ARTIGOS ORIGINAIS

Vivências de mulheres com câncer de mama: uma pesquisa-cuidado


Patrícia Peres de Oliveira1, Aryanne Gabrielle Policarpo1, Liziane Martins da Silva1, Edilene Aparecida Araújo da Silveira1, Andrea Bezerra Rodrigues2

1Universidade Federal de São João del-Rei
2Universidade Federal do Ceará

RESUMO

Objetivo: conhecer a vivência de mulheres com câncer de mama, com base na Teoria do Cuidado Transpessoal, e realizar o cuidado educativo a essas mulheres, enquanto emergia o significado expresso pelos discursos, mediado pela pesquisa-cuidado. Método: estudo qualitativo, com 19 mulheres atendidas em uma associação de apoio a pessoas com câncer, realizado de setembro/2015 a junho/2016 em Minas Gerais, Brasil. Para a coleta das informações foram utilizadas a entrevista e a observação participante; a análise dos elementos foi pautada na análise temática. Resultados: a análise resultou em três categorias principais: favorecimento de crenças e manutenção da fé e esperança; impressões sobre o cuidado recebido; e o enfermeiro no processo do cuidado educativo. Efetivou-se um cuidado humanizado e educativo, com orientações e educação em saúde, possibilitando suporte ao processo saúde-adoecimento-tratamento das pesquisadas-cuidadas. Conclusão: promoveram-se ações fundamentadas não só no conhecimento científico, mas no cuidado transpessoal com interação e troca entre o ser-pesquisado e o ser-pesquisador.

Descritores: Neoplasias; Enfermagem; Saúde da Mulher.


INTRODUÇÃO

A neoplasia maligna da mama é o câncer mais incidente e a segunda causa de óbito em todo o mundo em mulheres(1). No Brasil, as estimativas para o ano de 2016 indicam que 57.960 casos novos de neoplasia maligna da mama feminino serão detectados. Apesar de ser considerado, na maior parte dos casos, um câncer com bom prognóstico, caso seja diagnosticado e tratado precocemente, a neoplasia maligna da mama ainda está associada a uma alta taxa de mortalidade neste país(2-3).

O diagnóstico da neoplasia maligna da mama, comumente, é avassalador na vida da mulher que o recebe, seja pelo medo das mutilações e tratamentos agressivos, seja pelo medo de morrer ou pelas múltiplas perdas, no que tange aos aspectos social, econômico e psicológico, o que na maioria das vezes acontece(4-5). As pessoas com câncer de mama precisam de apoio emocional e, algumas vezes, apenas de uma palavra de conforto, um abraço, um pouco de atenção ou somente de um indivíduo que as escute sobre seus medos, dúvidas ou perspectiva de vida, ou seja, um cuidado humanizado(1,3).

Nesse ângulo, a humanização é um processo complexo, abarcando protótipos diferenciados na compreensão dos trabalhadores, com suas crenças e valores, para haver mudança de comportamento. Nas relações e intersubjetividade tem-se um processo único, não marcado por generalizações, já que diferentes trabalhadores, equipes e instituições terão processos diferentes na obtenção de aptidões para um cuidado humanizado(6).

Ao se deparar com o ambiente dos estabelecimentos de saúde, o trabalhador precisa buscar artifícios para cuidar com empatia e criatividade. Dessa maneira, é necessário compreender o sentido do cuidado e a subjetividade que envolve esse processo, com atenção especial ao universo da pessoa com câncer, preservação do seu mundo particular e de suas necessidades de bem-estar.

Diante deste contexto, optou-se por apreender a vivência de mulheres com neoplasia maligna da mama, com base na Teoria do Cuidado Transpessoal de Jean Watson, a fim de possibilitar o cuidado à mulher com câncer sob o enfoque educativo. As práticas educativas necessitam ser vistas como formas não só de humanização do cuidado, mas como uma solução que propicia a conscientização das mulheres sobre seus direitos, estimulando sua participação como sujeitos do cuidado.

A teoria de Watson considera a intersubjetividade enfermeiro-cliente/paciente, a partir do conceito de que existe influência de um indivíduo sobre o outro; ela está centrada nos princípios humanísticos do cuidado, contemplando a pessoa nas dimensões psicobiológica, social, espiritual e cultural(6-8).

Tendo em vista a complexidade da temática e a subjetividade que envolve o adoecimento por uma neoplasia maligna da mama e o cuidado humanizado, questionou-se: como é a vivência de mulheres com câncer de mama diante do processo saúde/adoecimento/cuidado? Quais cuidados educativos favorecem a compreensão da doença e tratamento na ótica dessas mulheres? Para respondê-las, foi necessário determinar os seguintes objetivos: conhecer a vivência de mulheres com câncer de mama, com base na Teoria do Cuidado Transpessoal, e realizar o cuidado educativo a essa mulher, enquanto emergia o significado expresso pelos discursos, mediado pela pesquisa-cuidado.

MÉTODO

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo e qualitativo; utilizou-se o referencial metodológico da pesquisa-cuidado (PC) e os pressupostos da Teoria do Cuidado Transpessoal de Jean Watson(6-8).

No final da década de 1970, Jean Watson desenvolveu os carative factors, os quais foram revisados e publicados no ano de 2008(7). Os 10 itens de cuidados (carative factors/caritas processes)(7-8) estão descritos na Figura 1.

Figura 1

Os caritas processes permitiram compreender a pessoa em sua dimensão metafísica, direcionar o conceito de healing (cura) e considerar a intersubjetividade enfermeiro-cliente, a partir do conceito de que existe influência de uma pessoa sobre a outra(6-8).

A PC busca a ligação entre cuidado e método, o qual não se constitui foco central, mas sim a pessoa pesquisada em sua essência integral. Não é somente acionar o desvelamento e as descobertas por meio do método, mas um iluminar sob a perspectiva do íntimo da pessoa, focalizando sua existência, suas possibilidades, ou seja, a essência da experiência(9).

Para realizar a pesquisa-cuidado, deve-se percorrer cinco etapas sucessivas: aproximação com o objeto de estudo; encontro da pesquisadora-cuidadora com o ser pesquisado-cuidado; estabelecimento das conexões de pesquisa, teoria e prática do cuidado; afastamento do ser pesquisador-cuidador e ser pesquisado-cuidado; análise do apreendido(9-10).

Aproximação com o objeto de estudo

Esta aproximação se efetivou a partir do desenvolvimento de estudos em uma associação de apoio a pessoas com câncer de um município de Minas Gerais, Brasil em virtude da experiência como enfermeira e pesquisadora.

A escolha do referencial metodológico atendeu aos propósitos do estudo, uma vez que permitiu que, além da pesquisa, fossem desenvolvidas ações de cuidado. Na revisão de literatura discutiu-se sobre o impacto da neoplasia maligna da mama para a pessoa com a enfermidade e sua família; o cuidado de enfermagem à mulher com câncer de mama; a Teoria do Cuidado Transpessoal de Jean Watson e a PC da teoria à prática. Tais discussões colaboraram para a aproximação com o objeto e para delimitar e analisar o conhecimento com vistas a certificação dos propósitos do estudo.

Com base em amostragem de conveniência, adotou-se como critério de seleção: mulheres com idade superior a 18 anos, portadoras de câncer de mama cadastradas em uma associação de apoio à pessoa com câncer de Minas Gerais, cenário da pesquisa, em qualquer fase de tratamento para a neoplasia. Os critérios de exclusão foram: mulheres impossibilitadas de participar de todas as etapas da PC e incapacidade de compreender e/ou responder as questões propostas, devido à deficiência intelectual.

Encontro com o ser pesquisado-cuidado

O encontro inicial ocorreu em uma associação de apoio a pessoas com câncer de Minas Gerais ou no domicílio da participante. Primeiramente, se fez um contato informal, a fim de verificar a disponibilidade para fazer parte da pesquisa; posteriormente, cada entrevista foi marcada, com data e horário escolhidos pelas participantes. As pesquisadas-cuidadas foram 19 mulheres com neoplasia maligna da mama. O acompanhamento e a assistência de enfermagem foram realizados de modo presencial, mediante as necessidades emergidas em cada contato, e abrangeu atividades como entrevistas, orientações, esclarecimentos de dúvidas e avaliação.

Percepções quanto às dúvidas e às necessidades das mulheres, bem como condutas de enfermagem tomadas foram registradas no diário de campo e submetidas à análise temática. Notas contidas nesse diário foram utilizadas neste artigo para representar as inferências surgidas a partir da análise dos dados. Antes do início das entrevistas propriamente ditas, coletou-se alguns dados de identificação das mulheres: idade, protocolo de tratamento, estado civil, ocupação atual, tipo de residência local e suporte para tratamento.

Ressalta-se que foram realizados quatro encontros presenciais com os pesquisados-cuidados. O período de realização da PC foi entre setembro de 2015 a junho de 2016. Houve apreciação pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São João del-Rei, conforme parecer número 1.164.766. Houve a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ficando uma via assinada com a pesquisadora responsável e outra com a pesquisada-cuidada. Estabelecimento das conexões da pesquisa, teoria e prática do cuidado.

Esta terceira fase foi determinante para o êxito da aplicação do método PC, pois se relaciona à articulação entre a pesquisa (método da pesquisa-cuidado), o referencial teórico (Teoria do Cuidado Transpessoal) e a prática (o cuidado educativo). Deste modo, possibilitou a aproximação do ser pesquisador-cuidador com o ser pesquisado-cuidado para a realização das entrevistas. Em continuidade, definiu-se as prioridades de cuidado, as quais foram pensadas em comum acordo entre as participantes da pesquisa. O cuidado se estabeleceu de distintas maneiras: ouvindo, estimulando, orientando e explicando.

Para o alcance dos objetivos do estudo, procedeu-se à escuta das falas sem interferência das pesquisadoras-cuidadoras, registradas por um gravador digital. As estratégias usadas, a fim de se alcançar os objetivos foram: a realização de entrevistas, segundo instrumento elaborado pelas autoras, a observação participante enquanto os cuidados eram realizados e registros no diário de campo. As pesquisadas-cuidadas sugeriram a elaboração de manuais educativos, nos quais fossem priorizadas as necessidades das clientes, e não exclusivamente as exigências terapêuticas. Após o conhecimento desta realidade e com base nas informações fornecidas pelas pesquisadas-cuidadas, elaborou-se, inicialmente, três manuais educativos (cuidados após cirurgia de mama com esvaziamento axilar; cuidados para pessoas em uso de antineoplásicos/quimioterapia para o câncer de mama; e orientações para pessoas em radioterapia para o câncer de mama), os quais estão em processo de validação quanto à forma e conteúdo, para sua posterior utilização. Acredita-se, com isso, que as informações trarão para as mulheres maior segurança para a tomada de decisão quanto aos procedimentos necessários durante os tratamentos.

Afastamento do ser pesquisador-cuidador e ser pesquisado-cuidado

Esta fase exigiu sensibilidade das pesquisadoras-cuidadoras e do ser pesquisado-cuidado, a fim de lidar com o término dos encontros terapêuticos. Desse modo, durante toda a trajetória metodológica, as mulheres sob tratamento foram preparadas para o término do acompanhamento.

Análise do apreendido

Nesta fase, as informações procedentes das entrevistas foram transcritas na íntegra, momento que precedeu a verificação dos elementos, que foi pautada pela análise temática – forma de reconhecimento de padrões dentro dos dados, em que os temas que emergem se formam em categorias(11). Nesta avaliação, existem múltiplas formas de abordagem, entre as quais destacam-se a dedutiva, fundamentada em padrões de códigos antecipadamente determinados, conhecidos como template e, a indutiva, conduzida pelos dados. Neste estudo, o método escolhido foi um modelo híbrido, ou seja, incorpora tanto a dedutiva quanto a indutiva(11). Desta maneira, inicialmente são analisados os dados indutivamente, gerando códigos e temas iniciais, e, em seguida, é empregado o template, com a finalidade de identificar unidades de texto significativas, também de maneira dedutiva.

Para manter o respeito aos preceitos da ética em pesquisa envolvendo seres humanos, as pesquisadas-cuidadas foram identificadas pelo termo PC, seguido do número de ordem de entrada de cada entrevistada.

RESULTADOS

As 19 pesquisadas-cuidadas tinham entre 42 e 77 anos de idade, com média de 57 anos. A maioria era casada, quatro mulheres se declararam solteiras, três se afirmaram viúvas e as outras três estavam divorciadas. Quanto à ocupação, sete mulheres se declararam aposentadas e as outras 12 trabalhavam com carteira assinada. Todas as entrevistadas moravam em área urbana, com acesso à água encanada e saneamento básico, dentre as quais 17 moravam em casa própria e duas em residências cedidas.

Todas as participantes foram submetidas à cirurgia durante o tratamento, sendo que dez mulheres fizeram quadrantectomia e nove foram submetidas à mastectomia de uma das mamas, com retirada dos gânglios linfáticos axilar; 15 mulheres realizaram quimioterapia e radioterapia adjuvantes e três fizeram apenas radioterapia adjuvante à cirurgia. Em relação aos cuidados recebidos, ou seja, a utilização de serviços de saúde, 15 pessoas utilizaram exclusivamente os serviços disponíveis pelo Sistema Único de Saúde, nos três níveis de atenção.

A apreensão sobre a vivência de mulheres com câncer de mama se deu a partir do discurso das pesquisadas-cuidadas, posteriormente dividido em três categorias principais: favorecimento de crenças e manutenção da fé e esperança, impressões sobre o cuidado recebido e o enfermeiro no processo do cuidado educativo.

Favorecimento de crenças e manutenção da fé e esperança O respeito à crença do outro, a manutenção da fé e de um ambiente de cura física e espiritual que respeite a dignidade humana são elementos essenciais para manter a aproximação entre o enfermeiro e a pessoa com neoplasia maligna da mama e são princípios do clinical caritas processes de Watson. Mostrar à mulher que o profissional de enfermagem estará sempre presente, fazendo o melhor, demonstra a importância de assegurar a presença de uma pessoa comprometida em todos os momentos, como apontado nas falas:

Tive experiências de pessoas com a fé. A fé, somente a fé, a cura vem pela fé e somente Deus pode te curar. Teve pessoas que me falaram, as enfermeiras. (PC12). Falavam que quem tem fé ajudava muito. Eu sou católica, então pedia muito a Deus para ajudar os médicos, colocava Deus na frente de tudo na hora da cirurgia e também no tratamento... na quimio eu falava: “ô meu Deus, não deixa eu passar mal, não me leva, e me traz sem passar mal”. (PC15). Falavam que Deus estava na direção, com fé tudo passa. (PC10). Oração e fé são importantes para a recuperação. (PC9). Tem que ter fé... tem que acreditar que um dia isso vai passar. Tem que crer nisso, que Deus ampara a gente; a gente não pode pensar que está tudo perdido. (PC11). Sempre falavam em Deus e na importância da fé e eu sempre tive fé. Falava sempre, ainda mais que as enfermeiras conheceram minha mãe e ela tinha morrido lá, então elas sempre tentavam me manter animada e diziam que cada caso é um caso... colocar na mão de Deus e ter fé, que tudo dá certo. (PC18). A enfermeira sempre me passou muita força... sempre foram humanas comigo e eram com todos e sempre estimularam quando eu rezava durante o tratamento. (PC19).

Impressões sobre o cuidado recebido

Segundo evidenciado, constatou-se que a qualidade do cuidado foi avaliada pelas mulheres, a partir do grau de confiança e afinidade com a enfermeira, do auxílio e cuidado durante o tratamento, das habilidades em lidar com pessoas com câncer, do apoio e empatia, do fornecimento de orientações sobre a doença e tratamento, conforme trechos dos relatos a seguir:

Tinha vezes que ajudavam a ir no banheiro, cuidavam do cateter, orientavam evitar infecção. (PC1). Estava próxima. Esperava eu me acalmar antes de colocar a quimioterapia, ficava sempre conversando comigo. Isso foi mais que criativo, foi humano. (PC19). A enfermeira me apoiou em tudo. (PC13). Tudo vem desse acolhimento que eu tive pela enfermagem, tudo graças ao carinho que eles tiveram comigo... tão bem tratada, tão bem cuidada que não tem como eu sentir dor. (PC7). Cuidado demais, com a higiene, com carinho, com a gente, sempre à disposição. Nota 10! Muito bom. (PC4). Eu queria morrer, não queria viver... as meninas (enfermeiras) foram na minha casa, conversaram e depois passou. Eu vi que eu vencia, que eu sobrevivia. (PC10). Sempre foi muito atenciosa, tão prestativa, sempre que eu precisei ela estava ali. (PC5). As enfermeiras eram sempre carinhosas com todos; apesar da correria, elas sempre davam atenção quando a gente chamava. (PC18).

O enfermeiro no processo do cuidado educativo

A maior parte das pesquisadas-cuidadas demonstrou a necessidade de ter maiores informações por escrito sobre a doença e a terapêutica, através de manuais e orientações. Algumas não se referiram diretamente à necessidade de informações, mas demonstraram desconhecimento, como se verifica nos discursos a seguir:

Orientou o tempo todo sobre tudo, até como proceder dentro do banheiro, até em locais com muita gente, assim eu não tive problemas. (PC14). A enfermeira... era maravilhosa, ela me orientava, tirava minhas dúvidas. Eu perguntava o que podia fazer após a cirurgia, ela disse que podia fazer tudo... eu sou a mesma pessoa. (PC19). Sempre orientando, sempre com carinho, comigo e com os outros. (PC3). Na radioterapia me falaram que tinha que ir sempre a todas as sessões, não poderia faltar. As marcas de tinta na pele não eram para esfregar com sabão, proteger a área da luz solar, usar blusas, roupas confortáveis de algodão e frouxas, evitar calor do fogão, não ter contato com pessoas com gripe, isso me disseram na quimio e na radioterapia. Fazer sempre uma refeição leve, evitar sobrecarregar o estômago, mas sempre me manter alimentada. Do lado esquerdo não posso mais retirar cutícula, não deixar que peguem veia. (PC18). Senti falta de manuais com orientações, tinha dúvidas em casa, no final de semana. (PC8). Só faltou entregarem por escrito todas as informações que passavam. (PC17).

Ao estabelecer a verdadeira conexão com o ser cuidado, instaurou-se a necessidade de proporcionar informações às pessoas sob cuidado, para que elas pudessem gerir o seu tratamento e desempenhar o autoconhecimento de suas competências. Destarte, a falta de utilização de manuais educativos como estratégia de educação em saúde, fundamentados cientificamente, configura-se uma lacuna no cuidado.

Ao longo dos encontros, as pesquisadas-cuidadas participaram ativamente da elaboração dos três manuais educativos já elencados anteriormente.

DISCUSSÃO

A partir da análise dos resultados, pode-se apreender que o cuidado para a mulher com neoplasia maligna da mama foi avaliado positivamente e as pesquisadas-cuidadas consideraram a assistência humanizada. Foram coletados relatos, nos quais essas mulheres perceberam que a humanização está ancorada no cuidado; muitos autores afirmam que a humanização não é algo que ocorre de forma automática e necessita ser aprendida, fomentada e praticada(13-15).

Assim, perceber as mulheres pesquisadas-cuidadas, no escopo de suas necessidades físicas, emocionais, espirituais e sociais, demandou das pesquisadoras-cuidadoras constantes reflexões e capacitações, capazes de oferecer resultados favoráveis e soluções criativas e com enfoque humanístico diante dos problemas, enquanto componentes do processo de cuidar(10,14).

A percepção das mulheres entrevistadas sobre o cuidado humanizado trouxe elementos fundamentais para as relações humanas, relacionados ao clinical caritas processes de Watson(7), como o acolhimento, a valorização das crenças, instilação da fé e da esperança, da comunicação, do apoio e compartilhamento do ensino/aprendizagem(8,15), ou seja, recorrer à fé e à esperança para aliviar as angústias decorrentes do adoecimento pelo câncer, já que a oração tem significado científico e espiritual(15).

No presente estudo, ao refletir sobre o cuidado a partir da Teoria do Cuidado Transpessoal, as pesquisadas-cuidadas relataram que os enfermeiros demonstraram habilidades em lidar com pessoas com câncer, oferecendo apoio, demonstrando empatia e ministrando orientações sobre a doença e sua terapêutica. Os depoimentos corroboraram a literatura, que afirma que tanto os clientes quanto os enfermeiros se beneficiam de um atendimento humanizado, visto que a comunicação é uma troca que traz um crescimento para vida de ambos(8,14).

O referencial teórico de Watson tem como princípios a interatividade, a comunicação assertiva e a intersubjetividade no momento do cuidado. Para tal concretude, o enfermeiro precisa se unir à pessoa que recebe o cuidado, em uma relação que percebe o todo(14-15).

Entende-se que o cuidado não deve ser exclusivamente fundamentado no conhecimento científico, mas também ser envolto pelos preceitos éticos, religioso, evitando o empirismo(3,13). Inclusive, na elaboração do seu plano de cuidados, o enfermeiro necessita explorar a sua própria criatividade na proposição de intervenções que almejem facilitar a vivência do tratamento pela mulher com câncer de mama, considerando a realidade de cada uma. O processo de troca e a empatia são favoráveis para o cuidado: a interação se mostrou uma importante ferramenta para a construção dos manuais de orientações e o diálogo foi essencial para estabelecer interações horizontalizadas e simétricas entre as pesquisadoras-cuidadoras e as mulheres participantes do estudo, uma vez que se alicerçou na confiança e na liberdade de expressão.

A assistência, mediante a valorização do vínculo, com o reconhecimento de si e do outro, foi explanada pelos participantes desta pesquisa, o que está em consonância com o clinical caritas processes(7) e também promoveu uma consolidação do trabalho com troca de experiências com as mulheres e as pesquisadoras-cuidadoras. O cuidado humano envolveu a consciência do profissional, a intencionalidade, a fidedignidade e franqueza, mediante o uso do self, perfilhando o contexto do outro, apreendendo oscilações, sentidos, sons, expressões, tons e formas por meio das quais a pesquisada-cuidada transmitiu e refletiu sua própria condição e necessidade(8,13).

Cuidar de forma humanizada só é possível na troca, na relação interpessoal e no conhecimento do outro. O respeito ao ser humano é um aspecto essencial do cuidado humanizado. Atender às necessidades do ser cuidado, acreditar na sua capacidade de desenvolvimento e de crescimento são fundamentais para um cuidado humanizado, baseado no respeito às necessidades individuais e na fé nas potencialidades do ser cuidado(3). O apoio emocional, somado ao cuidado educativo, além de ter favorecido o bem-estar dessas clientes, estimulou a sua cooperação e a corresponsabilidade no cuidado/tratamento. Nos relatos das mulheres entrevistadas, as pesquisadoras-cuidadoras demonstraram respeito à individualidade, pensamento holístico para a assistência com visita domiciliar à pesquisada-cuidada mais fragilizada e com desesperança, extrapolando a rigidez das rotinas e funções que engessam o encontro de cuidado, de acordo com um dos elementos do carative factors, que é expresso na ajuda às necessidades, com consciência intencional de cuidado, administrando o cuidado humano essencial(6-8).

Ressalta-se que, ao se aproximar da mulher com neoplasia maligna da mama a ser cuidada, fez-se oportuno reconhecer o aprendizado para além da oferta de informações, fatos ou dados, mas como uma troca, viabilizando uma relação subjetiva interpessoal em sua essência, o que afeta a forma e o contexto do processo de cuidar da mulher.

Neste estudo, a maioria das pesquisadas-cuidadas relatou ser imperativo ter maiores informações por escrito sobre a doença/tratamento. Acredita-se que a educação é um momento do processo de humanização, pois se trata de um mediador entre a mulher com câncer de mama e o enfermeiro, no sentido de ajudá-la a alcançar a estabilidade perdida diante da ocorrência da transição de saúde-doença. Tal aspecto é discutido no carative factors referente à importância de se compartilhar o ensino e a aprendizagem, a fim de atender às necessidades da pessoa cuidada. Estudos apontam que um material impresso pode facilitar o entendimento de clientes, familiares, cuidadores e demais pessoas que se relacionam com as mulheres com neoplasia maligna da mama, uma vez que pode conter uma abrangência maior e mais presente da situação de cuidado do que aquela resultante de orientações meramente verbais. Ademais, pode oferecer alternativas para muitas dificuldades enfrentadas após a cirurgia para tratar o câncer de mama, quimioterapia antineoplásica, radioterapia, terapia endócrina e técnicas biológicas(16-17). Outras pesquisas assinalam que a carência de conhecimento, dificuldade de memorização e vulnerabilidade da clientela são alguns dos elementos que justificam o incremento de tecnologias educativas que tornem dinâmicas as atividades de cuidado (individuais ou grupais), as quais se tornam relevantes e imprescindíveis(17-18), a exemplo dos manuais de orientação para clientes e familiares.

O cuidado educativo é um recurso de dupla utilidade: serve ao cliente, instrumentalizando-o para o cuidado de si e para o exercício da cidadania, e serve ao enfermeiro, por favorecer a conquista de espaço no contexto profissional. Pode ser utilizado como forma de interação entre enfermeiro e cliente(3-5), já que visa capacitar a cliente para a decisão, para a responsabilidade, e acontece na discussão concreta da realidade e dos problemas vivenciados por ela. A participação da cliente no cuidado educativo se efetiva pela comunicação, ou seja, na troca entre enfermeiro e cliente, na interação entre as partes.

O cuidado, principalmente o cuidado educativo, serve de instrumento de transformação enquanto troca de informações de forma simples, compreensível, verdadeira, respeitosa, mas adequada à capacidade de discernimento e compreensão do ser cuidado, facilitando seu crescimento, conscientização e exercício da cidadania(8,12-13). O humanismo apregoa que informação, decisão e responsabilidade devem ser compartilhadas entre o ser cuidado e o cuidador.

O preparo para o autocuidado e a promoção de saúde vai além de meras informações; é preciso empoderar o ser cuidado. Por isso, no que tange ao encargo da elaboração de intervenções para o cuidado, o estabelecimento de um processo de conhecimento é imprescindível para o incremento de um trabalho educativo com os indivíduos envolvidos na busca de melhor qualidade de vida(16).

Diante disso, acredita-se que a criação de manuais de orientação para pessoas com neoplasia maligna da mama, após validados, assessorará na elucidação das dúvidas mais recorrentes das mulheres, além de proporcionar maior conhecimento para elas e seus familiares sobre todos os tratamentos e favorecer o entendimento das possíveis complicações. Tudo isso gera maior segurança para o enfrentamento dessa nova fase da vida de mulheres que estão vivenciando o câncer de mama e a de seus familiares, mediante informações baseadas em evidências científicas. No cuidado transpessoal, tanto o enfermeiro como a pessoa sob seus cuidados são sujeitos desse vínculo. Eles se transformam e são transformados durante a efetivação do acompanhamento. Assim, o enfermeiro deve adotar o uso de estratégias adequadas a cada circunstância(14).

CONCLUSÃO

Este estudo teve implicações positivas para o cuidado de enfermagem, uma vez que possibilitou a implementação do modelo teórico-metodológico proposto por Jean Watson, com relação ao acompanhamento da mulher com neoplasia maligna da mama, adstrita a uma abordagem inovadora, a PC. Dessa maneira, compreender as vivências de mulheres com câncer de mama representou um desafio, o qual foi suplantado com dedicação e esforço. Promoveram-se ações fundamentadas não só no conhecimento científico, mas no cuidado transpessoal em uma relação de interação e troca entre o ser-pesquisado e o ser-pesquisador.

De acordo com o evidenciado, a teoria transpessoal de Jean Watson demonstrou afinidade com o objetivo do estudo, mostrando-se, para além de uma teoria de enfermagem, um modo de ser com o outro, envolvendo proximidade, compromisso, empatia e interação: a procura contínua pela autonomia e valorização da pessoa.

A aplicabilidade da Teoria do Cuidado Transpessoal permite ao enfermeiro que atua em setores oncológicos, seja ambulatorial, seja em unidades de internação e radioterapia, melhor compreender a experiência da mulher com câncer de mama e, ao mesmo tempo, favorece o olhar para o cuidado humanístico. Assim, como proposta de humanização para o cuidado à pessoa com câncer de mama, os enfermeiros podem aplicar os elementos do processo Clinical Caritas, que é capaz de amenizar o sofrimento dessas mulheres e reduzir suas apreensões e dúvidas.

Acredita-se que os resultados deste estudo possam ser usados pelos enfermeiros como subsídio ao planejamento do cuidado às mulheres com neoplasia maligna da mama e de sua família.

A limitação deste estudo está relacionada ao fato de ter sido realizado com mulheres com câncer de mama de um único estado da federação, de modo que suas conclusões retratam uma realidade específica, mostrando a vivência sob uma dada perspectiva. Caso seja realizado em outras realidades, poderá elucidar novas facetas de mulheres com neoplasia maligna da mama.


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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

Recebido: 08/11/2016 Revisado: 03/07/2018 Aprovado: 03/07/2018