Objetivo: identificar os fatores associados ao desempenho no Mini Exame do Estado Mental (MEEM) de idosos atendidos em um ambulatório de especialidades. Método: estudo transversal, com amostra por conveniência, constituída por 216 idosos que aguardavam consulta no ambulatório de especialidades, no período de março a junho de 2015, com aplicação de instrumento estruturado e do MEEM. Para análise, utilizou-se o software Stata versão 12® e os resultados foram considerados estatisticamente significativos quando p<0,05. Resultados: houve predomínio do sexo feminino (54%), casados (44%), que moravam com o cônjuge (41%), e com baixa escolaridade (70%). Identificou-se associação significativa entre o desempenho no MEEM e sexo (p=0,001), escolaridade (p=0,001), renda (p=0,001), arranjo domiciliar (p=0,002), renda mensal individual (p=0,001). Conclusão: identificar precocemente o declínio cognitivo e fatores associados possibilita que estratégias de prevenção e/ou tratamento sejam implementadas pelos profissionais de saúde, em especial o enfermeiro.
Descritores: Cognição; Avaliação; Enfermagem Geriátrica; Idoso.
O mundo vivencia o fenômeno do envelhecimento populacional, que pode ser explicado pela melhoria da qualidade de vida, acesso aos serviços de saúde e da utilização de tecnologias na prevenção e diagnóstico de doenças, bem como o avanço da indústria farmacêutica.
À medida que o corpo envelhece ocorre a diminuição das funções fisiológicas, com destaque para as alterações cognitivas, as quais podem comprometer a saúde do idoso, predispor a queda(1), com consequente perda da capacidade funcional(2) e de autonomia(3), com repercussões para sua qualidade de vida.
Em idosos, as queixas cognitivas são frequentes e representam fator de risco para demência(4). Caracterizam-se como um dos principais motivos de institucionalização desse segmento etário. Os transtornos cognitivos são fontes significativas de morbidade na população idosa em todo o mundo, em especial nos países em desenvolvimento(5), os quais representam, atualmente, 58% da carga de demência do mundo, com projeções para 71% até 2050(6).
A avaliação cognitiva é uma ferramenta importante na detecção precoce de sinais e sintomas relacionados à perda cognitiva(7) e fundamental para o planejamento dos cuidados em saúde dos idosos no âmbito domiciliar, hospitalar, instituições de longa permanência (ILPI) ou comunidade. Nesse contexto, a equipe de saúde deve avaliar sistematicamente as alterações cognitivas nos idosos, com especial atenção para a influência de fatores associados neste processo. Para tal, existem protocolos e escalas validadas, com destaque para o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), um instrumento de fácil aplicação e amplamente utilizado para o rastreio do comprometimento cognitivo tanto na clínica quanto na pesquisa(8).
A relação entre o desempenho cognitivo e fatores associados de idosos não institucionalizados no contexto nacional é pouco explorada. Contudo, estudos destacam as variáveis sexo feminino(9), idade avançada(10), escolaridade(11) e comorbidades(5) associadas ao déficit cognitivo.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores associados ao desempenho no MEEM de idosos atendidos em um ambulatório de especialidades. Destaca-se que a identificação precoce do declínio cognitivo possibilita que estratégias de prevenção e/ou tratamento sejam implementadas pelos profissionais de saúde, em especial o enfermeiro.
Estudo transversal conduzido no ambulatório de especialidades de um hospital de ensino da região dos Campos Gerais, Paraná, no período de março a junho de 2015. A instituição caracteriza-se como pública e o seu ambulatório atende, em média, 3.900 consultas/mês, distribuídas em trinta especialidades médicas destinadas aos usuários encaminhados das unidades básicas de saúde e Estratégia Saúde da Família (ESF), bem como do centro de especialidades da cidade e região.
A amostra por conveniência compreendeu 246 idosos, os quais foram entrevistados individualmente enquanto aguardavam atendimento na sala de espera do ambulatório de especialidades. Foram incluídos na análise 216 indivíduos após a exclusão de 30 (11,7%) sujeitos que não atenderam os critérios de seleção, dos quais 5 (16,6%) não responderam ao MEEM.
Os critérios utilizados para selecionar a amostra foram: a) ter idade igual ou acima de 60 anos; b) obter pontuação superior ao ponto de corte no MEEM(12); c) estar aguardando atendimento médico no dia da realização da entrevista. Foram excluídos os idosos com diagnósticos prévios de doenças que impedissem a participação nas entrevistas.
Como etapa inicial da coleta de dados, aplicou-se o MEEM(13), instrumento desenvolvido nos Estados Unidos da América e publicado em 1975(8), com o objetivo de avaliar o estado mental, mais especificamente sintomas de demência. Atualmente, é considerado o teste de rastreio cognitivo de adultos e idosos mais utilizado no mundo, com versões traduzidas e autorizadas para vários países(8). O instrumento contempla sete categorias representadas por grupos de funções cognitivas específicas: orientação temporal, orientação espacial, memória imediata, atenção e cálculo, memória de evocação, linguagem e capacidade construtiva visual. Quanto aos pontos de corte, utilizou-se o validado para a população brasileira e proposto por autores(12) que realizaram estudo com 530 indivíduos oriundos de ambiente hospitalar e ambulatorial, sem patologias diagnosticadas. A pontuação total varia de zero a trinta: para idosos analfabetos, 13 pontos; para aqueles com escolaridade baixa e média, 18 pontos; para escolaridade alta, 26 pontos(12).
A amostra foi caracterizada a partir da investigação das seguintes variáveis sociodemográficas e clínicas: sexo; idade; estado civil; escolaridade; arranjo domiciliar; situação financeira; renda individual; doenças; quedas (últimos 12 meses); perda de urina; utilização de medicamentos; e número de hospitalizações (últimos 12 meses), de acordo com o instrumento elaborado para essa pesquisa.
Os dados apurados foram tabulados e analisados por meio do software Stata® versão 12. (StataCorp LP, College Station, TX, USA). Inicialmente, os dados foram submetidos à análise exploratória e descritos por medidas de frequência, média e desvio-padrão (DP). A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Os resultados obtidos pelo referido teste atenderam à pressuposição de que os dados tinham distribuição normal. Contemplando ainda os pressupostos, foram realizadas análises de resíduos, cujos resultados revelaram não haver evidência de que a suposição de homocedasticidade foi violada ou que uma transformação da variável resposta ou das explicativas seja necessária. Posteriormente, verificou-se a associação entre as variáveis por meio da regressão linear simples com os testes F de Fisher e t de Student, utilizando-se para avaliação dos resultados o nível de significância de p˂0,05.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Ponta Grossa, com parecer nº 792.978 e mediante CAAE nº 34905214.0.0000.0105. Foram respeitados os preceitos éticos de participação voluntária e consentida de cada sujeito, conforme a resolução vigente na época da realização da pesquisa. Após a ciência do entrevistado e assinatura do termo de consentimento, foi conduzida a entrevista.
Entre os 216 idosos participantes, houve predomínio do sexo feminino (n=117; 54,2%); dos casados (n=140; 64,8%); da baixa escolaridade (n=151; 69,9%); e da faixa etária de 60 a 70 anos (n=152; 70,4%), com média de idade de 67,9 anos. A renda individual foi de 1 a 2 salários mínimos (SM) para 175 (81%) idosos. Entre os idosos, 88 (40,7%) residiam com o cônjuge (Tabela 1).
Para as variáveis clínicas, 209 idosos (96,7%) afirmaram possuir algum tipo de doença; 146 (67,6%) mencionaram não ter sofrido quedas nos últimos 12 meses; 134 (62%) não relataram incontinência urinária. Ainda, 203 (94%) utilizavam algum medicamento e 148 (68,5%) não haviam sido hospitalizados nos últimos 12 meses (Tabela 1).
Tabela 1 – Distribuição das características sociodemográficas e clínicas de idosos atendidos no ambulatório de especialidades. Ponta Grossa (PR), 2015
*Escolaridade: alta (≥8 anos de estudo); média (4-8 anos incompletos); baixa (1-4 anos incompletos).
** Salário mínimo nacional vigente na época da coleta de dados (2015): R$ 788,00.
Fonte: Os autores (2015).
Quanto à avaliação do desempenho cognitivo, a média de pontuação dos participantes foi 24,5 pontos (±2,1), com menor e maior pontuação de 13 e 30 pontos, respectivamente. Observou-se associação significativa do desempenho no MEEM com as variáveis sexo (p=0,001), escolaridade (p=0,001), renda (p=0,001), com quem mora (p=0,037), renda mensal individual (p=0,001) (Tabela 2).
Tabela 2 – Média da pontuação alcançada por idosos no Mini Exame do Estado Mental, coeficiente β de regressão linear simples e seus intervalos de confiança (IC95%), segundo variáveis sociodemográficas e clínicas. Ponta Grossa (PR), 2015
*Referente ao valor do teste T para o coeficiente Beta
** Resultado com significância estatística quando p˂0,05.
Fonte: Os autores (2015).
Quanto à caracterização geral da amostra, os achados são semelhantes aos resultados de pesquisas nacionais sobre aspectos cognitivos em idosos da comunidade e institucionalizados, as quais apontam o predomínio de mulheres(11,14), na faixa etária de 60 a 70 anos(3), na condição de casados(1), com baixa escolaridade(15), vivendo acompanhado(11), que recebem entre 1 a 2 SM(2) e que referem doenças(3).
Entre os participantes, o predomínio do sexo feminino pode ser explicado pelo aumento da expectativa de vida das mulheres e pela maior procura dessas por tratamentos e serviços de saúde(3), considerando que o estudo foi desenvolvido no ambulatório de especialidades de um hospital de ensino. Este estudo identificou associação significativa entre o desempenho cognitivo e o sexo feminino, de maneira semelhante ao encontrado em estudo epidemiológico transversal desenvolvido com 1.154 idosos gaúchos residentes em domicílio(3), e em investigação longitudinal com 2.756 participantes mexicanos(5).
No presente estudo não foi constatada associação entre o desempenho no MEEM e a idade, contrastando com investigações internacionais e nacionais(10,11). Esse fato pode ser explicado pela média da idade dos participantes, que foi menor em comparação à pesquisa realizada com idosos da comunidade(15), frequentadores de centro de convivência(2) e residentes em ILPI(16). Autores apontam a maior probabilidade de déficit cognitivo em idosos mais velhos(9,10) com redução nos escores avaliados pelo MEEM(16).
Quanto à escolaridade, a maioria dos participantes possui baixa escolaridade (1-4 anos incompletos), situação que reflete a falta de acesso ao sistema educacional das gerações passadas, principalmente para os indivíduos do sexo feminino e economicamente desfavorecidos. Houve associação estatística significativa entre o desempenho no MEEM e a escolaridade, do mesmo modo que em pesquisas transversais: uma realizada com 310 idosos baianos usuários da ESF(11), outra com 1.512 gaúchos de 60 anos ou mais, residentes na comunidade(3). Destaca-se que o nível de escolaridade caracteriza-se como fator de proteção em relação às perdas cognitivas(17,18) e funciona como estímulo a tais funções. Nesse contexto, idosos com menores anos de estudo apresentam maior probabilidade de apresentar declínio cognitivo e pior desempenho no MEEM(16).
A relação estatística entre o desempenho cognitivo e a escolaridade reforça o efeito dessa variável no instrumento de rastreio cognitivo utilizado, o qual compreende itens descritos anteriormente no método, e que exigem leitura, escrita, atenção e cálculo, tarefas influenciadas fortemente pelo nível de escolaridade.
Para o arranjo familiar, houve predomínio de idosos que residiam com o cônjuge ou familiar, o que pode ser explicado pela situação civil dos participantes e pelo fato da família configurar-se como uma organização de suporte ao idoso, especialmente quando necessita de cuidados. Quanto a isso, constatou-se associação significativa entre idosos que residem com a família e o desempenho cognitivo. Destaca-se o estudo transversal com 462 idosos não institucionalizados de Minas Gerais, que teve como objetivo verificar a associação entre a capacidade cognitiva e a ocorrência de quedas, identificando, por meio do MEEM, que os participantes que residiam acompanhados apresentaram maior comprometimento cognitivo(1).
A associação do desempenho cognitivo nos participantes que residem com familiares pode ser explicada pela condição do idoso apresentar declínio cognitivo que não o permita morar sozinho. Além disso, mudanças nos arranjos familiares (separações, coabitação, mulheres que não se casam e/ou que nunca tiveram filhos) dificultam a atuação da família como cuidadora e protetora do idoso, suscitando declínio no apoio familiar e que pode interferir no desempenho cognitivo. Há de se considerar, também, comportamentos familiares que comprometem a independência e a autonomia dos idosos, tais como o tratamento infantilizado, a falta de incentivo para o autocuidado e a participação na tomada de decisões que envolvem seu cotidiano.
Este estudo também constatou associação entre a variável renda individual e o desempenho cognitivo. Tal achado é semelhante à investigação transversal realizada com 878 idosos residentes em dois municípios brasileiros(19), a qual verificou que idosos com déficit cognitivo apresentavam menor renda (0 a 3 SM). Nesse contexto, indivíduos em situação econômica desfavorável apresentam maior risco de comprometimento cognitivo(17), seja em países desenvolvidos(20) ou subdesenvolvidos(15) Compreende-se que a condição financeira desfavorável pode afetar significativamente o estilo de vida do idoso e comprometer o seu desempenho cognitivo à medida que dificulta o acesso à alimentação adequada, serviços de saúde, medicamentos e prática de exercícios físicos. No que concerne às variáveis clínicas, nesta investigação não foi identificada associação com o desempenho no MEEM. Esse resultado diverge de outras pesquisas que observaram essa relação com doenças(11), polifarmácia(10) e quedas(1).
No que se refere às médias obtidas no MEEM, os escores alcançados foram acima da linha de corte estabelecidas para analfabetos, indicando o bom desempenho obtido no teste pelos idosos. Tais resultados surpreendem porque a maioria dos participantes apresentava baixo nível de escolaridade, mas diferem daqueles encontrados por estudo transversal com 24 idosas cearenses residentes em ILPI, no qual a pontuação média geral no MEEM, das idosas, foi de 19,2±6,8 escores(16).
Ressalta-se que critérios distintos para interpretar os resultados do MEEM em função da escolaridade dos indivíduos, as diferenças metodológicas, de seleção e características sociodemográficas e culturais da amostra dificultam a comparação dos escores identificados com outros estudos, em especial com idosos da comunidade, já que a maioria das investigações do desempenho cognitivo é realizada com idosos institucionalizados.
Destaca-se como limitação do estudo a amostra por conveniência, composta por idosos que apresentavam condições de ir até o hospital, o que pode ter contribuído para a não inclusão de indivíduos sem comprometimento cognitivo. Sugere-se que investigações realizadas com esse segmento etário possam incluir a visita domiciliar para a coleta das informações, de modo a abranger os idosos com menor desempenho funcional e que não conseguem se deslocar até o serviço de saúde.
A utilização de somente um teste de rastreio para a avaliação da cognição é outro fator limitante, no entanto, o MEEM é extensamente utilizado em pesquisas nacionais e internacionais, possibilitando a comparação dos resultados encontrados com outros estudos. Além disso, o desenho transversal empregado, o qual não permite identificar as relações de causalidade, é vastamente empregado para diagnósticos iniciais e para condições crônicas como a perda do estado cognitivo.
Sugere-se que estudos longitudinais sejam desenvolvidos a fim de verificar como o desempenho cognitivo é afetado por fatores sociodemográficos e clínicos, em especial nos idosos da comunidade, mais velhos e não institucionalizados.
O estudo possibilitou identificar o desempenho no MEEM de idosos atendidos em um ambulatório de especialidades e fatores associados, com destaque para o sexo, escolaridade, renda individual e arranjo domiciliar. Dessa forma, os profissionais de saúde devem avaliar frequentemente essa população, considerando as características sociodemográficas que podem repercutir negativamente na capacidade cognitiva.
O MEEM é um instrumento validado, de fácil e rápida aplicação que possibilita à equipe de saúde implementar medidas para o rastreio do declínio cognitivo nesse segmento etário, o qual tem implicações práticas para o idoso e sua qualidade de vida.
Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf
Recebido: 06/07/2016 Revisado: 08/05/2017 Aprovado: 09/05/2017