The performance of maternal role at neonatal care unit – literature  review

Desempenho do papel materno na unidade de internação neonatal – revisão de literatura

Desempeño del papel materno en la unidad de internación neonatal

 Elenice Valentim Carmona 1 Maria Helena Baena de Moraes Lopes 1 Antonieta Keiko Kakuda Shimo 1

 1 Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil.

 

ABSTRACT. To assume maternal role might not be an easy experience in the neonatal care unit due to the special characteristics of the situation and the environment and because of the mother’s fragility, being distant from the child and without decision power. The aim of this study was to make a revision on the performance of maternal role in the hospitalization of the newborn at neonatal unit and to check which is the influence of nursing staff in this process. Method applied was through a data base (LILACS, MEDLINE) within a period of ten years (1993 – 2003). It was verified that the hospitalization of the newborn presents certain aspects that makes the performance of maternal role very difficult and it could be aggravated by the nursing assistance that ignores maternal needs.

Keywords: Maternal-infant nursing; hospitalization; newborn.

RESUMO. Assumir o papel materno pode não ser uma experiência fácil na unidade de internação neonatal, devido às características situacionais e ambientais, estando a mãe fragilizada, distante de seu filho e sem poder de decisão. Assim, este estudo teve como objetivo realizar uma revisão bibliográfica sobre o desempenho do papel materno na unidade de internação neonatal e verificar, de acordo com a literatura consultada, qual a influência da equipe de enfermagem neste processo. O método utilizado foi o levantamento bibliográfico em bases de dados informatizadas (LILACS, MEDLINE), abrangendo um período de dez anos (1993 a 2003). Verificou-se que a internação de um recém-nascido apresenta particularidades que dificultam o desempenho do papel materno, o que pode ser agravado por assistência de enfermagem que exclui as necessidades maternas.

Palavras-chave: Enfermagem materno-infantil; hospitalização; recém-nascido.

 

RESÚMEN. Asumir el papel materno puede que no sea una experiencia fácil en la unidad de internación neonatal debido a las características de la situación y del ambiente, encontrándose la madre frágilizada, distante de su hijo y sin poder de decisión. De este modo, este estudio tuvo como objetivo realizar una revisión bibliográfica sobre el desempeño del papel materno en la unidad de internación neonatal y verificar cual es la influencia del equipo de enfermería en este proceso. El método utilizado fue el levantamiento bibliográfico en la base de datos informatizada (LILACS, MEDLINE) abarcando un período de diez años (1993 – 2003). Se verificó que la internación de un recién nacido presenta particularidades que perjudican el desempeño del papel materno, lo que puede estar agravado por la atención de la enfermería que ignora las necesidades maternas.

Palabras-clave: Enfermería materno-infantil; hospitalización; recién nacido.

 

1. Introdução

A literatura apresenta muitos trabalhos sobre a experiência materna junto ao recém-nascido (RN), sobre a transição para a maternidade das novas mães e os meios pelos quais as “boas mães” são definidas, seja pela visão de especialistas seja pela visão destas mesmas. Pesquisas(1,2) têm mostrado discursos que preservam noções do que é considerado “ser mãe”, o que inclui as qualidades de paciência, amor incondicional e gentileza na relação desta com seus filhos. Especialmente em relação aos bebês, “boas mães” são aquelas que atendem às necessidades dos filhos, desconsiderando as próprias. A prática da amamentação também é associada ao ideal de “boa mãe” (2).

Estas perspectivas de “boa mãe” invariavelmente tendem a se referir à construção e desempenho da maternidade por parte de mulheres que tiveram filhos em boas condições de saúde. Entretanto, os estudos têm voltado mais a atenção para as experiências de mulheres que tiveram seus filhos hospitalizados, logo após o nascimento. Situação esta última na qual têm que lidar com a frustração das próprias expectativas e com expectativas de outros no desempenho do seu papel materno. No caso da unidade de internação neonatal, este desempenho ocorre em um local que freqüentemente não oferece muitas condições para que as mulheres possam interagir com seus filhos. Assim, os bebês hospitalizados têm diferentes implicações sobre como as mulheres vêem a si mesmas enquanto mães e como constroem e desempenham o papel materno.

Considerando-se a importância do tema, foi objetivo deste estudo realizar revisão bibliográfica sobre o desempenho do papel materno na unidade de internação neonatal e verificar como a atuação da equipe de enfermagem tem influenciado tal experiência. A justificativa para realização desse trabalho dá-se pelo fato de que o cuidado aos recém-nascidos deve abranger o cuidado às mulheres/mães, porque estando estas também assistidas terão subsídios para suportar a situação vivida e contribuir mais para a assistência aos filhos ao longo da internação e após a alta.

 2. Metodologia

Trata-se de uma revisão bibliográfica sobre o desempenho do papel materno na unidade de internação neonatal, utilizando-se duas bases de dados informatizadas: LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e MEDLINE (Literatura Internacional em Ciências da Saúde). Ambas foram consultadas através do “site” da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), da Biblioteca Regional de Medicina (BIREME). A consulta abrangeu um período de dez anos (1993 a 2003). A justificativa para o início do período é a escassez de trabalhos abordando o tema antes de 1993. Quanto ao ano de 2003, trata-se do período em que a primeira autora estava desenvolvendo dissertação relacionada ao tema.

Foram realizados, respectivamente, os seguintes cruzamentos entre os descritores: conflito x materno; enfermagem x papel materno; vínculo  materno”x enfermagem; função materna; enfermagem x cuidado materno x neonatal; hospitalização x mãe; papel materno x enfermagem; desempenho materno; mãe x sentimentos; mãe x conflitos; “parental” x “role” x “conflict” x “nursing”.

De um total de 99 referências, foram selecionadas 20 para a realização deste estudo através da leitura dos resumos disponíveis nas bases de dados. Posteriormente, os 20 artigos foram lidos na íntegra. Foram selecionados os escritos em português ou inglês e mais relacionadas aos objetivos da pesquisa, abrangendo, assim, o desempenho do papel materno na unidade de internação neonatal e a atuação da equipe de enfermagem neste contexto. Foram incluídos ainda um artigo mais antigo, uma dissertação e um livro, uma vez que traziam interessante explanação sobre papel materno e desenvolvimento do apego.

Seis artigos foram encontrados no acervo da Biblioteca da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, enquanto que os demais foram obtidos através do Programa de Comutação Bibliográfica (COMUT) da referida Biblioteca.

A primeira autora realizou a leitura dos trabalhos e as demais atuaram como juízas sobre a organização dos achados, bem como na revisão do artigo desenvolvido.

A partir das leituras foram estabelecidas categorias temáticas que são apresentadas a seguir.

 3. Resultados e Discussão

Três categorias temáticas emergiram dos dados: 1. a mulher e o papel materno; 2. ser mãe na unidade de internação neonatal e 3. a influência da enfermagem no desempenho do papel materno.

3.1. A mulher e o papel materno

Este é um tema muito amplo, assim, apresentar-se-á apenas uma breve discussão a partir da literatura consultada.

O desempenho do papel materno pode parecer freqüentemente uma questão apenas pessoal, mas a literatura aponta o quanto sofre influências sociais e políticas. Como exemplo, ao final do século XVIII, a mulher passou a ser necessária não só para gestar, parir e amamentar os filhos, mas para criá-los com boa saúde, além de cuidar com devoção da família e do lar, pois, na mulher estava a garantia de gerações futuras fortes e sadias, o que atenderia às necessidades da nova sociedade que emergia (3). A mulher torna-se, neste contexto, garantia da existência de infra-estrutura que dá possibilidade à reprodução da força de trabalho masculina, em sua função de esposa, e também da futura mão-de-obra, em sua função de mãe (4). O que fez com que passasse a ser o centro das atenções, perdendo sua conotação negativa derivada da “fragilidade” e “precariedade da saúde”, ganhando a imagem de instrumento para desencadeamento de mudanças e manutenção de bons resultados sociais (3). Detendo-se nesta questão, pode-se refletir o quanto as necessidades sociais, políticas e históricas podem criar um corpo ideológico que se infiltra no comportamento das pessoas de forma a manipular e alienar (5) .

A maternidade também é impregnada de ideal, associando-se ao papel materno uma aura mística, uma nobre função que exige altruísmo e vocação. E as mulheres, assim, foram sempre convocadas para cuidar dos filhos, preservar a saúde dos mesmos e educá-los (3). Esta relação de muita proximidade entre mães e filhos, que revelava o ideal de mãe criado no século XVIII, fez da mulher a principal responsável por eles e distanciou o homem/pai de exercer a função de cuidador (3,5).

Embora “papel” possa ser definido como dever, obrigação legal, moral ou profissional, ou ainda como atribuição, como uma função que se cumpre; a construção do papel materno é um processo cognitivo-afetivo complexo. Este processo tem suas origens na própria experiência da mulher enquanto filha e é gradualmente processado ao longo da gestação, culminando com a obtenção de uma identidade materna dentro do primeiro ano de vida do bebê. Assim, o papel materno é aprendido, não sendo simplesmente instintivo, mas construído dentro de um contexto de normas sociais. E espera-se que, através do desempenho deste papel, a mãe proporcione ao filho condições para o pleno desenvolvimento e crescimento (6).

O apego, definido como a capacidade de formar vínculos duradouros e como um aspecto imprescindível da experiência humana, é um importante fator para o desempenho do papel materno, pois, propicia compromisso emocional com o bebê. Compromisso este que pode ser a força fundamental a estimular a mãe a cuidar de seu filho (2,6,7,8).

Relatos maternos demonstram que as mães procuram se tornarem vinculadas aos bebês logo após o nascimento. E esperam passar o maior tempo possível com eles, limitando situações que interfiram neste relacionamento. Consideram fundamental a proximidade 2,8) e, de fato, o desenvolvimento do apego trata-se de uma experiência profunda e complexa que requer contato físico precoce (2,9,10).

O papel materno e a identidade materna são desenvolvidos e modificados dentro do contexto de interações constantes entre mães e filhos, sendo que estas têm total responsabilidade, nas atividades de alimentação, cuidado e carinho. Nestas interações o bebê é um importante fator, pois, regula os comportamentos maternos a partir de suas respostas (1,6,9) .

Outro aspecto importante é a presença de um adulto (companheiro, familiar, amigo ou profissional de saúde), o qual pode dar reforço positivo para a mulher de que ela está desempenhando satisfatoriamente o papel de mãe (1).

Em contraste a isto, as mães de neonatos hospitalizados logo após o nascimento, geralmente prematuros, têm contatos esporádicos e limitados com seus filhos neste período e o desenvolvimento do relacionamento costuma ser adiado. Esta separação se dá devido à necessidade de aparato tecnológico e intervenções para manutenção da vida dos bebês, bem como às normas e rotinas das unidades de internação (1,2,7,10,11).

Estudos já afirmaram o apego como um processo automático, com aplicação universal. Entretanto, esta proposição não levou em conta a existência de fatores individuais, tanto das mães quanto dos bebês, além de disponibilidade de suporte emocional, social e financeiro, alterações na dinâmica familiar e sentimentos de pesar por ter perdido outro bebê. O que remete à complexidade do apego e seu aspecto multifatorial (2,8).

3.2. Ser mãe na unidade de internação neonatal

O relacionamento entre a mãe e seu bebê deve promover bem-estar para ambos. Dentro do contexto da unidade de internação neonatal, entretanto, existe potencialmente a possibilidade de esta relação vir a ser frustrante. Isso por que o papel materno idealizado pela mãe é completamente alterado quando esta é separada de seu bebê e passa a ter que contar com a equipe médica e de enfermagem para ter informações, contato com o bebê e participação no cuidado.

Outro aspecto é que a unidade de internação neonatal é um ambiente de assistência complexa, estruturado principalmente para promover a sobrevivência do RN, separando-o de seus pais, os quais geralmente são excluídos de tal contexto. O cuidado é permeado por muitos dispositivos tecnológicos e há a realização de vários procedimentos (2,12,13,14). Trata-se de um ambiente que está longe de ser tranqüilo e acolhedor, apresentando profissionais conversando, indo e vindo apressados, aparelhos com luzes e alarmes, pais e outros parentes visitando os bebês (2,15). Além disso, os neonatos estão cercados por uma variedade de dispositivos, muitas vezes invasivos, que ficam em contato com sua face e corpo (2,10,11,15,16). Portanto, tanto o ambiente quanto as condições e a aparência do RN podem ser estranhos e assustadores para a mãe e outros familiares. Conforme o estado de saúde do bebê for mais crítico e o prognóstico mais incerto, algumas mães podem apresentar retardo do apego, como estratégia de defesa, para prevenir excessiva dor, caso o neonato morra (2,10,11).

A equipe de enfermagem mantém uma presença constante junto ao leito e interage com os pais em todas as visitas. Apesar das discussões em torno do cuidado humanizado, os enfermeiros ainda atuam como aqueles que controlam a entrada, mediando a relação entre pais e filhos. Ao longo do período de internação, as mães negociam com a equipe o cuidado de seus filhos e se comprometem com as regras impostas pela equipe, mesmo que apenas inicialmente, com o intuito de tornarem-se familiarizadas com o local, com as rotinas e cuidados especializados, sobre os quais se sentem desconhecedoras e assustadas (1,2,7,13,14,15).

A experiência de dar à luz a um RN que requer internação é algo que produz vários sentimentos negativos nas mães como decepção, baixa auto-estima, tristeza, culpa, raiva, hostilidade, desespero e pesar (7,8,11,12,15,16,17,18) . O que mais incomoda os pais (mães e pais) nesta situação é estarem separados de seu bebê, sentindo-se incapazes de ajudá-lo, sem possibilidade de protegê-lo de dor e outros desconfortos (7). Além disso, existem desafios adicionais que podem afetar o funcionamento da família, incluindo o significado da doença do RN, separação entre outros membros da família, outros filhos para cuidar, problemas de saúde materna, necessidade de grande suporte psicológico para a família e problemas financeiros (2,3,8,10,11,14,19).

Os relatos de mães de prematuros deixam claro que não estavam preparadas para desempenhar o papel materno devido ao nascimento antecipado. Além disso, vivenciaram situações nas quais não podiam ficar com seus bebês logo após o nascimento, não podiam segurá-los, amamentá-los e cuidar de suas necessidades físicas e emocionais (1,2,7,11,13,14,15). Assim, verifica-se que as condições para o apego e para o desempenho do papel materno tendem a ser altamente inapropriadas no contexto da unidade de internação neonatal.

Os estudos apontam a dificuldade das mulheres para sentirem-se mães sob tais circunstâncias. O apego que elas imaginaram que viesse junto com o nascimento estava ausente.  Neste contexto, mães experientes são apontadas pelas primigestas como fonte de apoio (1,7,13,15).

Quando as mães falam sobre os primeiros dias de internação do RN descrevem muito o que é “permitido” e “não permitido” (1,7,13,15). Os comentários da equipe de enfermagem ou suas ações fazem com que fiquem cientes de que a unidade tem regras que se espera que elas sigam rigorosamente. Sentem-se também supervisionadas pela equipe e percebem a necessidade de obter permissão se desejarem tocar ou cuidar de seus filhos. As regras e a supervisão constante contribuem para a existência do sentimento de não estar sendo uma “mãe normal” (15,19) .

Em estudo (1) no qual foram comparados os relatos de mães de prematuros e os de mães de recém-nascidos a termo quanto ao reconhecimento da identidade materna, os dois grupos apontaram que o reconhecimento desta identidade depende de vivenciar situações como ver o bebê, segurá-lo e interagir com ele. Assim, de acordo com a autora deste estudo, a partir do momento em que as mães passaram a estabelecer contato, interagir e cuidar de seus filhos, ou acreditaram que seriam reconhecidas por eles, desenvolveram sua identidade materna. E não foram constatadas diferenças entre os dois grupos no que se refere à afeição materna em relação ao bebê, competência no desempenho do papel materno e satisfação. O que foi confirmado após o acompanhamento dos dois grupos de mães durante um ano após o nascimento dos bebês.

Ao longo do período de internação do bebê, os sentimentos maternos de distância e desapego podem dar lugar a uma urgente necessidade de reclamar pelo papel de mãe. Neste processo, as mulheres/mães usam de diversas estratégias. Uma das mais freqüentes é aprender, quanto mais elas puderem, sobre a condição médica de seu filho, sobre os equipamentos e terapia utilizados. Tais mulheres relacionam “ser uma boa mãe” a conhecer tudo sobre o filho. Assim, neste contexto da unidade de internação neonatal, “conhecer uma criança” é um fenômeno altamente medicalizado. Desta forma, muitas mães demonstram-se desesperadas para adquirir tal conhecimento, o que fazem através de observação atenta, de perguntas para as equipes médica e de enfermagem, assim como questionamentos junto a outras mães (13,14,15) . Tal aquisição de informações, pelo menos parcialmente, representa para a mãe o conhecimento sobre o que seu filho quer e precisa; conhecimento este que mães de bebês não-hospitalizados adquirem através do cuidado e interação diária junto aos filhos (15).

Outra estratégia empregada por muitas mulheres para reclamar a maternidade é procurar ter o máximo possível de interação física com seus bebês. A oportunidade de oferecer leite materno tem sido apontada por pesquisadores, e pelas próprias mães, como particularmente importante, uma vez que é a única prática materna que não pode ser substituída por outros. O contato físico e o oferecimento de leite materno (extraído manualmente ou através de amamentação ao seio) são estratégias que ajudam as mulheres a sentirem que estão estabelecendo uma relação materna com seus bebês (1,13,14,17,20).

Ainda em busca de desempenhar o papel materno no contexto da unidade de internação neonatal, várias mães ligam para a unidade repetidas vezes ao longo do dia, solicitando informações sobre o estado do RN. Isto também as ajuda a manter um senso de ligação com o bebê (15) . O que nem sempre é bem interpretado pela equipe de enfermagem.

Quando o RN está clinicamente estável, a mãe é encorajada pela equipe de enfermagem a prestar cuidados como trocar fraldas, dar banho e alimentá-lo. Ela é também incentivada a realizar procedimentos simples como verificar temperatura, pesar e administrar medicamentos por via oral. Vários trabalhos apontam que estar apta a realizar cuidados contribui vastamente para a percepção da mulher de estar sendo mãe, particularmente quando se trata da primeira vez (1,2,7,13-,14,15).

À medida que estabelece um forte senso de competência no cuidado de seu bebê e conhecimento sobre sua condição, muitas mulheres/mães passam a sentir que conhecem-no tão bem quanto ou até melhor que a equipe de enfermagem. Inclusive, algumas passam a sugerir causas prováveis para desconfortos, propor intervenções e questionar cuidados. Esta mudança de posicionamento materno pode ser mais fácil para mulheres que têm outros filhos e que se sentem confiantes quanto ao seu desempenho no papel de mãe (16).

Por outro lado, existem mães que temem ser rotuladas como “difíceis” pela equipe de enfermagem e, devido a isso, evitam fazer muitas perguntas. Outras ainda são muito tímidas para procurar informações, questionar condutas ou acham que não têm este direito, porque acreditam que é papel da equipe médica e de enfermagem controlar os cuidados do RN enquanto este estiver doente e hospitalizado(15).

As mães, independentemente de sua condição econômica ou educacional, vivenciam necessidade de informação, de interação e de segurança emocional quanto ao desempenho do papel materno na unidade de internação neonatal. Relatos de mães apontam que o que mais realizaram ao longo da internação de seus filhos foi a negociação com os profissionais de saúde para ter acesso aos filhos e poder de decisão, bem como a construção de relacionamentos com outras mães para obtenção de apoio, além de busca de auxílio junto a companheiro, familiares e amigos (14).

3.3. A influência da enfermagem no desempenho do papel materno

A literatura traz que durante muitos anos a assistência de enfermagem à criança hospitalizada foi bastante voltada à prevenção de transmissão de infecção, levando ao isolamento rigoroso, o que afastou a mãe e outros familiares do envolvimento com a criança e com os profissionais. Verifica-se que ainda há vestígios desta prática atualmente, apesar de estudos demonstrarem as peculiaridades da hospitalização da criança e defenderem a necessidade da presença materna. No Brasil, a permanência da mãe junto à criança é garantida pelo Artigo 12 do Estatuto da Criança e do Adolescente (21,22,23).

Embora a equipe de enfermagem deva ter um papel facilitador para o desempenho do papel materno, estudos apontam que os profissionais não assumem esta postura, que julgam as mães, desconsideram seu conhecimento, sua experiência, suas necessidades e impõem regras (10,15,23). Autores (15) apontam ainda que grande parte dos enfermeiros tem expectativas rígidas sobre como as mães devem cuidar de seus bebês, sobre o que seria uma “boa mãe” e o tempo de permanência ideal destas junto aos bebês. Relatam também que aquelas que não se enquadram nos padrões pré-estabelecidos pela equipe são rotuladas como “problemáticas”. Tal posicionamento pode ter implicações para as experiências maternas na unidade e para o significado que estas darão à maternidade.

Um dos trabalhos consultados traz que algumas mães entendem que é importante assumir o papel de mães “boas” e “agradáveis”, construído e esperado pelos enfermeiros. Isto para adquirirem oportunidades de interação com o bebê e facilidades de acesso às informações. Assumir tal papel significa obedecer às rotinas da unidade, permanecer na unidade o tempo considerado adequado pela equipe, controlar seu temperamento e evitar ser enfática em questionamentos quanto às opiniões e diretrizes da equipe de enfermagem (14). As mães relatam que o controle que os enfermeiros exercem sobre suas interações com os filhos evoca raiva e frustração e que, além disso, reforça seus sentimentos de falta de controle sobre o cuidado de seu filho e desestabiliza sua preciosa e arduamente conquistada posição de mãe (6,12,14,21).

As mães descritas pelos enfermeiros como “quietas” e “introvertidas” são freqüentemente rotuladas por eles como desinteressadas pelo bebê. E as que possuem valores diferentes dos considerados adequados pela equipe são consideradas como de difícil relacionamento (14). Considera-se que os pré-julgamentos impedem que a equipe conheça melhor a mãe e estabeleça uma boa relação com ela, impossibilitando uma assistência que englobe o binômio.

Os enfermeiros posicionam-se como “protetores” dos bebês, em oposição às mães, as quais buscam, segundo eles, excessivo ou inapropriado contato (14,15). Desconsiderando o processo de aquisição de conhecimento, confiança e competência desenvolvido pelas mães ao longo da internação, os enfermeiros tendem a continuar tratando-as como se não tivessem vivenciado todo este processo, como passivas receptoras de informações e não como parceiras(14,15). Infelizmente, pode-se considerar que esta é uma postura comum por parte de enfermeiros, independente de sua área de atuação. Postura essa em que se consideram detentores de todo o conhecimento e desconsideram o conhecimento prévio adquirido das pessoas que assistem.

Os desencontros entre a visão das mães e a da equipe de enfermagem quanto ao papel materno criam muitas dificuldades. As mães relatam que seus esforços para adquirir uma relação gratificante e significativa com seus filhos são freqüentemente mal interpretados ou não reconhecidos pela equipe de enfermagem. Ou ainda, resultam em uma disputa pelo controle, sendo vistos como interferência nas atividades da enfermagem (13).

Embora enfermeiros afirmem que o relacionamento que têm com os pais não interfere no cuidado que prestam ao bebê, dados de pesquisa (15) contestam tal percepção, uma vez que as mães com melhor relacionamento com a equipe de enfermagem experimentam maiores facilidades na aproximação e oportunidades de interação com seus filhos. Por outro lado, relações negativas com a equipe resultam em pouco acolhimento e a interação com o bebê se torna mais restrita e, portanto, prejudicada.

Outro trabalho (7) levantou uma questão norteadora para a assistência de enfermagem ao relatar que as mães sentiram-se seguras quando a equipe buscou tempo para conversar com elas, quando receberam informação suficiente e quando tiveram um senso de comunidade com outras mães. O que denota a necessidade de proximidade e empatia, por parte dos enfermeiros e suas equipes, para acolher a mulher/mãe (7,8). A importância desta proximidade nas relações e comunicação entre os pais e a equipe de enfermagem tem sido enfatizada em muitos estudos (1,2,7,12,13,15,23) . Os enfermeiros são apontados como facilitadores destas relações, como fonte de apoio, auxiliando mães e outros familiares a lidarem com a hospitalização do bebê (8,18).

A família deve ser avaliada como alvo da intervenção em saúde, em todos os contextos da assistência, o que vai além de orientar e esperar a colaboração da mesma no desempenho de ações em prol do paciente, mas tomar a família como perspectiva. O que significa considerá-la aliada na manutenção e promoção da saúde. Entretanto, enxergar a família desta forma é um desafio em um contexto em que o cuidado está centrado nas necessidades do paciente, excluindo-o de seu contexto familiar (8, 14, 19). Assim, apesar do advento das filosofias do cuidado centrado na família e políticas institucionais de humanização, relacionamentos e intervenções com familiares ao lado do leito não têm mudado tanto, especialmente em locais de cuidados críticos (14).

A erosão das relações terapêuticas está relacionada à explosão tecnológica, à especialização e à resultante fragmentação e desumanização dos serviços de saúde. Muitas unidades neonatais têm protocolos para práticas de cuidados que parecem saudar a presença e participação de familiares, mas isso ainda não se refletiu na avaliação e satisfação de suas necessidades. Os pais ainda são vistos como intrusos no ambiente altamente técnico, visão que não facilita o envolvimento da família e oferecimento de suporte (14).

Um dos estudos consultados (14) trouxe apontamentos interessantes para a adoção de uma assistência que promova cuidados às famílias na unidade neonatal:

·         Os profissionais de saúde devem afirmar para as mães (e para o pai também) que seus sentimentos de inadequação são normais e esperados, reforçando que com o tempo estarão aptas a assumir o cuidado do bebê;

·         Os enfermeiros neonatais precisam avaliar o conforto da família na unidade, tendo em vista o desenvolvimento de um ambiente acolhedor, onde os pais possam entrar livremente e ficar por longo período. O que é significativo para dar apoio a eles, principalmente logo após a internação, que é um momento de crise intensa;

·         A equipe de enfermagem pode auxiliar a mulher/mãe a observar as características humanas do bebê, não focando apenas em aparelhos, dispositivos e procedimentos terapêuticos. Descrever, conversar sobre os comportamentos do bebê pode ajudá-la a sentir-se melhor;

·         Outro ponto de cuidado é a linguagem usada pelos profissionais de saúde. Esta não pode ser de difícil compreensão para as mães, as quais dependem, muitas vezes, da equipe de enfermagem para interpretar o que existe ao seu redor. Assim, é necessário fornecer informação e estar ciente de que pode ser necessário que seja repetida inúmeras vezes até que seja assimilada. Considerando e valorizando também as questões emocionais que interferem nesta assimilação.

A hospitalização prolongada pode tornar as relações difíceis entre profissionais e família. Entretanto, uma vez que a família é constante na vida do RN, assisti-la para que tenha resultado positivo na unidade torna-se uma prioridade (14). Muitas unidades neonatais estão se organizando de forma a respeitar o papel da mãe/família na vida do bebê. Isto é difícil também para o sistema de saúde, porque as instituições de saúde ainda focam essencialmente a doença (14,15).

Um dos grandes desafios para enfermeiros neonatais ainda é a promoção de cuidado que dê suporte às necessidades maternas, além das do neonato. Para enfrentar tal desafio, precisam estar abertos a perceber a mãe, suas expectativas e necessidades. Modelos de cuidados que dêem ênfase às necessidades maternas, do RN e de seus familiares podem beneficiar tanto as famílias quanto o desempenho e satisfação profissional dos enfermeiros (4, 10, 13, 23).

4. Conclusões

Verificou-se que os fatores apontados nos estudos como influenciadores do processo de desempenho do papel materno são: como a mãe percebe seu filho; o quanto há possibilidade de contato entre mãe e bebê e o quanto a mulher acredita que desempenha bem o papel de mãe. O profissional de enfermagem precisa estar atento a tais fatores, pois, têm implicações para sua assistência. Isto porque o papel materno é desempenhado por um longo tempo na vida e de forma intensa, tendo impacto na vida das pessoas; logo, as mães, e não somente os bebês, precisam de avaliação e assistência.

Os estudos apontam o quanto são importantes as interações entre mães e equipe de enfermagem, assim como sua influência na forma como estas constroem e desempenham seu papel materno. Infelizmente, colocam também que freqüentemente estas interações não são benéficas para as mães. Sem dúvida, as divergências entre enfermeiros e mães têm implicações para o bem-estar emocional destas últimas e para o cuidado junto aos seus filhos. O que demonstrou a necessidade de interação positiva entre mães e equipe, bem como atenção às necessidades maternas e não somente às tarefas e normas.

Considera-se que a maior implicação para a assistência de enfermagem é a de que é necessário dar poder às mães, permitindo que tomem algumas decisões simples e possíveis em relação aos seus filhos.

É imprescindível que seja permitido todo o tipo de contato entre mãe e bebê, considerando-se os limites de seus estados de saúde e não as tarefas da equipe de enfermagem. Além disso, as mulheres/mães devem ser encorajadas, desde o primeiro contato, a desempenhar ações de cuidado, uma vez que a literatura aponta o grande valor destas oportunidades para elas. Quando os membros da equipe de enfermagem adiam tais oportunidades por considerarem que as mães terão longo tempo para aprenderem a cuidar do RN ao longo da hospitalização, não contribuem para o desempenho do papel materno. Isto principalmente porque as mães que sentem que não podem cuidar, e que não são necessárias, tendem a visitar menos os bebês. Outro ponto importante é que as mulheres/mães realmente precisam ter auxílio e incentivo nos esforços para amamentação, uma vez que promove contato, apego e sensação de estar fazendo algo pelo bebê.

A percepção das mulheres/mães quanto ao desempenho do papel materno pode afetar o bem-estar destas e ter implicações para os filhos, o que está permeado por muitas interferências na unidade neonatal. Assim, deve ser um objetivo para a equipe de enfermagem buscar ser facilitadora do desempenho do papel materno em sua plenitude. 

Referências Bibliográficas

1. Zabielski MT. Recognition of maternal identity in preterm and fullterm mother. Matern Child Nurs J 1994; 22(1):2-36.

2. Bialoskurski M, Cox CL, Hayes JA. The nature of attachment in a neonatal intensive care unit. J Perinat Neonat Nurs 1999; 13(1):66-77.

3. Teixeira ETN. Adiamento da maternidade: do sonho à maternagem. [dissertação]. São Paulo (SP): Fundação Oswaldo Cruz; 1999.

4. Bezerra LFR, Fraga MNO. Acompanhar um filho hospitalizado: compreendendo a vivência da mãe. Rev Bras Enfermagem 1996; 49(4):611-24.

5. Azambuja SC de. A mitologia e a realidade da maternidade. Rev Bras Psicanál 1986; 20:601-11.

6. Kimura A F. A construção da personagem mãe: considerações teóricas sobre identidade e papel materno. Rev Esc Enfermagem USP 1997; 31(2):339-43.

7. Nyström K, Axelssom K. Mothers’ experience of being separated from their newborn. JOGNN 2002; 31(3):275-82.

8. Santos AF, Campos MA, Dias SFP, Cardoso TVM, Oliveira ICS. O cotidiano da mãe com seu filho hospitalizado: uma contribuição para a enfermagem pediátrica. Esc Anna Nery R Enfermagem 2001; 5(3):325-41.

9. Brazelton TB. O desenvolvimento do apego: uma família em formação. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1988.

10. Belli MAJ. Assistência à mãe de recém-nascido internado na UTI neonatal: experiências, sentimentos e expectativas manifestadas pelas mães. Rev Esc Enfermagem USP 1995; 29(2):193-210.

11. Cunha MLC. Recém-nascidos hospitalizados: a vivência de pais e mães. Rev Gaúcha Enfermagem 2000; 21(esp):70-83.

12.Fenwick J, Barclay L, Schmied V. Struggling to mother: a consequence of inhibitive nursing interactions in the neonatal nursery. J Perinat Neonat Nurs 2001; 15(2):49-64.

13.Hurst I. Mothers’ strategies to meet their needs in the newborn intensive care nursery. J Perinat Neonat Nurs 2001; 15(2):65-82.

14. McGrath JM. Building relationships with families in the NICU: exploring the guarded alliance. J Perinat Neonat Nurs 2001; 15(3):74-83.

15. Lupton D, Fenwick J. ‘They’ve forgotten that I’m the mum’: constructing and practicing motherhood in special care nurseries. Soc Sci Med 2001; 53(8):1011-21.

16. Wereszczak J, Miles MS, Holditch-Davis D. Maternal recall of the neonatal intensive care unit. Neonatal Netw 1997; 16(4):33-40.

17. Singer LT, Salvator A, Guo S, Collin M, Lilien L, Baley J. Maternal psychological distress and parenting stress after birth of a very low-birth-weight infant. JAMA 1999; 281(9):799-805.

18. Miles MS, Carlson J, Funk SG. Sources of support reported by mothers and fathers of infant hospitalized in a neonatal intensive care unit. Neonatal Netw 1996; 15(3):45-52.

19. Oliveira BRG, Collet N. Criança hospitalizada: percepção das mães sobre o vínculo afetivo criança-família. Rev Latino-am enfermagem 1999; 7(5):95-102.

20. Mascarenhas D, Cruz, I. Aconselhamento para lactação em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal – estudo descritivo. Online Braz J Nurs [Online] 2006; 5(2) [ Acesso em 10 nov 2006]; Disponível em: www.uff.br/objnursing/viewarticle.php?id=530

21. Imori MC, Rocha SMM, Sousa HGBL, Lima RAG. Participação dos pais na assistência à criança hospitalizada: revisão crítica da literatura. Acta Paul Enfermagem 1997; 10(3):37-43.

22. Lima RAG, Rocha SMM, Scochi CGS. Assistência à criança hospitalizada: reflexões acerca da participação dos pais. Rev Latino-am Enfermagem 1999; 7(2):33-9.

23. Ferreira EA, Vargas IMA, Rocha SMM. Um estudo bibliográfico sobre o apego mãe e filho: bases para a assistência de enfermagem pediátrica e neonatal. Rev Latino-am Enfermagem 1998; 6(4):111-6.

Endereço para correspondência: Av Dr Luís de Tella, 788 – Cidade Universitária – Campinas/SP – CEP:13083-000. E-mail: elenicevalentim@uol.com.br ou elenice@fcm.unicamp.br

NOTA: Artigo extraído de dissertação de Mestrado: Carmona EV. Validação de conteúdo do diagnóstico de enfermagem “conflito no desempenho do papel de mãe”: uma perspectiva do período neonatal. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Defesa em 17/02/2005.

Recebido em: Sep 30th, 2006
Revisado em: Oct 28th, 2006
Aceito em: Nov 10th, 2006