Repercussions of the work organization in the health and the quality of life of the coordinators of the nursing

 Repercussões da organização do trabalho na saúde e na qualidade de vida das coordenadoras do internato de enfermagem: contextualização histórica

 Luiza Mara Correia*, Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza*, Maria Yvone Chaves Mauro*, Raquel Matoso da Silva*

 * UERJ, RJ, Brasil.

 Abstract: Historical-social study with qualitative approach, whose object dealt with the characteristics of the organization of the work and its repercussion in the health and the life of the coordinators of the Nursing school of University of the State of Rio De Janeiro (FENF/UERJ) in 1982-1999. It had as objective: to characterize the work organization of the coordinators of the Boarding school of Nursing and to discuss the repercussions of the work organization in the health and the quality of life of these coordinators. The collection scenes were the coordination of graduation from FENF/UERJ’s places of work. The data were collected through interview and documentary analysis in the months of June and July of 2005. The results of the analysis disclosed that the characteristics of the labor organization are: authoritarianism, inflexibility, strong relations of power; complexity and intense labor rhythm. It was verified that these characteristics had a negative repercussion in the health and the quality of life of the coordinators.

Keywords: Nursing History; Work; Worker

RESUMO: Estudo histórico-social com abordagem qualitativa, cujo objeto tratou das características da organização do trabalho e sua repercussão na saúde e na vida das coordenadoras do Internato da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FENF/UERJ) no período de 1982-1999. Teve como objetivos: caracterizar a organização de trabalho das coordenadoras do Internato de Enfermagem e discutir as repercussões da organização de trabalho na saúde e na qualidade de vida dessas coordenadoras. Os cenários de coleta foram os postos de trabalho da coordenação de graduação da FENF/UERJ. Os dados foram coletados através de entrevista e análise documental nos meses de junho e julho de 2005. Os resultados da análise revelaram que as características da organização laboral são: autoritarismo, inflexibilidade, relações de poder muito demarcadas; complexidade e ritmo laboral intenso. Verificou-se que estas características repercutiram negativamente na saúde e na qualidade de vida das coordenadoras.

Palavras-chaves: História da Enfermagem; Trabalho; Trabalhador.

INTRODUÇÃO

O objeto desse estudo trata das características da organização do trabalho e sua repercussão na saúde e na vida das coordenadoras do Internato da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FENF/UERJ) no período de 1982-1999.

O interesse em pesquisar este objeto surgiu a partir da responsabilidade assumida de duas autoras em coordenar o Curso de Graduação e o Internato da FENF/UERJ no ano de 2004. Após alguns meses de trabalho, percebeu-se que múltiplos fatores interferiam na dinâmica laboral, resultando na modificação da rotina de trabalho em termos de ritmos e cadências, relações hierárquicas, divisão de tarefas e atividades, interferindo conseqüentemente, nos relacionamentos interpessoais, no modo operatório (caracteriza-se como a forma pela qual os trabalhadores executam suas atividades laborais, as peculiaridades e os meandros que envolvem o desenvolvimento das tarefas no trabalho 1), na produtividade e, em última instância, na saúde e na qualidade vida das trabalhadoras envolvidas nesta organização laboral.

Ao longo de dois anos, foram vivenciadas muitas experiências que tornaram o trabalho, algumas vezes, um desafio agradável, fator que assegurava saúde e traduzia-se em prazer de estar vivendo aquela situação de vida. Outras vezes, este mesmo trabalho, mostrava-se desagradável, sendo fator de penosidade psicofísica, interferindo na economia psicossomática (por economia psicossomática, entendem-se as potencialidades funcionais e psíquicas de cada indivíduo, que podem ser consumidas em termos do substrato orgânico da mente e das energias do trabalhador resultando em desgaste físico e psíquico 1. ) das coordenadoras. Esta contradição de sentimentos e vivências é inerente ao mundo do trabalho, o qual interfere na dimensão social, econômica, psicológica e física das pessoas, construindo, desconstruindo e reconstruindo valores, mitos, preconceitos, revelando toda a complexidade que envolve as situações de trabalho.

Nesta perspectiva, o “trabalho” deve ser compreendido como uma categoria que promove muito mais do que bens e serviços, acumulação de capital e mais-valia. Ele produz ainda uma rede de relações que interatuam, trazendo mudanças na esfera política, cultural, social, religiosa e jurídica da sociedade; e, no nível individual, verifica-se mudanças na esfera psíquica e no subjetivo do ser trabalhador1. Sobre esta complexidade envolvendo o mundo do trabalho, Mazzilli e Lunardi Filho2 afirmam que: “o trabalho é imprescindível a qualquer pessoa, independentemente de sua natureza e de suas condições de realização. O trabalho determina a própria sobrevivência e condicionamento social do indivíduo, constituindo-se um fator de equilíbrio e desenvolvimento do ser humano possuindo, dessa maneira, um poder estruturante tanto da saúde mental como da saúde física”. 2:168

Konder3 assevera que o trabalho envolve inventividade, capacidade de avaliação, julgamento e mobilizações subjetivas para realização da tarefa. A fim de que isso aconteça, conjugam-se potencialidades cognitivas, motoras e psicológicas num processo contínuo e dinâmico no qual o sujeito interfere no objeto e vice-versa, numa articulação dialética de múltiplas lutas internas e externas decorrentes de contradições que permeiam o mundo do trabalho e por sua vez, interferindo na vida dos indivíduos. Estas lutas e contradições conduzem a uma transformação do sujeito, do objeto e da vida na sociedade.

O trabalho para atingir sua meta é necessário que tenha uma lógica organizacional e, segundo Dejours1, a organização do trabalho refere-se à divisão das tarefas, assim como a divisão dos homens. Através da divisão das tarefas se prescrevem as cadências, as repartições de atividades e ações, enfim, o modo operatório, e, a partir daí, surgem às hierarquias, os comandos, as relações de poder, as responsabilidades, caracterizando-se então, a divisão dos homens. A divisão das tarefas e o modo operatório incitam o sentido e o interesse do trabalho para o sujeito, enquanto a divisão de homens recorta as relações entre pessoas e mobiliza investimentos afetivos - amor e ódio, amizade e inimizades, solidariedade e hostilidades, confiança e desconfianças, entre outros.

Dejours1, ao discutir a organização de trabalho e sua influência na saúde dos trabalhadores, assevera que quando ela é concebida de forma rígida e autoritária, conduz a um aumento da carga psíquica, e, portanto, a um risco potencial de interferir negativamente na saúde do trabalhador, deteriorando sua qualidade de vida. Mas, se a organização laboral se configurar como flexível e democrática, ela predispõe a fortalecer e/ou assegurar a saúde e a uma melhor condição de vida para os trabalhadores.

O cenário no qual surgiu a vontade de pesquisar o objeto anteriormente mencionado possui peculiaridades e características que não devem ser descolada de um contexto histórico. Esta realidade social tem, portanto, particularidades estruturais, culturais, organizacionais, de processo de trabalho que foram engendrados ao longo da história da FENF/UERJ, as quais são influenciadas e influem na vida de seus trabalhadores, num movimento dinâmico de transformação, construindo e registrando suas características na memória desse coletivo de trabalho. Segundo Vieira et al.4, situações complexas podem ser mais facilmente compreendidas a partir de uma contextualização histórica. Estuda-se o passado para melhor entender o presente e buscar soluções futuras.

Valorizando a importância da contextualização histórica para as questões inquietantes relacionadas à problemática pontuada, iniciou-se um processo de reflexão, cuja principal questão envolvia saber se outras coordenadoras vivenciaram dificuldades de relacionamentos interpessoais, de lutas de poder, de rotina massacrante de trabalho, de ritmos laborais intensos, que deterioravam a qualidades de vida no trabalho e fora dele. Assim, buscou-se conhecer o contexto histórico de algumas coordenadoras a fim de melhor responder ao objeto investigado.

Para desenvolver este estudo, traçaram-se os seguintes objetivos: caracterizar a organização de trabalho das coordenadoras do Internato de Enfermagem da FENF/UERJ e discutir as repercussões da organização de trabalho na saúde e na qualidade de vida dessas coordenadoras.

DESENVOLVIMENTO

Para trabalhar o objeto desse estudo optou-se pela pesquisa de cunho histórico-social com abordagem qualitativa. O recorte temporal do estudo abrange o período de 1982 - 1999.

O campo de pesquisa foi a FENF/UERJ e o foco principal do estudo foi a Coordenação do Internato de Enfermagem. A sistematização desta pesquisa ocorreu através da coleta de dados a partir das fontes primárias que foram obtidas por meio das técnicas de coleta de depoimentos e de análise documental dos arquivos do Centro de Memória Drª Nalva Pereira Caldas da FENF/UERJ e os depoimentos das coordenadoras do internato de enfermagem durante o recorte temporal escolhido.  Os achados foram ordenados e analisados à luz das fontes secundárias e dos referenciais teóricos em consonância com os objetivos propostos.

Os sujeitos da pesquisa foram três ex-coordenadoras do Internato, as quais forneceram seus depoimentos após esclarecimentos dos objetivos da pesquisa e de assegurar que seus direitos seriam respeitados, conforme constam na Resolução 196/96, sendo então, assinado os Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para a obtenção dos depoimentos dos sujeitos da pesquisa, utilizou-se a técnica de entrevista semi-estruturada, fundamentada em um roteiro de orientação pré-estabelecido. Segundo Silva et al.5, a entrevista permite a interação entre pesquisador e sujeito, favorecendo a contextualização de experiências, vivências, sentidos que ajudam a clarear a problemática investigada. O período das entrevistas ocorreu nos mês de junho e julho de 2005.

As discussões dos resultados foram embasadas em alguns conceitos de Pierre Bourdieu6: poder, luta, campo e espaço social. Para fundamentar a análise que recorta o mundo do trabalho, buscou-se os estudos de Christophe Dejours1, psicanalista que aprofundou suas pesquisas na área da subjetividade no trabalho.

O método de análise das entrevistas baseou-se na análise de conteúdo. A aplicabilidade deste método fez emergir duas categorias: características da organização do trabalho das coordenadoras do internato e repercussões da organização do trabalho na saúde e na vida das coordenadoras do internato.

 - Características da organização do trabalho das coordenadoras do internato: a década de 80.

Ao longo do século XX, a Universidade Pública desempenhou um papel relevante no desenvolvimento do país, sendo berço do que de melhor se produziu nas ciências humanas, sociais e exatas. Sobretudo foi um importante lugar de debate, de diversidade cultural, de pluralidade ideológica e de crítica, favorecendo o fortalecimento do Sistema de Ensino Superior do país.

A partir da década de setenta verificou-se eventos políticos, econômicos e sociais, nacionais e internacionais, os quais imprimiram diversas mudanças nos currículos dos cursos de graduação, em especial da enfermagem. Essas mudanças conduziram à redefinição do papel do enfermeiro na sociedade, fato este que ocorreu efetivamente na década dos anos oitenta.

Aprofundando no contexto político vivido nos anos oitenta, constatou-se o início da abertura política brasileira, pois nessa época ocorreu o processo de restauração da democracia após longos anos de ditadura militar. A luta pela ampliação da democracia marcou a organização dos trabalhadores em geral. A partir de então, vivenciam-se períodos de reivindicações, de questionamentos, de acesso a literaturas e à cultura em geral, que favoreceram a construção e/ou reforço das potencialidades críticas e reflexivas das pessoas. Reativam-se os sindicatos, dando aos trabalhadores um poder de voz, de luta e de barganha mais consolidados e sistematizados, assim, verifica-se um acirrado processo ativismo político, inclusive da Enfermagem, clamado por transformações amplas na sociedade8

O período compreendido entre as décadas de 70 e meado de 80 foi marcado por rupturas que apontavam para a redefinição das relações dos movimentos sociais com o Estado autoritário. Junto a essa tentativa de reorganização da sociedade civil, surgem novas investidas de diversos agentes, em diferentes espaços sociais, para construção de uma nova lógica de funcionamento da vida na sociedade brasileira. Influenciada por esse momento histórico, o corpo docente da Faculdade de Enfermagem da UERJ, ao longo de sua trajetória acadêmica, buscou acompanhar os movimentos políticos e sociais, os quais propiciaram as transformações na forma em que se dava o ensino, isto é, nos modelos formadores de recursos humanos de saúde qualificados para o exercício profissional.

Neste contexto histórico destacou-se a criação e a implantação de um projeto acadêmico no Curso de Graduação em Enfermagem da UERJ, denominado Internato de Enfermagem, o qual possibilitou o fornecimento de diretrizes que nortearam a capacitação de profissionais de enfermagem para melhor responder as demandas sócio-políticas e de saúde ocorridas na década de oitenta. Assim, a Faculdade de Enfermagem, a partir de fevereiro de 1982, iniciou um movimento que sustentou a organização social e política-educacional da Unidade para a conquista de um significativo avanço no ensino com a então, implantação do Internato de Enfermagem no Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE/UERJ). Ressalta-se que esta experiência caracterizou-se como inovadora na formação da enfermagem no Brasil 7.

O depoimento apresentado a seguir evidencia a importância do Internato como uma proposta pedagógica inovadora e arrojada.

 

Os alunos deveriam aprender a partir das experiências vividas no campo de prática, claro, correlacionando os conteúdos teóricos apreendidos ao longo dos cinco primeiros períodos da faculdade. E isto era muito bacana e diferente, porque estávamos ensinando aos alunos a partir do que acontecia no plano do real, buscando desvincular-se de uma visão puramente teórica, que muitas vezes, era oferecido aos futuros enfermeiros.  Depoente 01

 

Verificou-se, a partir da análise das entrevistas e dos documentos contidos no Centro de Memória da FENF/ UERJ, que as características da organização do trabalho das coordenadoras na década de 80 eram: o autoritarismo, a inflexibilidade, a falta de diálogo para resolução dos problemas. Durante a análise documental captou-se nas atas e relatório de reuniões, registros que caracterizavam este autoritarismo. Assim, selecionou-se um fragmento da ata da reunião do conselho ocorrida em 20 de outubro de 1981 para ilustrar o caráter autoritário da organização laboral da FENF/UERJ:  

Os professores adjuntos e os que ocupam funções na coordenação de curso, devem se manter na FENF, colaborando quando requisitados; quanto aos demais irão gradativamente se incorporando à integração ensino/serviço. Os professores que utilizam o hospital como campo de estágio, devem ocupar os espaços de enfermagem em toda sua plenitude, criando estratégias para uma melhor atuação.

 

A partir de uma visão contextualizada do momento histórico que vivia a Faculdade de Enfermagem e do conhecimento do documento na íntegra, ficou claro que um aparato repressivo simbólico estava se estruturando a fim de ocupar o espaço do HUPE e dominá-lo, objetivando conquistar poder de decisão e de mando neste espaço.

Selecionou-se também um fragmento da entrevista da Depoente 02 para evidenciar o caráter despótico da organização laboral em questão:  

[...] ela tinha autoridade e a autoridade dela era muito determinante também [direção da FENF]. Ao mesmo tempo em que eu era autoritária, a direção também era autoritária, todos eram autoritários na época, porque tinha que ter alguém para segurar as coisas, para fazer funcionar.

 

As características explicitadas anteriormente resultam de um momento político marcado pela ditadura militar, presente no cenário brasileiro entre os anos de 1964 a 1984. Este período caracterizou-se por um conflito permanente para imposição e consolidação do autoritarismo dos governos implantados e pela supressão dos direitos constitucionais. Originou-se assim, a imobilização social, a falta de diálogo, o engessamento das atitudes e das mentalidades, uma sensação de poder grandiosa para aqueles que assumiam cargos de liderança, vilipendiando da sociedade possibilidades de pensar e agir de forma democrática, imputando nas pessoas um pensar e um agir autoritário, pois foi dessa forma que a sociedade brasileira organizou-se e foi condicionada a agir durante vinte anos8.

Bourdieu6, referindo-se a dominação de um grupo pelo outro, assevera que o poder sobre o grupo a que se pretende dar existência enquanto grupo é, ao mesmo tempo, poder de fazer o grupo impondo-lhe princípios de visão e de divisão comuns, e, portanto, uma visão única de sua identidade e uma visão idêntica de sua unidade.

Verificou-se também que a organização laboral das coordenadoras do Internato também teve como forte característica relações de poderes extremamente demarcadas, caráter este que ficou evidenciado na entrevista da Depoente 01: 

[...] tivemos grandes dificuldades, justamente por causa da guerra do poder, de quem manda no pedaço, e no início, nós não sabíamos muito como fazer para lidar com isto, com esta guerra.

 

Analisando as entrevistas podemos constatar que a organização do trabalho das coordenadoras do internato era complexa, pouco racional e com um ritmo de trabalho elevadíssimo. A partir da fala da Depoente 02 podem-se constatar estas características: 

[...] era uma coisa muito grande, porque tinha o internato, tinha o internato rural que funcionava, tinha toda a coordenação de graduação, mais a implantação da nova proposta curricular. Eu também dava aula, além de auxiliar no processo de adaptação de professores e alunos à nova proposta do currículo. Mas tinha que dar conta de qualquer maneira. Então o sofrimento era grande, porque o volume de trabalho da própria coordenação, além das atividades externas que você tinha que está participando com a direção era muito grande.

 

- Características da organização do trabalho das coordenadoras do internato: a década de 90.

Os anos 90 representaram à consolidação da democracia do país e da política neoliberal. Essa política propôs uma liberalização comercial e financeira, com mudança no papel do Estado, trazendo como conseqüência cortes lineares dos gastos sociais e deteriorização dos padrões de serviço público, com agravamento da desigualdade social e conseqüentemente ocorrendo transformações em toda a sociedade.

Gelbecke9, analisando as políticas de saúde dirigidas aos trabalhadores, faz uma importante contextualização histórica, a qual revela a articular entre o advento da democratização, do neoliberalismo e da globalização com as condições precárias de vida e de saúde dos trabalhadores brasileiros. A autora analisa que:

Os enfrentamentos são necessários na atual conjuntura, tendo em vista as modificações que tem ocorrido com grande velocidade no mundo do trabalho, com a reestruturação produtiva, o desemprego que bate recortes, o fenômeno de empregabilidade e terceirização, os novos modelos contratuais implantados. Frente a estas questões pouco tem se falado sobre como garantir qualidade de vida e de saúde para a classe trabalhadora neste contexto. 9:78

 

Frente às intensas mudanças, que resultaram numa nova ordem social, no acirrado avanço científico, no uso de novas tecnologias e de inovadoras formas de comunicações, a Enfermagem foi compelida a se reorganizar, impelindo-a a repensar o processo de formação dos enfermeiros. Houve então uma preocupação especial com as competências necessárias que o profissional de enfermagem deveria atingir para melhor atuar no novo mundo do trabalho.

Dessa forma, a Faculdade de Enfermagem passou por um processo de desafio para rever o seu papel na formação dos enfermeiros e, assim, em 1996 implementou um projeto político pedagógico orientado pela Teoria Crítica da Educação, embasado na Pedagogia da Problematização, objetivando romper com uma prática pedagógica conservadora, tradicional e muitas vezes, alienadora, no qual o aluno era um mero reprodutor de costumes e acrítico, com poucas possibilidades de promover mudanças sociais.

Destarte, em 1999, iniciou-se a reconstrução e operacionalização da nova proposta do Internato, desenvolvido nos dois últimos períodos e denominado “Experimentando o Exercício Profissional”. A sua reorganização foi orientada pelos mesmos princípios que norteavam a construção das áreas e subáreas do Currículo. Essa nova organização possibilitou ao corpo discente adquirir uma visão abrangente das ações do enfermeiro nos contextos da comunidade, da rede básica e hospitalar, com uma concepção de complexidade crescente das ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação dirigida aos diversos grupos humanos.

Constatou-se que as características da organização do trabalho das coordenadoras de enfermagem também sofreram algumas transformações na década de noventa. Verificou-se que ela se tornou mais flexível e um pouco menos autoritária. Tais características foram captadas através da análise da entrevista da Depoente 03, a qual declara que:

Eu acho que antes o trabalho aqui na coordenação era engessado, e eu procurei dar uma amenizada, embora reconheça que para algumas coisas eu sou pão-pão, queijo-queijo, mas de forma geral, tentava discutir os problemas.A organização do trabalho tornou-se mais complexa, mantendo um ritmo de trabalho igualmente intenso, conforme o era na década de oitenta. Assim, as coordenadoras que atuaram neste período, a fim de dar conta da complexidade da organização laboral, imposta pelas novas tecnologias e avanços científicos, acabavam trabalhando num ritmo frenético e sob condições laborais precárias. A Depoente 02 explicita esta análise:

 

Você saber que o próximo semestre chegaria e não tinha nenhum aluno no sistema, porque o sistema da Universidade e do currículo da Faculdade tinha mudado e ninguém sabia trabalhar nestas novas condições, era sofrido. Também porque o PRODERJ [Processamento de Dados do Estado do Rio de Janeiro] já não estava mais na UERJ. Então, parecia que eu ia morrer cada dia que eu chegava aqui e todo mundo estava fora do Sistema, era terrível. Só melhorou depois que a DINFO [Divisão de Informática] aprendeu a entrar no Sistema.

 

Algumas características da organização laboral da década de oitenta permaneceram nos anos noventa, ou seja, as relações de poder continuaram extremamente demarcadas, prejudicando os relacionamentos interpessoais. A partir do entendimento do momento histórico em que estas coordenadoras estavam vivendo, compreende-se porque as relações de poder permaneceram tão acirradas. Dessa forma, pode-se contextualizar que devido ao modelo produtivo neoliberal, os trabalhadores foram levados a competir a fim de garantir espaço no universo laboral, conduzindo-os a aproveitar as oportunidades a qualquer custo, não ceder espaço ao outro, pois caso contrário, corre-se o risco de ser substituído por ele. Selecionou-se um trecho da entrevista da Depoente 03 para evidenciar a questão da competitividade e do medo da perda de poder no trabalho:  

O negócio era você está dividindo na verdade o poder, e ai eu devo dizer assim, que a princípio eu encontrava certa resistência para que eu pudesse conhecer este mundo da coordenação. A questão foi realmente conquistar o meu espaço aqui nesta situação de coordenadora. Depois eu vi que era uma questão de ciúme, ou seja, de não perder o poder, ou não dividí-lo.

 

Constatou-se que a organização do trabalho das coordenadoras do internato da FENF/UERJ ao longo das décadas de oitenta e noventa caracterizou-se inicialmente como autoritária e inflexível, mas à medida que ocorre a abertura política e a democratização do Brasil, a organização laboral assume um caráter mais flexível e democrático. No entanto, durante essas duas décadas, a relações de poder permaneceram extremamente demarcadas, os ritmo de trabalho caracterizaram-se como intenso e verificou-se uma complexidade crescente da organização laboral. 

- Repercussões da organização do trabalho na saúde e na vida das coordenadoras do internato.

A relação do ser humano com o seu trabalho vem sempre acompanhada de algum tipo de sofrimento, pois a organização do trabalho choca-se com as vivências subjetivas do ser humano, com sua história de vida, resultando assim, no sofrimento. Dessa forma, o sofrimento surge do choque entre a história individual dos trabalhadores, que são portadores de projetos e desejos, e uma organização do trabalho que não permite a realização destas aspirações. As manifestações do sofrimento variam de acordo com o tipo da organização do trabalho, podendo manifestar-se através de insatisfações, medo, angústia, tédio, ou motivações, satisfações e prazer. Assim, o trabalho “não é nunca neutro em relação à saúde, e favorece seja a doença seja a saúde.” 1:164

Segundo Souza10, quando a organização laboral dá margem ao diálogo e permite certa flexibilidade do trabalhador para criar e ser reconhecido, este tipo de organização tem potencial para assegurar e fortalecer a saúde. Mas, quando ela caracteriza-se como autoritária, inflexível, complexa, fragmentada, não-racional, com relações de poder acirradas, então, existe um potencial grande para o adoecimento do trabalhador e deterioração de suas condições de vida.

Ao analisar o tipo de organização de trabalho das coordenadoras do internato da FENF/UERJ, verificou-se que ela teve potencial para espoliar a energia psicossomática dessas trabalhadoras, adoecê-las, precarizando suas condições de vida. Pois, constatou-se que a organização laboral revelou-se complexa, autoritária, inflexível grande parte do período estudado, com relações de poder extremamente demarcadas e ritmo de trabalho intenso.

Através das entrevistas foi possível captar alterações no processo saúde-doença das coordenadoras, quando elas revelaram alterações na dimensão física e emocional de seus corpos. 

Tive uma bursite imensa na época. A minha coluna vivia ruim, praticamente gastava metade do meu salário para pagar tratamento para minha coluna, mas eu não faltei um dia nesta coordenação. Depoente 02

 

Estas situações de saúde-doença interferiam na esfera física, cognitiva e motora, repercutindo em sua qualidade de vida. Captou-se inclusive, que as coordenadoras sofriam prejuízos e perdas no tempo reservado para o lazer e o convívio com os familiares, pois elas eram obrigadas a trabalhar sábado, domingo e feriado e muitas vezes ficavam após o horário regular de trabalho para dar conta das demandas e do ritmo laboral. Assim, a Depoente 01 declara:  

[...] nosso horário era para sair às treze horas, mas acabávamos saindo às 14, às 16 horas. Vínhamos aos sábados, domingos e feriados. Mas só os professores do internato e eu também, que era coordenadora nesta época.

 

Com base na análise, pode-se afirmar que existiu uma teia de articulações, na qual o momento político, social e econômico passou a interferir diretamente no trabalho das coordenadoras do internato, imprimindo características na organização laboral que resultaram em alterações no modo operatório, na produtividade, nas relações interpessoais e, principalmente, na saúde e na qualidade de vida dessas trabalhadoras.

CONCLUSÃO

A motivação inicial para desenvolver este estudo centrou-se na inquietação de querer investigar se outras coordenadoras vivenciaram dificuldades de relacionamentos interpessoais, de rotina massacrante de trabalho e de complexidade crescente de tarefas. Assim, a análise dos dados revelou que estas trabalhadoras passaram por dificuldades semelhantes. Ficou claro, que apesar dos diferentes momentos históricos, as situações que espoliam a energia psicossomática e deterioram as condições de vida, permaneceram praticamente inalteradas nas décadas de oitenta e noventa do século XX, coincidindo inclusive com o que foi vivenciando pelas autoras no ano de 2004.

Foi importante realizar esta pesquisa, pois possibilitou compreender que o enfoque histórico alarga o conhecimento e favorece o entendimento mais consolidado da problemática investigada e que, o estudo da organização laboral permite mostrar repercussões positivas ou negativas na saúde e na qualidade de vida dos trabalhadores. Além disso, permitiu conhecer melhor a história do Internato de Enfermagem, contribuindo na construção e registro da memória histórica dessa Instituição. Está pesquisa foi também um instrumento de sensibilização do coletivo laboral para as características do trabalho na coordenação de ensino, evidenciando que é tarefa complexa, árdua, que resulta em desgaste físico, mental e intelectual.

 REFERÊNCIAS

1. Dejours C. A loucura do Trabalho: um estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré; 1992.

 2. Mazzilli C; Lunardi Filho WD. Uma Abordagem Psicanalítica do Processo de Trabalho na Área de Enfermagem. Rev. da Adm de Empresas. 1996 jul-set; 31(3):96-8.

 3. Konder L. O Que é Dialética. São Paulo: Brasiliense; 1992.

 4. Vieira MPA; Peixoto MRC; Khoury YMA. A Pesquisa em História. São Paulo: Ática; 1989.

 5. Silva GRF; Rebouças CBA; Souza AMA. Interview as a technique of qualitative research - a literature review. Online Brazilian Journal of Nursing [Online], 5.2 12 set 2006 Disponível: http://www.uff.br/objnursing/viewarticle.php?id=225.

 6. Bourdieu P. O Poder Simbólico. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2000.

 7. Correia LM.  O ensino de enfermagem obstétrica na Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: proposta e contradições – 1982-1986. Dissertação (Mestrado em História da Enfermagem). Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola de Enfermagem Anna Nery, 2003.

 8. Skidmore TE. Uma História do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra; 2000.

 9. Gelbecke FL. Políticas de Saúde do Trabalhador: Limites e Possibilidade. Rev. Texto e Contexto Enferm., 2002 jan/abr; 11 (1); 66-85.

 10. Souza NVDO. Dimensão subjetiva das enfermeiras frente à organização e ao processo de trabalho em um hospital universitário. Tese (Doutorado em Enfermagem). Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola de Enfermagem Anna Nery, 2003.

 

Received: Sept 19th , 2006
Revised: Oct 14th
Accept: Oct 28th , 2006