ARTIGOS ORIGINAIS

Autoestima e distress em indivíduos submetidos a cirurgias oncológicas: estudo correlacional


Luciana Regina Ferreira da Mata1, Giannina Marcela Chávez1, Beatriz Simões Faria1, Ana Cláudia Castro Antunes1, Marcela Ribeiro da Silva1, Patrícia Peres de Oliveira1
1Universidade Federal de São João del-Rei

RESUMO

Objetivo: avaliar, em pacientes em pós-operatório de cirurgias oncológicas, a presença de distress e alterações da autoestima, e sua possível relação com o tratamento cirúrgico. Método: estudo transversal, quantitativo, correlacional, realizado em um hospital localizado no estado de Minas Gerais. Foi utilizado o termômetro de Distress, a Escala de Autoestima de Rosenberg e um questionário de caracterização dos participantes. Resultados: participaram 100 pacientes com média de idade de 59,56 anos, com câncer urológico (30%), a maioria de homens (54,0%). Identificou-se a presença de distress em 65% dos pacientes, cuja média de pontuação foi de 5,05. A média do nível de autoestima foi de 7,07. As variáveis distress e autoestima apresentaram correlação significativa. Conclusão: quanto melhor é o nível da autoestima, menor é o de distress; as variáveis idade e escolaridade não tiveram relação; não houve diferença significativa entre as variáveis sexo e tipos de tumor.

Descritores: Neoplasias; Oncologia; Estresse Psicológico; Autoimagem; Período Pós-Operatório.


INTRODUÇÃO

Câncer é o nome dado ao conjunto de mais de 100 tipos de doenças caracterizadas pelo crescimento desordenado de células, que apresentam mutações genéticas e tem potencial invasivo(1,2). Os tipos mais frequentes são o de pulmão, seguido pelo de mama feminina(2,3).

Trata-se de um problema de saúde pública mundial, cuja incidência cresceu 20% na última década. Somente em 2012, foram registrados 14,1 milhões de casos. Para o Brasil, no ano de 2014, estima-se o aparecimento de 576 mil novos casos da doença, incluindo casos de pele não melanoma(2).

O tratamento do câncer pode ser realizado por meio de técnicas cirúrgicas, radioterápicas, quimioterápica, biológicas e terapia endócrina ou hormonioterapia. Dentre as técnicas utilizadas, destaca-se a cirurgia, primeira modalidade de tratamento e a mais utilizada em pacientes diagnosticados com a doença(4,5). Procedimentos cirúrgicos podem ser vistos pelo indivíduo como um ato agressivo, pois a incerteza e o medo de mudanças em sua imagem corporal e no cotidiano podem provocar alterações como o estresse e levar à vivência de situações de conflito(5).

A mastectomia total ou parcial é um exemplo de cirurgia em que as mulheres apresentam sintomas de estresse e alterações da autoestima que foram proporcionadas pelo medo da perda de um símbolo de feminilidade e sexualidade(6). Outros procedimentos cirúrgicos complexos são os relacionados ao câncer de cabeça e pescoço, ocorre ressecção de partes moles, de ossos da face e, em determinadas vezes, da pele, necessitando de fechamento com retalhos. Estes podem levar a complicações físicas, além de alterações estéticas que podem levar a problemas sociais, emoções como medo, raiva, ressentimento, agressividade e depressão(4,7) extrapolam a capacidade de controle (eustress), tornando o estresse negativo, ou seja, o distress (experiência emocional multifatorial e desagradável que interfere na capacidade de lidar eficientemente com a neoplasia maligna, seus sintomas, mudanças físicas e tratamento)(8).

Além disso, podem provocar alterações em sua autoestima, fator determinante para garantia do bem-estar físico e psicológico, que influi positiva ou negativamente sobre como o paciente enfrenta a doença e seu tratamento(9).

O profissional enfermeiro, ao tomar conhecimento sobre a presença de distress e mudanças na autoestima, pode intervir, juntamente com a equipe interdisciplinar, no cuidado aos pacientes, em especial no período perioperatório, visando à diminuição dos impactos causados pelo estresse por meio de um cuidado que busque a objetividade técnica e a subjetividade no relacionamento com os atores envolvidos, respeitando o sentido dado às ações, reações e experiências vividas.

A partir desses pressupostos, lançou-se a hipótese de que os indivíduos oncológicos, nas primeiras 48 horas do pós-operatório mediato, apresentam distress e alterações da autoestima; e há relação quando se compara as variáveis distress, autoestima, idade e escolaridade com o tratamento cirúrgico.

Embora existam pesquisas internacionais sobre o tema, estudos que avaliam e correlacionam autoestima e distress em pacientes submetidos às cirurgias oncológicas são raros e não existe nenhuma publicação nacional, o que justifica a realização deste estudo. Destarte, objetivou-se avaliar, em pacientes em pós-operatório de cirurgias oncológicas, a presença de distress e alterações da autoestima, bem como sua possível relação com o tratamento cirúrgico.

MÉTODO

Trata-se de um recorte do projeto de pesquisa intitulado Morbidade psicológica e implicações para a recuperação cirúrgica em oncologia: subsídio para o planejamento de enfermagem. Realizou-se um estudo transversal, correlacional, com abordagem quantitativa, utilizando-se como referencial metodológico os conceitos de pesquisa quantitativa(10), em um hospital de grande porte habilitado como Unacon (Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), com serviço de radioterapia e de hematologia e cirurgia oncológica, localizado no estado de Minas Gerais.

Inicialmente, o tamanho da amostra foi definido por meio do teste estatístico Z, de distribuição normal, estimando-se uma proporção referente à população de interesse para um nível de significância de 5% e poder do teste estatístico de 80%, resultando em tamanho mínimo de 92 pacientes.

Os participantes foram captados por um processo de amostragem consecutiva, ou seja, na medida em que foram admitidos nas unidades de internação cirúrgicas e que atenderam aos critérios estabelecidos. A amostragem consecutiva é importante por incluir toda a população (com variações sazonais ou mudanças temporais relevantes à questão de pesquisa) acessível em um período de tempo(10).

Adotou-se como critério de seleção pacientes oncológicos internados de dezembro de 2014 a julho de 2015 para cirurgias oncológicas, no pós-operatório por mais de 24 horas e menos de 72 horas. Incluíram-se pacientes com idade superior a 18 anos, submetidos à cirurgia para neoplasia maligna e com capacidade cognitiva preservada, verificada por meio da aplicação do Mini Exame do Estado Mental, que consiste num importante instrumento de rastreio de comprometimento cognitivo para uso clínico e em pesquisas, validado para a população brasileira(11). Foram excluídos pacientes submetidos a cirurgias oncológicas diagnóstica e reconstrutora e enfermos encaminhados ao setor de terapia intensiva.

Totalizaram 100 participantes no estudo, sendo pacientes no pós-operatório de cirurgias oncológicas de cabeça e pescoço, ginecológicas, mastológicas, gastrointestinais, urológicas, torácicas e de pelve.

Foram utilizados três instrumentos para a coleta de dados: um formulário elaborado pelas autoras da pesquisa visando à investigação de dados sociodemográficos, econômicos (idade, situação conjugal, procedência, escolaridade, situação profissional, renda mensal familiar) e clínicos (conhecimento diagnóstico, tipo de cirurgia realizada e comorbidades); o Termômetro de Distress (TD) e a Escala de Autoestima de Rosenberg.

Traduzido e validado para o idioma português no ano de 2009(12), o TD versa de uma escala que tem como objetivo identificar o nível de distress e suas possíveis causas no período referente à semana anterior, incluindo o dia da avaliação(12,13).

Permite que o paciente assinale o nível de distress partindo do zero (sem distress) até 10 (distress extremo), e é composto por 35 itens voltados para o reconhecimento de suas possíveis causas, mesmo que não estejam relacionadas ao diagnóstico ou ao tratamento. A determinação do distress efetua-se sempre que a pontuação assinalada no TD pelo paciente for igual ou superior a quatro(6,8,12).

Instrumento para a mensurar os níveis de autoestima dos pacientes cirúrgicos oncológicos, a Escala de Autoestima de Rosenberg(14) é autoaplicável, Composta por 10 questões, possui as opções de resposta concordo plenamente, concordo, discordo e discordo plenamente. Divididas em dois grupos que sinalizam autoestima satisfatória e insatisfatória, cada grupo é composto de cinco questões. As alternativas são pontuadas de zero a três; deste modo o escore final da escala pode variar de zero (melhor autoestima) a 30 (pior autoestima)(9,14).

Os dados foram processados e analisados por meio programa estatístico Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 21.0 para Windows®. Utilizou-se a técnica de dupla digitação para validação dos dados. Os resultados obtidos para as variáveis explanatórias (caracterização sociodemográfica, econômicas e clínica) foram analisados a partir de estatística descritiva, medidas de posição e de variabilidade para as variáveis contínuas, e de frequência simples para as variáveis categóricas. Os testes de Kolmogorov-Smirnov, Shapiro-Wilk e D'Agostino-Pearson foram utilizados para verificar a normalidade das variáveis distress, autoestima, idade e escolaridade.

Para verificar possível relação entre distress, autoestima, idade e escolaridade, foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman, denominado pela letra grega ρ (rô).

As forças das correlações obtidas foram analisadas conforme categorização que classifica valores abaixo de 0,30 (mesmo que estatisticamente significantes) como de fraca magnitude e sem utilidade na prática clínica; entre 0,30 e 0,50 de moderada magnitude e acima de 0,50 de forte magnitude. Para avaliar se houve diferença entre homens e mulheres para as variáveis distress e autoestima, utilizou-se o teste Mann-Whitney-Wilcoxon. A análise da diferença da distribuição dos participantes quanto ao sítio do tumor/cirurgia em relação à autoestima e ao distress foi realizada a partir da análise de variância ANOVA One-Way. A margem de erro utilizada para a decisão dos testes estatísticos foi de 5,0%, ou seja, p-valor < 0,05.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São João del-Rei e pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital cenário do estudo (parecer nº 660.597/2014). Ressalta-se que os dados foram coletados após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Participaram 100 pacientes no pós-operatório de cirurgia oncológica; a média de idade foi de 59,56 anos (desvio padrão de 13,57), variando entre 27 e 86 anos. Destes, 54% eram do sexo masculino. A maioria da população era casada ou vivia em união consensual (56%), seguida por solteiros (17%), viúvos (17%) e separados/divorciados (10%). Em relação à procedência, 89% dos entrevistados residiam na zona urbana e 11% na zona rural. Quanto à religiosidade, 98% afirmaram praticar algum tipo de religião.

A escolaridade média dos participantes foi de 5,79 anos (desvio padrão de 4,32), variando de zero a 17 anos de idade. Quanto à situação profissional, 46% dos pacientes eram aposentados, 25% ativos, 10% recebiam aposentadoria e mantinham trabalho informal, 10% eram do lar, 6% recebiam auxílio-doença e 3% estavam desempregados. A renda mensal familiar média dos pacientes foi de R$1.182, sendo a renda mínima de zero reais e a máxima de R$12 mil.

Os dados clínicos permitiram identificar que 92% tinham conhecimento do diagnóstico de câncer. Destes, 41% descobriram o diagnóstico entre quatro a 12 meses antes da data da cirurgia, 33% entre um e três meses, 11% há mais de 12 meses e 7% descobriram o diagnóstico há menos de um mês. Maior detalhamento dos resultados relacionados à caracterização dos participantes quanto ao sítio da neoplasia maligna/cirurgia pode ser visualizado na Tabela 1.

TABELA 1

Quanto à realização de tratamento para a doença, 22% já haviam realizado algum outro tipo de tratamento, como radioterapia ou quimioterapia. aja sobre a presença de comorbidades, 57% dos pacientes apresentavam algum tipo de doença crônica como hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus (DM), sendo que 36% realizavam tratamento para HAS, 9% possuíam algum tipo de cardiopatia, 8% apresentavam HAS e DM e 4% eram diabéticos.

Os resultados obtidos pelo TD indicaram um valor médio de 5,05 para a presença de distress (desvio padrão de 3,43), e 65% dos pacientes estavam com pontuação igual ou superior a quatro. Os principais problemas vivenciados pelos pacientes, de acordo com o TD, no período referente à última semana incluindo o dia da entrevista, foram problemas práticos (64%), familiares (27%), emocionais (92%), envolvimento espiritual/religioso (15%), físicos (98%), outros problemas (5%).

Para a Escala de Autoestima de Rosenberg, a pontuação média encontrada foi de 7,07 (desvio padrão de 5,03), sendo que a pontuação mínima foi de zero e a máxima de 27 pontos. A maioria dos pacientes (57%) apresentou níveis de autoestima elevados em relação à média.

O coeficiente de correlação de Spearman mostrou que há relação positiva entre as escalas de autoestima e distress (ρ= 0,389; p ≤ 0,00), ou seja, quanto maior a pontuação da escala de autoestima, maior a pontuação do TD. Tal resultado implica na interpretação de que, quanto pior a autoestima, maior o nível de distress. Não houve relação estatisticamente significativa entre as variáveis idade e escolaridade com o distress (p ≤ 0,634; p≤ 0,971) e a autoestima (p ≤ 0,195; p ≤ 0,298), como se vê na Tabela 2.

TABELA 2

Os níveis de autoestima e distress, quando comparados com a variável sexo, não apresentaram diferença significativa (p ≤ 0,90; p ≤ 0,19). O mesmo ocorreu quando foi utilizado o teste de Mann-Whitney-Wilcoxon para comparar estatisticamente a diferença entre homens e mulheres pesquisados para as variáveis distress e autoestima.

Adicionalmente, a fim de verificar a correlação entre os níveis médios de distress e autoestima mostrados pelos pacientes em relação ao sítio da neoplasia maligna/cirurgia, ressalta-se que os participantes com câncer de pulmão apresentaram uma média mais elevada de distress (±8,50; desvio padrão de 0,71), assim como piores níveis de autoestima (±13,00; desvio padrão de 2,82), conforme verificado na Tabela 3.

TABELA 3

A partir análise de variância One-Way (ANOVA), foi possível concluir que não houve diferença do sítio da neoplasia maligna/cirurgia em relação ao distress (p ≤ 0,70) e autoestima (p ≤ 0,18).

DISCUSSÃO

Os participantes do estudo foram, na sua maioria, compostos por homens, convergindo com os dados encontrados na literatura(2,15). Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), estimam-se 395 mil casos novos de câncer para o biênio 2014/2015, sendo a maioria (204 mil) para o sexo masculino e 190 mil para sexo feminino(2).

Os tipos de câncer mais incidentes na população brasileira, com exceção do câncer de pele não melanoma, são os tumores de próstata (69 mil), mama feminina (57 mil), colorretal (33 mil), pulmão (27 mil) e estômago (20 mil)(2). Esses números confluem a esta pesquisa, pois o câncer mais incidente na população estudada foi o urológico, cujos sítios anatômicos que estão incluídos nesse grupo são as neoplasias malignas de bexiga, próstata e rim. Essas localizações correspondem a mais da metade dos casos de câncer no homem. Atualmente, com medidas apropriadas de detecção precoce e prevenção, pode-se diagnosticar esses tumores em fases iniciais, conseguindo-se, com um tratamento adequado, cura na maior parte dos casos(16).

Os dados encontrados neste estudo, no que se refere à média de idade dos pesquisados, escolaridade, renda mensal familiar situação conjugal e profissional, corroboram a literatura. Semelhante achado foi descrito em um estudo realizado na cidade de Hanôver, capital do estado de Niedersachsen (Alemanha), com 80 indivíduos, cujo objetivo foi avaliar a frequência de distress em pacientes submetidos à teleterapia. A média de idade encontrada foi de 59,8; a maioria dos participantes era casada; 46,3% dos pacientes eram aposentados(17). Já outra pesquisa, desenvolvida no município de Campinas/SP, avaliou a qualidade de vida de 80 pacientes com câncer em tratamento antineoplásico. A maioria era formada por homens, casados, com baixa escolaridade e renda salarial(18).

Com relação à religião, 98% dos pacientes afirmaram praticar algum tipo de religião. As crenças religiosas, manifestadas por meio de rituais, orações e meditações, compõem mecanismos corriqueiros que os indivíduos se amparam no momento de doença(9,19). Quanto maior a gravidade, mais se torna intensa a ligação religiosa, ficando influenciada pelas crenças e valores do paciente. A procura pela religião torna-se, então, uma das formas encontradas pelas pessoas para diminuir o impacto do enfrentamento da neoplasia maligna, uma vez que facilita a aceitação da doença e das restrições impostas por ela(9). A prática religiosa, geralmente, é a principal estratégia de coping mais utilizada por pessoas com câncer. A crença em uma força superior, o pensamento positivo e o otimismo são grandes influências no incremento de respostas adaptativas às circunstâncias difíceis e complexas devido à doença(1).

No que concerne à realização de tratamento para a neoplasia maligna, 22% dos entrevistados afirmaram que já haviam realizado radioterapia ou quimioterapia. O tratamento pode ser entendido como uma ameaça, uma vez que pode afastar o indivíduo do convívio social, pelas frequentes internações, levando muitas vezes ao abandono de parentes e amigos. Os pacientes podem adotar uma postura fatalista ou se tornarem sugestionáveis em relação à cura. É uma doença que pode levar a sentimentos negativos, dificultando a elaboração dos enfrentamentos que facilitam e podem colaborar de forma mais realista e positiva com o paciente(6,13).

A comorbidade mais prevalente no grupo estudado foi a HAS (36%). Este fato é relevante, uma vez que a patologia tem estreita relação com um dos temas estudados nesta pesquisa, o distress. Pacientes estressados podem ter descompensação dos níveis de pressão arterial(6), comprometendo a evolução clínica no período perioperatório.

Ressalta-se que a idade e a escolaridade dos pacientes não revelaram relações estatísticas significativas quanto aos níveis de autoestima e distress. Em estudo recentes, as variáveis sociodemográficas, como idade, sexo e escolaridade, não se mostraram relacionadas ao distress ou à autoestima(6,17).

No que tange ao resultado relacionado à correlação entre a variável sítio da neoplasia maligna/cirurgia, o distress (p ≤ 0,70) e a autoestima (p ≤ 0,18), não houve diferença estatística. Contudo, cabe ressaltar que, neste estudo, os pacientes com câncer de pulmão apresentaram uma média mais elevada de distress (±8,50; desvio padrão de 0,71), bem como piores níveis de autoestima (±13,00; desvio padrão de 2,82). Resultado semelhante foi descrito em uma pesquisa realizada no Distrito Federal, que analisou a relação da média do nível de distress com o tipo de diagnóstico. Os pacientes diagnosticados com neoplasia maligna de pulmão apresentaram uma média de distress mais elevada(20).

A relação positiva (ρ=0,389; p ≤ 0,00) entre as variáveis distress e autoestima mostrou que há significância estatística, ou seja, quanto pior a autoestima, maior o nível de distress. Não foram encontrados estudos prévios relacionados à correlação entre distress e autoestima em pacientes oncológicos. Mas acredita-se que os pacientes com melhores níveis de autoestima estão mais adaptados a lidar com sintomas do distress.

A incidência de distress apresentada pelos pacientes (65%) assemelha-se a de outras pesquisas, em que seus níveis tiveram pontuação maior ou igual a quatro(13,17,20). As exigências de um tratamento para o câncer envolvendo hospitalização, excesso de exames, cirurgias, complexos esquemas de antineoplásicos, nomes complicados dos medicamentos e efeitos colaterais, podem trazer ao paciente a sentimentos como medo, angústia, impotência e dor(2,5). Assim, o distress pode ser identificado decorrente destas alterações influenciadas pela forma com que o paciente reagirá ao tratamento, como verificado neste estudo.

Em relação à lista de problemas, composta por 35 itens, revelou-se que os problemas físicos e emocionais foram os mais listados pelos pacientes - 98% e 92% respectivamente. Maiores níveis de distress do entrevistado relacionados a fatores emocionais e físicos já eram esperados, uma vez que a vivência da doença (especialmente a neoplasia maligna e os sintomas que a acompanham), a diminuição da qualidade de vida, a possível desfiguração, a possibilidade de morte, as questões financeiras e as sociais, ocasionam ansiedade e aflição que resultam em desgastes físicos e emocionais, ocasionando grande impacto na vida diária da pessoa(6,17).

Estudos apontam que a qualidade de vida é afetada pelos sintomas do distress(6,20). Uma pesquisa longitudinal, prospectiva, realizada com 200 pacientes, que avaliou a prevalência de distress e qualidade de vida ao longo do tratamento antineoplásico, evidenciou que os enfermos com alto nível de distress apresentaram pior qualidade de vida(20). Este fato demonstra a importância de avaliações dos pacientes com câncer durante todo o tratamento, em todos os seus aspectos, não se restringindo somente a avaliações e questionamentos sobre os sinais e sintomas físicos, mas abarcando também aspectos psicossociais(15).

No que se refere à autoestima, a maioria dos participantes (57%) apresentou níveis de autoestima elevados. Tal dado está em acordo com o que foi encontrado em outros estudos(6,9).

A partir dos resultados encontrados, percebeu-se a necessidade de envolvimento e comprometimento do profissional de saúde, no processo contínuo e dinâmico de cuidar da pessoa com neoplasia maligna - principalmente o enfermeiro, pois é o profissional que tem maior contato com o paciente. Por este motivo, pode estabelecer com ele um vínculo e um diálogo assertivo na avaliação do distress, a fim de proporcionar apoio e direcionamento na adoção do melhor caminho a ser seguido, no desenvolvimento de intervenções eficazes(4,13).

Em uma reflexão teórica sobre a importância das intervenções não farmacológicas direcionadas a procedimentos de enfermagem para pacientes com neoplasia, discutiu-se e enfatizou-se a musicoterapia como recurso relevante na área de enfermagem(5).

Igualmente, torna-se imperativa a inclusão de programas de educação permanente nos serviços de saúde com treinamento para o uso de terapias complementares, a fim de aumentar o interesse das equipes de profissionais que laboram nessa área, especialmente em setores de oncologia.

Uma das metas a ser alcançada na prestação da assistência aos pacientes com câncer é a de proporcionar melhor nível de conforto e qualidade de vida possível, o que poderá contribuir para o aumento da autoestima tanto aos que estão em fase de tratamento curativo quanto aos que estão em cuidados paliativos. Destarte, conhecer o impacto da doença e do tratamento na vida de cada um é de vital importância para o planejamento de ações que visam ao adequado atendimento de suas necessidades, promovendo a redução do estresse para o paciente e sua família(5,13).

Apesar de estar de acordo com os critérios estipulados na metodologia, uma das limitações do estudo foi a população constituída apenas por pacientes oncológicos adultos no pós-operatório internados em um hospital, o que impede a generalização dos seus resultados. Apesar disso, essa limitação não invalida o estudo e responde de forma satisfatória às proposições da pesquisa. Os resultados estimulam a continuidade desse tipo de investigação/avaliação com um grupo maior de pacientes, para uma possível confirmação dos resultados preliminares.

CONCLUSÃO

A maioria dos participantes do estudo submetidos a cirurgias oncológicas, no pós-operatório a mais de 24 horas e menos de 72 horas, apresentou distress, sendo que os principais problemas vivenciados por eles, no período referente à última semana, incluindo o dia da entrevista, foram os físicos, emocionais e práticos, respectivamente; apesar de níveis de autoestima elevados.

Verificou-se que quanto maior era a autoestima dos entrevistados, menor o nível de distress, e as variáveis sociodemográficas idade e escolaridade não tiveram relação com os níveis de autoestima e distress apresentados pelos enfermos, assim como não houve diferença significativa entre as variáveis sexo e tipos de neoplasia maligna e a correlação entre a variável sítio da neoplasia maligna/cirurgia, o distress e a autoestima.

Ao conhecer as implicações do distress e das alterações na autoestima, este estudo pode servir como um subsídio à prática do enfermeiro no planejamento de uma assistência focada não só nos sintomas físicos, mas incluindo os sintomas emocionais dos pacientes, assim como fornecer meios que permitam um menor impacto na qualidade de vida das pessoas internadas com câncer para tratamento cirúrgico.

Para tanto, são necessários mais estudos sobre o tema e que o profissional de saúde tenha um olhar mais abrangente, para além do cunho dos resultados e no decorrer do processo de tratamento, implantando nos serviços a prática de monitoramento e assistência, incluindo distress e autoestima. Esse olhar permite conhecer experiências e problemas vividos, que podem estar presentes de forma velada ou não no cotidiano da atenção à saúde.

Contudo, espera-se que os resultados auxiliem na organização de um registro de dados sobre distress e avaliação da autoestima em serviços de saúde que atendam pacientes com câncer, com o objetivo principal de determinar alvos de intervenção, tornando o cuidado mais eficiente e integral. Ao se detectar o distress e a alteração na autoestima, o enfermeiro poderá planejar uma assistência que possibilite sua redução e, com isso, melhore a qualidade de vida dessa pessoa.


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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

Recebido: 16/11/2015 Revisado: 20/09/2016 Aprovado: 26/09/2016