ARTIGOS ORIGINAIS

 

Interconexões entre SAE e a engenharia de softwares: teoria fundamentada nos dados

 

 

Patrícia dos Santos Claro Fuly1, Joséte Luzia Leite2, Marluci Andrade Conceição Stipp2, Alacoque Lorenzini Erdmann3, Claudia Quinto Santos de Souza4

1Universidade Federal Fluminense
2Universidade Federal do Rio de Janeiro
3Universidade Federal de Santa Catarina
4Instituto Nacional do Câncer


RESUMO
Objetivos: Analisar a implantação da Sistematização da Assistência de Enfermagem, discutindo interconexões entre seu processo de implantação em um hospital especializado e a engenharia de softwares. Método: Estudo qualitativo, que utilizou o referencial metodológico da Grounded Theory. O cenário foi o Instituto Nacional do Câncer – Unidade II, onde foram realizadas entrevistas semiestruturadas com nove enfermeiros. Resultados: O estudo resultou em cinco categorias, dentre as quais se destaca nesse estudo o fenômeno: Construindo as bases de um sistema de assistência de enfermagem. Discussão: A compreensão do sistema de assistência de enfermagem como um todo, integrado e interativo, converge para o conceito de sistema. Conclusão: Na construção do modelo paradigmático, a condição causal evidenciada na categoria Construindo as bases de um sistema de assistência de enfermagem e nas suas respectivas subcategorias, aponta para uma evolução empírica na implantação desse sistema, que guarda semelhanças com etapas da engenharia de softwares.
Palavras-chave: Enfermagem; Processos de enfermagem; Informática médica.


 

INTRODUÇÃO

O trabalho da enfermagem é organizado e sistematizado por um conjunto de pessoas, em que diferentes ações concatenadas e interdependentes, de um processo interativo entre enfermeiro e paciente, enfermeiro e seus pares, e enfermeiros e diferentes membros do corpo de saúde, sejam implementadas na prática. Essas ações de enfermagem constituem um sistema integrado de cuidados necessários para a revitalização do paciente.

No trabalho de enfermagem, que tem como finalidade atender às necessidades humanas, é fundamental compreender que a atuação do profissional carece do chamado “conteúdo humano-social”. A interação, o acolhimento, o apoio, a compreensão, além de outros fatores são determinantes para a obtenção de melhores resultados na assistência, na busca pela qualidade do cuidado(1). A própria noção do significado de “cuidar” tem sido cada vez mais ampliada para uma perspectiva humanística e interacionista, na busca pela superação do cuidado mecanicista e reducionista. Considera-se ainda que as intervenções de enfermagem e os resultados esperados devam ser baseados não somente na doença e tratamento, mas também nas repercussões dessa doença para o paciente e, como consequência, para o cuidado integral em saúde.

Da contraposição entre o cuidar humanístico e uma noção corriqueira do termo sistema, surge por parte de alguns enfermeiros, ao pensar em Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), o pressuposto de que esse trabalho sistemático remontaria a uma assistência de modelo médico-curativista, quando na verdade o olhar enfoca as necessidades dos pacientes.

Porém, sendo um sistema um conjunto de partes integrantes e interdependentes que, conjuntamente, formam um todo unitário com determinado objetivo e função(2), torna-se paradoxal desvincular a ideia de visão global sobre o ser humano com a de sistematização da assistência. A sistematização da assistência, tal como a engenharia de softwares, não pode desconsiderar nenhuma das partes, pois como em qualquer sistema elas são interdependentes. Negar parte de um sistema traz inconsistência na dinâmica ou nos movimentos do todo, comprometendo os resultados esperados. Simultaneamente, não se pode reduzir a noção de sistema à de sistematização, que é apenas o processo organizacional que possibilita implementar o processo de enfermagem.

Outro pressuposto frequentemente atribuído à SAE relaciona-se à construção de um software. Este processo que deveria ser interativo, no qual se incorporam conhecimentos coletados, destilados e organizados, é por vezes considerado um arcabouço para as tarefas necessárias à sua construção(3).

Portanto, ao se pensar na SAE como um processo organizacional que pode oferecer subsídios para desenvolver métodos e metodologias interdisciplinares e humanizadas de cuidado, surge a questão do porquê de a prática desse cuidado, quando relacionado à SAE, estar por vezes centrada na doença, e não no ser humano(4). Na realidade, tal fato dificulta a implantação e implementação da SAE. A necessidade de implementação da SAE não está baseada somente na Resolução COFEN nº 358/2009(5), mas, sobretudo, na necessidade de se estruturar o trabalho da enfermagem enfocando a qualidade. E é com base nessa demanda que esse estudo, apresenta como objeto as experiências de enfermeiros acerca da SAE no gerenciamento da qualidade do cuidado profissional.

O estudo completo, que se constituiu em uma tese de doutorado, gerou uma teoria validada com o seguinte fenômeno central: “Ressignificando o gerenciamento da qualidade e a valorização do cuidado profissional: implantação e implementação da sistematização da assistência de enfermagem”. Esse artigo compreende apenas uma parte da referida tese, e teve por objetivo analisar o significado da implantação da SAE para a qualidade do cuidado profissional, discutindo interconexões entre o processo de implantação da SAE em um hospital especializado do Rio de Janeiro e a engenharia de softwares.

Neste artigo, o foco está centrado na categoria “Construindo as bases de um sistema de assistência de enfermagem” e suas subcategorias, que consistiram na condição causal do fenômeno estudado: ressignificando o gerenciamento da qualidade e a valorização do cuidado profissional através da implantação e implementação da SAE.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, que utilizou como referencial teórico o interacionismo simbólico à luz de Herbert Blumer, em associação com conceitos próprios da engenharia de softwares. O interacionismo figura como uma possibilidade de análise dos dados da pesquisa, à luz de uma abordagem compreensivista, que considera como fundamental o processo interativo dos sujeitos, em seu cenário habitual. Ele possibilita uma compreensão ampla de um fenômeno, revelando e apontando os resultados da interação entre o enfermeiro e os elementos envolvidos no processo assistencial, dentro de um contexto específico. Ele procura compreender também como o processo interpretativo é utilizado frente aos objetos, considerando que os significados dos objetos são produtos sociais emergentes de uma prática interativa em constante transformação(6). Neste estudo, foi realizada, ainda à luz dessas teorias, uma articulação entre os achados referentes à implantação da SAE e conceitos relacionados a sistemas e suas construções.

Já o referencial metodológico utilizado foi a Grounded Theory ou Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) alicerçada em Strauss e Corbin(7). A mesma consiste em uma metodologia qualitativa investigativa que, na busca pela expansão do conhecimento, extrai aspectos significativos de experiências vivenciadas pelos sujeitos, o que torna possível a interconexão de constructos teóricos e formulação de teorias(8).

O cenário da pesquisa foi o Instituto Nacional do Câncer – Unidade II (INCA II), um hospital de referência no tratamento do Câncer no Brasil, localizado no município do Rio de Janeiro, pioneiro na iniciativa de implantar e implementar a SAE com vistas à obtenção da Acreditação Hospitalar.

Os sujeitos desse estudo foram nove enfermeiros que, atendendo ao critério de inclusão, participaram do processo de implantação e implementação da SAE na unidade, constituindo-se um único grupo amostral. Eram passíveis de exclusão enfermeiros residentes que estivessem atuando no cenário em questão, no momento da implantação e implementação da SAE. Todos os participantes se prontificaram a participar do estudo, formalizando o aceite no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em consonância com os critérios éticos postulados na Resolução nº 196/96 do CNS, do Ministério da Saúde(9), sobre a pesquisa envolvendo seres humanos. O estudo, cadastrado no CONEP, recebeu aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional do Câncer sob o número de registro 069/2008. 

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas advindas da questão norteadora: Qual o significado da implantação e implementação da SAE com vistas ao gerenciamento da qualidade do cuidado profissional? Os diálogos foram gravados, transcritos e analisados paralelamente sendo submetidos às três etapas de codificação: aberta, axial e seletiva em conformidade com Strauss e Corbin(7).

As categorias, subcategorias e os componentes extraídos do referido processo de codificação foram analisados a fim de identificar o fenômeno central do estudo. Para tal, foram reunidos e ordenados, buscando integrar estrutura e processo, segundo o modelo paradigmático(7).
Após o processo de codificação dos dados, os achados foram validados por seis enfermeiras que possuíam conhecimento em SAE e que trabalhavam em hospitais acreditados ou em processo de Acreditação Hospitalar, dado o contexto do estudo.

 

RESULTADOS

Com base no processo de codificação, emergiram cinco categorias, dentre as quais se destaca para esse estudo o fenômeno: “Construindo as bases de um sistema de assistência de enfermagem”, alicerçado em quatro subcategorias: 1) Montando um grupo de estudos – GISAE; 2) Fazendo um diagnóstico situacional; 3) Trabalhando os requisitos da SAE junto aos enfermeiros; 4) Redirecionando o cuidado profissional. Essas subcategorias apontam evidências de uma aproximação entre a SAE e a Engenharia de Softwares.

Montando um grupo de estudos – GISAE
O Grupo de interesse em SAE (GISAE) foi criado para discutir aspectos técnicos e científicos relacionados à construção e organização do SAE dentro do INCA II, com o objetivo final de obter a Acreditação Hospitalar. O GISAE constituiu um passo inicial e fundamental para que os enfermeiros do INCA se sensibilizassem para a questão da SAE. Nesses encontros, o processo interativo do enfermeiro com a SAE despertou uns e impulsionou outros, considerando-se as diferentes experiências e crenças relacionadas ao tema. Tal espaço de discussão transcendeu o que seria inicialmente uma reunião de trabalho, e passou a constituir um espaço de sensibilização, despertar e troca de experiências.

O GISAE foi o primeiro grupo, foi um grupo para elaboração até mesmo assim de despertar nas pessoas este interesse de trabalhar a sistematização [...]. Foi exatamente despertar nas pessoas este interesse pela sistematização [...]. Mas o interessante é que vai despertando na pessoa o interesse de querer saber mais. Nós começamos realmente a despertar este interesse de até ir buscar os nossos diagnósticos. (PAPOULA)

Fazendo um diagnóstico situacional
Esta subcategoria aponta para a necessidade evidenciada de diagnosticar o status da unidade em relação à SAE, considerando a importância desse reconhecimento para os resultados a serem alcançados. Esse reconhecimento da realidade institucional constitui etapa fundamental para implantação da SAE e a construção de formulários para facilitar o registro da assistência de enfermagem.

A gente criou questionários, criamos também instrumentos de avaliação. Os questionários eram pra saber o quanto a gente se conhecia dentro do hospital. Eu falo a gente todo o grupo do hospital. Então era pra ficar embasado se o grupo era recém-formado, ou se não era. Pra quantificar quantos enfermeiros tinham conhecimento. Era um levantamento pra saber se você sabe a SAE, os diagnósticos de enfermagem, se você entende o que é evolução, a prescrição, o que é o processo [...]. Isso foi feito pra saber de onde a gente ia começar a trabalhar. De onde a gente ia começar a dar o início, começar a orientar, pra gente poder começar a orientar pra poder funcionar. (CRAVO)

Trabalhando os requisitos da SAE junto aos enfermeiros
Nesta subcategoria, foi evidenciado que o processo de diagnóstico situacional motivou a busca pelo conhecimento das questões que envolvem a SAE. Foram oferecidos cursos e eventos relacionados à temática para os enfermeiros participarem. Inicialmente, o conteúdo de interesse relacionava-se à implantação da SAE no INCA. Posteriormente houve a necessidade e interesse de se ampliar o repertório à implementação da SAE de forma geral.

E esse grupo sentiu a necessidade de pesquisar mais o que era a sistematização, de conceito mesmo. Posteriormente, o grupo sentiu a necessidade de pesquisar mais focalmente a questão do diagnóstico e, nesse mesmo momento, nós conseguimos um curso de capacitação, onde a gente teve uma participação de uma enfermeira, auditora docente, que veio fazer a capacitação [...]. Bom, e juntamente com o curso de capacitação, nós também conseguimos que uns grupos de enfermeiros fizessem a capacitação em semiologia aplicada à pratica de enfermagem. (ORQUÍDEA)

Redirecionando o cuidado profissional
Esta subcategoria aborda a necessidade de uma mudança expressiva nos processos de trabalho, com vistas à implantação e implementação da SAE. Para organizar o trabalho da enfermagem de forma integrada e articulada, os enfermeiros criaram formulários a fim de registrar as atividades no prontuário do paciente. A falta de estruturação nos registros traria impacto na qualidade do cuidado realizado, pois o trabalho desenvolvido pela enfermagem requer continuidade, a qual depende da quantidade de informações registradas sobre os pacientes pelos membros de toda a equipe de saúde.
Foi criado também o Grupo de estudos em raciocínio crítico (GERC) para discussão semanal de casos clínicos hipotéticos ou reais em onco-ginecologia (especialidade do INCA II), com vistas à identificação dos diagnósticos de enfermagem reais e potenciais.

Além da discussão conceitual em termos de diagnóstico, de conceituação, a gente criou um grupo de exercícios de raciocínio clínico. Mesmo antes da implantação, a gente já tinha um grupo de raciocínio clínico, porque a gente sentiu a necessidade de treinar o raciocínio clínico específico da área de enfermagem. (ORQUÍDEA)

 

DISCUSSÃO

A categoria “Construindo as bases de um sistema de assistência de enfermagem” aponta para processos intrínsecos à modelagem de sistemas(10). A compreensão do sistema de assistência de enfermagem como um todo, integrado e interativo, converge para o conceito de sistema, visto que conceitualmente sistema é um conjunto de coisas ou partes conectadas, em que existe uma interdependência entre as partes por conta de seus significados e suas existências(11).

Porém, não se pode negar que persiste no senso comum os conceitos tradicionais de sistema, que surgiram há quase 40 anos, numa visão mecanicista, reducionista, com base na física clássica, que tratava de séries causais lineares, ou seja, trabalhava com fenômenos que envolviam normalmente duas variáveis na natureza, sendo ambas explicadas na ideia de causa e efeito. Porém, esse pensamento tornou-se limitado, tendo em vista que, no campo da biologia, das ciências sociais e do comportamento, os problemas apresentavam múltiplas variáveis. Daí a necessidade da criação de novos modelos conceituais ampliados e interdisciplinares(12).

A visão cartesiana encontrou êxito também na área da saúde, levando à fragmentação do todo para melhor compreensão das partes. Porém, essa fragmentação mostrou-se insuficiente no cuidado ao paciente em relação à ideia de multicausalidade de um fenômeno. A segunda, no decorrer do tempo, conquistou maior espaço ao possibilitar trabalhar as diferentes necessidades do ser humano ampliando a visão sobre os problemas de saúde. Assim, a visão novo-paradigmática, que considera o todo através da interação e integração entre as partes, foi e continua sendo essencial ao crescimento da enfermagem e das ciências como um todo.

Ao refletir sobre a SAE na ótica da Teoria Geral dos Sistemas, podem-se perceber interseções entre conceitos próprios da engenharia de softwares e da implantação da assistência de enfermagem sistematizada. Para tal compreensão, cabe o reconhecimento de alguns conceitos essenciais.
Segundo a visão funcionalista, os sistemas apresentam como componentes: os seus objetivos, as entradas, o processo de transformação desse sistema, as saídas, os controles e avaliações e a retroalimentação do sistema(2). Porém, a visão de sistemas na enfermagem vem evoluindo para a noção de complexidade, onde a enfermagem pode ser compreendida como um sistema diferenciado e autônomo, capaz de regenerar continuamente suas relações, interações e associações, com códigos que abarcam a especificidade do cuidado de enfermagem(13). A enfermagem busca desenvolver as atividades considerando suas próprias demandas, bem como as dos pacientes e dos gestores das unidades. É, portanto, impossível desconsiderar o todo quando se busca promover melhores práticas em enfermagem.

Os enfermeiros no INCA, de forma empírica, seguiram as etapas da modelagem de softwares para a construção do seu sistema de assistência. Ao refletir sobre engenharia de softwares, observa-se que o processo ocorre em camadas ou dimensões que se apoiam num compromisso organizacional com foco na qualidade. Toda a base para o controle gerencial de projetos, cujo contexto viabiliza a implementação dos métodos técnicos e respectivas ferramentas a serem utilizadas, tem alicerces nesse processo de construção(3).

É a engenharia da SAE que torna viável a implementação do processo de enfermagem na prática. No INCA II, a construção se aproximou de um modelo, cujas dimensões da SAE, se estruturaram tal como camadas de um software. Em ambos a qualidade é identificada como camada base da estrutura; logo acima se apresenta a camada processo que no caso da SAE é representada pelo trabalho da enfermagem propriamente dito; em seguida apresenta-se a camada método, que no caso da SAE deve ser orientado por uma teoria de enfermagem, que indica as ações, atitudes e modos de pensar. Destaca-se que nessa relação entre o método e a teoria de enfermagem a ser adotada para orientar a prática, considera-se que os conceitos de método e teoria são distintos, corroborando a corrente que destaca diferenças conceituais entre SAE, processo de enfermagem e metodologia da assistência(14). A última camada, relacionada às ferramentas do software, englobam no caso da SAE, os vocabulários e classificações que podem ser utilizados para padronizar a linguagem da enfermagem.

Esse modelo de organização da SAE constitui-se em dimensões sobrepostas mediadas por relações interativas. Ademais, destaca-se que os enfermeiros, ao implantarem a SAE, estavam engajados no controle dos processos para a obtenção da Acreditação Hospitalar, e consequente oferta de qualidade ao cuidado. E foi pensando nesse produto e contexto que iniciaram a engenharia da SAE com a criação do GISAE, o qual possibilitou conhecer requisitos ou indicadores de qualidade do cuidado para aquela unidade. Isso ocorreu de modo semelhante ao que acontece com uma engenharia de produto, ao traduzir o desejo do cliente de uma série de propostas definidas tendo por base a engenharia de requisitos. À medida que os requisitos são trabalhados, tem início a engenharia de componentes que trabalha a engenharia de software, hardware, a humana e a de banco de dados. Ainda que tenham diferentes domínios, cada componente trabalha integrado com base nas interfaces estabelecidas nos requisitos. Em seguida, a engenharia do software toma seu posto, trabalhando a modelagem, os componentes e a construção e integração das partes num todo. Percebe-se que na engenharia de software o foco é estreitado à medida que cai a hierarquia dentro do desenho da arquitetura. Porém, essa hierarquia servirá de referência para toda a construção(3).

Assim, ao se desdobrar as etapas da engenharia de produto na construção da SAE, pôde-se notar que o GISAE foi espaço para um diagnóstico situacional por meio do reconhecimento dos requisitos fundamentais a essa construção, que tinham por base as visões de mundo de cada enfermeiro participante. Vale destacar que nesse momento os conceitos de indivíduo, ação e sociedade próprios do Interacionismo Simbólico(15) foram desdobrados para ampliar o reconhecimento de requisitos, apontando para a delimitação de elementos/ideias socialmente construídos acerca do objeto simbólico SAE, com base nas interações e nas interpretações dos indivíduos sobre o que entendem por assistência de qualidade.

Assim, esses elementos identificados como requisitos da SAE estabeleceram um diagnóstico situacional e foram essenciais na engenharia de hardware, em seu processo de agregar peças de diferentes conhecimentos para construir o sistema de acordo com os requisitos focados. Com isso, foram confeccionados formulários que tinham por base o processo paralelo de engenharia de software e envolveriam a escolha de guias ou ferramentas intelectuais norteadoras desse sistema, tais como os métodos de trabalho orientados pelas teorias de enfermagem.

A engenharia humana foi considerada à medida que os enfermeiros desenvolveram ações de capacitação para operar o sistema e formaram um grupo interativo para exercício do diagnóstico de enfermagem e para a troca de experiências.

A busca por atualização é uma necessidade do exercício e do reconhecimento da profissão, tendo em vista a busca pela qualidade(16). Ou seja, a atualização, mais do que nunca, serve não somente a esse processo de engenharia humana, mas também à compreensão e arquitetura da identidade profissional da enfermagem. Já a engenharia de banco de dados está relacionada às ações estratégicas desenvolvidas para o armazenamento da informação. Como exemplo, temos os prontuários do projeto-piloto, que foram identificados e cadastrados já com a finalidade de facilitar o processo de auditoria futuro e consequente retroalimentação desse sistema; um pensamento representando a visão acerca da implantação da SAE que considera o processo como contínuo, haja vista a necessidade de retroalimentação constante de qualquer sistema.

É importante uma compreensão atualizada sobre a noção de sistema, dadas às alterações que a mesma vem sofrendo. Desde a década de 1970, notava-se a necessidade de ruptura com a visão reducionista de muitos cientistas sociais, que ainda eram influenciados pela visão de que unidades atômicas teriam sentido e realidade para além de um sistema(17). Atualmente essa visão encontra-se superada. Neste estudo, para avançar na compreensão de sistemas e modelagens, foram importantes também as reflexões desenvolvidas em um estudo de modelagem do processo de enfermagem para o prontuário eletrônico do paciente(18).

Enfatiza-se que a modelagem da SAE ocorreu de forma empírica, sendo desenvolvida com base na vivência dos membros do grupo executivo, nos conhecimentos adquiridos na capacitação e na troca de experiências.

 

CONCLUSÃO

Na implantação da SAE, verificou-se que a organização dos processos de trabalho empiricamente construídos coincidiram com as etapas da engenharia de softwares e arquitetura de sistemas. Todas as etapas de levantamento de requisitos para a construção do sistema foram seguidas, com exceção da eleição de um referencial teórico, dado que no momento das entrevistas os enfermeiros ainda não compreendiam o que elas representam para o exercício profissional da enfermagem. Esse levantamento de requisitos constituiu etapa fundamental para a implementação efetiva do sistema, desde sua concepção até a sua prática em uma unidade hospitalar pelos diversos atores sociais nele envolvidos.

É considerando essas questões que é ressaltada aqui a relevância de estudos que apontem como o ensino de graduação tem tratado a temática das teorias de enfermagem e a articulação das mesmas nos diferentes cenários de prática. Desta forma, será cada vez maior a possibilidade de se detectar lacunas que elevam o risco de inconsistência na implementação da SAE.

 

REFERÊNCIAS

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18. Fuly PSC. Modelagem do processo de enfermagem para o prontuário eletrônico do paciente [ dissertação ]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro - Coordenação dos Programas de Pós Graduação em Engenharia; 2004.

 

 

Recebido: 19/11/2012
Aprovado: 24/01/2013