EDITORIAL

 

De analogias e metáforas aos contrastes e antíteses

 

Dalmo Valério Machado de Lima1

1Universidade Federal Fluminense

 


RESUMO
As recentes e concorrentes manifestações ocorridas no Brasil a partir de pontos difusos e reivindicações distintas, de certa forma, ratificam parte dos pressupostos de André Guender Frank e Marta Fuentes em ensaio publicado em 1989 intitulado "Dez teses acerca dos movimentos sociais". Diferentemente do que parte da imprensa insiste em divulgar, por razões ainda nebulosas aos olhos desarmados, não se trata de um movimento pela redução das tarifas de transporte para os estudantes. Muito embora, na última recidiva, parcamente noticiada nos primeiros dias do mês de junho na capital do Rio Grande do Sul, tenha sido de fato a "queixa principal". Entretanto, faz-se justo lembrar que antes da alcunha do Movimento Passe Livre, desde o século passado já havia a Campanha pelo Passe Livre em Florianópolis (SC).
Descritores: Empoderamento; Acesso à Informação; Rede Social; Legislação em Saúde.


 

As recentes e concorrentes manifestações ocorridas no Brasil a partir de pontos difusos e reivindicações distintas, de certa forma, ratificam parte dos pressupostos de André Guender Frank e Marta Fuentes em ensaio publicado em 1989(1) intitulado "Dez teses acerca dos movimentos sociais". A primeira tese levantada estabelece que:

Os "novos" movimentos sociais não são novos, ainda que tenham algumas características novas; e os movimentos sociais “clássicos” são relativamente novos e provavelmente temporários.(1:19)

Diferentemente do que parte da imprensa insiste em divulgar, por razões ainda nebulosas aos olhos desarmados, não se trata de um movimento pela redução das tarifas de transporte para os estudantes. Muito embora, na última recidiva, parcamente noticiada nos primeiros dias do mês de junho na capital do Rio Grande do Sul, tenha sido de fato a "queixa principal". Entretanto, faz-se justo lembrar que antes da alcunha do Movimento Passe Livre, desde o século passado já havia a Campanha pelo Passe Livre em Florianópolis (SC).

Posteriormente, o movimento de indignação assumiu progressão geométrica, arrebanhando diversos segmentos da sociedade civil, interconectada a "baixo custo" pelo Facebook®. Todavia, a internet realmente livre não se constitui em realidade nem mesmo no berço da democracia, haja vista as recentes denúncias de "liberdade vigiada" divulgadas por Edward Snowden, o que o coloca na mesma vala rasa de Julian Assange para alguns e; concomitantemente, no pedestal como mártires para outros.

Historicamente, o somatório de miséria e ideologia resulta em revolução. Essa receita possui distribuição universal: França (1789), China (1911 e 1949), Rússia (1917), Cuba (1959) entre outras. Em se tratando de um mundo globalizado, a miséria nunca é local, tampouco os ecos de insatisfação perdem a retumbância em meio ao oceano, como ora teme o "velho mundo". Quiçá a origem da miséria tenha sido competentemente denunciada por Lester R. Brown em seu célebre "Planeta cheio, pratos vazios: a nova geopolítica da escassez de alimentos" [tradução do autor] (Full Planet, Empty Plates: The New Geopolitics of Food Scarcit)(2) por meio do qual nos alerta para uma instada crise alimentar, posto que na última década o estoque mundial de grãos foi reduzido a um terço.

Naturalmente, elementos destoantes da genuinidade do movimento, o que se faz representar pela degradação do bem público e privado, publicizado com fervor em determinados meios de comunicação, não atendem aos interesses nacionais. E, curiosamente, estão associados a um momento sociopolítico importante do Brasil: recebimento de grandes eventos, consolidação do país como democracia e liderança regional.

Na esteira dos movimentos sociais advém as respostas as quais as instituições não deram conta ao longo dos anos. Bom exemplo dessa força dos movimentos de massa foi o Projeto de Emenda Constitucional 37(3), proposta por deputado eleito pela "capitania hereditária" do Maranhão que, em vias de ser aprovada pela "Câmara Baixa", foi categoricamente rechaçada pela população, o que se fez refletir em seu arquivamento.

Existe, sem dúvidas, uma série de enfrentamentos a serem travados pelo contraditório, base do estado democrático de direito. Entretanto, melhor seria se não fosse necessária a catálise popular, posto que os representantes foram eleitos justamente para essa finalidade.

Tomemos como discussão a questão da representatividade em saúde: dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(4) apontam que no ano de 2012 a população brasileira era de 198.360.943 habitantes, incluindo os 513 deputados federais empossados no referido ano. Destes, 50 (9,75%) possuíam formação em saúde, dos quais 41 (8%) eram médicos, seis (1,17%) dentistas, uma (0,2%) enfermeira, um (0,2%) fisioterapeuta e um (0,2%) psicólogo. O Conselho Federal de Enfermagem do Brasil(5), em consulta realizada em 28 de junho de 2013 aponta que seus profissionais inscritos e ativos correspondem a 1.856.683, dos quais 346.968 são enfermeiros. Em consulta realizada em mesma data ao Conselho Federal de Medicina do Brasil(6) constatou-se existência de 400.901 médicos ativos.

O censo supramencionado permite algumas inferências. Existe um médico para cada 495 habitantes; um profissional de enfermagem para cada 107 habitantes e; um enfermeiro para cada 572 habitantes. Analisando a relação entre profissionais, existe um profissional de saúde para cada 4,6 médicos e; um enfermeiro para cada 1,15 médicos. Destarte, o paradoxo se estabelece na medida que a quantidade de profissionais de enfermagem é 363% maior, contudo, em se tratando em poder de elaboração de leis, a relação se inverte para 4000% em favor dos profissionais médicos. No referido paradoxo reside a facilidade de aprovação do Ato Médico(7) e a Postergação sine die das 30 horas para os profissionais de enfermagem(8).

Não se trata de luta de classes, mas de representatividade nos fóruns legítimos instituídos, pois citando Juvenal(9), severo crítico dos costumes romanos: Quis custodiet ipsos custodes? - Quem vigiará os vigias? [tradução do autor]

 

REFERÊNCIAS

1. Frank AG, Fuentes M. Dez teses acerca dos movimentos sociais. Lua Nova. 1989; (17):19-48.

2. Brown LR. Full Planet, Empty Plates: The New Geopolitics of Food Scarcity. Nova Iorque: WW Norton & Company; 2012.

3. Camara dos Deputados (Brasil) [ homepage on the internet ]. Proposta de emenda constitucional nº 37 de 2011. Dispõe sobre a competência da investigação criminal [cited 2013 Jun 28]. Available from: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=969478&filename=PEC+37/2011

4. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [ homepage on the internet ]. População - Brasil [ cited 2013 Jun 28 ]. Available from: http://www.ibge.gov.br/paisesat/main_frameset.php

5. Conselho Federal de Enfermagem [ homepage on the Internet ]. Enfermagem em Dados [ cited 2013 Jun 28 ]. Available from: http://novo.portalcofen.gov.br/planejamento-estrategico-2

6. Conselho Federal de Medicina. Re: Quantidade de médicos ativos no Brasil [ mensagem pessoal ]. Mensagem recebida por: editorobjn@enf.uff.br em 28 Jun 2013.

7. Senado Federal (Brasil) [homepage on the internet]. Projeto de lei nº 268 de 2002. Dispõe sobre o exercício da Medicina [Cited 2013 Jun 28]. Available from: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=53750

8. Camara dos Deputados (Brasil) [homepage on the internet]. Projeto de lei nº 2295 de 2000. Dispõe sobre a jornada de trabalho dos Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares de Enfermagem [Cited 2013 Jun 28]. Available from: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=17915

9. The encyclopedia of ancient history. Malden: Wiley-Blackwell; 2013. Juvenal (Decimus Iunius Iuvenalis); p. 1015.

 

 

Recebido: 28/06/2013
Aprovado: 28/06/2013