CONVITE EDITORIAL

Aplicações práticas da sociopoética no cuidado em saúde: uma visão contemporânea


Jacques Henri Maurice Gauthier1
1Centro Universitário Jorge Amado

RESUMO

A sociopoética define um campo de pesquisa e atuação na área de saúde e outras. Numa visão do ser integrado (em si próprio, integrando forças e fraquezas, e holisticamente, no ambiente humano e não humano), o dispositivo de Grupo-pesquisador inspirado em Paulo Freire e na Análise Institucional (e nos Grupos operativos etc.) favorece o “trabalho” entre sombra e luz, entre opressão e libertação, pela profunda solidariedade e responsabilidade dos integrantes no decorrer do processo de conhecer, cuidar e aprender.

O Grupo-pesquisador é o dono da pesquisa, do cuidado e da aprendizagem, em dialogicidade com a instituição que nos acolhe, a qual tem direito de exigir retornos pela sua disponibilidade. Mas ele é ainda mais que isso: ele é um Pensador, um Filósofo coletivo, um Coletivo inteligente percorrido de afetos pré-individuais e supra-individuais rizomatizando em ambientes ampliados, conquistando sem prender, recebendo sem depender. Descritores: Conhecimento; Pesquisa; Experimentação Humana; Pensamento; Corpo Humano; Cultura.

A saúde é o bem-estar físico, mental e espiritual. O que é o cuidar? É inseparavelmente, cuidar de si, cuidar do outro e cuidar do ambiente, comunitário, social e natural. Cuidar é tocar no paradoxo da força e da fraqueza de cada um desses elementos. Pela minha fraqueza comunico com a fraqueza do outro e estou tocado pelas feridas dos ambientes. Assim afirmo o humano em mim e emociono, mobilizo o humano no outro. Pela minha força canto e danço minha singularidade, desperto o canto e a dança dos seres humanos e não humanos, e me firmo como solidário - na impermanência do dia e da noite - de todos os seres.

A sociopoética define um campo de pesquisa e atuação na área de saúde e outras. Numa visão do ser integrado (em si próprio, integrando forças e fraquezas, e holisticamente, no ambiente humano e não humano), o dispositivo de Grupo-pesquisador inspirado em Paulo Freire e na Análise Institucional (e nos Grupos operativos etc.) favorece o “trabalho” entre sombra e luz, entre opressão e libertação, pela profunda solidariedade e responsabilidade dos integrantes no decorrer do processo de conhecer, cuidar e aprender(1). Estamos sempre aprendizes no cuidar, de si, dos outros e do ambiente, e somente através do agradecimento, da troca e da responsabilidade podemos crescer, grupal e individualmente. Por essa razão não há receita pronta, que teria somente de aplicar com discernimento: cada situação é original, cada coletivo é singular, cada pessoa é única. A criatividade é nossa chave-mestra, que abre portais sempre imprevisíveis antes da instituição do dispositivo.

O cuidado anticolonialista para com as culturas dominadas e de resistência nas suas práticas e compreensão do que é o cuidar, associando-as a todas as fases da nossa atuação, é de fundamental importância, para minimizar as arrogâncias instituídas e abrir nossos corações.

Pois temos corações, sexos, pernas, fígados, sentidos e consciências além de cabeças academicamente formatadas. Todos são ferramentas para o conhecer, o cuidar e o aprender. Aprendemos a intuir, a nos mover em ambientes diferenciados, a calar quando necessário, a meditar, cantar e dançar nossas vidas.

Daí a possibilidade de nos conectarmos com nosso inconsciente, e expressarmos seus saberes pela mediação de técnicas artísticas. O encontro das nossas noites, das nossas luas e estrelas, e também dos nossos tempos nublados, favorece a conscientização coletiva, a passagem de uma noite para outra, a conjugação das forças e fraquezas diversificadas dentro do grupo, para melhor entendimento e ampliação da compreensão.

Nesta descoberta coletiva, somos um e múltiplos, tecemos alianças e podemos ter lucidez em relação aos nossos conflitos (íntimos e entre integrantes do grupo), ao encontrarmos novas maneiras, mais amorosas e criativas, de lidar com os ambientes e cuidar deles. O Grupo-pesquisador é o dono da pesquisa, do cuidado e da aprendizagem, em dialogicidade com a instituição que nos acolhe, a qual tem direito de exigir retornos pela sua disponibilidade. Mas ele é ainda mais que isso: ele é um Pensador, um Filósofo coletivo, um Coletivo inteligente percorrido de afetos pré-individuais e supra-individuais rizomatizando em ambientes ampliados, conquistando sem prender, recebendo sem depender.

Assim lançamos raízes de água bem fundo na terra e voamos no fogo do sol e das estrelas. É o prêmio que nos oferecemos, ganhado pela força da nossa humildade. Foi bom para nós, é bom para nós, não estamos dando aula para ninguém, só testemunhamos sobre o que aconteceu conosco, quando nos instituímos em grupo-pesquisador. Quem ficou tocado, mande sua resposta na forma de outra pesquisa, outro cuidar, outra aprendizagem, outras descobertas afetivas, conceituais, sensíveis e intuitivas, ao se constituir em outro Grupo-pesquisador.

No cuidar, podemos tomar o exemplo de uma situação hipotética na qual a abordagem sociopoética me parece valiosa e relevante: trabalhando com um grupo de adolescentes faveladas na prevenção da gravidez precoce e das doenças sexualmente transmissíveis, logo, numa perspectiva de educação ao autocuidar, é importante que se institua um Grupo-pesquisador de si, para facilitar a expressão das potências de vida do grupo, sempre superiores às de uma pessoa isolada; essa poderá experienciar sua singularidade dentro do grupo e valorizar sua diferença, conscientizando-se da sua beleza e das suas forças interiores, percebendo igualmente como se conjugam as fraquezas de cada uma: “Somos iguais e diferentes, e a outra me ajuda a ampliar minha percepção dos problemas trazidos pela vida, complexa e frequentemente sofrida”.

É importante também, para a/o enfermeira/o, renunciar a sua vontade de passar imediatamente uma mensagem, e deixar tempo e espaço para que a cultura própria das meninas se expresse, sua maneira de ver e vivenciar o mundo, suas relações com o ambiente, a comunidade, os adultos, os outros adolescentes e, no caso, a sexualidade. As coisas (esse sistema de relações) são tão complexas e mexem com representações e afetos tão enraizados no inconsciente, que somente a liberdade dada por atividades artísticas permite desvelá-las e, coletivamente, elaborá-las. Em todo e qualquer momento do trabalho, deve-se mostrar ao grupo que a pesquisa é dele, que ele é responsável pelo conhecimento produzido e compartilhado, da mesma maneira que o corpo, maravilhoso instrumento de prazer e conhecimento, nos pertence, pedindo atitudes responsáveis de gratidão e cuidado.


REFERÊNCIAS

  1. Gauthier JHM. O oco do vento: metodologia da pesquisa sociopoética e estudos transculturais. Curitiba: CRV; 2012.

Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a materia em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

Recebido: 21/10/2016 Aprovado: 11/11/2016