ARTIGOS ORIGINAIS

Relações interpessoais no centro cirúrgico sob a ótica da enfermagem: estudo exploratório


Maria de Fátima Cordeiro Trajano1, Daniela Tavares Gontijo1, Monique Wanderley da Silva2, Jael Maria de Aquino3, Estela Maria Leite Meirelles Monteiro1

1Universidade Federal de Pernambuco
2Hospital das Clínicas de Pernambuco
3Universidade de Pernambuco

RESUMO

Objetivo: desvelar como os profissionais de enfermagem percebem as relações interpessoais, na equipe multiprofissional, no centro cirúrgico. Método: pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, realizada em um centro cirúrgico de um hospital universitário de grande porte, em Recife, Pernambuco, Brasil. Participaram 25 profissionais da equipe de enfermagem por meio de entrevista semiestruturada. Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo temática, para tratamento dos dados. Resultados: surgiram três categorias temáticas, a saber: Concepção sobre as relações interpessoais; Fatores que interferem negativamente nas relações interpessoais e; Atitudes e práticas que fortalecem as relações interpessoais. Conclusão: contemplar as relações interpessoais, entre os profissionais no centro cirúrgico, contribuir para instrumentalizar a gestão, para estabelecer estratégias de enfrentamento e para assegurar um trabalho em equipe, em ambiente harmônico, que preste uma assistência integral, humanizada e de segurança ao paciente em situação crítica.

Descritores: Enfermagem perioperatória; Ambiente de Trabalho; Relações interpessoais.


INTRODUÇÃO

O centro cirúrgico caracteriza-se por atividades gerenciais, cuidados instrumentais e cuidados assistenciais diretos, determinantes para a construção de uma base sustentadora no cuidado junto ao cliente(1). Trata-se de um setor em que as atividades de enfermagem destinam-se ao manejo de técnicas assépticas, organização da sala operatória para realização dos procedimentos cirúrgicos, instrumentalização do ato cirúrgico, ações diretas ao paciente, bem como ações burocráticas e gerenciais(1,2).

Dadas as características do centro cirúrgico, a interação social no cuidado algumas vezes é restrita. O convívio em um ambiente relacional pode tornar-se tenso, conflituoso, induzir à desintegração de esforços e a dificuldades relacionais entre a equipe(3). Pode, ainda, estabelecer afeto, apego e zelo, em que a liberdade de expressão contribui para um convívio harmonioso e prazeroso, permitindo um trabalho cooperativo com feedback positivo, entre os membros do grupo, que leva à credibilidade e ao reconhecimento da equipe, bem como melhora as condições de trabalho(4,5).

A literatura científica que contempla as relações interpessoais no ambiente de trabalho em saúde destaca a presença de relações hierárquicas e verticalizadas entre as diferentes categorias profissionais de saúde, resultando em sentimento de desvalorização no reconhecimento profissional da enfermagem, além da situação precária de trabalho, remuneração inadequada, acúmulo de escalas de serviço, aumento da jornada de trabalho e características tensiógenas dos serviços de saúde. Estes acabam por refletir nas relações entre a equipe e, consequentemente, na qualidade da assistência prestada ao usuário, bem como no bem-estar psíquico dos profissionais(2,6,7,8).

O trabalho pode assumir um papel positivo, quando favorece o reconhecimento e valorização na esfera social, levando a uma satisfação profissional, mas também pode ser gerador de sofrimento psíquico e insatisfação(6,9). Há realidades em que as equipes de enfermagem vivenciam relações interpessoais que surgem como geradoras de insatisfação(9).

Dessa forma, conhecer o modo como ocorrem as relações interpessoais no centro cirúrgico torna-se imprescindível para a elaboração de metas com vistas à melhoria do relacionamento entre a equipe, além da priorização de uma melhor assistência de enfermagem. Em vista do que foi exposto, objetivou-se desvelar como os profissionais de enfermagem percebem as relações interpessoais, na equipe multiprofissional, no centro cirúrgico.

MÉTODOS

Pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. Os dados foram coletados no centro cirúrgico de um hospital universitário em Recife-PE. A estrutura física do setor apresenta sete salas cirúrgicas, com atuação multiprofissional, composta por nove enfermeiras, nove técnicos de enfermagem, 28 auxiliares de enfermagem, duas assistentes administrativas, dois recepcionistas, quatro instrumentadores cirúrgicos, três maqueiros, uma funcionária destinada ao expurgo, oito anestesiologistas e 31 cirurgiões das diversas especialidades. Foram convidados a participar do estudo todos os profissionais que compõem a equipe de enfermagem que trabalhava no referido setor há pelo menos um ano, tempo necessário para ter uma vivência mínima acerca do cotidiano da unidade. Entre os 40 profissionais de enfermagem elegíveis, quatro participaram do pré-teste do instrumento de coleta de dados e 25 profissionais de enfermagem da escala diurna e noturna fizeram parte da coleta de dados. A amostragem deu-se por saturação teórica dos dados(10).

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas individuais gravadas, no período de março a maio de 2015. O roteiro continha questões de caracterização sociodemográfica e as seguintes questões norteadoras: O que você entende por relações interpessoais? Como você percebe que ocorrem as relações interpessoais entre a equipe multiprofissional do centro cirúrgico? As relações com as pessoas que trabalham diretamente com você interferem no desempenho do seu trabalho? Diante das situações adversas no ambiente do centro cirúrgico envolvendo pessoas, que artifícios você utiliza para melhorar as relações com os profissionais do setor? Você poderia destacar o que considera importante para ter um bom relacionamento com as pessoas que trabalham com você?

As falas foram transcritas fidedignamente sem alteração dos sentidos dos discursos, realizada somente correção ortográfica e gramatical. Na análise dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo temática(11) que se organiza em três etapas. A primeira destinou-se a uma leitura exaustiva e compreensiva do material, para ter uma visão do conjunto. Na segunda etapa, foi realizada a exploração do material, identificaram-se os núcleos de sentidos que foram agrupados por temáticas comparáveis de categorização em subcategorias e categorias. Nesta etapa da exploração do material, utilizou-se o programa Atlas.ti (versão 7.0) para auxiliar no processo de codificação e recorte dos núcleos de sentido. Em seguida, foi elaborada uma redação por tema, de modo a dar conta dos sentidos dos textos encontrados. Na etapa final de análise, elaborou-se uma síntese interpretativa confrontando com os achados da literatura pertinente ao estudo.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco com CAAE 38572314.7.0000.5208, sendo as entrevistas realizadas somente após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em ambiente privativo, no próprio centro cirúrgico. Foi assegurado o anonimato aos participantes do estudo, identificados por códigos compostos pelas três letras iniciais da categoria profissional e o número correspondente à sequência da entrevista.

RESULTADOS

Participaram do estudo 25 profissionais de enfermagem, cujas características estão explicitadas nas Tabelas 01 e 02.

Tabela 1 - Características sociodemográficas dos profissionais de enfermagem. 2015. Recife–PE.

Tabela 1

Fonte: Pesquisa própria, 2015.

Tabela 2 - Características profissionais dos participantes do estudo. 2015. Recife – PE.

Tabela 2

Fonte: Pesquisa própria, 2015.

Entre os participantes, observa-se que a maioria possui nível superior e especialização, mesmo tendo vínculo institucional como auxiliar ou técnico de enfermagem. A idade dos participantes oscilou de 32 a 62 anos. No quesito anos de exercício profissional na enfermagem, encontra-se o menor tempo de três anos e o maior de 35. Quanto ao tempo de exercício no centro cirúrgico do hospital onde se realizou a pesquisa, menor tempo de um ano e seis meses e o maior de 34 anos. O processo de categorização resultou em três categorias temáticas compostas pelos conteúdos explicitados no diagrama a seguir.

ORGANOGRAMA - Apresentação dos conteúdos que compõem as categorias e subcategorias. 2015. Recife-PE.

Organograma 1

Fonte: Pesquisa própria, 2015.

Categoria: Concepção sobre as relações interpessoais

Nesta categoria os profissionais de enfermagem conceituam relações interpessoais como o entendimento de relações entre pessoas no convívio cotidiano, havendo ou não algum vínculo pessoal ou profissional. Especificamente em relação ao centro cirúrgico, para os participantes do estudo, essas relações devem ser direcionadas para o melhor funcionamento do centro cirúrgico, vislumbrando as trocas de informações entre os membros da equipe.

Acho que é a relação entre duas pessoas, principalmente em relação ao convívio, se é positivo ou negativo. (TEC 09)

É a convivência com outras pessoas com ou sem vínculo. (AUX 01)

Seriam as relações que nós temos e mantemos dentro de um ambiente de trabalho, falando profissionalmente. Todos os profissionais que fazem parte do bloco cirúrgico como circulantes, instrumentadores, enfermeiras, médicos e residentes. Então seriam todas essas relações que envolvem esses profissionais em prol da manutenção e funcionamento do setor. (TEC 01)

Categoria: Fatores que interferem negativamente nas relações interpessoais

Nesta categoria foram alocados fatores que interferem negativamente nas relações interpessoais, no ambiente do centro cirúrgico. Relacionando-se a: Equipe de trabalho; Condições de trabalho e; Relações de poder entre as categorias. Neste âmbito, um dos aspectos evidenciados como negativos da equipe de trabalho diz respeito à dificuldade de comunicação entre os componentes da equipe de enfermagem, com a gestão e/ou chefia hierárquica e com as demais categorias, como um dos aspectos que tornam o cotidiano de trabalho árduo e desgastante. A desunião gerada pela dificuldade de comunicação leva a empecilhos na convivência, concorrendo para condutas impositivas.

Eu acho que sempre há um ruído na comunicação porque nunca se fala claramente o que se quer. (TEC 01)

Seria bom se houvesse mais união, mais compreensão da equipe de enfermagem, mais concordância de um profissional para com o outro, iria fluir muito bem. (TEC 09)

Aqui há imposições, se você estiver achando ruim, ou você sai, ou você vai pra outro setor. (AUX 03)

No que tange às condições de trabalho no centro cirúrgico, os participantes destacaram aspectos que envolvem a qualidade das comunicações estabelecidas entre os pares e também com as chefias. A inadequação na comunicação verbal, pode constituir um fator desagregador e desestimulador, podendo repercutir de forma negativa no processo de trabalho e na qualidade da assistência prestada.

No centro cirúrgico a gente não tem uma pausa fixa para lanchar, almoçar, eu acho que se a gente tivesse aquele momento de realmente dar uma parada, isso melhoraria a qualidade da relação. Tem hora que fica uma cobrança muito grande como se fôssemos máquinas, mas nós somos seres humanos. Isso está prejudicando as relações, desgastando. As pessoas vão ficando cansadas em serem cobradas dessa forma. (AUX 07)

Por outro lado, os participantes acrescentam as questões estruturais do hospital e da unidade como fatores que influenciam negativamente nas relações dos profissionais de saúde, uma vez que as faltas de determinados insumos, importantes para o andamento das tarefas, tornam-se fatores agravantes.

As relações aqui no setor, às vezes são um pouco estressantes por conta de dificuldades no trabalho, principalmente por falta de material durante uma cirurgia, pode haver um estresse por causa disso, às vezes desgasta um pouco. (AUX 09)

Outro conteúdo explicitado pelos entrevistados está direcionado às relações de poder entre as categorias profissionais existentes no centro cirúrgico. Os mesmos referem a existência implícita de uma hierarquia, resultando em situações conflitantes no cotidiano de trabalho, de forma que se gera uma situação de submissão da enfermagem em relação à categoria médica.

Percebo que as relações são muito conflitantes, tem muito essa questão de gerenciamento do poder, como se a enfermagem fosse uma profissão à parte, ela é vista como se fosse uma profissão submissa à categoria médica. Parece que a equipe médica acha que a gente tem que responder para eles, como se nós tivéssemos que ser submissos à medicina e não à gerência de enfermagem. Então eu vejo um pouco essa questão, briga de ego mesmo, nas relações entre chefias e com relação aos subalternos que seriamos nós, os circulantes. (TEC 01)

Existe um conflito que gera uma barreira para a enfermagem, entre a própria categoria de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares) existem desavenças e entre a equipe de cirurgiões e anestesiologistas também, então eu acho que a enfermagem está no meio de um conflito. (ENF 02)

Categoria: Atitudes e práticas que fortalecem as relações interpessoais Quando questionados sobre o que consideravam essenciais para melhorar as relações no setor, os técnicos e auxiliares de enfermagem avaliam que a tomada de decisões coletivamente é uma forma de se chegar à impessoalidade no gerenciamento do processo de trabalho, consequentemente otimizando as relações interpessoais entre a equipe de enfermagem. Para tanto, o alcance dessa tomada de decisão coletiva suscita a articulação de elementos, a saber: escuta qualificada como base no diálogo, o respeito ao colega de trabalho e o envolvimento da equipe, de forma a promover a união grupal.

Você tem que conversar e escutar a pessoa que causa o problema ou que tem o problema, para que ela procure melhorar. Eu acho que um bom relacionamento é baseado no diálogo franco. (AUX 02)

Eu acho que tem que ter o respeito de todos, independente da classe que você ocupe. (TEC 07)

Tem que estar envolvido com o pessoal, mostrar para eles que eu sou enfermeira, mas que estamos juntos. (ENF 01)

Ponderar as decisões, tentar tomar as decisões em grupo, e não decisões individuais, porque às vezes eu vou ter uma atitude que pode ser bom pra mim, mas não é bom para o grupo. (ENF 02)

Os técnicos e auxiliares de enfermagem trazem ainda conteúdos referentes às necessidades do serviço que consideram importantes para fortalecer as relações entre a equipe. Os mesmos fazem menção à incorporação da educação permanente envolvendo aspectos técnico-científicos do trabalho de enfermagem no setor e da própria questão de relacionamento dos profissionais da equipe. Outra necessidade explicitada se refere à incorporação de reuniões constantes envolvendo toda a enfermagem como forma de colocar em pauta as problemáticas do serviço e tentar resolvê-las, corroborando assim para minimizar as tensões relacionadas às relações interpessoais.

Deveria haver trabalhos de educação permanente em todos os serviços. Mas educação permanente não somente na parte técnica, mas tratar do profissional como uma equipe, tentar engajar a equipe. Então se existisse essa continuidade, realmente ia ter um melhor relacionamento. (TEC 04)

Aqui no bloco cirúrgico a gente praticamente não tem reuniões para poder expor os problemas, mas quando tem vem uma bagagem tão grande de problemas. Não há reuniões, então as informações se perdem. (AUX 03)

DISCUSSÕES

Diversas áreas do conhecimento têm estudado a compreensão dos fenômenos relacionados ao mundo do trabalho e das relações entre ser humano e organizações. Essa compreensão é permeada por um cenário complexo, requerendo uma articulação entre o contexto social, político, econômico e as relações subjetivas que os indivíduos estabelecem entre si e com o trabalho(5). A complexidade das tarefas hierarquizadas que envolvem a equipe de enfermagem requer habilidades distintas que envolvem a capacidade relacional, técnico-científica e gerencial(12).

O conceito de sistema interpessoal alude à interação dos indivíduos entre si, sobressaindo-se os diferentes tipos de comunicação que podem otimizar o aprendizado e o dinamismo entre os indivíduos(13). Os achados do estudo vão ao encontro deste conceito, uma vez que os participantes expressam que essa interação envolve algum tipo de convivência baseada em um vínculo pessoal ou profissional. Assim um relacionamento interpessoal frágil e pobre pode levar a atritos e dificuldades entre os profissionais de enfermagem, com repercussões que possam comprometer a qualidade da assistência prestada ao paciente cirúrgico(14).

Os participantes do estudo evidenciaram alguns fatores que interferem negativamente nas relações interpessoais, sendo que os mesmos relacionam-se à equipe de trabalho, às condições de trabalho e às relações de poder entre as diversas categorias.

No que tange à equipe de trabalho, o estudo evidencia que a comunicação prejudicada contribui para gerar um ambiente desgastante, o que pode propiciar a tomada de decisões verticalizadas. Dados estes coincidem com a literatura ao explicitar que, quando a informação é quebrada ou modificada, pode ocasionar uma piora na comunicação e prejudicar o trabalho em saúde(14). Dessa forma, para o desenvolvimento do trabalho em equipe, a comunicação é imprescindível, sendo um fator de desagregação ou agregação, dependendo de como ocorra, sendo também essencial ferramenta na obtenção de valiosas informações para a condução terapêutica(15). Torna-se necessário que sejam desenvolvidas estratégias grupais como forma de amenizar o ruído na comunicação entre a equipe de enfermagem, uma vez que isso implicará positivamente na assistência prestada.

Dessa forma, tem-se que pensar no trabalho em saúde de forma a superar espaços organizacionais que funcionam com hierarquia impositiva, autoritarismo e o máximo de normatização possível, características estas que alicerçam o foco no trabalho em detrimento do trabalhador(7,8).

Ao considerar as condições de trabalho no centro cirúrgico, evidencia-se que a sobrecarga de trabalho, citada pelos profissionais de enfermagem em prol de assegurar a execução dos procedimentos cirúrgicos, surge como um fator negativo para as relações interpessoais. Condições estas que corroboram o achado que evidencia que uma produtividade muito elevada da equipe de enfermagem do centro cirúrgico pode indicar uma sobrecarga de trabalho, afetando também a qualidade de vida do profissional e a segurança na assistência(16).

No que se refere às relações entre as categorias profissionais no centro cirúrgico, os participantes referem a existência de uma hierarquia em que a enfermagem preenche uma posição inferior. Sabe-se que os valores organizacionais de uma instituição norteiam o comportamento dos trabalhadores, normas e formas de trabalhar. No Brasil, as instituições de saúde são orientadas para o processo e trabalho, apresentando estruturas rígidas, centralização do poder e dificuldades de comunicação, o que acaba por gerar modelos tradicionais de gestão com detrimento das relações e um contexto desfavorável para o trabalhador(7).

Problemas de ordem organizacional se unem aos aspectos relacionais, como o poder, a autonomia e os processos de reconhecimento e pertencimento que se desenham na experiência cotidiana do trabalho multiprofissional. A multiprofissionalidade da área da saúde, ao mesmo tempo em que se revela uma realidade concreta e indispensável, implica desafios no reconhecimento do outro e de sua importância para o conjunto(8). Cabe refletir que a fragmentação na saúde reforça o isolamento profissional e ao mesmo tempo um maior empenho pelo reconhecimento enquanto profissão, porém, não se pode diminuir a capacidade de a equipe dirigir seu olhar para o colega de trabalho, reconhecendo assim a importância de todas as partes para o resultado final, que consiste numa assistência de qualidade.

Nesta pesquisa, os profissionais conseguem reconhecer artifícios que podem fortalecer as relações interpessoais, pois as mesmas incidem na dimensão coletiva do trabalho. Para que haja um fortalecimento grupal, faz-se importante que as decisões sejam tomadas envolvendo todos os participantes do processo, utilizando uma escuta qualificada. Deve-se entender que a interação entre profissionais depende do reconhecimento dos diferentes pontos de vista e da legitimidade dos mesmos(17).

É importante estreitar laços de comunicação efetiva, sem imposições, ruídos ou barreiras entre os profissio¬nais para evitar que haja conflitos e contradições nas informa¬ções compartilhadas sobre o processo saúde-doença, evitando qualquer ação negativa no cuidado de enfermagem que por ventura venha a causar algum tipo de risco na assistência(14). Com isso as equipes que trabalham de forma satisfatória podem determinar estratégias para melhorar a comunicação e o trabalho em equipe.

Entre as necessidades do serviço, os participantes explicitam que a tomada de decisões no centro cirúrgico seja de forma coletiva com a realização de reuniões periódicas, comungando a opinião do conjunto. Esses achados vão ao encontro da literatura, ao expor a importância de compreender os elementos que permeiam o relacionamento interpessoal da equipe de enfermagem, com o intuito de aperfeiçoar as habilidades comunicativas gerenciais e, com isso, criar competências para melhor lidar com os indivíduos(14). A utilização de reuniões grupais no centro cirúrgico pode surgir como uma estratégia para que a gestão de enfermagem aproxime-se da realidade dos demais membros da equipe, conhecendo suas dificuldades perante a própria equipe e as demais categorias, com isso adquirindo subsídio para trabalhar em prol de fortalecer as questões relacionais.

No estudo, os profissionais citam a importância de implementar a educação permanente em saúde, trazendo à tona aspectos das próprias relações interpessoais como forma de fortalecê-las. É nesse contexto, portanto, de formação e avaliação do processo de trabalho, que veio se inserir a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) que se destina à realização do encontro entre o mundo de formação e o mundo do trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho(18). Dessa forma, a incorporação da educação permanente enquanto prática pedagógica coloca-se no cotidiano do trabalho em saúde como central, auxiliando na autoanálise e autogestão(19,20,21). A inclusão dos pressupostos da educação permanente é de grande valia para problematizar questões do cotidiano de trabalho e com isso discutir formas de melhorar as relações de trabalho.

CONCLUSÃO

Os profissionais de enfermagem, enquanto membros da equipe multiprofissional que atua no centro cirúrgico, assumem atribuições essenciais para o desenvolvimento dos procedimentos cirúrgicos, bem como na assistência ao paciente crítico. As relações profissionais estabelecidas no ambiente hospitalar devem propiciar um ambiente harmônico. O centro cirúrgico constitui um setor que apresenta características específicas que concorrem para a eclosão de conflitos nas relações interpessoais, frente à assistência ao paciente em situação crítica.

O poder hierarquizado e institucionalizado pelo modelo hospitalocêntrico repercute negativamente, comprometendo a escuta e o diálogo na equipe multiprofissional e gerando maior insatisfação, principalmente na categoria de técnicos.

A responsabilização, por deficiências de equipamentos e materiais que retratam questões estruturais e financeiras, assola a saúde pública e constitui-se como um fato corriqueiro que provoca desgastes nas relações no ambiente de trabalho. O envolvimento mútuo da equipe multiprofissional nas demandas e necessidades para oferta de uma assistência de qualidade ao indivíduo e à família, no período perioperatório, constitui uma estratégia de empoderamento e de conquistas em defesa do interesse dos pacientes/usuários do SUS.

Uma apropriação das relações estabelecidas no centro cirúrgico é essencial por parte dos gestores, ao objetivar um ambiente de entrosamento, com a valorização de todas as partes para o resultado final que consiste numa assistência humanizada. Como fatores que podem interferir negativamente nas relações interpessoais da equipe multiprofissional no trabalho de enfermagem no centro cirúrgico, foram evidenciadas a comunicação prejudicada, caracterizada por relações verticalizadas; a sobrecarga de atribuições e as responsabilidades que requerem atitudes com prontidão.

A fala dos profissionais que compõem a equipe de enfermagem é propositiva ao apresentarem ações que podem contribuir para a qualidade das relações interpessoais estabelecidas no ambiente de trabalho, como a escuta qualificada e o diálogo, potencializados por reuniões participativas periódicas e oficinas de trabalho para integração e socialização na definição de estratégias de resolução dos problemas. A finalidade é de instrumentalizar o processo coletivo de tomada de decisões, como também o desenvolvimento de ações de educação permanente que estimulem as potencialidades do capital humano, no modo de se relacionar e conviver no ambiente de trabalho.

Esta pesquisa teve como fragilidade o fato de não envolver os demais componentes da equipe multiprofissional do centro cirúrgico para trazer uma investigação mais completa sobre as relações interpessoais, fato este que suscita a realização de outras pesquisas que possam ampliar o olhar sobre essa temática.


REFERÊNCIAS

  1. Pereira FCC, Bonfada D, Valença CN, Miranda FAN, Germano RM. Compreensão de enfermeiros de centro cirúrgico a respeito do seu processo de trabalho. R. pesq. cuid. fundam. [Internet]. 2013 Mar [acesso 2014 out 21];5(1):3251-58. Disponível em:http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/1879/pdf_675
  2. Schmidt DRC, Dantas RAS, Marziale MHP. Ansiedade e depressão entre profissionais de enfermagem que atuam em blocos cirúrgicos. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):487-93.
  3. Ferla JBS. Ênfase nas relações interpessoais na formação do enfermeiro sob o paradigma ético-humanista. Trab. Educ. Saúde. 2015:11(3);633-657.
  4. Serra MAAO, Filho FFS, Albuquerque AO, Santos CAA, Carvalho Junior FA, Silva RA.Nursing Care in the Immediate Postoperative Period: A Cross-sectional Study. Online braz j nurs [internet] 2015 Mar [cited 2017 jun 05]; 14 (2):161-7. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/5082
  5. Jungblut A. Contratos psicológicos no trabalho: aspectos teóricos. Revista EDUICEP. 2015; 1(1):1-18.
  6. Hilleshein EF, Souza LM, Lautert L, Paz AP, Catalan VM, Meíra Gonçalves Teixeira MG, Mello DB. Capacidade para o trabalho de enfermeiros de um hospital universitário. Rev Gaúcha Enferm. 2011;32(3):509-15.
  7. Rocha FLR, Marziale MHP, Carvalho MC, Id SFC, Campos MCT. A cultura organizacional de um hospital público brasileiro. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):308-14.
  8. Silva EM, Moreira MCN. Health team: negotiations and limits of autonomy, belonging and the acknowledgement of others. Ciência & Saúde Coletiva. 2015;20(10):3033-3042.
  9. Kessler AI, Krug SBF. Do prazer ao sofrimento no trabalho da enfermagem: o discurso dos trabalhadores. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(1):49-55.
  10. Fontanella BJB, Ricas J. Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad. Saúde Pública. 2008;24(1):17-27.
  11. Gomes R. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: Minayo MCS. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Editora Vozes; 2011. p. 79-108.
  12. Izu M, Silvino ZN, Cortez EA. Working ability of a hospital nursing team: a correlational study. Online braz j nurs [internet] 2016 Dec [cited 2017 jun 06]; 15 (4):655-663. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/ article/view/5393
  13. King IM. Toward a theory for nursing: systems, concepts, process. 1st ed. NewYork, USA: Delmar Thomson Learning; 1981. 181p.
  14. Broca PV, Ferreira MA. Processo de comunicação na equipe de enfermagem fundamentado no diálogo entre Berlo e King. Esc Anna Nery. 2015;19(3):467-474.
  15. Almeida RT, Ciosak SI. Communication between the elderly person and the Family Health Team: is there integrality? Rev. Latino-Am. Enfermagem [Internet]. 2013 Jul [cited 2015 dez 19];21(4):[7 screens]. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n4/pt_0104-1169-rlae-21-04-0884.pdf
  16. Possari JF, Gaidzinski RR, Lima AFC, Fugulin FMT, Herdman TH. Use of the nursing intervention classification for identifying the workload of a nursing team in a surgical center. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2015;23(5):781-8.
  17. Miranda L, Rivera FJU, Artmann E. Trabalho em equipe interdisciplinar de saúde como um espaço de reconhecimento: contribuições da teoria de Axel Honneth. Physis. 2012; 22(2):1563-1568.
  18. Ministério da Saúde. Portaria n. 198/GM, de 13 de fevereiro de 2004 (BR). Institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor e dá outras providências. Brasília, DF: Ministério da Saúde. 13 fev 2004.
  19. Barth PO, Aires M, Santos JLG, Ramos FRS. Educação permanente em saúde: concepções e práticas de enfermeiros de unidades básicas de saúde. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2014 Jul [acesso 20 jan 2016];16(3):604-11. Available from: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v16i3.22020.
  20. Salles RS, Corvino MPF, Gouvea MV. Continuing education and quality in a public hospital: a descriptive study. Online brazj nurs [internet] 2015 Mar [cited 2016 mar 09]; 14(3):248-54. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/ view/4589
  21. Yamamoto TS, Machado MTC, Silva Junior AG. Educação permanente em saúde como prática avaliativa amistosa à integralidade em Teresópolis, Rio de Janeiro. Trab. Educ. Saúde. 2015;13(3): 617-637.

Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

Recebido: 24/03/2016 Revisado: 22/06/2017 Aprovado: 22/06/2017