ARTIGOS ORIGINAIS

 

Representações maternas sobre cuidado de recém-nascidos de risco: discurso do sujeito coletivo

 

Adriana Valongo Zani1, Vera Lúcia Pamplona Tonete2, Cristina Maria Garcia de Lima Parada2

1Universidade Estadual de Londrina
2Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

 


RESUMO
Objetivo: Apreender representações maternas sobre o cuidado de recém-nascidos de muito baixo peso em unidades de internação neonatal.
Método: Estudo qualitativo com 41 mães entrevistadas entre novembro de 2011 e julho de 2012. Para análise, utilizou-se o referencial das Representações Sociais, seguindo-se o método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).
Resultados: Emergiram nove ideias centrais: medo do inesperado, dificuldade na aceitação da separação, dificuldade em falar sobre o bebê, possibilidade concreta da morte, impotência frente à internação do filho, culpa por não conseguir cuidar do filho, a espera por um milagre, confiança na equipe e a satisfação que a proximidade com o recém-nascido traz para a mãe.
Conclusão: Identificaram-se aspectos dificultadores, como o medo do desconhecido e a separação do filho. Por outro lado, a proximidade com o recém-nascido configurou-se aspecto facilitador. Ressalta-se a necessidade de intervenções direcionadas a mãe, como apoio e inserção gradativa no processo de cuidar.
Descritores: Relações Mãe-Filho; Recém-Nascido; Peso Muito Baixo ao Nascer; Família; Cuidados Intensivos.


 

INTRODUÇÃO

O processo de cuidar dos recém-nascidos prematuros, com baixo peso ou alguma intercorrência (considerados de risco), avançou muito nos últimos anos em decorrência do incremento científico e tecnológico. Isso possibilitou maior sobrevivência de recém-nascidos de muito baixo peso (RNMBP), tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento, e resultou em mudança do perfil e queda dos índices de mortalidade infantil(1-2).

As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), equipadas com tecnologia de ponta e profissionais altamente qualificados, contribuem para o aumento da sobrevida do RNMBP. Porém, mantêm o foco primordialmente em aspectos biológicos, favorecendo comportamentos automatizados, nos quais o diálogo e a reflexão crítica não encontram espaço, inclusive pelas situações contínuas de emergência, gravidade dos pacientes e dinâmica acelerada do serviço. Nos dias atuais, esse tema vem sendo discutido especialmente por enfermeiros que atuam diretamente com o RNMBP privilegiando a prática profissional, com a finalidade de transformar tal realidade, ampliando para outras dimensões e inserindo o cuidado familiar(2).

Um dos estágios do ciclo familiar que pode provocar mudanças profundas ou desafios significativos para a família é a chegada de uma criança. No caso do nascimento de um neonato de risco, a família se vê frente a uma experiência desgastante e desafiadora, o que ocasiona profundas alterações na dinâmica familiar e se prolonga com a internação do bebê(3-4).

O tempo de internação do RNMBP na UTIN pode se estender por vários meses. No cenário dessa hospitalização prolongada, ocorre uma mudança súbita na vida da família - especialmente da mãe, que em um curto espaço de tempo, se torna acompanhante do filho sem que esteja preparada para essa mudança, com frequência permeada por muito sofrimento.

Em estudo recente realizado no município de Maringá (PR), referente à percepção de mães adolescentes em relação ao recém-nascido de risco, evidenciou-se que, culturalmente, o peso da criança é fator preponderante para que a família o considere saudável ou não(5)

A complexidade de eventos que envolvem uma mulher durante o período gestacional e puerperal implica em conhecer não apenas aspectos físicos, mas condições diversas que poderão estar direta ou indiretamente relacionadas à sua condição de mulher-mãe e do homem/pai, articuladas com modificações psíquicas do casal(6). Durante a gravidez, desejada ou não, a família espera um nascimento saudável. Mas quando nasce uma criança com problemas, esse fato inesperado pode gerar sentimentos negativos, como a frustação, e o nascimento se configura em uma fase difícil e por vezes conflituosa, principalmente por destituí-la do papel de uma maternagem sadia.

O nascimento, em condições normais, traz consigo dificuldades naturais, atribuídas a diversos fatores que envolvem o cuidado do recém-nascido. Por um lado, precisa-se desenvolver o ritual cultural clássico e básico do cuidado propriamente dito, com a interação e a vinculação da mãe, seu filho e família, por sua vez influenciado por crenças, valores e experiências anteriores. E, por outro lado, necessita-se da própria adaptação do bebê à família e ao ambiente(7).

Em situação de prematuridade, a criança, além de emergir na vida familiar de maneira inesperada, é percebida pela família como um ser inacabado, que pode até mesmo ser rejeitado. Essa forma de perceber o prematuro gera insegurança, desencadeando intensas mudanças e transformações na vida de cada um de seus membros; uma condição que pode gerar danos emocionais para toda a família, especialmente para os pais(7-8). Se o bebê tiver muito baixo peso, supõe-se que os sentimentos e atitudes podem se tornar ainda mais negativos.

Desde muito cedo, os pais se sentem responsáveis pela vida de seu filho. Ao descobrir a gestação, a mãe tende a alterar a sua rotina, dirigindo seu foco ao bem-estar e à saúde do bebê. Quando algo dá errado, (como, por exemplo, a necessidade de interrupção da gestação devido à intercorrências maternas ou sofrimento fetal), muitas mulheres se sentem culpadas pela impossibilidade de uma gestação e nascimento saudáveis(8).

A família espera por um filho perfeito e se preocupa com isso. Dessa forma, grande parte das mães, ao dar à luz, faz perguntas à equipe de saúde na sala de parto, com o objetivo de saber se o filho nasceu saudável, qual o seu peso, se chorou e características físicas. Esses questionamentos são realizados pela mãe como intuito de verificar se a criança nasceu sem complicações ou malformações. Porém, quando o parto se antecipa e leva ao nascimento de um bebê prematuro, de baixo peso e que poderá desenvolver complicações severas, os sonhos e desejos são modificados, e uma nova etapa na vida dessa mulher e de sua família se inicia(4). Nesse caso, entre os sentimentos vivenciados, se destacam a ansiedade, a depressão e o medo das mães frente a essa situação(9).

Além dos sentimentos, outras dificuldades são reportadas em estudos científicos que abordam a participação dos pais no cuidado do filho internado em UTIN(2,3,6,7,8,9), incluindo a contradição entre o interesse dos profissionais de saúde em promover essa participação e a manutenção do cuidado centrado nas rotinas e procedimentos técnicos. Diante disso, as seguintes inquietações nortearam o presente estudo: como mães vivenciam o momento de hospitalização do RNMBP na UTIN? Quais são suas necessidades neste período?

Portanto, e em se tratando das realidades da atenção intensiva neonatal, desvelar as vivências das mulheres nessas circunstâncias torna-se condição essencial para a busca de ferramentas e estratégias adequadas, pautadas em um planejamento dinâmico voltado ao atendimento das necessidades dessas mães/acompanhantes, com vistas à minimização do trauma que pode ser ocasionado pela experiência de hospitalização do prematuro desde o nascimento.

Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo apreender representações maternas sobre o cuidado de recém-nascidos de muito baixo peso em unidades de internação neonatal.

 

MÉTODO

Utilizou-se abordagem qualitativa para realização deste estudo. A pesquisa qualitativa propicia conhecer o significado de determinado problema na vida do individuo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo, transformando-o em uma série de representações, com o propósito de entender ou interpretar os fenômenos(10).

Como cenário da pesquisa, constituíram-se três UTIN localizadas em hospitais credenciados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sendo um serviço público considerado Centro Regional de Referência e duas instituições filantrópicas - uma delas, modelo de cuidado com gestantes de alto risco, e a outra se volta ao atendimento de diversos planos de saúde.

A pesquisa foi realizada mediante parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (UEL), sob nº CEP 228/2011; e do Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade Santa Casa de Londrina (ISCAL), sob nº 393/201. Para garantir o anonimato, o nome da entrevistada foi substituído pela letra M seguida de sequência numérica.

Durante o período de coleta dos dados (que ocorreu de novembro de 2011 a julho de 2012), foram eleitas as mães incluídas na amostra deste estudo, conforme fluxograma de recrutamento. Por fim, a pesquisa contou com 41 participantes.

 

Fluxograma de recrutamento

 

 

 

 

A coleta de dados foi realizada junto às mães por meio de entrevista semiestruturada, entre o terceiro e o sétimo dias de internação. Do material empírico analisado emergiram nove ideias centrais (com base no Discurso do Sujeito Coletivo – DSC)fundamentadas nas respostas das participantes do estudo sobre as  questões norteadoras: como está vivenciando a situação do nascimento do seu filho? Como foi saber que seu filho era um recém-nascido de muito baixo peso?

Vale ressaltar que em algumas ideias centrais emergiram mais de um DSC.

O referencial teórico adotado para análise dos dados foi a Teoria das Representações Sociais, considerada uma interpretação da realidade que pressupõe que não há distinção entre sujeito e objeto da pesquisa: uma vez que toda realidade é representada pelo indivíduo, toda representação é, portanto, uma forma de visão global e unitária de um objeto. Para que o sujeito possa formar essa visão global, ele usa elementos de fatos cotidianos e de conhecimentos do senso comum.(11-12)

A representação social possibilita a integração de aspectos implícitos e explícitos do comportamento dos indivíduos, resultantes da interação social, o que nos leva ao entendimento da realidade e dos fenômenos humanos a partir da perspectiva coletiva, sem perder o olhar da individualidade.(12)

Assim, a representação constitui a visão global e unitária de um objeto e, para que o homem possa formar essa visão global, usa elementos de fatos cotidianos e de conhecimento do senso comum(10), onde o sujeito da pesquisa dá sentido ao objeto, partindo da sua própria realidade e/ou experiências(10). É expressão filosófica que significa a reprodução de uma percepção anterior da realidade ou do conteúdo do pensamento. As representações sociais possuem duas funções: 1) tornar convencionais os objetos, pessoas ou acontecimentos que encontram, dando uma forma definitiva; 2) representações são “prescritivas”, isso é, se impõem sobre o indivíduo com uma força irresistível. Essa força é uma combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado(12). As representações são conhecimentos gerados pelo senso comum, adquiridos espontaneamente e utilizados pelas pessoas para compreensão e domínio dos fatos, do cotidiano e da própria vida. Chamam-se representações sociais porque pertencem à coletividade, porém expressam, ao mesmo tempo, o pensamento individual.

Os dados foram trabalhados de acordo com o referencial metodológico do Discurso do DSC. A proposta desse discurso consiste basicamente em analisar o material verbal coletado, extraindo dos discursos quatro figuras metodológicas (expressões-chave, ideia central, DSC e ancoragem) para organizar, apresentar e analisar os dados obtidos por meio dos depoimentos(13).

As expressões-chave são constituídas por transcrições literais de parte dos depoimentos, que permitem o resgate do que é essencial no conteúdo discursivo; a ideia central (IC) de um discurso pode ser entendida como a(s) afirmação(ões) que permite(m) traduzir o essencial do conteúdo discursivo; o DSC é construído na primeira pessoa do singular e busca reconstruir, com fragmentos significativos de discursos individuais (como um quebra–cabeça), tantos discursos-síntese quantos se julgue necessário, para expressar o pensamento ou representação social de um grupo de pessoas sobre determinado tema; a  ancoragem é a manifestação linguística explícita de uma dada teoria, ideologia ou crença que o autor do discurso pode declarar e que, na qualidade de afirmação genérica, está sendo usada pelo enunciador para “enquadrar” uma situação específica(15). Neste estudo não foi desenvolvida a figura ancoragem, uma vez que os depoentes não usaram afirmações gerais para enquadrar situações particulares. Sabe-se que a ancoragem é um tipo particular de IC em que não há exatamente uma afirmação, mas o enunciado explicito de um valor, de uma crença, de uma ideologia(13).

 

RESULTADOS

As mães entrevistadas apresentaram idade entre 15 e 40 anos. Sobre o estado civil, 23 declararam estar casadas, 12 com união consensual, cinco solteiras e uma separada. Destas, 25 estavam vivenciando pela primeira vez a maternidade e 16 já possuíam outros filhos.

A partir da técnica do DSC, os dados coletados foram analisados, obtendo-se as ideias centrais e suas correspondentes expressões-chave que, por sua vez, foram agrupadas conforme a sua semelhança, compondo os discursos-síntese na primeira pessoa do singular – os  Discursos Coletivos, representativos da realidade que se propôs estudar.
Portanto, os resultados revelaram sentimentos negativos e dificuldades frente à situação, demonstrados nas IC 1 a 5:

IC1- Medo do inesperado
DSC1-Está sendo difícil. Eu sinto medo, porque é um bebê bem pequenininho, sabe? A primeira vez que entrei na UTI fiquei muito assustada. Olhei para ele tão pequenininho, frágil... Nossa, me dá até uma dor no coração de lembrar! É muito difícil ter um bebê assim, você fica naquela expectativa, pensando se ele vai ficar bem, ou se piorou. Você sempre fica pensando... É bem difícil! Eu tenho medo de que aconteça alguma coisa com ele. (M1, M2, M3, M4, M5, M6)

IC2- Dificuldade na aceitação da separação
DSC2-É difícil, pois eu esperava que quando nascesse, ele fosse comigo para casa e, agora, tem que ficar aqui o tempo que ele tinha que ter ficado na minha barriga. Eu queria poder levá-lo para casa. Dá uma tristeza em ir embora e deixá-lo aqui... Eu quero mesmo é vê-lo em casa. (M1, M2, M3, M5, M7, M8, M9, M10)
 
IC3- Dificuldade em falar sobre o bebê
DSC3-A família toda não esperava que isso pudesse acontecer e os familiares perguntam, perguntam... E você tenta fugir daquilo, porque é ruim. Porque vir aqui todo dia e é angustiante e muito difícil. Você foge de tudo e de todos para não ter que ficar respondendo coisas que não sabe. Ou coisas que sabe, mas que fazem sofrer... E, os outros ficam perguntando e insistindo para saber. É muito difícil... (M2, M3, M4, M5, M11, M14, M34, M37, M39)

IC4- Possibilidade concreta da morte
DSC4- Os médicos e os enfermeiros alertam de tudo que vai acontecer. Então você já fica assustada, porque não espera, mas sabe que tudo é risco para o bebê, risco de pegar bactéria - e pega mesmo, querendo ou não. Eu já sabia que ele era um bebê de risco, que as chances de sobreviver eram poucas. Primeiro, por ser tão pequenininho; e depois porque tinha facilidade para pegar infecções e eu sabia que isto aumentava a chance dele morrer. (M1, M2, M3, M5, M7, M8, M9, M10, M11, M21, M30)

IC5- Impotência frente à internação do filho
DSC5- É muito difícil olhar para ele, tão pequenininho, frágil. Dada dia que venho aqui posso receber uma notícia ruim ou boa, e não posso fazer nada, protegê-lo, pegar no colo e levá-lo embora. Morro de medo de tocar e machucá-lo, me sinto inútil e tenho que concordar com tudo que os médicos falam, pois o que é que eu posso fazer? Só rezar e pedir a Deus para iluminar as mãos desses profissionais, pois eu não sei de nada, quem sabe são eles. (M1, M2, M3, M4, M5, M7, M10, M14, M16, M17)

DSC6- Teve um dia que, nossa, eu me senti muito culpada. Tinha passado a manhã toda na UTI e insisti com as meninas para colocar meu nenê no colo. Elas disseram que não era prudente, pois ele havia acabado de sair do aparelho que o ajudava a respirar, mas eu continuei insistindo... Então, elas o colocaram no meu colo, mas ele não passou nem meia hora, começou a ficar roxinho e tiveram que colocá-lo rápido na incubadora para dar oxigênio. Foi horrível, fiquei com tanto medo que passei muitos dias que nem queria tocar nele, pois tinha receio de que ele pudesse piorar. (M12, M30, M31, M38)

IC6: Culpa por não conseguir cuidar do RN
DSC7- Às vezes não tenho vontade de voltar ao hospital, pois não posso fazer nada. Sinto-me incapacitada de realizar qualquer cuidado; parece que ele vai quebrar. Eu sonhei tanto com esta gravidez, com o dia do nascimento dele, nossa... E ele tem tantas roupinhas que eu mal consigo tocá-lo; as fraldas cobrem ele inteiro. Sinto-me uma incapaz. (M26, M27, M33, M34, M37)

 

Por outro lado, podem-se observar sentimentos positivos que emergiram, como demonstrados nas IC 7 a 9:

IC7- A espera de um milagre
DSC8- Eu tenho certeza de que Deus fará um milagre e peço todos os dias que Ele permita que meu filho sobreviva. E é isso que me mantém firme. Antes de entrar na UTI, eu sempre peço: “Deus, faça um milagre. Permita que meu filho viva e possa ir embora comigo.” (M5, M12, M13, M22, M25, M40, M41)

DSC9- Sabe, eu escuto diariamente os médicos, os enfermeiros e a equipe toda falando para mim e para a maioria das mães que nossos filhos são bebês graves, que correm risco de morrer ou ficar sequelados. Mas quando estamos aqui, na nossa salinha, esperando para vê-los,nós comentamos que para Deus nada é impossível, e Ele já fez tantos milagres... A Bíblia é a prova disso. Por isso, mesmo quando dizem “só um milagre fará seu filho melhorar”, nós vamos atrás de conseguir esse milagre. (M24, M25, M28, M31, M33, M 35, M38, M41).

IC8- Confiança na equipe
DSC 10 – Na primeira vez que fui à UTI, a enfermeira que estava me acompanhando abriu a portinha da incubadora e disse que eu poderia tocar nele com delicadeza. Na hora fiquei com medo e disse que não. Ela insistiu, segurou a minha mão e foi comigo. Foi maravilhoso, mas confesso que levou um bom tempo para que eu me acostumasse em tocar meu filho sem sentir medo. (M1, M3, M4, M6, M10, M13, M25, M28, M31, M36, M38, M40, M41)

DSC11- Eu sei que meu filho está grave, que corre risco de morrer, mas também sei que a equipe que está cuidando dele é muito competente, e tenho muita confiança nela. Eles se preocupam em dizer o que esta acontecendo, me ligam quando ele piora e pedem para ficar mais tempo no hospital. Por isso tenho fé que ele vai sobreviver, pois confio nos profissionais e sei que Deus está guiando suas mãos e pensamentos para cuidarem bem do meu filho e do filho das outras mães. (M13, M15, M18, M19, M20, M23, M26, M27, M29, M32, M36, M37, M39)

IC9 - Proximidade com o bebê traz satisfação para a mãe
DSC12- Hoje eu vejo que a minha presença aqui (UTIN) é muito importante para o meu filho. Quando chego e começo a falar com ele, olho o monitor e vejo que o batimento do coração dele aumenta... Nossa, é uma emoção! As meninas sempre falam que ele sabe que eu cheguei, pois daí parece um “cabrito” na incubadora: enquanto não o pego, não fica quieto. É muito bom. (M15, M18, M19, M21, M36).

DSC13- Nossa, foi um momento inesquecível... Um dia, eu cheguei ao hospital e uma das enfermeiras perguntou se eu queria pegar meu bebê no colo. Tremi, fiquei com medo, mas louca para segurá-lo. Aí, na hora em que elas colocaram no meu colo, nossa! Que felicidade em vê-lo nos meus braços! Nunca vou me esquecer daquele dia... Saí daqui (UTIN) tão feliz que naquela noite nem consegui dormir, só ficava me lembrando dele nos meus braços. (M22, M24, M26, M27, M32, M35, M36, M38)

DSC14 - Sabe, quando olhei meu bebê pela primeira vez, foi uma mistura de sentimentos. Primeiro afelicidade, porque apesar de tudo, ele estava vivo. Mas também houve medo e decepção, pois era muito pequenininho (até feinho), e eu achava que ele iria nascer gordo, fofo, cabeludo, como os bebês normais. Então, olhar para ele no primeiro dia foi estranho, mas quando a enfermeira abriu a portinha da incubadora e pude tocá-lo, nossa, foi mágico! Ele é tão macio, agora eu o acho lindo. (M14, M16, M17, M20, M21, M23, M29, M39)

 

DISCUSSÃO

Os resultados revelaram que as mães que têm seus filhos internados em UTIN temem pela vida dos mesmos. Elas procuram ter esperança, mas desde o princípio são informadas da gravidade da situação e isso gera intenso medo pelo desconhecido.

Tal observação corrobora com os achados de um estudo(14) no qual os pais afirmaram que ter um filho prematuro em uma UTIN representava a sensação de insegurança, decorrente da condição de fragilidade do RN, bem como a possibilidade de este não sobreviver.

Assim, percebe-se nos relatos das mães entrevistadas que o medo da perda iminente e do desconhecido pode transformar um momento que poderia ser de alegria, pelo nascimento de um filho, em um episódio cercado de angústias, dúvidas e incertezas sobre o futuro próximo. A vivência do processo de hospitalização do bebê constitui experiência estressante para os pais e a separação do filho pode ser muito difícil, fazendo aflorar diversos sentimentos e emoções como tristeza, medo, pena, impotência, sensação de perda, frustração, vazio, esperança e outros(15).

Configura-se como situação difícil para as famílias e principalmente para as mães, que de modo geral permanecem por tempo mais prolongado no ambiente hospitalar em detrimento aos demais integrantes da família. Muitas se sentem sozinhas e desamparadas, especialmente quando não possuem o apoio familiar e/ou dos companheiros. Neste estudo, a cobrança por informações sobre as crianças também se configurou como fator estressante, pois em muitas situações essas mulheres não detinham conhecimento suficiente para elucidá-las.

Frequentemente os pais se isolam dos demais familiares durante a hospitalização de seus filhos, quando afloram dificuldades de se expressarem sobre os sucessos e insucessos da internação. No caso da hospitalização do recém-nascido, a separação entre mãe/família e filho/parente ocorre quando o contato é fundamental para o desenvolvimento do papel materno/familiar. Em relação às mães, estas tendem a se sentir incapazes de atender às necessidades dos filhos, enfrentando dificuldades para lidar com seus sentimentos e demandas dos familiares(16).

Aceitar que o filho, ao nascer, não poderá ser levado para casa e mostrado à família gera frustração materna e sensação de afastamento da criança. Essa realidade faz, por vezes, com que as mães se sintam impotentes e sem domínio da situação, podendo desencadear até mesmo em quadro materno depressivo(7).

De fato, a impotência diante do desconhecido foi muito enfatizada pelas participantes desta pesquisa. Elas desejam ajudar na recuperação dos filhos, mas pela gravidade e falta de conhecimento frente à situação, sentem-se à mercê da equipe de saúde. Essa situação poderia ser melhorada com a inserção cuidadosa e rotineira das mães no plano de cuidados dos recém-nascidos na UTIN, não devendo, para ser viabilizada, depender da boa vontade de cada profissional(17). Ao mesmo tempo, é necessário que a equipe esteja preparada para lidar com a ansiedade das mães e de suas famílias, não cedendo à vontade desses em detrimento da saúde do bebê.

De modo geral, os pais desejam constantemente ser informados sobre a situação de seu filho; no entanto, se a abordagem for inadequada, essas informações podem refletir de forma negativa: eles perceberão bruscamente a gravidade e o risco de morte da criança. Esses fatores elevam o nível de estresse(18).

A experiência de se tornarem mães de bebês de risco desencadeia sentimentos ambivalentes. Ao lado das barreiras enfrentadas e já descritas, este estudo também revelou, como aspecto positivo, a busca na religião pelo apoio para aceitar o filho e continuar acreditando em sua recuperação(19).

A religiosidade de muitas famílias favorece para que as mães tenham forças e continuem a lutar pelos seus filhos; visto que, em decorrência da complexidade do tratamento, esses recém-nascidos ficam internados por períodos prolongados, gerando problemas como os anteriormente discutidos. Verificou-se que, independente das orientações religiosas maternas, elas encontram suporte na fé em Deus para superar as adversidades vivenciadas. As crenças religiosas e espirituais proporcionam possibilidades de significação e resposta às perguntas existenciais que se colocam diante da doença e possibilidade de morte(20).

Outro aspecto positivo apreendido com relação às experiências maternas foi relativo às equipes de saúde, com o reconhecimento do papel fundamental dos mesmos quanto ao envolvimento dos pais nas atividades da UTIN, principalmente a partir das orientações fornecidas durante a primeira visita. Esses profissionais devem dar subsídios a fim de diminuir a ansiedade e o medo que os pais do neonato sentem, oferecendo condições de conforto, tentando responder às preocupações e fornecendo informações sobre o estado de saúde da criança, o tratamento e equipamentos utilizados(3).

É importante enfatizar que a comunicação dos profissionais com a família favorece o surgimento de vínculo de confiança e respeito, contribuindo com a qualidade do cuidado prestado ao recém-nascido. A atenção recebida, o relacionamento interpessoal entre a equipe de saúde e os pais, o fato de ser permitido que tenham contato com o filho e de serem informados sobre o seu estado clínico geram conforto e sentimento de segurança e confiança(3).

A literatura científica aponta que a aproximação com a mãe/pai oferece estímulos positivos para a estabilidade e evolução clínica do prematuro, redução no tempo de internação e diminuição das reinternações da criança(19).  Porém, a análise do conjunto dos resultados do presente estudo revela que as mães estão muito afastadas do cuidado no período de internação do recém-nascido de muito baixo peso em UTIN.

A atenção centrada na família possibilita que as mães e os demais membros da família sintam-se importantes para a recuperação das crianças em tais condições. Atitudes como permitir que o bebê estável possa ser colocado no colo contribuem para que eles se sintam verdadeiramente corresponsáveis por seus cuidados. Mesmo quando o colo não é possível, cabe à equipe identificar atividades possíveis de serem realizadas pelas mães e familiares, estimulando-os a auxiliar na construção de vínculos e na recuperação dos neonatos. Reforça-se que estímulos táteis (toque e carícias) e auditivos (fala e canto), são importantes para o estabelecimento do vínculo mãe-bebê(20).

 

CONCLUSÃO

Considera-se que os objetivos do estudo foram atingidos ao revelar, por meio das representações maternas, aspectos inerentes a sua vivência durante a internação hospitalar de seus filhos em situação de risco, como no caso de recém-nascidos de muito baixo peso. Dentre as dificuldades enfrentadas, destacam-se o medo do desconhecido, a separação do filho, a cobrança de informações sobre aspectos para os quais não havia domínio, a possibilidade concreta de morte da criança e a impotência frente à situação vivenciada. Por outro lado, a fé em Deus, a confiança na equipe de saúde e a proximidade com o recém-nascido configuraram-se como  facilitadores relativos a essa experiência.

Assim, ressalta-se haver necessidade de intervenções voltadas às mães acompanhantes de bebês internados em unidade de alta complexidade assistencial, como permitir sua inserção cuidadosa nos cuidados do seu filho, com apoio de equipe multiprofissional; e possibilitar a presença de outros familiares que possam auxiliá-la nessa situação.

A compreensão pelos profissionais de saúde, em especial pelos enfermeiros da UTIN, pode levá-los a considerar que não deve existir cuidado unidirecional ao neonato, mas um contexto de cuidados compartilhados entre equipe e mães/familiares.

Espera-se que os resultados desta pesquisa suscitem novas análises que privilegiem outras perspectivas possíveis de se abordar o contexto de cuidados em foco, buscando o pensar e o repensar constantes sobre intervenções que facilitem as relações entre os diferentes sujeitos envolvidos, com vistas à valorização da saúde integral e humanizada nesses espaços institucionais de saúde.

 

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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 

 

Recebido:26/03/2013
Revisado:15/09/2014
Aprovado: 15/09/2014