ARTIGOS ORIGINAIS

 

A voz da mulher-mãe de prematuro na unidade neonatal: uma abordagem fenomenológica

 

Rita de Cássia de Jesus Melo1, Ívis Emília de Oliveira Souza1, Cristiane Cardoso de Paula1

1Universidade Federal do Rio de Janeiro

 


RESUMO
Problema: A maternidade é um momento importante para a mulher, e ser mãe de um bebê prematuro internado em unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) exige uma maior adaptação a esse momento existencial.
Objetivo: Compreender o vivido da mulher-mãe durante a internação do filho na UTIN.
Método: Estudo qualitativo fundamentado na fenomenologia heideggeriana, realizado em uma UTIN pública.
Resultados: O vivido da mulher-mãe possibilitou a constituição de 04 unidades de significação: Medo do ambiente e de tocar inicialmente no filho; ser recebida na unidade; o período cronológico e; acompanhamento da melhora do bebê.
Discussão: A mulher-mãe na facticidade de estar lançada no mundo da UTIN vivencia a solicitude, apresenta-se no falatório, teme pela vida do filho e mantém-se presa às ocupações e tarefas cotidianas.
Conclusão: O acolhimento, a escuta atentiva e a compreensão da singularidade da mulher-mãe, são modo-de-ser fundamental na UTIN, possibilitando ser-mãe daquele bebê que é seu.
Descritores: Relações mãe-filho; Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal; Recém-nascido.


 

INTRODUÇÃO

O sonho de ser mãe faz parte da vida da maioria das mulheres, sentindo-se completas quando conseguem dar a luz. Ainda hoje a maternidade é vista socialmente como parte integrante da vida da mulher, sendo motivo de surpresa ou suspense quando ela se reporta negativamente a esse evento culturalmente considerado como da essência feminina(1). Embora seja considerada como parte da existencialidade feminina, a adaptação ao papel materno pode ser difícil para várias mulheres. O papel da mãe é um produto da cultura e refere-se às ações que se espera que desenvolva junto ao filho(2).

Assim, é natural que se sinta insegura na transição deste novo papel. A complexidade de eventos que envolvem uma mulher durante o período gestacional e puerperal implica em conhecer não apenas aspectos físicos, mas condições diversas que poderão estar direta ou indiretamente relacionadas à sua condição de mulher-mãe(3).

Uma condição ao qual a mulher não está preparada é a ocorrência do parto prematuro. Estudo divulgado pela UNICEF em 2013 mostra uma alta prevalência de prematuridade no Brasil, por diferentes causas. A condição de prematuridade por vezes é um indicativo de internação do recém-nascido em unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN), o que se torna um enfrentamento, principalmente para a mãe(4).

O processo de adaptação a qual a mulher passa no papel materno, onde fará ajustes entre o bebê imaginado e o real, ocorre tanto em uma gestação a termo em que o bebê nasce saudável, quanto no parto prematuro. Porém, no último caso, o grau de dificuldade que a mulher enfrenta em razão das características e riscos que seu bebê apresenta são maiores. Essas mães não realizam o período de consolidação, momento em que investem no bebê imaginário, incluindo-o no discurso familiar, fazendo os preparativos para a sua chegada(5,6).

Ao ter o filho na UTIN, ambiente dotado de tecnologia, com uma realidade diferente da que foi imaginada para aguardar a chegada do bebê, a mãe se defronta com um filho frágil, acomodado e ligado a equipamentos e conexões, o que o torna ainda mais difícil de ser visualizado como o bebê imaginário. Assim, a mãe necessita de se integrar a esse ambiente, adaptar-se às condições de normas e rotinas, todavia esse não é um processo muito fácil, uma vez que o foco ainda hoje nessas unidades é voltado aos aspectos biológicos de cuidar do recém-nascido(7,8).

Alguns estudos apontam que estabelecer uma comunicação efetiva com as mães dentro da UTIN ainda é um desafio, por ser ele um ambiente marcado pelo enfoque biologicista e pelo tecnicismo, onde o foco do atendimento é o recém-nascido prematuro(9). As orientações são fornecidas de maneira verticalizada e ainda falta aos profissionais aplicar uma escuta atentiva. Embora eles considerem importante a presença da família na unidade(10,11), relatam falta de tempo e de preparo para lidar com os sujeitos envolvidos na relação profissional-família, bem como de conseguir envolvê-los no processo de cuidar(12-14).

Ao trabalhar como enfermeira assistencial em uma unidade de tratamento intensivo neonatal (UTIN) e entender que cuidado ao recém-nascido vai além do cliente propriamente dito, envolvendo também ser com a mãe e a família, interessei-me em conhecer um pouco mais sobre a vivência da mãe nesse ambiente. Por ser o perfil de recém-nascido dessa unidade basicamente de prematuros, busquei compreender, através da fala das mulheres-mães, o seu vivido na UTIN diante do nascimento do filho prematuro.

Compreender o significado da vivência do nascimento do filho prematuro é procurar resgatar seu próprio existir enquanto mulher-mãe. É preocupar-seem dar-lhe voz, aproximando-se do seu mundo-vida e revelar o que ali se encontra velado, visando atender suas necessidades para que possa adquirir confiança, superando o medo em relação à unidade e ao bebê frágil que acabou de nascer. É não se ocupardo que parece e aparece, na maioria das vezes e quase sempre, no cotidiano assistencial que promove um atendimento igual, padrão e modelar para todas as mães. “A escuta é constituída do discurso” e pode promover no profissional de saúde ser-com-o-outro, é um movimento de estar aberto existencialmente porque “somente onde se dá a possibilidade existencial do discurso e escuta é que alguém pode ouvir”(15:222-223).

 

MÉTODO

Trata-se de estudo qualitativo, fenomenológico, fundamentado no pensamento de Martin Heidegger(15). O pesquisador em uma investigação fenomenológica deve estabelecer uma relação de encontro com o pesquisado, de empatia, que seja propícia às suas manifestações, ditas ou silenciosas, valendo-se de um olhar atentivo deste ser-interrogado para conseguir apreender os seus modos de pensar, sentir e ver(16).

Assim, por meio do vivido dessas mães, buscou-se captar suas manifestações no cotidiano de ter um filho prematuro na UTIN, visando o desvelamento de facetas do fenômeno vivido, pois somente através das experiências vividas ou experenciadas se pode adentrar ao mundo da essência. A procura ciente pode transformar-se em “investigação” se o questionado for determinado de uma maneira libertadora(15).

O cenário foi uma UTIN de um hospital universitário da rede pública do Rio de Janeiro/RJ, cadastrada na central estadual e municipal de regulação de vagas. Inicialmente foi realizada ambiência na unidade, buscando-se através de um movimento empático aproximação a cada mãe, sendo então realizado o convite para participar do estudo. Procurou-se realizar as entrevistas nos cinco primeiros dias em que a mãe esteve junto ao bebê. Para captação das depoentes foi utilizado como critério de inclusão: ser mãe de recém-nascido prematuro (RNP) que estivesse internado na UTIN, independente da idade gestacional. E como critério de exclusão: mães que apresentassem alguma dificuldade de verbalização que impossibilitasse o entendimento pelo pesquisador. Foram depoentes do estudo nove (9) mulheres-mães no período de março a maio de 2010.

Os depoimentos foram realizados por meio de entrevista fenomenológica, para tal foi acordado com a depoente um melhor horário para o encontro. A sala da chefia de enfermagem da unidade foi disponibilizada, sendo preparada para receber a mãe. As entrevistas foram norteadas por uma questão: Como foi para você ter um filho internado na UTIN? As falas foram captadas por meio de gravador. As depoentes foram identificadas no estudo por pseudônimos escolhidos pela pesquisadora, a partir de nomes de deusas gregas e seus filhos de pedras preciosas.

O estudo atendeu as diretrizes preconizadas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(17), através da aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição cenário do estudo, sob o nº 54/2009, em janeiro de 2010. A etapa de campo cumpriu com a proteção dos sujeitos quanto aos princípios de: voluntariedade, consentimento livre e esclarecido, anonimato, confidencialidade das informações da pesquisa, justiça, equidade, diminuição dos riscos e potencialização dos benefícios, resguardando sua integridade física, mental e social de danos temporários e permanentes.

A análise dos dados foi desenvolvida pela metodologia heideggeriana, sendo realizada a transcrição na íntegra dos depoimentos e leituras exaustivas, buscando apreender estruturas essenciais captadas nas falas. A seguir, foram constituídas as unidades de significação e a compreensão vaga e mediana. No segundo momento metódico, foi desenvolvida a hermenêutica à luz da fenomenologia de Heidegger, buscando-se através da compreensão dos significados da dimensão ôntica desvelar os sentidos(14,16).

 

RESULTADOS

O vivido da mulher-mãe na UTIN diante do nascimento do filho prematuro permitiu a constituição de 04 unidades de significação: Medo do ambiente e de tocar inicialmente o filho; ser recebida na unidade; o período cronológico e; o acompanhamento da melhora do bebê.

As mães expressaram o medo do ambiente desconhecido no qual seu filho se encontra e a possibilidade de poder tocá-lo:
[...] quando falava CTI [centro de tratamento intensivo], pra mim eu não ia poder entrar aqui [...]. Diziam que o CTI é tudo fechado, pra mim eu não ia poder ver ela, só depois, quando tivesse alta. (Afrodite mãe de Cristal)

[...] quando recebi a notícia que ela estava no CTI pediátrico, meu coração ficou balanceado, será que tinha acontecido algo gravíssimo com ela? [...] eu pensei que no CTI pediátrico a gente não podia pegar a criança, pensava que não podia nem entrar. (Ariadne mãe de Pérola)

[...] a doutora falou que eu podia mexer nele, que eu pensei que não podia. (Ártemis mãe de Rubi)

Quando se fala em UTI[unidade de terapia intensiva] dá medo. É risco de vida. (Themis mãe de Topázio)

[...] porque a gente acha que CTI significa que o neném está ruim, tá precisando de alguma coisa, como dizer, aconteceu algo ruim. Eu fiquei com medo, no começo, de tocar, com medo de prejudicar ele, fazer mal, porque ele estava ali, achei que podia passar alguma coisa. (Circe mãe de Ônix)

Chegaram para mim e falaram que podia botar a mão, aí eu botei a mãozinha.
(Íris mãe de Ágata)

Relataram como se sentiram ao serem recebidas na UTIN:
Receberam-me bem, vim, fiz a higiene da mão, a médica me recebeu, a enfermeira também, explicou tudo o que estava acontecendo. (Afrodite mãe de Cristal)

 

[...] mas aqui com assistência, com a gente, pai, mãe, o pai pode ficar até às 19 horas. Às vezes quando a gente tava meio triste, tinham palavras, diziam: “tudo bem mãezinha?” Tudo bem, isso ai alegrava até um pouco nosso coração, a gente via que a gente também tinha assistência. (Ariadne mãe de Pérola)

Cheguei na incubadora, a moça me ensinou a abrir, não sabia nada, parecia que eu tinha dez mãos [faz gesto mostrando as mãos], como pegar, tocar. (Ananke mãe de Esmeralda)

Eu cheguei aqui, a doutora falou que eu podia mexer nele, que podia botar a mão, podia mexer, para mim foi uma surpresa muito grande. (Ártemis mãe de Rubi)

[...] disseram que podia botar a mão, disse que o pai e a mãe podiam botar a mão. (Selene mãe de Quartzo)

Cheguei aqui, me explicaram que ele tinha que ficar aqui pra ganhar peso, que só depois que recuperasse o peso podia ir pra casa. (Themis mãe de Topázio)

[...] eu cheguei, as meninas daqui passaram segurança, me explicaram que podia tocar, pegar no colo, ficar conversando e fazer carinho, para ele sentir que eu estou ali, que a recuperação dele é melhor quando ele escuta a mãe, sente o toque dela, do pai também. (Circe mãe de Ônix)

 

Relataram o tempo cronológico vivido na UTIN:
[...] vim todos os dias, praticamente fico 12 horas aqui. (Afrodite mãe de Cristal)

[...] eu sempre estava ali, de 3 em 3 horas eu descia, mas não me cansava, porque minha filha estava ali e eu queria ficar com ela. [...] já estou aqui há 14 dias, vou fazer 15 dias. (Ariadne mãe de Pérola)

[...] a cada momento que eu venho vê-la, para eu passar a ser conhecida, voz, cheiro, meu contato com ela. (Ananke mãe de Esmeralda)

[...] todos os dias eu descia, via ela ali, olhava, eu sabia que aqui ela estava segura. (Sofia mãe de Safira)

[...] ficar em hospital não é nada bom. Nada melhor que a nossa casa, mas tem que esperar [...]. É bom saber que eu posso ficar aqui com ele, imagine se eu tiver que ir pra casa e deixar ele aqui. Acho que se falarem isso pra mim [...]. (Themis mãe de Topázio)

Quando tive alta do outro hospital, passei a vir quase todos os dias, era muito ruim estar longe delazinha. (Íris mãe de Ágata)

 

Relataram o acompanhamento da evolução do bebê na UTIN:
Via a melhora dela, [...] tá bem melhor [silêncio]. (Afrodite mãe de Cristal)

[...] mas ela foi bem cuidada, bem tratada, a equipe é super atenciosa com as crianças, (Ariadne mãe de Pérola)

[...] vi que está bem, mesmo estando na incubadora, mesmo sendo sétimo mês, tá intubada, [...] então está sendo muito gratificante para mim, ela está ali resistindo, está bem, está conquistando, [...] hoje ela está tirando as coisinhas, tubo, CPAP, então cada momento é uma vitória que ela conquista e eu também, que estou perto dela. (Ananke mãe de Esmeralda)

Foi sentir que ele estava um pouquinho com aparência melhor [...] (Selene mãe de Quartzo)

Eu desci, vim vê-lo, e fiquei feliz de vê que ele estava bem, que não é nada desesperador. (Themis mãe de Topázio)

[...] eu sabia que ela estava sendo bem tratada, pois estava em boas mãos, eu ter visto aquela coisinha pequena se mexendo [pausa] ali com vida; vê que tinha os profissionais que estavam cuidando com amor e carinho, eu sabia e subia bem [...]. (Sofia mãe de Safira)

[...] mas eu vi que meu filho tá bem, que os profissionais estão fazendo um ótimo trabalho e que tudo depende da recuperação do neném mesmo, vejo que está recuperando, que está dando resultado. (Circe mãe de Ônix)

Todo dia eu vinha, botava a mão [silêncio], foi muito gostoso, só que quando a gente bota a mão, já quer pegar, dá aquela tristeza, vontade de pegar, levar pra casa. (Íris mãe de Ágata)

 

DISCUSSÃO

Sustentada nos conceitos do pensamento filosófico heideggeriano, foi realizada a etapa metódica de interpretação dos sentidos.

Conforme situação vivida pela mulher-mãe neste estudo, em um nascimento prematuro, há uma condição que atinge tanto ao bebê quanto aos pais, porque se considera que as intervenções precoces se dirigem aos recém-nascidos em um momento de vida em que a dependência ao outro materno é predominante, sendo imprescindível atender a ambos(18).

A primeira unidade evidencia a voz da mulher ao se referir à unidade onde seu filho estava internado. Ao se referir a UTIN, fala conforme tinha em mente quando apreendido o conceito de CTI no seu mundo cotidiano, sabe apenas o que houve falar sobre CTI; assim, apresenta-se em um modo de falatório que “é a possibilidade de compreender tudo sem se ter apropriado previamente da coisa”(15:228-229). No cotidiano, ao se falar em CTI, reporta-se quase sempre à unidade de internação de pessoas com quadro clínico grave e com risco de vida, em que regras rígidas eram determinadas. Atualmente, esses setores já apresentam rotinas modificadas, porém esse discurso permanece circulando. “As coisas são assim como são porque delas se falam assim”(15:228).

Nesse conhecimento falado e repetido, a mãe temia pela vida de seu filho que foi encaminhado para UTIN. Estudos apontam que as mães sentem sentimentos de culpa, preocupação, ansiedade e tristeza pelo bebê estar passando por aquele momento(12). Assim, frente ao medo velado da morte, algo conhecido, mas nunca vivido, apenas significado como experiência, a mulher-mãe manteve-se no modo da impessoalidade e da inautenticidade.

Em sua facticidade de ser lançada no mundo da UTIN por ter um filho prematuro, a mulher-mãe se deparou com um ambiente novo, diferente do seu mundo circundante, que é para Heidegger o mundo mais próximo da “pre-sença” cotidiana e desse modo compreendeu-se como uma estranha, não sabendo o que fazer. O ambiente hospitalar normalmente não é um ambiente onde as pessoas gostam de estar, tratando-se de um momento idealizado para viver a alegria da chegada de um bebê; para a mãe é muito triste ter que conviver com a realidade de estar em seus primeiros momentos junto ao filho em uma UTIN, longe de sua casa, da família.

A mãe relatou que ao ter chegado à UTIN foi bem recebida pelos profissionais de saúde que ali atuavam, sendo por eles orientada, informada sobre como proceder para entrar na unidade e ficar junto ao seu filho. Tal evidência corrobora com outros estudos, embora nem sempre essas informações ocorram em forma de um diálogo, sendo apenas repassadas rotinas institucionais(8,13). Nesse sentido, Heidegger refere que o modo mais fundamental de ser-no-mundo é o relacionar-se “com” o outro. A solicitude é uma forma de se relacionar com o outro, de cuidar da existência do outro, que só se faz possível mediante uma relação envolvente e significante. “O ser-aí-com de outros é desvelado dentro do mundo para um ser-aí conosco, porque somente o ser-aí em si mesmo é essencialmente ser-com”(19:38).

A mulher-mãe ao iniciar o processo de conhecimento ou reconhecimento desse novo ambiente, recebeu informações e orientações dos profissionais que ali atuam e desse modo passou a estar mais próxima ao filho e significou estes momentos usando do modo cronológico: valorizou suas idas e vindas ao setor para realizar determinadas ações junto o bebê, entrar da unidade, conhecer a equipe e, assim, alguns equipamentos em uso no bebê aos poucos vão se tornando familiares. Segundo Heidegger essa condição caracteriza estar presa ao manual, isto é sentir-se familiarizada com aquilo que não é essencial, “se mostra em seu ser-no-mundo, empenhado nas ocupações do mundo circundante, a partir do ser que, no mundo está à mão”, não compreendendo ainda no que se ocupar propriamente(19:39).

Assim se ocupou do filho, esse fenômeno determina o ser em sua cotidianidade, apresentando-se no modo de ser impessoal da inautenticidade, que se refere ao modo de preocupação deficiente, ligada a detalhes da instância dos fatos.

No cotidiano da UTIN, por vezes, observa-se que a mãe e a família não parecem conhecer situações de real importância no curso da melhora do RNP, ficando presa a tarefas do cotidiano da unidade. Na prática da educação dialógica entre profissionais e mães, estudos alertam para a submissão nesse processo de comunicação, pois nem sempre podemos falar somente o que achamos que a mãe deseja ouvir, como por exemplo, sobre a melhora do filho(13). Uma abertura no processo de diálogo poderá colocar a mãe como participante ativa do processo de recuperação do bebê. O desejo que o filho se recuperasse o mais rápido possível, o crédito do cuidado apenas aos profissionais de saúde colocou-a em situação de esquivar-se da tarefa de ser-em-si-mesma. Este modo de disposição impedia sua compreensão dos fatos vividos, direcionando-a a ambiguidade, acreditava que tudo já havia sido compreendido quando na verdade ainda não tinha sido, uma vez que o filho prematuro tem a possibilidade de melhora ou piora do quadro clínico.

 

CONCLUSÃO

Ao se apreender o sentido do vivido da mulher-mãe de recém-nascido prematuro na UTIN, compreende-se a importância para os profissionais que ali trabalham do entendimento de que cuidar do recém-nascido implica também em cuidar da mãe. E para tal se faz necessário escutar a sua vivência e vivido.

Ao receber-se a mulher na UTIN, não se pode visualizá-la apenas como mais uma mãe que teve seu filho prematuro, ela é antes de tudo um ser vivenciando um período existencial de vulnerabilidade, e, portanto, necessita de ser acolhida e cuidada de maneira individualizada. Importa não somente repassar informações que, por vezes, não serão assimiladas naquele momento, mas escutá-la e possibilitar que expresse seus medos, anseios e dificuldades. Compreender seu silêncio, seu olhar, seu choro; saber reconhecer que cada mulher-mãe tem o seu tempo, e que este não se configura somente como cronológico, mas existencial.

Por ser a equipe de enfermagem a que está mais próxima ao recém-nascido no desenvolvimento dos cuidados cotidianos, torna-se imprescindível que a mesma planeje orientações e intervenções adequadas à singularidade de cada mulher-mãe, facilitando a aproximação ao filho de modo a possibilitar que o período de transição proporcione não apenas se ocupar do bebê, mas se preocupar com o filho. Ao se preocupar, o ser-mãe estabelece um ser-aí-com-o-filho, reconhecendo a si mesma e ao seu filho como ser de possibilidade.

Ao desvelar faceta deste fenômeno investigado, o estudo possibilita o investimento em outras pesquisas comparativas e complementares. Favorece o ensino da área materno-infantil, propiciando durante a formação acadêmica um olhar diferenciado à mulher-mãe e ao recém-nascido prematuro, de modo que possa atender a existencialidade de cada ser.

 

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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 

 

Recebido: 07/04/2013
Revisado: 01/04/2014
Aprovado: 29/04/2014