ARTIGOS ORIGINAIS

 

Preceptoria de enfermagem na residência multiprofissional em oncologia: um estudo descritivo

 

Myllena Cândida de Melo1, Gisella de Carvalho Queluci2, Mônica Villela Gouvêa2

1Instituto Nacional de Câncer
2Universidade Federal Fluminense

 


RESUMO
Objetivo: Analisar a percepção de residentes sobre fatores potencializadores e limitantes da preceptoria em um programa de residência multiprofissional em oncologia.
Método: estudo descritivo de abordagem qualitativa, com aplicação da metodologia da problematização e análise de conteúdo.
Resultados: a participação foi intensa e reafirmou a preceptoria como questão prioritária para o grupo, discutindo-a sob múltiplas dimensões.
Discussão: A preceptoria exerce papel fundamental no processo de construção de conhecimento significativo na formação humana e profissional dos residentes, requerendo de seus atores um olhar diferenciado para perceber a dinamicidade deste processo.
Conclusão: A percepção dos residentes sobre preceptoria revela a necessidade da qualificação pedagógica para profissionais que realizam esta atividade. Apesar das críticas, facilitadas pela aplicação da problematização, na visão dos participantes, o saldo de aprendizagem no programa de residência é positivo.
Descritores: Preceptoria; Aprendizagem Ativa; Enfermagem.


 

INTRODUÇÃO

Historicamente, o ensino na saúde tem sido pautado no uso de métodos tradicionais, oriundos do padrão mecanicista, cartesiano, flexneriano. Assim, nesse modelo conservador de ensino-aprendizagem, o professor é colocado no centro do processo educativo, como transmissor de conteúdos, enquanto oportuniza-se ao aluno, ser um mero expectador, passivo e repetidor(1).

Há um reconhecimento internacional da necessidade de mudança na educação de profissionais de saúde frente à inadequação do aparelho formador em responder às demandas sociais. Atualmente, com os avanços no campo da educação em saúde em nível mundial, e com a crescente preocupação com a qualidade da formação realizada, vários programas de capacitação docente foram se desenvolvendo e contemplando, além da competência profissional e dos aspectos metodológicos, maior exigência no campo da ética profissional e pessoal, requisitos de todas as profissões do mundo contemporâneo(2).

Compreende-se que no processo de formação de preceptores, esses precisam conceber o que significa um processo dialético de ensino-aprendizagem, num modelo educativo e de perspectivas pedagógicas que superem a mera transmissão de conhecimentos e que levem os profissionais a extraírem das situações complexas e contraditórias de seus exercícios profissionais diários a possibilidade de superar obstáculos e construir alternativas de solução. Para assegurar aos preceptores um processo de formação não fragmentado e que contribua para uma reflexão sistemática e bem fundamentada sobre o modelo de atenção à saúde, é preciso uma estratégia educativa que favoreça uma perspectiva emancipadora(3).

Um preceptor deve ter ainda, a capacidade de integrar os conceitos e valores da escola e do trabalho, servindo como modelo e referencial, inspirando os alunos a desenvolver habilidades clínicas e abraçar o valor inerente da prática de enfermagem, respeitando-os como membros da equipe de enfermagem, trabalhando sua inexperiência e falta de confiança, desenvolvendo-os como futuros profissionais éticos e comprometidos(4).

Nesse sentido, há tempos são reconhecidos métodos ativos no desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem, que trabalham intencionalmente com problemas e valorizam o aprender a aprender, dentre eles, a Metodologia da Problematização (MP). Nessa metodologia, a reflexão desencadeia a busca de fatores explicativos na proposição de soluções ou encaminhamentos sobre o(s) problema(s). Os conteúdos são reconstruídos pelo estudante que precisa reorganizar o material, adaptando-o à sua estrutura cognitiva prévia, para descobrir relações, leis ou conceitos que precisará assimilar e dessa forma, problematizar significa a capacidade em solucionar o conflito inerente ao problema(5).

Esse estudo pretendeu investigar a percepção de enfermeiros residentes sobre fatores potencializadores e limitantes da preceptoria num programa de residência multiprofissional em oncologia (PRMO) a partir da aplicação da metodologia da problematização.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa. A pesquisa está teoricamente fundamentada na pedagogia histórico crítica de Saviani e as questões do estudo foram abordadas e aprofundadas pela MP, respeitando-se as etapas do Arco de Maguerez.

O arco de Maguerez tem como base à realidade vivida, onde se procura trabalhar a vida real, ou seja, a realidade como ponto de partida, com o estudo processando-se em cinco etapas: observação da realidade → pontos-chave → teorização → hipóteses de solução → aplicação à realidade (Figura 1), voltando para essa mesma realidade, na intenção de transformá-la em algum nível(6).

 

Figura 1 - Arco de Maguerez utilizado por Berbel, a partir de Bordenave e Pereira.

Fonte: Berbel e Gamboa, 2012(6).


 

A pesquisa foi desenvolvida nos anos de 2012 e 2013, e os dados foram coletados no mês de novembro de 2012 em um hospital ensino da rede pública do estado do Rio de Janeiro, que oferece o PRMO.

O estudo envolveu residentes de Enfermagem do 1º ano do PRMO que ingressaram no processo seletivo de 2012, selecionados intencionalmente, para maior factibilidade e operacionalidade na coleta de dados. Em seguida, estes foram abordados pessoalmente e previamente pela pesquisadora principal, com apresentação do plano de pesquisa e termo de consentimento. A pesquisadora principal guarda relação anterior com os participantes, visto ser enfermeira oncológica staff e preceptora do hospital em questão.

A população da pesquisa foi composta por 09 (nove) dos 15 (quinze) residentes de Enfermagem, que concordaram em participar, compondo um grupo jovem (23 a 29 anos) com no máximo dois anos de formados, sendo a maioria absoluta mulheres solteiras e naturais de outros estados.

As discussões com os residentes participantes aconteceram em três encontros presenciais, conforme esquema de coleta de dados abaixo (Figura 2), em uma sala de aula do próprio alojamento destes, com um período de dispersão de 15 dias. Os encontros foram mediados pela pesquisadora principal. A equipe de pesquisa contou com 02 professoras doutoras de uma instituição pública de ensino superior, ambas sem relacionamento prévio com os participantes da pesquisa. Essas fizeram-se necessárias para que não houvesse perda de falas e dados subjetivos, possibilitando a pesquisadora principal manter o foco e a discussão num ritmo contínuo.

 

Figura 2 – Esquema da coleta de dados.

Fonte: Esquema elaborado pelos pesquisadores, Rio de Janeiro, 2012.

 

Durante cada um dos encontros, a pesquisadora mediou às discussões do grupo, digitando e projetando em data-show simultaneamente as sínteses para garantir visualização e análise coletiva. Os dados foram obtidos por meio de observação participante e registro em diário de campo pela equipe de pesquisa, além de análises individuais dos participantes. As sínteses individuais foram digitadas, identificando-se os participantes através de letras de A a I.

Para tratamento dos dados foi adotada a técnica de Análise de Conteúdo proposta por Laurence Bardin, seguindo três etapas: 1) a pré-análise; 2) a exploração do material; e 3) o tratamento dos resultados e interpretação. Assim, os dados da pesquisa foram reunidos e organizados a partir da leitura flutuante. Num segundo momento, foram codificados a partir das unidades de registro e na sequência, feita a categorização, classificando os elementos segundo suas semelhanças e por diferenciação, com posterior reagrupamento, em função de características comuns(7), gerando categorias temáticas delimitadas conforme unidade de significância, e atendendo ao objetivo proposto pela pesquisa, surgindo assim, duas categorias: fatores potencializadores e limitantes.

Ressalta-se que o projeto foi aprovado por Comitê de Ética, sob registro CAAE/ 03454912.0.0000.5243, atendendo aos princípios éticos da Resolução 466/2012(8).

 

RESULTADOS

A aplicação da MP com os sujeitos participantes da pesquisa motivou a discussão de questões particulares e comuns, gerais e específicas, com relação à preceptoria no PRMO. Convém ressaltar que a participação foi intensa e o tema gerou discussões e polêmicas que reiteraram a preceptoria como uma questão prioritária para o grupo.

A instituição onde a pesquisa foi realizada oferece as Residências Médica e Multiprofissional contemplando esta última, as categorias profissionais de enfermagem, farmácia, fisioterapia, nutrição, odontologia, psicologia e serviço social. Os docentes do programa, tutores e preceptores, são profissionais vinculados e/ou pertencentes ao corpo clínico da instituição com experiência na atenção oncológica em atividades de assistência, pesquisa, ensino, gestão e prevenção/controle do câncer e com formação acadêmica como especialistas, mestres ou doutores. No ano de 2013, o PRMO contava com 63 preceptores, com titulação mínima de especialistas, os quais eram funcionários responsáveis pela supervisão em serviço dos residentes. Havia ainda 69 orientadores (65 Mestres e 04 Doutores), e estes quando assistenciais, exerciam também a função de preceptoria.

A Comissão Nacional de Residências Multiprofissionais (CNRM) considera preceptor o profissional pertencente ao corpo docente da instituição de ensino ou membro da equipe do serviço com qualificação ética e técnica para supervisionar as atividades dos residentes em todas as etapas do treinamento(9).

Durante as discussões facilitadas pela aplicação do MP, os participantes identificaram fatores potencializadores e limitantes da preceptoria no PRMO.

Fatores potencializadores
Dentre os fatores potencializadores identificados, nota-se que o grupo elegeu primordialmente pontos favoráveis à preceptoria vinculados à dimensão infraestrutura, como o fato da instituição possuir aporte de recursos tecnológicos avançados, boa estrutura física e equipamentos apropriados para as atividades de ensino, pesquisa e assistência. Para o grupo tais qualidades contribuem para a aprendizagem de técnicas avançadas e o aprimoramento do conhecimento científico e tecnológico em saúde pelos residentes.

A garantia pela instituição de benefícios como bolsa, alojamento e alimentação, também foi reconhecida pelos participantes como fator favorecedor do processo de ensino-aprendizagem no PRMO, levando-se em conta que são poucas as instituições públicas de renome que oferecem o programa de residência em Oncologia e que estas estão concentradas na região sudeste. Estudo com residentes médicos detectou relação entre baixo desempenho acadêmico e profissional e vivência de um processo estressor, desencadeado por falta de determinação e organização dos alunos, e problemas socioeconômicos e familiares que originavam um processo ansiogênico e/ou depressivo, desestruturando o desempenho do aluno durante a sua especialização(10).

Fatores limitantes
O grupo de pesquisa assinalou também fatores limitantes da prática da preceptoria no PRMO estudado, associados à dimensão didático-pedagógica. Dentre eles a fragilidade na compreensão pelo preceptor de seu papel educativo; dificuldade na realização de atividades integradoras de teoria e prática; e deficiência na supervisão e avaliação das atividades dos residentes, condizentes com os objetivos do programa.

Abaixo algumas falas reforçam os fatores limitantes apontados pelos residentes:

... os papéis ficam mal definidos ou definidos de forma equivocada, o que acaba interferindo no desenvolvimento das atividades nos campos de prática – Resid. F.

Existe uma “confusão” institucional generalizada com relação aos papéis de tutor e preceptor - Fonte: Fala registrada em diário de Campo durante debate no 1º dia de encontro presencial.

... o residente tá aprendendo, mas é cobrado como profissional, (...) não interessa (para o residente) saber fazer e não conhecer o porquê... - Fonte: Fala registrada em diário de Campo durante debate no 1º dia de encontro presencial.

Aprender em serviço é estudar, debater casos..., não somente trabalhar ou ter supervisão, (mas) ser corrigido, ter ajuda. Infelizmente acham que ensino é (só) serviço (e) que o que você precisa é trabalhar... aprender procedimentos! - Fonte: Fala registrada em diário de Campo durante debate no 1º dia de encontro presencial.

Os agravantes (...) ocorrem por falta de treinamento dos profissionais para realizar junto aos especializandos uma assistência pautada em procedimentos técnicos, mas que ao mesmo tempo contemple a importância teórico científica no cuidado dispensado aos pacientes oncológicos – Resid. E.

Num movimento de autocrítica, o grupo de residentes considerou a pouca disposição não só de preceptores como também dos próprios residentes, no empreendimento de discussões e atividades para além da assistência no cotidiano da prática. Isto pode ser compreendido pelo fato da instituição ter grande vocação para a assistência, e onde os profissionais agregam a função de supervisão das atividades desenvolvidas pelos residentes em sua jornada de trabalho, sem nenhuma vantagem financeira ou redução da prestação de serviços. Na percepção dos residentes esse cenário é agravado pela sua jornada de trabalho considerada excessiva, apesar de esta respeitar às 60 horas de trabalho/estudo por semana, conforme recomendação dos órgãos reguladores(11).

Vale lembrar que apesar das diretrizes do PRMO serem as da pedagogia problematizadora, em que os atores são considerados sujeitos do processo de aprendizagem e de processos sociais, se percebe uma modalidade de formação muito mais próxima da lógica de treinamento em serviço, do “fazer”, reduzindo e restringindo o real e amplo conceito do ensino.

Um problema a ser enfrentado é o de que a consciência do preceptor acerca das necessidades de aprendizagem do residente nem sempre coincide com a visão do residente acerca daquilo que ele precisa aprender, ocasionando problemas de motivação. O reconhecimento pelo preceptor, da percepção do residente acerca de suas preferências de aprendizagem e da relevância atribuída a cada assunto, torna o processo mais efetivo(12).

Para assumir um papel significativo, a didática não poderá reduzir-se e/ou dedicar-se somente ao ensino de meios e mecanismos pelos quais se desenvolveram processos de ensino-aprendizagem, e sim, deverá ser um modo crítico de desenvolver uma prática educativa emancipadora de um processo tradicional, que não será feito tão somente pelo educador, mas, por ele conjuntamente com o educando e outros membros da sociedade(13), desenvolvendo estratégias de ensino-aprendizagem motivacionais e criativas, aguçando a curiosidade dos envolvidos.

A curiosidade intelectual é importante, especialmente numa profissão onde o conhecimento de base é constantemente expandido à medida que o aluno/profissional entra em contato com a realidade do cuidado a outra pessoa(14).

 

DISCUSSÃO

Os dados obtidos a partir dos encontros e discussões sobre a preceptoria no PRMO possibilitaram aos pesquisadores identificar o despreparo da preceptoria como tema/problema. Passou-se então a cogitar as dimensõesdesse tema/problema,considerando-o sob múltiplos olhares com o objetivo de compreender possíveis razões para a existência e manutenção das questões levantadas pelos participantes.

Gasparin ressalta que um problema reconhecido na realidade envolve uma gama de perspectivas, um conjunto de aspectos interdependentes, e a análise deste deve ser considerada sob múltiplas interfaces(15).

Uma dimensão identificada foi a conceitual. Pôde-se perceber nas discussões, que preceptores e residentes desconhecem seus papéis e atribuições no PMRO. A Resolução nº 2 da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde(9), define o preceptor como o profissional vinculado à instituição formadora ou executora, com formação mínima de especialista, devendo este ser da mesma área profissional do residente sob sua supervisão. A resolução ressalta ainda que sua função caracteriza-se pela supervisão direta das atividades práticas realizadas pelos residentes nos serviços de saúde onde se desenvolve o programa, sendo então, o “orientador de referência para o residente no desempenho das atividades práticas vivenciadas no cotidiano da atenção e gestão em saúde”(9: 25).

A figura do tutor era desconhecida pelos residentes, que só a descobriram durante os estudos empreendidos na fase de dispersão da MP.

Nesse contexto, o grupo apontou desconhecimento por parte de residentes e preceptores com relação à legislação que rege um programa de residência multiprofissional. Esta indica que a residência, como modalidade de ensino que objetiva a aprendizagem em serviço e tem como sujeitos no processo de ensino-aprendizagem, além do preceptor, o tutor. Este tem a importante função de promover a orientação acadêmica de preceptores e residentes, e de “implementar estratégias pedagógicas que integrem saberes e práticas, promovendo a articulação ensino-serviço, de modo a proporcionar a aquisição das competências previstas no projeto pedagógico do programa”(9:25).

Dessa forma, o tutor seria um agente fundamental para o controle de um dos principais fatores limitantes da preceptoria na percepção dos residentes: a falta de integração entre campo de prática e discussão teórica.

No ensino da Enfermagem, a preparação para a prática clínica é sem dúvida um componente vital para a construção do conhecimento, e estratégias de associação da teoria e da prática profissional têm sido estimuladas(16).

Para os residentes participantes, tal distanciamento deve-se em parte ao fato de que a prática ocorre sob a responsabilidade dos preceptores enquanto a teoria é conduzida por professores.

A articulação entre teoria e prática, no ensino de Enfermagem, como em qualquer curso da área da saúde, deve pressupor ações pedagógicas que ultrapassem os muros da academia, inserindo os sujeitos em processo de formação, nos espaços de produção do cuidado, aproximando assim, o mundo do ensino ao mundo do trabalho(17).

A polaridade entre o preconizado pela residência e a realidade de dissociação entre teoria e prática, é um paradoxo cotidiano para programas de residência. Tal contexto remete aos sérios problemas vividos por esses trabalhadores no que se refere às políticas de pessoal, às condições de precarização vividas no ambiente de trabalho e a pouca oportunidade para uma formação pedagógica e para a educação permanente, que se traduziria em um exercício cotidiano de problematizar nos coletivos do trabalho questões e necessidades de natureza pedagógica referidas a esse trabalho(3).

Num programa de residência, tal disposição pedagógica só sobrevive se imbricada a um processo dialógico de ensino-aprendizagem, segundo um modelo educativo capaz de superar a mera transmissão de conhecimentos, possibilitando aos profissionais extraírem das situações complexas e contraditórias do seu cotidiano a possibilidade de superar obstáculos e construir alternativas interdisciplinares de solução. Missaka ressalta que o preceptor tem potencial para fazer mais do que aplicar a teoria na prática, podendo exercitar uma prática clínica que levanta problemas e provoca a busca de explicações ou soluções(18).

Um aprendizado profundo está associado à percepção das escolhas e sentimento de independência, e requer um clima de trabalho receptivo. Todavia, a capacidade de dosar o grau de supervisão exercida versus o grau de independência de atuação deve ser treinada cuidadosamente. Se por um lado o excesso de liberdade na prática profissional pode levar o residente a se sentir abandonado, uma supervisão muito próxima pode interferir com a sensação de liberdade e prejudicar o desenvolvimento de habilidades que devem durar o resto da vida(12).

O termo preceptor é designado como aquele que dá preceitos ou instruções, instrutor, educador. Em pesquisa realizada por Missaka(18), o uso deste termo em artigos publicados e na legislação brasileira se refere ao profissional que muitas vezes não é da academia e que tem importante papel na inserção e na socialização do recém-graduado no ambiente de trabalho. Percebe-se que no PRMO de estudo, os preceptores possuem competência assistencial, porém falham no papel educativo de estimular os residentes ao desenvolvimento de habilidades para o desempenho de tais procedimentos. Não são capazes de estreitar a distância entre teoria e prática, ao contrário, parece  aumentá-la.

Nesse cenário, durante a fase de dispersão, os participantes identificaram que a ausência de auxílio financeiro para a supervisão dos residentes, funciona como um fator de desmotivação para os preceptores. A Portaria n° 754/GM, fixa normas para a implementação e execução do programa de bolsas para a educação pelo trabalho, estabelecendo as possibilidades de bolsas para preceptores, tutores e orientadores de serviços ligados às residências multiprofissionais(19).

No entanto os residentes participantes descobriram que, visto ser um hospital de ensino, a atuação como preceptor ou facilitador no processo ensino-aprendizagem de residentes, consta do estatuto do servidor recebido pelos profissionais em sua admissão na instituição, sem qualquer menção à questão de apoio financeiro. Tal fato mostra que a instituição reconhece seu papel no SUS como ordenadora de recursos humanos e a importância de se viabilizar a formação de profissionais da área da saúde em serviço. Porém, nem todos os profissionais se engajam neste desafio, considerando que a entrada de alunos promove uma desacomodação e exige abertura para um novo olhar sobre o ensino e a assistência, para o qual não são preparados.

A reflexão sobre o que deveria ser feito para solucionar a questão do despreparo da preceptoria revelou uma dimensão operacional e política detectada pela aparente inexistência de formação pedagógica voltada para os preceptores.

A maioria dos preceptores é escolhida pelos seus méritos profissionais, o que nem sempre se reflete na capacidade de ensinar. Muitos deles não possuem – ou possuem muito pouco – preparo propriamente pedagógico, o que pode prejudicar o aproveitamento da residência(12).

Ainda hoje a grande maioria dos profissionais é formada segundo um modelo tradicional de ensino. Nesse contexto, é preciso lembrar que a rotina atribulada de afazeres burocráticos e assistenciais do enfermeiro, somada a uma carga horária excessiva e a um frequente dimensionamento institucional insuficiente de pessoal, acaba favorecendo um conhecimento estático.

Consequentemente, ao se verem na condição de preceptores os profissionais muitas vezes reproduzem essa lógica de educação em sua relação com os residentes. Decorre daí a necessidade da instituição prever a formação do preceptor, discutindo com ele, por exemplo, estratégias de ensino em saúde, noções de organização didática, pedagogias ativas de aprendizagem, formas de avaliação e uso de tecnologias de informação e comunicação(18).

Por fim, a preceptoria foi descrita como uma atividade fundamental para favorecer o processo de construção de conhecimento significativo na formação humana e profissional dos residentes. Porém, os residentes ressaltaram que a aplicação da MP parece ser um caminho metodológico desconhecido por professores e preceptores, habituados à mera transmissão de conhecimentos, requerendo de seus atores um olhar diferenciado para perceber a dinamicidade deste processo, exigindo escuta, flexibilidade, sensatez, disponibilidade e pró-atividade, visando maior eficácia desta, atingindo seu objetivo final, que é a formação qualificada e excelência na assistência prestada pelos profissionais envolvidos.

 

CONCLUSÃO

A pesquisa reafirmou a importância da problematização da residência como uma estratégia de desestabilização das práticas cristalizadas dos profissionais e equipes e a necessidade de abertura para a qualificação pedagógica dos profissionais que realizam a preceptoria.

Na compreensão dos participantes, o grupo de preceptores percebe a si mesmo, em alguns momentos, sem a qualificação necessária para as atividades de pesquisa ligadas à residência, considerando-se que a maior destes é formada por especialistas, com muita experiência na assistência, mas pouca experiência em atividades de ensino e pesquisa. Uma tentativa de suprir esta deficiência seria promovendo cursos em metodologias de ensino e de pesquisa para os preceptores e viabilizando vagas em cursos de pós-graduação, especialmente em nível de mestrado e doutorado profissionais.

Ressalta-se que, apesar do domínio científico e pedagógico ser indispensável para o desenvolvimento do trabalho do preceptor, durante o processo da pesquisa, em nenhum momento, os residentes relacionaram ou questionaram habilidades relativas ao cuidado com o paciente oncológico e sua família. A adequada reflexão sobre o sofrimento, a dor e a desesperança que muitas vezes se apresentam nesse cenário pode agregar valores importantes para a aprendizagem de uma assistência especializada em todos os seus aspectos.

Durante a dinâmica proposta pela pesquisa, percebeu-se um grupo de residentes participativo, interessado na MP e disposto a discutir problemas detectados em seu cotidiano. As discussões foram enriquecedoras e estimulantes para todos, uma vez que se pôde romper com o vício unilateral da transferência de conhecimentos que conforma o ensino tradicional.

Dessa forma, os resultados do presente trabalho permitem concluir que, uma vez que são incorporados ao cotidiano do serviço, permanecendo durante várias horas do dia em atividades na instituição, os residentes passam a conhecer bem a estrutura e a dinâmica dos serviços, bem como o relacionamento entre os atores importantes ao seu processo de aprendizagem. Dessa forma, revelou-se a necessidade em se considerar a percepção dos residentes a respeito do desenvolvimento do curso, uma vez que desenvolvem a habilidade de apontar os aspectos relevantes, as dificuldades encontradas e de sugerir mudanças para a melhoria da qualidade desses serviços e do aprimoramento constante do programa.

No entanto, apesar das críticas realizadas, percebeu-se que na visão dos participantes o saldo de aprendizagem no programa de residência é positivo. Foi reconhecido o fato de o residente ter uma oportunidade de prática-clínica diferenciada, e que os conhecimentos adquiridos sobre oncologia são inquestionáveis. O fato de passarem por todos os setores assistenciais da instituição, constitui-se em uma das razões da qualidade da experiência profissional proporcionada pelo programa.

Salienta-se que este artigo não tem o intuito de encerrar ou esgotar a discussão quanto aos problemas vivenciados na residência, nem tão pouco na preceptoria, o que se espera é que este motive o debate em outros programas de residência que sofrem dos mesmos problemas e estimule as unidades a proporem e executarem programas de formação pedagógica para seus preceptores.

Almeja-se ainda que as potencialidades e facilidades apontadas pela metodologia da problematização, enquanto estratégia pedagógica que propõe o contato com a realidade, valorizem as experiências prévias e pressupunham o pensamento reflexivo das pessoas envolvidas, estimulem seu uso em demais programas de ensino de pós-graduação, como no ensino de maneira geral, primando não somente pela formação de um profissional crítico, mas também de cidadãos dialógicos, emancipados, conscientes de seus direitos e deveres e, acima disso, sujeitos ativos e transformadores de seus cenários reais.

 

REFERÊNCIAS

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19. Ministério da Saúde (Brasil). Portaria nº 754, de 18 de abril de 2012. Altera a Portaria nº 1.111/GM, de 5 de julho de 2005 que Fixa normas para a implementação e a execução do Programa de Bolsas para a Educação pelo Trabalho. Diário Oficial da União, nº 77, p. 47, 20 abr 2012; Seção 1.

 

 

Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

 

 

Recebido: 22/9/2013
Revisado: 1/12/2014
Aprovado: 1/12/2014