Research development with focus groups: experience with motorcycle couriers

Desenvolvendo pesquisa com grupos focais: experiência com motoboys

Desarrollo de investigación com grupos focales: experiências com moto couriers

 Andréa Márian Veronese1, Dora Lúcia Leidens Corrêa de Oliveira2

 1Serviço de Atendimento Móvel de Urgência de Porto Alegre, RS, Brasil; 2Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil

 

Abstract. This paper aims at discussing some aspects of the use of focus groups as a research strategy. The discussion has grounds in the qualitative research experience carried out in order to explore the motorcycle couriers point-of-view about traffic accident risks in their daily work. The paper describes the process of information gathered from the two focus groups since the field preparation until the information analysis generated in the interaction group. Point out the exploratory potentials of focus groups, as well as the importance of careful planning of fieldwork for the full use of this potential. 

Keywords: Focus Groups; Qualitative Research; Accidents traffic 

Resumo. Este artigo discute alguns dos aspectos do uso da técnica de grupo focal como estratégia de pesquisa. A discussão tem por base a experiência em um estudo qualitativo desenvolvido com o objetivo de explorar os pontos de vista de motoboys sobre o risco do acidente de trânsito no cotidiano do seu trabalho. O artigo descreve o processo de coleta das informações por meio de grupos focais, desde a fase de preparo de campo até a etapa de análise das informações geradas na interação grupal. Destacam-se as potencialidades exploratórias do grupo focal e a importância de um cuidadoso planejamento do trabalho de campo para o pleno aproveitamento desse potencial.   

Palavras-chave: Grupos Focais, Pesquisa Qualitativa; Acidentes de trânsito

 Resúmen. Este artículo discute algunos de los aspectos del uso de la técnica de grupo focal como estrategia de investigación. La discusión se basa en la experiencia de las autoras en un estudio cualitativo desarrollado con el objetivo de explorar los puntos de vista de los moto couriers acerca del riesgo de accidente de tránsito en el cotidiano de su trabajo. El artículo describe el proceso de colección de las informaciones a través de grupos focales desde la fase de preparo de campo hasta la etapa de análisis de las informaciones generadas en la interacción grupal. Las autoras destacan las potencialidades exploratorias del grupo focal y la importancia de una cuidadosa planificación del trabajo de campo para el lleno aprovechamiento de este potencial.

 Palabras-clave: Investigación Cualitativa; Grupos Focales; Accidentes de trânsito 

Introdução

 A criatividade das estratégias investigativas e a sua adequação aos interesses da pesquisa são aspectos relevantes a serem considerados pelo pesquisador quando da elaboração do desenho metodológico da sua proposta de estudo. Com relação especificamente a este segundo aspecto é de extrema importância que o pesquisador, ao fazer suas opções metodológicas tenha conhecimento dos limites e das possibilidades das estratégias de pesquisa escolhidas. O presente artigo tem por objetivo apresentar as potencialidades investigativas e exploratórias da técnica de grupo focal,1-5 utilizando como referência a experiência em uma pesquisa qualitativa realizada com motoboys. O objetivo da pesquisa, realizada no contexto de um Curso de Mestrado em Enfermagem, foi investigar como os motoboys viam o risco do acidente de trânsito no cotidiano de seu trabalho.6 A motivação para a pesquisa surgiu do reconhecimento da importância deste tipo de acidente na cidade de Porto Alegre, evidenciado na experiência como enfermeira, na Enfermaria de Traumatologia do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (hospital referência no atendimento ao trauma no Município), onde multiplicam-se os casos de motoboys vítimas de acidentes de trânsito. No desenvolvimento do cuidado a esses pacientes ouviam-se relatos individuais dos motoboys sobre suas atividades de trabalho que indicavam que os acidentes de trânsito tinham relação com as próprias características da profissão, evidenciando que compartilhavam o risco de se acidentar no trânsito, o que era por eles considerado como inerente ao trabalho que desenvolviam. A pressa no atendimento das demandas (originada na necessidade do encurtamento do tempo de espera dos clientes), aliada à busca de uma maior produtividade que resulte em melhor remuneração (muitos motoboys são remunerados por comissões) tem como conseqüência o abuso de velocidade o que, muitas vezes, acaba em acidente de trânsito.

Para compreender melhor o fenômeno dos acidentes de trânsito envolvendo motoboys, elaborou-se um projeto de pesquisa cujo desenho metodológico favorecesse a troca de experiências e o compartilhamento de idéias sobre esse trabalho e os riscos de acidente de trânsito a ele relacionados. A opção pela técnica de grupo focal como estratégia para a coleta das informações se deu em função desses interesses.

A técnica de grupo focal  

Um grupo focal é um tipo especial de grupo em termos do seu objetivo, composição e procedimentos.1 A principal intenção da técnica de grupo focal é promover discussões entre seus participantes sobre determinado tópico, sendo ideal para explorar experiências, opiniões e conceitos.1,2 Os participantes do grupo focal são selecionados conforme os interesses da pesquisa e de acordo com determinados critérios de homogeneidade, que significam selecionar participantes que tenham características comuns: idade, profissão, gênero ou condição socioeconômica, por exemplo.1 Os grupos são compostos por participantes, com características semelhantes, mas com uma suficiente variação para contrastar opiniões.1 Sendo assim, a amostra é intencional,isto é, escolhem-se os participantes de acordo com os interesses da pesquisa. A variação entre os participantes enriquece os debates.

As discussões do grupo são conduzidas em etapas para o pesquisador identificar tendências. A análise cuidadosa e sistemática das discussões produz conhecimentos sobre como as pessoas vêem o fenômeno estudado.1

Todo o grupo focal conta com um moderador, cuja função é coordenar as interações grupais, criando um ambiente que encoraje os participantes a compartilharem pontos de vista.

Quanto ao número de pessoas ideal para compor um grupo focal, a literatura recomenda um mínimo de cinco e um máximo de oito.1,2 Segundo os autores,1,2 um número maior de participantes pode provocar discussões que gerem muitas informações, dificultando a análise. Por outro lado, estes mesmos autores referem que um menor número de participantes pode não favorecer uma boa qualidade em relação à comparação de opiniões e aprofundamento de temas.1,2 Quando se deseja gerar tantas idéias quanto possível, é mais enriquecedor optar por um grupo maior. Se o que se pretende fazer é maximizar a profundidade de expressão de cada participante, um grupo pequeno funciona melhor.5

 A experiência da pesquisa com grupos focais

 A logística e o ambiente da pesquisa

 É recomendável que o local das reuniões seja um ambiente em que as pessoas sintam-se à vontade para emitir suas opiniões.1 Já existem, na cidade de Porto Alegre, salas apropriadas para gravações e filmagens de grupos, incluindo serviços de transcrição de fitas, porém são recursos com um custo alto.  Concorda-se com um autor que refere que é um mito pensar que grupo focal é uma técnica pouco dispendiosa,7 pois envolve vários gastos, que estão sendo relatados no decorrer do artigo. Novas tecnologias permitem, também, a realização de grupos focais por meio da Internet ou por Vídeo-Conferências.1,7

No propósito de realizar os encontros dos grupos focais em um ambiente em que os motoboys se sentissem à vontade, decidiu-se por uma sala cedida pelo Sindicato dos Motociclistas Profissionais (SINDIMOTO). A sala tinha em torno de 5 por 7 metros, com paredes cor amarelo claro, com banheiro, ar condicionado, computador, telefone, acesso à Internet e Fax à disposição da pesquisadora. A sala possuía uma mesa retangular que permitia aos sujeitos visualizarem-se. A observadora ficou sentada numa mesa menor, no canto da sala. Antes de começar as reuniões, conferia as fitas de gravação, os gravadores e microfones. Sempre estavam disponíveis dois gravadores, para o caso de um não funcionar. Além disto, utilizou-se um microfone multidirecional nas gravações das discussões grupais, recurso esse que facilitou muito as transcrições das fitas.  Tal microfone é ideal para gravações deste tipo porque capta as falas de todos, no ambiente, sem alterações de tom ou altura do som, independentemente da localização da pessoa que fala. Ao contrário da experiência de outros autores,3 que tiveram problemas com a gravação de fitas, optando por utilizar filmadora, não houve nenhum contratempo com essa técnica.

Utilizar filmadoras pode, dependendo do grupo, afetar a espontaneidade do diálogo,5 por algumas pessoas não se sentirem à vontade com a sua imagem sendo gravada.

Um outro item importante para ser pensado é quanto aos deslocamentos dos participantes, considerando as suas características. No caso de alguns motoboys que participaram da pesquisa, estarem se recuperando de acidentes, foi preciso prever como iriam chegar ao local e como se acomodariam. Foram colocadas cadeiras a mais para aqueles que estavam se recuperando de cirurgias de membros inferiores, permitindo que eles os elevassem.

 A constituição dos grupos

 Os participantes da pesquisa foram divididos em dois grupos diferentes, e que se encontravam em oportunidades distintas. O desenvolvimento do processo de coleta de informações com a realização de encontros com grupos diferentes de motoboys teve o objetivo de possibilitar comparações entre as informações produzidas, à semelhança de outra pesquisa em que o trabalho se desenvolveu com mais de um grupo de participantes com similar intenção.8 Apesar de existirem pesquisadores que desenvolvem suas pesquisas com apenas um grupo de participantes,3,5 a experiência sugere que trabalhar com mais de um grupo acaba potencializando a capacidade exploratória da técnica de grupo focal, no sentido de facilitar a reflexão do pesquisador, ainda no decorrer do processo de coleta das informações. Para o pesquisador, os insights produzidos durante o encontro de um dos grupos são úteis como geradores de linhas analíticas que podem ser exploradas no momento seguinte com o outro grupo e vice-versa. Tais insights também podem servir para promover redirecionamentos no processo de investigação ou realinhamentos dos interesses da pesquisa, considerando a emergente e continuada produção de dados.

A realização da coleta de dados sobre temáticas similares em momentos e com grupos distintos de participantes tem, ainda, a vantagem de facilitar o desvelamento das diferenças e/ou contradições do conjunto de informações a serem analisadas. Reforça-se, assim, a recomendação da literatura que trata especificamente das questões metodológicas relativas ao uso da técnica de grupo focal, recomendando que as pesquisas sejam desenvolvidas com mais de um grupo de participantes.1,2

Na formação dos grupos, de acordo com os interesses da pesquisa, ser do sexo masculino, trabalhar ou morar próximo ao SINDIMOTO (o que facilitaria o comparecimento aos encontros grupais), foram os critérios de inclusão na amostra. Estes critérios foram utilizados porque, segundo o SINDIMOTO, na época da pesquisa, o sexo feminino representava menos que 0,5% do total de motoboys de Porto Alegre. O processo de formação dos grupos aconteceu em duas etapas. A primeira foi durante a realização de uma pesquisa anterior, realizada em 2002, em que foram cadastrados motoboys acidentados, interessados em participar em outros estudos. No início do ano de 2003, esses motoboys foram novamente convidados para participar da pesquisa aqui relatada. Como ainda eram poucos os disponíveis para as reuniões, contatou-se o SINDIMOTO, que forneceu uma listagem de motoboys sindicalizados que, posteriormente, foram convidados.

Os convites foram feitos por contatos telefônicos, explicando-se aos motoboys a proposta da pesquisa e a importância da sua contribuição. Os dez primeiros que concordaram com os termos do projeto a ser desenvolvido foram convidados a participar de encontros grupais, compondo o grupo um. O grupo dois, também inicialmente com dez sujeitos convidados, foi montado com as mesmas estratégias. No grupo um, dos dez convidados, apenas cinco participaram da pesquisa e no grupo dois, dos dez convidados, seis participaram. Como orienta a literatura, foi recrutado um número maior de participantes que o número previsto como o mínimo para a constituição do grupo, em função da possibilidade de desistências ao longo do processo de pesquisa.3 Os motoboys deslocaram-se para as reuniões com seus veículos e receberam R$10,00 (dez reais) por reunião para auxílio na compra do combustível e pagamento de local para estacionamento, seguindo a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde,9 na qual está estabelecido que o pesquisador é responsável pelo ressarcimento das despesas que a pesquisa possa acarretar aos participantes bem como pelo seu bem-estar. Durante os encontros havia lanche e sorteios de brindes no final como forma de incentivo à participação nos encontros. Como recomenda a literatura sobre grupos focais esses incentivos são necessários porque participar dos grupos implica esforços tais como despender tempo e deslocamento para os locais.1 A descontinuidade da participação dos sujeitos da pesquisa nos encontros grupais deve ser sempre considerada como uma possibilidade, pelo simples fato de que os grupos focais são, freqüentemente, mais importantes para os pesquisadores do que para os participantes, por mais que estes estejam comprometidos com a pesquisa.10

Caso ocorresse um baixo quorum nas reuniões (menos que quatro participantes), tinha-se a previsão de suspender a reunião, contudo isto não aconteceu, o que demonstrou o comprometimento do grupo com a pesquisa, possivelmente originado no interesse despertado pelas temáticas discutidas nas interações grupais e pelo caráter participativo da técnica de grupo focal. A oportunidade de discutirem seus pontos de vista sobre o risco do acidente de trânsito, de compartilhar experiências cotidianas no contexto da pesquisa e, ainda, de verem reconhecidas suas idéias como relevantes no entendimento do fenômeno estudado acabou criando um espaço de convivência muito prazeroso entre os motoboys e entre estes e a moderadora/pesquisadora. As características dos participantes, estão descritas no quadro seguinte, onde pode ser visualizado cada grupo.   

 

 A agenda dos grupos focais

 Antes do início dos encontros foi elaborada uma agenda de temas. Essa agenda serviu de base para o planejamento do processo de coleta das informações. Numa agenda de temas constam datas e horários das reuniões, número previsto de reuniões, tópicos e/ou questões sobre os assuntos a serem tratados e as atividades planejadas para cada dia. Poderia-se, ainda, incluir os incentivos que seriam utilizados para motivar o início dos debates como: filmes, reportagens, figuras, jogos, etc. Apesar de haver um planejamento inicial de temas, a agenda era flexível e aberta a outras questões importantes que pudessem surgir durante as discussões grupais. As questões utilizadas como geradoras das discussões grupais foram elaboradas seguindo orientações que aparecem na literatura revisada, segundo a qual boas questões são bem direcionadas, abertas, curtas, claras, fáceis para responder, usam palavras que os participantes usariam e soam como se fossem a continuação da conversa.1

No primeiro dia de cada encontro foram feitas as apresentações, sendo explicado aos seus integrantes as características e objetivos da pesquisa; eles assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido9 e foram feitos contratos com os participantes. Os contratos são importantes para selar o compromisso dos participantes entre si e do moderador com os participantes.5 Combinou-se que o que iria ser discutido nas reuniões não seria comentado fora daquele local, por questões éticas. Ficou também estabelecido que as reuniões iniciariam às 19 horas e terminariam em torno de 21 horas, com intervalo para lanche fornecido pela moderadora/pesquisadora. Reuniões mais longas tornam-se cansativas.5 Foram combinadas duas reuniões semanais para que a coleta dos dados ocorresse em menos tempo em função dos prazos a serem cumpridos no curso de Mestrado. Como recomenda a literatura, teria sido mais produtiva e menos cansativa a realização de uma reunião semanal por grupo. Isto teria possibilitado mais tempo para um contato mais sistemático da moderadora/pesquisadora com as informações, à medida em que elas fossem sendo coletadas. Desta maneira, teria sido possível a transcrição das fitas entre uma reunião e outra e a oportunidade da realização de comparações e análises mais atentas durante este período de tempo.8

Além dos contratos, no primeiro dia de reunião, em ambos os grupos houve amplo debate sobre os acidentes de trânsito que envolvem motoboys. O objetivo era comparar os temas que haviam sido planejados com os discutidos nesse dia e identificar outros temas que emergissem nas discussões. A partir do segundo dia, as reuniões tiveram um primeiro momento em que eram debatidos os assuntos do dia anterior, quando se faziam questionamentos sobre esses debates e algumas observações.

A literatura sobre grupos focais sugere ser mais produtivo realizar três momentos em cada reunião: o primeiro para a introdução do assunto-foco daquele encontro, um intervalo e, após, o fechamento das idéias discutidas no primeiro momento, assim como o planejamento para a próxima reunião.3,5,8 No caso da pesquisa aqui relatada, os participantes decidiram deixar o lanche para o final, como um momento de relaxamento, que, embora não houvesse gravações, servia como um fechamento do dia, assim como se aproveitava para fazer o planejamento do dia seguinte. Em cada reunião, era feita a recapitulação do encontro anterior. Essa recapitulação permitia aos participantes acrescentarem novas idéias ou até mesmo mudarem de opinião em relação ao dia anterior, servindo como uma pré-validação dos resultados.

O tema das últimas reuniões de cada grupo estava em aberto para ser estabelecido a partir de assuntos que emergissem nas reuniões anteriores, como forma de validar os resultados que surgiram, realizando o fechamento do grupo.3

A saturação dos dados foi o critério utilizado para o encerramento da coleta.1,11,12,13 A saturação ocorreu quando as informações coletadas passaram a se repetir; por este motivo ocorreram só quatro reuniões no segundo grupo.

A agenda de temas ficou conforme apresentado no quadro 2.

 

O Trabalho de Moderação no Processo de Pesquisa

Foi muito importante o background 7 da moderadora/pesquisadora, que coordenou e desenvolveu todo o processo de coleta das informações e contou com sua experiência como ex-motociclista e como cuidadora de motoboys acidentados para a condução dos grupos. Isto facilitou o seu trabalho e a sua interação com o grupo de participantes, em função da sua familiaridade com a cultura dos motoboys, aí incluídas a linguagem e as suas características profissionais. Na literatura consultada, alguns autores referem como um dos pontos negativos da técnica de grupo focal a possibilidade de alguns indivíduos se sentirem constrangidos num grupo e não revelarem seus pensamentos da mesma forma como o fariam num ambiente privado.1,2 Tal argumento é questionado por uma autora que afirma que os participantes de um grupo focal podem se sentir mais confortáveis para se manifestarem num ambiente grupal do que num privado,8 pois a fala de uma pessoa pode encorajar uma outra a expor suas opiniões. Na presente pesquisa, os motoboys não tiveram nenhum tipo de manifestação que pudesse ser percebido como auto-censura ou desconforto porque participavam ativamente das discussões e intervinham espontaneamente nos temas abordados. Crê-se que a forma de moderadora, questionando, ligando uma experiência exposta com o que os outros participantes falavam ou até mesmo com experiências pessoais, favoreceu o diálogo entre os participantes, sem constrangimentos. Geralmente a moderadora escutou mais do que falou. Além disso, todos os participantes conduziram suas colocações respeitaram cada um a opinião do outro, dando oportunidade de todos falarem.

Deve-se ressaltar que além da moderadora e dos motoboys, os encontros grupais também contaram com a participação de uma observadora, que tinha o papel de acompanhar as discussões grupais registrando aspectos dos assuntos debatidos para facilitar a transcrição das fitas e auxiliando o controle das gravações, preparando lanches e colaborando com a moderadora/pesquisadora na recepção dos motoboys quando estes chegavam para participar dos grupos focais. A participação da observadora foi muito importante para o bom andamento do processo de coleta das informações, tendo contribuído para isto seu envolvimento com o processo de investigação, desde o seu início, devido ao seu conhecimento acerca de interesses de pesquisa.

 Organização e Análise das Informações

 Não é objetivo deste artigo descrever a Teoria Fundamentada nos Dados (Gronded Theory),11-17 mas acredita-se ser importante compreender alguns pressupostos da mesma, pois foi a metodologia utilizada para responder às questões da pesquisa, organizando os muitos dados que foram gerados pela técnica do grupo focal, além de como a opção por fazer grupos focais ter decorrido da escolha por esta metodologia.

O uso da Teoria Fundamentada envolve um processo dinâmico de investigação. Um dos aspectos mais importantes da metodologia é que a coleta dos dados, a codificação e a análise são simultâneas, envolvendo constante comparação entre os dados, num contínuo ir e vir,13,15 comparação esta que foi realizada entre uma e outra reunião do grupo focal, e entre um e outro grupo e foi o que motivou a escolha desta técnica. Em função disto, fazer grupos focais significou, nesta pesquisa, fazer comparações e interligação de idéias de uma interação grupal, concomitante com a articulação de referenciais da literatura, visando a aprofundar o tema de pesquisa.

            Essa etapa da pesquisa teve quatro momentos: transcrição das fitas, organização do material para análise, codificações e definição de categorias.

As reuniões produziram nove horas de gravação, transcritas pela moderadora/pesquisadora e pela sua auxiliar de pesquisa, utilizando um equipamento chamado Transcriber. Este equipamento possibilita que o controle do gravador seja realizado por meio de um pedal, o que permite que as mãos de quem está trancrevendo a fita fiquem livres, propiciando uma rápida digitação. Além do equipamento, facilitou a transcrição o fato de a moderadora ter mencionado várias vezes, durante as discussões, o nome dos participantes, com a finalidade de distinguir as vozes semelhantes. As trancrições geraram 124 páginas digitadas no formato Times New Roman, tamanho 12 e em espaço simples. Foram muitas informações, o que tornou o processo de análise difícil. O uso de um software facilitou este trabalho. O software chamado NvQRS NVIVO 2.0, uma das últimas versões de programas voltados para a análise qualitativa de dados,18 possibilitou um rápido agrupamento de unidades de análise em categorias.

É importante destacar que os dados produzidos em grupos focais devem ser preferencialmente considerados como resultados de interações grupais, ou seja, como manifestações ou expressões coletivas, o que implica fragmentar os dados não em verbalizações individuais, mas, sim, em trechos de discussão. E que esta pode ser considerada como uma importante diferença entre entrevista grupal e grupo focal. No relatório da pesquisa, portanto, foram transcritos os trechos das discussões.

 considerações bioéticas

 Atendendo às recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde,9 os sujeitos do estudo foram informados, no momento em que os mesmos foram convidados para as reuniões, do objetivo da pesquisa e de que eles poderiam, a qualquer momento, desistir da participação, sem que isto lhes resultasse em qualquer tipo de ônus. Também lhes foi informado que as reuniões seriam gravadas, as fitas transcritas pela pesquisadora e de que os dados serviriam para os fins da pesquisa, que esta seria divulgada, e as fitas utilizadas seriam mantidas com a pesquisadora e destruídas após um período de cinco anos. A identidade dos participantes da pesquisa foi mantida em sigilo no relatório da pesquisa, sendo estes identificados por códigos. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre em 25/04/2003.

            Considerações Finais 

Mostrar uma experiência na utilização da técnica de grupo focal foi o objetivo deste artigo. Esta técnica é uma estratégia para a coleta de dados que exige do pesquisador: sensibilidade, criatividade e flexibilidade. Desde o início do desenho da pesquisa, ele deve ter a sensibilidade de reconhecer se terá condições ou não de realizar uma pesquisa com esta técnica. Precisa-se levar em conta: o tema da pesquisa, como será realizada a análise dos dados, assim como o tempo que terá disponível para isto e quanto está disposto a investir financeiramente. Grupos focais representam momentos ímpares de interação social visando ao objetivo de aprofundamento de temas de pesquisa. Para isto, o moderador do grupo deve estar preparado para as questões que emergirem nas reuniões, ser criativo para que não sejam desviados os assuntos dos objetivos da pesquisa, da mesma maneira ser sensível para escutar novos temas que vão emergindo nas reuniões e flexível para adaptar a agenda a esses novos temas. Esses momentos representam muitas informações e um trabalho mecânico e intelectual desgastante que pode ser amenizado por um bom planejamento.

Um bom planejamento consiste na escolha de uma técnica ao encontro dos objetivos da pesquisa, combinando com a metodologia geral do projeto, a escolha do local das reuniões, o convite aos participantes, a oferta de momentos agradáveis para a continuidade da pesquisa, a elaboração de uma agenda de temas criativa e flexível que motive os participantes. Para que isso ocorra é fundamental que o moderador aproxime-se ao máximo da linguagem dos mesmos, seja conhecedor profundo do tema da pesquisa para que possa conduzir as discussões e que o tema da pesquisa seja de interesse dos participantes. O moderador/pesquisador precisa estar disposto a ouvir as diferentes opiniões, amenizando possíveis atritos que possam ocorrer devido a opiniões divergentes entre os participantes, posicionando-se, não como juiz, mas como um articulador de idéias. Deve também estar preparado para possíveis desistências dos participantes. Nossa a experiência, adquirida em virtude da pesquisa realizada para uma dissertação de Mestrado, pode servir para esclarecer dúvidas sobre esta forma de coleta de dados.

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 Contribuição dos autores:

-Concepção e desenho: autora 1; -Análise e interpretação: autora 1; -Escrita do artigo: autora 1; -Revisão crítica do artigo: autora 2

-Aprovação final do artigo: ambas autoras; -Colheita de dados: autora 1; -Provisão de sujeitos, materiais ou recursos: autora 1

-Expertise em estatística: não teve; -Pesquisa bibliográfica: ambas autoras; -Suporte administrativo, logístico e técnico: ambas autoras

Endereço para correspondência: Rua Comendador Castro, 140 – Ipanema – Porto Alegre – RS – Brasil. CEP: 91760-200.

Recebido: Sep 27th, 2006
Revisado: Nov 12th
Aceito: Nov 15th, 2006