irritação, ansiedade e humilhação. Por outro lado, atos de violência podem ser praticados inconscientemente pelo próprio trabalhador, por incorporar estas situações como parte “normal” (grifos do autor), da própria dinâmica do atendimento de emergência e urgência clínica.

Outro tipo de violência sentida muito de perto pelo trabalhador é a violência estrutural/institucional, onde não estão em discussão atributos do próprio trabalhador como capacidade de tomar decisões, liderança, conhecimento tácito, formação e informação, mas a precarização das condições de trabalho. As condições de infraestrutura para o trabalho(17) como o espaço físico inadequado para a realização das atividades assistenciais e dimensionamento insuficiente do quadro de profissionais de enfermagem, propiciam tensões e conflitos que se manifestam de forma intensa e estressante sobre os profissionais de emergência, mais especificamente sobre a os profissionais de enfermagem.

Um fator agravante do estresse ocupacional que os trabalhadores de enfermagem enfrentam em serviços de emergência hospitalar é a pouca autonomia e poder decisório diante de problemas que se repetem no dia a dia. Tal situação, além de expor o grupo a riscos(18), camufla o prejuízo emocional, o desgaste e a sobrecarga de trabalho, podendo o trabalhador vivenciar sentimentos de alienação, preocupação e indecisão por abdicar do cuidado de si em prol das exigências da organização. Portanto, a vivência cotidiana com atividades de trabalho que se traduzem em desprazer e/ou em tensão pode repercutir na saúde do trabalhador, resultando em distúrbios de ordem física e psíquica, que dão origem a doenças psicossomáticas.

Trabalhadores estressados e insatisfeitos com as condições de trabalho(19) tendem ao desenvolvimento das atividades com menor eficiência e consequente diminuição da produtividade, estando susceptíveis à acidentes e à doenças ocupacionais. A irritabilidade causada pelo estresse tende a se estender à família, gerando relações tensas e conflituosas e afetando tanto as áreas afetiva e social como a saúde.

Sabendo que os trabalhadores de enfermagem de emergência encontram-se expostos a um processo laboral desgastante, com características de alta demanda e intensos conflitos que tem de administrar(12), é preciso que a categoria repense a sua prática profissional e as condições insalubres de trabalho. Por outro lado, cabe ao Serviço de Saúde Ocupacional das instituições de saúde um trabalho mais efetivo no sentido de instituir políticas voltadas para a prevenção e monitoramento dos riscos no ambiente de trabalho.


A criação e manutenção de espaço destinado ao apoio psicológico para o trabalhador é de indiscutível relevância, o que poderá propiciar a oportunidade para discussão e elaboração de estratégias de enfrentamento dos problemas referidos. Afinal, o trabalho dos profissionais de saúde em unidades críticas(10) não envolve apenas sofrimento, pois a possibilidade de aliviar a dor dos usuários, salvar vidas e poder exercer a profissão na plenitude podem ser fontes de conforto e satisfação, que contribuem para o equilíbrio psíquico dos trabalhadores, gerando o prazer no trabalho.

 

CONCLUSÃO

Evidenciou-se que, apesar do implante da classificação de risco de pacientes, no serviço de emergência, conforme normas do QualiSUS e do trabalho liderado pelos enfermeiros que realizam a triagem, há problema relativos a demanda indevida que acarreta superlotação e sobrecarga de trabalho, principalmente em relação à equipe de enfermagem. Os riscos psicossociais referidos pelo enfermeiro são de ordem organizacional e decorrentes de fatores externos ao serviço, entre eles citam-se: sobrecarga de trabalho, intensificação do ritmo de trabalho, precarização das condições de trabalho, ambiguidade de papéis, improvisação e violência no trabalho.

A sobrecarga física e mental foi evidenciada na queixa do trabalhador referente à demanda inadequada, cujos pacientes requerem cuidados contínuos, exigindo grande esforço da equipe para atender todas as necessidades demandas. Além das atividades específicas do enfermeiro no que dizem respeito a gerencia e a assistência de pacientes graves, o profissional enfrenta problemas relativos à precarização do trabalho, decorrente do déficit de pessoal, de material e da planta física inadequada.

No enfrentamento da precarização das condições de trabalho, o enfermeiro, no intuito de atender as necessidades dos pacientes, recorre à improvisação, expondo-se a riscos para o desenvolvimento do exercício profissional frente à possibilidade de erros e iatrogenias. A ambiguidade de papéis se evidenciou na medida em que o enfermeiro, por sofrer pressão dos usuários, toma para si a solução de problemas que nem sempre são inerentes a sua função, tendo como resultado a sobrecarga de trabalho e o desgaste.

Por encontrar-se face a face com a população e seus problemas de saúde e intermediar conflitos, o enfermeiro e equipe são vítimas da violência verbal impetrada por usuários diante da insatisfação com a demora e qualidade do atendimento. Trata-se de um sério problema que acarreta insatisfação, desmotivação e afeta a qualidade do serviço ofertado.

O entendimento de que o hospital, mais especificamente a unidade de emergência, é um ambiente de trabalho que expõe o enfermeiro a inúmeros riscos que prejudicam a saúde do grupo, evidenciado através de queixas como cansaço, exaustão e estresse, há necessidade do empregador, através do Serviço de Saúde Ocupacional, atentar para a problemática no intuito de instituir uma política voltada para o enfrentamento dos riscos referidos. No entanto, é essencial a mobilização dos trabalhadores de enfermagem em seu local de trabalho com o objetivo de identificar problemas e propor sugestões, para que possam exercer as suas funções com segurança e sem colocar a própria saúde em risco em função das exigências do trabalho.

 

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Recebido: 12/09/2012
Aprovado: 03/12/2012