ARTIGOS ORIGINAIS

 

Participação do companheiro no planejamento familiar sob a ótica feminina: estudo descritivo


Graciela Souza da Silva1, Maria Celeste Landerdahl1, Tassiane Ferreira Langendorf1, Stela Maris de Mello Padoin1, Letícia Becker Vieira2 , Elenir Terezinha Rizzetti Anversa3

1Universidade Federal de Santa Maria
2Universidade Federal do Rio Grande do Sul
3Prefeitura Municipal de Santa Maria

 


RESUMO
Objetivo: descrever como as mulheres percebem a participação do companheiro no planejamento familiar.
Método: pesquisa qualitativa descritiva, com etapa de campo desenvolvida no período de abril a junho de 2012 por meio de entrevista semiestruturada com oito mulheres, tendo como cenário uma Unidade Básica de Saúde num município no Sul do Brasil. Foi desenvolvida análise temática de Minayo.
Resultado: os dados foram organizados em duas categorias: o casal realiza um acordo sobre o momento de ter filhos e a mulher se responsabiliza pela anticoncepção.
Discussão: a participação do companheiro se dá pelo apoio emocional e afetivo à mulher, pela ajuda no cuidado com os filhos e pelo provimento de recursos financeiros. O homem tem menor participação nas atividades de anticoncepção.
Conclusão: a assistência no planejamento familiar necessita incluir os homens, fornecendo subsídios para sua participação ativa e reconhecimento do casal e da família como unidade de cuidado.
Descritores: Enfermagem; Planejamento Familiar; Saúde Sexual e Reprodutiva.


 

INTRODUÇÃO

O plano jurídico das conquistas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos no Brasil foi regulamentado pela Lei nº 9.263 de 12 de janeiro de 1996. Esta define, no Artigo 2, o  “planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”(1).

As referências para a formulação do planejamento familiar também se alinham ao plano conceitual da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM). Este incorpora, num enfoque de gênero, a integralidade e a promoção da saúde como princípios norteadores, buscando consolidar os avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos. Neste documento se preconiza a inclusão do homem na atenção integral à saúde da mulher, tendo como estratégia o estímulo à participação destes no planejamento familiar(2). Essa premissa é reforçada, também, pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, na perspectiva de superação à restrição da responsabilidade feminina sobre as práticas anticonceptivas, assegurando ao homem o direito à participação no planejamento reprodutivo(3).

No plano normativo, entende-se que para alcançar os objetivos do planejamento familiar é preciso avançar no sentido de ampliar esta abordagem aos homens, promovendo o seu efetivo envolvimento nas ações, considerando e valorizando sua corresponsabilidade nas questões referentes à saúde sexual e reprodutiva(4). Assim, devem ser realizadas ações de educação em saúde, a partir do conhecimento das necessidades e das expectativas do casal para garantir a oferta de informações adequadas ao seu contexto.

Neste cenário, a equipe multiprofissional, com destaque para o profissional enfermeiro/a, encontra-se em uma posição importante capaz de esclarecer os indivíduos e os casais sobre as opções de métodos anticonceptivos disponíveis. Além disso, tem a possibilidade de assumir em sua prática ações que promovam a saúde sexual e reprodutiva, considerando tais sujeitos na sua integralidade(4).

As questões relacionadas à anticoncepção são, ainda, tradicionalmente vistas como de responsabilidade exclusiva das mulheres e isso pode ser percebido quando estas assumem sozinhas os assuntos que dizem respeito ao planejamento da família. Além disso, considerando que a concepção é um resultado natural entre homens e mulheres, a expectativa é de que a anticoncepção seja um fenômeno resultante de ações dos parceiros envolvidos, porém se visualiza que a cultura masculina predomina sobre a feminina, enfatizando a responsabilidade da mulher no âmbito do planejamento familiar(5).

Compreende-se que um dos objetivos das políticas de atenção integral à saúde do homem e da mulher, no Brasil, é estimular a participação e a inclusão dos homens quando se trata de saúde reprodutiva. No documento sobre princípios e diretrizes referente à população masculina, tem-se a questão de conscientizar homens e mulheres quanto ao dever e ao direito de participação do homem na atenção em planejamento reprodutivo(2-3). No entanto, os homens são ausentes nos serviços de saúde, sendo as mulheres as principais usuárias deste(6). Diante desta particularidade, optou-se por ouvir as mulheres, tendo como objetivo: descrever como as mulheres percebem a participação do companheiro no planejamento familiar.

 

MÉTODO

Estudo descritivo, de natureza qualitativa, que procurou conhecer a subjetividade contida nas experiências das mulheres, as quais não podem ser demonstradas por meio da operacionalização de variáveis(7). Foi realizado num município de médio porte do sul do Brasil, tendo como cenário uma Unidade Básica de Saúde (UBS), no período de abril a junho de 2012, com oito usuárias da referida unidade. Como critérios de inclusão, definiram-se que as participantes fossem mulheres em idade fértil que mantivessem relação conjugal com o companheiro, maiores de 18 anos, que estivessem em condições físicas e mentais de participar do estudo.

Optou-se por abranger a problemática da participação do companheiro no planejamento familiar a partir do depoimento das mulheres que buscam assistência no serviço de saúde disponível na região sanitária em questão, uma vez que se configura como incomum a presença dos seus companheiros neste espaço.

O número final de entrevistadas foi delimitado pela saturação dos dados, determinado a partir de sucessivas análises paralelas à coleta de dados para que fosse norteada sua finalização(8). Assim, a quantidade de mulheres entrevistadas foi suficiente para que houvesse a reincidência de informações, quando as entrevistas apresentavam elementos comuns.

As mulheres foram acessadas na sala de espera do serviço de saúde e conduzidas a uma sala disponibilizada pela coordenação da UBS como forma de promover privacidade e tranquilidade na obtenção das informações. Duas entrevistas foram realizadas no domicílio, mediante solicitação das mulheres, as quais justificaram tal solicitação por terem que cuidar dos filhos e da casa.

Para coleta de dados foi realizada a técnica de entrevista, as quais foram gravadas com gravador digital, norteada por questões sobre a caracterização sociodemográfica e o entendimento da mulher sobre planejamento familiar, considerando a participação do companheiro. Foi desenvolvida a técnica de análise temática do conteúdo, que consiste em descobrir núcleos de sentido, cuja presença ou frequência sejam expressivas para o objetivo analítico visado. Essa análise constituiu-se de três etapas: ordenação, classificação dos dados e análise final(7).

A etapa de ordenação consistiu na transcrição das entrevistas e posterior leitura, a fim de determinar as unidades de registro: frases ou palavras-chave que aparecem com certa frequência nos depoimentos, caracterizadas como ideias centrais ou aspectos relevantes. Em seguida deu-se a  determinação das unidades de contexto: delimitação do contexto de compreensão da unidade de registro(7).

A etapa de classificação possibilitou construir duas categorias empíricas, responsáveis pela especificação dos temas e os conceitos teóricos que orientaram a descoberta e a construção dos núcleos de sentido, que dão o embasamento da análise. A análise final se baseou no tratamento dos resultados obtidos e sua interpretação, procurando articular o material estruturado dos depoimentos com a literatura, visando a identificação do conteúdo subjacente ao que é manifestado.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria – Rio Grande do Sul, Brasil, em conformidade com as diretrizes do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, parecer número 01423012.1.0000.5346, em 27 de março de 2012. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi concedido pelas participantes por meio de assinatura, mediado por esclarecimento prévio dos procedimentos da pesquisa. O anonimato das participantes foi viabilizado com a utilização do sistema alfanumérico de representação dos dados. Para identificação das entrevistadas foi utilizada a letra M, que se refere à mulher, seguida por números em ordem crescente (M1, M2, M3...).

 

RESULTADOS

A idade das entrevistadas foi entre 25 e 45 anos. O número de filhos variou de um a seis, com uma média de 3 filhos. Quatro mulheres declararam serem casadas e quatro relataram união consensual. O tempo de relação com o companheiro variou de dois a 20 anos, com uma média de 11,25 anos. Cinco eram donas de casa, duas exerciam trabalho remunerado e uma com trabalho não remunerado (voluntariado). A escolaridade apontou três mulheres com ensino fundamental incompleto, duas com ensino fundamental completo, duas com ensino médio incompleto e uma com ensino médio completo.

Os dados foram organizados em duas categorias: o casal realiza um acordo sobre o momento de ter filhos e a mulher se responsabiliza pela anticoncepção.

A primeira categoria se fundamentou nas expressões: "a gente conversa/planeja", "acordo", "consenso", "renda", "conforto", "dar alimentação", "futuro dos filhos", "dar estudo", "apoio emocional", "é companheiro", "ajuda na parte financeira", "cuida dos filhos/ajuda com as crianças".

As mulheres do estudo relatam que há um acordo e até mesmo um consenso, que foi mediado pela conversa entre o casal sobre o momento de ter ou não filhos. Este foi base para o planejamento da constituição da família, sendo isso essencial para as decisões sobre as maneiras de efetivarem seus planos e para o fortalecimento dos vínculos familiares.

A gente conversou, eu e o meu esposo, e nós dois estávamos trabalhando na época, e os dois podiam ter esse filho. (M1)

Eu e ele [companheiro] entramos em um acordo. Ele me disse que estava difícil, que por enquanto não estava dando [...]. Não adianta eu querer e ele não querer. Então achei melhor desistir. (M2)

A gente dizia que queria ter um filho, foi planejado. (M3)

Eu, por enquanto, não quero ter mais. E, pro meu companheiro tá bom. Agora a nossa vida é planejada, eu, ele e meu filho. A gente planeja e sabe que se não se cuidar vem mais. (M4)

Eu não quero mais, nem meu marido. O planejamento pra nossa família, pra nossa casa, são os três. A gente conversa muito sobre isso, e chegamos num consenso. (M6)

A gente conversa porque meu companheiro também acha que nós temos que arrumar nossa casa antes. Então, nós achamos que não é o momento de ter outro agora. (M8)

A decisão resultante de conversas e negociações do casal foi influenciada pelas condições denominadas de estrutura de vida atual e para o futuro. As mulheres relatam a estrutura física de moradia, de aquisição de bens e serviços provenientes do acesso ao trabalho. Destacou-se a preocupação com as questões financeiras, como a alimentação, o conforto da família e a educação dos filhos.

Dentro da tua renda você tem que planejar! Não pode colocar um filho no mundo sem ter condições. (M1)

Resolvemos não ter mais filhos, por enquanto. Não até eles estarem criados, até nos alicerçarmos. Não até nós conseguirmos nos estruturar melhor, ter uma condição financeira maior, um conforto maior. Estamos construindo a nossa casa, para dar um conforto para eles. Temos trabalhado para vestir, para alimentar, para eles não estarem pedindo nada para ninguém. Eu creio que esse é meu planejamento. (M2)

Planejar é o jeito de pensar aquele filho. É poder ver o que tu vai dar no futuro para eles. O como dar. Que tu vai fazer isso, que tu vai fazer aquilo, de bom, de melhor. E como vai dar para fazer. (M3)
Não queremos mais filhos. Por enquanto, vamos só dar o estudo desse filho e, trabalhar, ter nossa casa. (M4)

Tu tens que ter as coisas para dar para teu filho, não adianta ter uma penca de filhos e depois tu não ter o que dar para eles comer.  (M5)

Nossa estrutura de vida já está boa com três filhos. Pela nossa renda a gente acha que não tem que de ter mais filho. (M6)

A gente sendo pobre é assim [...] tem que ir à luta, tem que sair de manhã cedo para o emprego para trabalhar, para adquirir o alimento, o que vestir, o que calçar, adquirir alimentação para dentro de casa, principalmente porque eu não gosto que falte para as crianças. (M8)

As mulheres participantes relatam que o companheiro ajuda nas atividades domésticas, as quais entende ser da mulher, uma vez que reforçam com a fala: "ele me ajuda em tudo". Essa ajuda foi identificada por meio do cuidado com os filhos e do revezamento para o trabalho, do apoio emocional e afetivo para a companheira e para os filhos e percebida pelo apoio e provimento de recursos financeiros à família.

Ele me ajuda em tudo, na forma emocional, na forma afetiva, tanto para mim quanto para os meus filhos. Na forma financeira ele me ajuda bastante. Vamos dizer 100% ele me ajuda, e em tudo. Ele cuida dos meus filhos, a gente se reveza, eu vou para o trabalho de manhã e ele cuida das crianças até a hora de eu chegar. (M2)

Ele me ajudou em tudo, em tudo mesmo, desde cuidar, de estar junto, de ir no médico, sempre. Ele é o alicerce, um amigo, companheiro, está sempre presente, o melhor amigo que eu tenho é ele, o meu marido que está sempre comigo, meu companheiro. (M3)

Meu marido passa o tempo todo trabalhando, só pra cuidar do gordo [filho]. Com esse [filho] até que ele me ajudou um pouquinho, enquanto é nenê até que ele me ajuda. Quando é para fazer comida ele ajuda, cuidando das crianças já é bom. (M5)

Ele participa em todos os momentos da minha vida, eu não decido nada sozinha e não faço nada sozinha, ele me ajuda. (M6)

Ele me ajuda com as crianças, ele é muito amigo da minha filha, principalmente com as crianças, ele é companheiro. (M8)

A segunda categoria se fundamentou nas expressões: "o problema é meu", "tem que partir de mim", "não gosta de usar preservativo", "eu mesma me cuido", "homem não pensa", "eu sempre me cuidei", "eu tomo pílula/injeção e já digo pra ele que tem que usar camisinha".

A mulher assume a anticoncepção como sua responsabilidade, referindo que o cuidado com a utilização de um método para evitar a gravidez tem que partir dela. O uso do preservativo masculino só ocorre quando a mulher julga ser uma situação necessária para não engravidar, como no intervalo entre uma cartela de pílula e outra.

Isto revela a dificuldade da mulher em negociar o uso do preservativo com o companheiro, sendo as tentativas de uso um motivo para desentendimentos entre o casal.

Diante da indiferença do companheiro no que se refere à mulher em tomar pílula e da sua recusa em usar o preservativo masculino, a mulher conclui que o único jeito para não engravidar é aderir aos métodos de anticoncepção hormonal oral e injetável. 

Ele não gosta de camisinha. Quer levantar uma briga em casa é eu mandar ele usar camisinha. Ele não usa. Não adianta! Por que ele diz que tem mulher já é pra não ter que usar. Só que na verdade o problema é meu, porque quem vai engravidar sou eu. Então tem que partir de mim, eu vou tomar a pílula, vou tomar a injeção, é o único jeito. (M2)

Ele sabe o dia que termina a minha pílula, ele sabe tudo. Ele diz, ‘tem que tomar todos os dias’. Mas não usa, não gosta de usar [preservativo], é complicado. (M3)

Eu me cuido, eu mesma me cuido muito. Tomo meus remédios [anticoncepcional] direitinhos. Às vezes a gente fica meio assim por causa do remédio que dizem que não é muito confiável, daí a gente usa esses preservativos para a gente evitar a gravidez. (M4)

Eu já tomava pílula, desde os 17 anos; eu parei de tomar pílula justamente para engravidar do meu filho. Pelo meu companheiro eu nem tomaria pílula. Eu acho que ele só pensa em ter filhos, mas não é assim. É que homem não pensa, eu já penso. (M5)

Como eu sempre me cuidei, eu sempre tomei pílula, a gente usou camisinha o necessário. Mas eu não quero mais filhos, nem ele. Aí eu tomo pílula. (M6)

Eu tomo injeção, ele não fala nada. Mas, na questão da laqueadura, porque eu quero fazer a laqueadura, ele é contra. Eu disse para ele: “não quero mais, eu já tenho três, vou ficando velha com uma penca de filhos”. Mesmo assim, nesse ponto ele é contra. (M7)

Quando eu termino a minha pílula eu já digo para ele [companheiro] que tem que usar camisinha nos dias que eu ainda não menstruei; se nós vamos ter relação, digo para ele usar camisinha. (M8)

 

DISCUSSÃO

Planejamento familiar é um evento complexo de inúmeras abordagens e atividades que tem como objetivo promover ao cliente acessibilidade às informações quanto à saúde sexual e reprodutiva. Além disso, faz parte de um contexto em que o ser humano assume, voluntária e conscientemente, o comando de seu destino e a responsabilidade por ele, de maneira que as decisões sejam satisfatórias e adequadas para o casal. É uma das formas de realizar um projeto de vida(9).

Esse projeto deve levar em consideração a liberdade do casal em decidir o número de filhos que podem ou querem ter(10). As mulheres do estudo identificaram alguns fatores que influenciam nessa decisão, como a relação com o companheiro, em que a mulher se sente apoiada por ele, e nas situações em que algumas compreendem que a família já está completa com o casal e os filhos que têm.

Nesse sentido, destaca-se a importância de considerar as questões relacionais entre o casal na assistência ao planejamento familiar. Essas podem influenciar nos aspectos como o planejamento da prole e a tomada de decisão compartilhada(9). De modo que a família é considerada um grupo de pessoas unidas por laços de afeto e cuidado mútuo. Assim, o casal planeja o número de filhos e como será conformada sua família(11).

Diante disso, tem-se a possibilidade do profissional enfermeiro ampliar seu olhar para o cuidado à família. Este desenvolve atitudes de suporte face à família, as quais pretendem que os cuidados de enfermagem sejam consoantes às necessidades dos envolvidos. Considerar o contexto familiar no planejamento assistencial de enfermagem contribui para o desenvolvimento de uma abordagem colaborativa entre profissional e família, entendendo-a como unidade de cuidado(9).

A situação financeira do casal é apontada pelas mulheres como uma questão que influencia na tomada de decisões no que diz respeito ao planejamento familiar. Alguns casais necessitam fortalecer sua situação financeira e, para tanto, se inserem no mercado de trabalho, para posteriormente efetivar o planejamento reprodutivo. Cada vez mais homens e mulheres conquistam a liberdade e o direito de exercer diferentes papéis e funções sociais. Os lugares ocupados por ambos passaram a ser estabelecidos de acordo com suas necessidades, desejos, expectativas e competências, na tentativa de superação da rígida divisão sexual do trabalho.

Além das questões econômicas pode-se destacar, ainda, o trabalho doméstico no lar ou fora dele, a baixa remuneração no âmbito pessoal e familiar, e a baixa escolaridade como fatores que podem interferir neste planejamento(12). O equilíbrio entre a renda e o número de filhos é um fator positivo para o desenvolvimento social e a diminuição da pobreza. Nesse sentido, o planejamento familiar contribui para que a família se organize de forma que se baseie na sustentabilidade, considerando os fatores sociais, políticos e econômicos em que estão inseridos(13).

No que concerne ao provimento financeiro da família, questões como aquisição de alimentação, escolaridade, vestuário e até mesmo moradia própria são considerados na decisão do casal ao planejar suas escolhas reprodutivas. Planejar-se, nesse contexto, refere-se à organização e suporte que a família realiza com intuito de minimizar a vivência de dificuldades no seu dia a dia. Assim, programarem-se para ter uma vida melhor significa decidir ter filhos conforme sua condição econômica, a fim de ter a possibilidade de proporcionar conforto para a família.

Pode-se perceber a presença do pai no cotidiano do seu filho, participando da educação e dividindo as tarefas de cuidado com a mãe. Em algumas situações o pai adapta suas atividades, principalmente o trabalho e a vida social, para participar dos cuidados do filho. Além disso, o pai contemporâneo tem compartilhado tarefas que tradicionalmente são exercidas pela mãe. Dessa forma, intensifica a sua participação como companheiro e como pai(14).

Nesse cenário em que o homem se insere de maneira diferenciada no cuidado com a companheira e com os filhos, é esperado dele, ações que antes pareciam ser exclusivamente das mulheres, como envolver-se emocionalmente com o filho e participar ativamente de sua vida. Entretanto, pode-se salientar que proporcionar o sustento da família permanece sendo atribuição principalmente do pai, condição construída historicamente, o reconhecendo como chefe e provedor da família(15). Nesse cenário, o papel do homem continua sendo o de chefe e provedor, muito embora a realidade se mostre em transição no Brasil.

Tal assertiva converge aos achados desse estudo, nos quais a renda familiar provém predominantemente das atividades laborais do companheiro. Isso contribui para a dependência da mulher ao seu companheiro, limitando sua liberdade reprodutiva e sua autonomia. Tal limitação remete a dificuldade que as mulheres podem ter para efetivar o planejamento familiar, pois esse pode ter influência do companheiro, definido quando o casal terá seus filhos(16).

Ao se tratar da anticoncepção, pode-se observar a mulher assumindo ação como de sua exclusiva responsabilidade e a participação do homem ocorre quando ela acredita ser necessário. Tal responsabilização pode ser observada pela escolha dos métodos anticoncepcionais, dos quais predominam anticoncepcional hormonal oral e injetável, laqueadura tubária e dispositivo intrauterino. A minoria referiu a vasectomia como método de escolha, fortalecendo que a anticoncepção é atribuição da mulher(17).

Pensa-se na concepção como o resultado natural da relação sexual entre homem e mulher, ao mesmo tempo em que a anticoncepção deveria ser um fenômeno originado da conjugação de esforços dos parceiros envolvidos nessa relação(5). Porém isso nem sempre ocorre, uma vez que a carga de responsabilidade que a mulher carrega, no que se refere à anticoncepção, se configura, para ela e para a sociedade em geral, um papel naturalizado que rotula determinadas atividades como exclusiva de mulheres, a exemplo do cuidado com a casa e com os filhos.

A saúde reprodutiva persiste na nossa sociedade como atribuição da mulher. Isso se torna evidente diante da expressividade de mulheres que se responsabiliza pela anticoncepção, quando assumem a utilização de algum método anticonceptivo e seu companheiro não(18).

Embora haja investimentos em campanhas que incentivam os homens a usar o preservativo masculino, ainda com enfoque principalmente na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, permanece o discurso de que homens relutam em usá-lo. Isso sob o argumento de que o preservativo reduz o prazer sexual. Além disso, as percepções e os comportamentos sobre o uso do preservativo podem variar de acordo com idade, sexo, nível educacional, status social, credo religioso, gênero e etnia(19).

Diante disso, tornam-se evidentes as dificuldades de negociação do uso do preservativo entre a maioria dos casais. Assim, as mulheres abdicam de seus desejos de manutenção de uma relação sexual prazerosa e segura, por encontrarem obstáculos na comunicação e persuasão dos parceiros sexuais para a utilização deste método anticonceptivo(16).

No cenário atual da assistência sexual e reprodutiva, a participação dos homens é pouco expressiva, em especial nos serviços de planejamento familiar. Essa situação necessita ser revertida, uma vez que as decisões e ações nesse campo devem ser exercidas pelo casal(11). Além disso, para planejar o número de filhos não basta a escolha de um método adequado à saúde e às convicções do casal, é preciso que haja um acordo maduro entre ambos(10).

Para isso, as estratégias de empoderamento e autonomia constituem ferramentas de grande importância para a promoção da saúde ao casal. Estas, além de motivar o indivíduo à legitimação e possibilitar a expressão de grupos marginalizados, também promove a ruptura de barreiras que são causadoras de limitação para uma vida saudável. Para essa construção, é importante a intervenção do profissional enfermeiro, que pode oferecer o conhecimento para a aquisição de novos comportamentos(20).

Nessa perspectiva, é importante que as mulheres se percebam sujeitos em mudanças necessárias, que coloquem homens e mulheres lado a lado na resolução de situações e contextos que digam respeito ao casal e à família, dentre elas a anticoncepção. Caminhando nesta direção, o/a profissional enfermeiro/a estará implementando as premissas da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), as quais recomendam a perspectiva de gênero na assistência às mulheres e o estímulo ao empoderamento feminino.

 

CONCLUSÃO

A partir dos achados do estudo, compreende-se que a inserção do homem no planejamento familiar ocorre de forma pontual e limitada, uma vez que a mulher assume como de sua responsabilidade as ações que permeiam este planejamento. Faz-se necessária, uma assistência em planejamento familiar que inclua os homens nas orientações sobre saúde sexual e reprodutiva e que viabilize a inserção destes em espaços de atenção à saúde, como o pré-natal, a puericultura e a realização de grupos de planejamento familiar em horários alternativos para que o casal possa participar.

A inserção do/a enfermeiro/a nesse cenário é importante para incentivar ações de educação em saúde, a fim de propiciar uma construção horizontal do conhecimento. Destaca-se a importância de as mulheres desenvolverem uma compreensão crítica sobre os determinantes culturais e sociais que influenciam em sua vida e saúde e a inclusão do homem nos grupos de planejamento familiar. Esses espaços devem ser pautados no protagonismo dos sujeitos e na integralidade da assistência à saúde sexual e reprodutiva.

No plano assistencial da saúde sexual e reprodutiva, compreende-se a necessidade de contemplar as expectativas de ambos envolvidos, homem e mulher. Com isso, vislumbra-se uma atenção que reconheça estes sujeitos como casal, na possibilidade de pautar o cuidado de enfermagem e assistência dos demais profissionais de saúde, contemplando suas demandas.

A pesquisa apresenta as limitações de um estudo qualitativo, contextualizada no local e tempo onde foi desenvolvida. Considera-se que não se almeja a generalização dos resultados, mas o aprofundamento da percepção de mulheres sobre a participação do companheiro no planejamento familiar.

Recomendam-se estudos sobre o tema, abrangendo outras regiões do Brasil e de outros países, assim como estudos que possibilitem dar voz aos homens, a fim de conferir visibilidade à maneira como estes se compreendem no contexto do planejamento familiar. Acredita-se, assim, contribuir para o aperfeiçoamento do cuidado de enfermagem por meio da assistência pautada na singularidade de mulheres e homens e suas escolhas sexuais e reprodutivas.

 

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências. Diário Oficial da União 15 jan 1996; Seção 1.

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3. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem – princípios e diretrizes. Brasília: MS; 2008.

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Contribuição dos autores na pesquisa:
Graciela Souza da Silva – elaboração, redação e execução da pesquisa.
Maria Celeste Landerdahl – aprofundamento teórico e metodológico nas etapas de desenvolvimento da pesquisa.
Tassiane Ferreira Langendorf - aprofundamento teórico e metodológico nas etapas de desenvolvimento da pesquisa.
Stela Maris de Mello Padoin – organização, tratamento dos dados e aprofundamento teórico para elaboração do artigo.
Letícia Becker Vieira - organização, tratamento dos dados e aprofundamento teórico para elaboração do artigo.
Elenir Terezinha Rizzetti Anversa - aprofundamento teórico para elaboração do artigo.

 

 

Recebido: 26/02/2013
Revisado: 10/10/2013
Aprovado: 28/10/2013