ARTIGOS ORIGINAIS

Dilemas e desafios da prevenção ao HIV nas representações de jovens católicos


Pablo Luiz Santos Couto1, Mirian Santos Paiva2, Jeane Freitas de Oliveira2, Antônio Marcos Tosoli Gomes3, Larissa Silva de Abreu Rodrigues4, Marizete Argolo Teixeira5

1Centro de Ensino Superior de Guanambi
2Universidade Federal da Bahia
3Universidade do Estado do Rio de Janeiro
4Universidade do Estado da Bahia
5Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

RESUMO

Objetivo: Analisar o processo de formação das representações sociais construídas por jovens católicos sobre a prevenção ao HIV. Método: Estudo quali-quantitativo, realizado no Facebook e fundamentado na Teoria das Representações Sociais. A entrevista em profundidade foi utilizada como técnica de coleta dos dados, que foram processados no software Alceste, possibilitando a análise de conteúdo lexical. Resultados: As representações dos jovens sobre a prevenção ao HIV, conformadas nos sistemas de cognição, apontam que o objeto é significado como um fenômeno intrínseco à esfera da sexualidade, com influência da religião católica e do conhecimento progressista. Discussão: As influências sobre a formação das representações dos jovens acerca da prevenção ao HIV revelam dilemas, apontando para a formação de um elemento estranho devido à dualidade de pensamento social estruturado. Conclusão: A influência da doutrina católica implica em dilemas enfrentados sobre a prática sexual segura e interfere na prevenção ao HIV: este é o maior desafio. Descritores: Religião e Sexo; Sexualidade; Vírus da Imunodeficiência Humana; Saúde.


INTRODUÇÃO

A Igreja Católica, como a religião predominante e com maior número de adeptos no Brasil, em suas várias vertentes, tem sido formadora de conhecimento e representações relativas à prática sexual e às formas preventivas à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).

Com isso, a maior parte do discurso da instituição eclesiástica se apresenta reafirmando posições tradicionais sobre o sexo e a sexualidade, o que se contrapõe ao discurso reificado das instituições e organismos que regem a saúde, bem como os acadêmicos. A prevenção é o meio mais eficaz no combate à aids e a Igreja pode ser um local adequado para a formação cultural de jovens, no que se refere à prevenção ao HIV e suas representações.

Em torno dessas discussões, há a relação dos desafios da prevenção com a disseminação do HIV/Aids e, no centro, os jovens que são apontados como vulneráveis. Ressalta-se o aumento da incidência do HIV/Aids nos grupos representados por adolescentes e jovens(1). O curso futuro da epidemia mundial de HIV/aids está relacionado às vulnerabilidades de pessoas jovens e aos fatores contextuais que podem influenciar comportamentos saudáveis, como as práticas sexuais seguras(2).

Portanto, este estudo fez-se necessário por auxiliar a compreensão de como os jovens católicos lidam com os dilemas que envolvem a liberdade sexual, a adoção de práticas de prevenção ao HIV/Aids e a forma como representam tais fenômenos frente aos princípios religiosos.

Destarte, foi traçado como objetivo: analisar o processo de formação das representações sociais construídas por jovens católicos sobre a prevenção ao HIV. Nesta perspectiva, este trabalho discorre sobre os conteúdos que emergem das construções psicossociais de jovens católicos pertencentes à Renovação Carismática Católica (RCC)(3).

MÉTODO

Trata-se de um estudo quali-quantitativo, aportado na Teoria das Representações Sociais (TRS) em sua abordagem processual. A TRS, na perspectiva processual, que possibilita o entendimento de como se constroem as representações sociais, leva a compreensão das construções mentais relacionadas à realidade comum a um grupo de pessoas, englobando um conjunto de conceitos, proposições e explicações das vivências cotidianas interpessoais, funcionado como uma teoria do senso comum(4-6). A teoria possibilita compreender os significados, símbolos e ideologias do inconsciente que conformam o sistema cognitivo humano e que é compartilhada, difundida e propagada por pessoas que possuem características que os aproximam, formando os grupos de pertencimento social.

A pesquisa foi feita na internet, especificamente no Facebook, que se constituiu como cenário de pesquisa, com sujeitos que estiveram online na rede, após convites e o cumprimento dos critérios estabelecidos. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: ser jovem adulto, de ambos os sexos, ser católico, ter entre 18 a 24 anos, ser frequentador de uma paróquia (mínimo de duas vezes por semana), integrar grupos da igreja ligados à RCC, ter participado da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e ser membro do grupo da JMJ no Facebook. O referido grupo apresenta murais restritos às pessoas que o integram, de modo que as informações, imagens e status são compartilhadas e visíveis apenas pelos integrantes.

Após convite, 84 participantes se dispuseram a contribuir com a pesquisa, conformando, assim, uma amostra aleatória não probabilística. A pesquisa foi operacionalizada em três etapas, sendo que nas duas primeiras (aplicação do questionário sociodemográfico e de um roteiro para o teste de associação livre de palavras, cujos resultados não foram utilizados neste estudo) participaram todos os que atenderam aos critérios pré-estabelecidos; na terceira etapa os participantes foram convidados a prosseguir com a sua participação na pesquisa, mas apenas 19 aceitaram. Esta parcela da amostra respondeu a uma entrevista em profundidade, em fevereiro de 2015, norteada por um roteiro com três questões abertas que pretenderam aprofundar os significados que os jovens possuíam sobre a relação entre a religião católica e o exercício da sexualidade, prática sexual segura e prevenção ao HIV.

Foram excluídos os jovens que não confirmaram sua participação após o envio e a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; aqueles que frequentavam a igreja regularmente (duas ou mais vezes por semana), mas que não participavam de nenhum grupo na igreja; ou que desistiram antes do término da coleta de dados.

As falas oriundas das entrevistas foram organizadas em um corpus único. Para tanto, um dos pesquisadores copiou as respostas dos participantes dos espaços on-line destinados à conversação e diálogo, conhecida por ‘caixa de bate-papo’, e colou nas laudas destinadas a escrita de documentos no software Microsoft Word). Em seguida, o corpus foi processado no software Alceste, versão 4.5. O Alceste possibilita, através dos relatórios e gráficos emitidos e da análise estatística de conteúdo lexical, a compreensão sobre os significados de objetos de representação social (como a sexualidade e o HIV/Aids), atribuídos por indivíduos que pertencem a determinado grupo social, a partir das representações construídas nos sistemas de cognição. Foram utilizados para este estudo, como resultados do software, dois gráficos, o dendograma de classes que possibilitou a análise a partir da classificação hierárquica descendente (CHD) e o mapa do plano fatorial que auxiliou na análise fatorial de correspondência (AFC).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Bahia, em 19 de novembro de 2014, com número de protocolo 878.042/2014, CAAE:

33858514.0.0000.5531. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi encaminhado online através das ferramentas disponibilizadas pela rede social, e, após a leitura, os participantes confirmavam a participação com a assinatura digital.

RESULTADOS

Para melhor entendimento das representações sociais, faz-se necessário apresentar as características do grupo de pertencimento que contribuiu com o estudo. Dos 19 entrevistados, 11 eram homens e oito mulheres; seis procedentes do estado da Bahia, quatro das Minas Gerais, três de São Paulo, dois do Rio de Janeiro, dois de Pernambuco, um do Pará e um do Sergipe.

Quanto ao grau de estudo, oito afirmaram ter ensino médio completo, outros oito disseram ter ensino superior incompleto e três cursaram ensino superior completo. Nove, sete e três dos entrevistados se autodeclaram brancos, pardos e pretos, respectivamente. Dez frequentam a igreja duas ou três vezes por semana, enquanto os demais disseram ir quatro ou cinco vezes por semana.

No que tange à orientação sexual, a maioria (n=14) declarou ser heterossexual, três afirmaram ser homossexuais e dois se consideram bissexuais. Do conjunto, 11 referiram praticar sexo seguro com uso de camisinha. Dentre os oito que não utilizam preservativo, três eram virgens e cinco fazem sexo sem a proteção.

Os dados decorrentes das entrevistas e processados no software Alceste a partir da análise estatística padrão, originou um corpus constituído de 19 unidades de contexto iniciais (UCI), totalizando 10.115 ocorrências, 1.855 palavras distintas e média de cinco ocorrências por palavra, com frequência igual ou superior à média e com khi²≥3,84. Após reduzir o vocabulário às suas raízes lexicais, foram encontrados 268 radicais reduzidos e analisáveis, sendo 217 unidades de contextos elementares (UCE). A CHD reteve 95% do total das UCE do corpus, que foram organizadas em quatro classes, como pode ser visualizado na figura 1.

Figura 1. Dendograma da distribuição de classes gerado pelo software Alceste. Salvador-BA, 2015

Figura 1

Fonte: Os autores, 2015.

Percebe-se no dendograma que o corpus inicial sofreu uma única divisão, originando dois subcorpos: o da esquerda, aglutinando as classes 1 e 3, e o da direita com as classes 2 e 4.

A classe 1 - “Sexo só com camisinha” - evidenciou 32 UCE, com 42 palavras analisáveis, significando 16% do corpus. A classe 3, categorizada como “Benefícios do sexo seguro: camisinha ou fidelidade?”, envolveu 57 UCE, contendo 46 palavras analisáveis com um total de 28%. A classe 2 - “Sexualidade: prazer x valores cristãos” - apresentou 45 UCE, com 42 palavras, correspondente a 22% do corpus. A classe 4, denominada “Significados da castidade”, conteve 70 UCE e 48 palavras, correspondendo a 34% das UCE.

Para complementar os resultados obtidos com a análise da CHD, o Alceste também realizou a AFC, visualizada na figura 2. A AFC foi estruturada a partir da leitura do conteúdo lexical e das variáveis-atributos com maiores cargas fatoriais, cuja organização evidencia o grau de proximidade entre os conteúdos das classes.

Figura 2. Gráfico do mapa fatorial de correspondência emitido pelo software Alceste. Salvador-BA, 2015

Figura 2

Fonte: Autores, 2015.

O conteúdo das entrevistas foi dividido em quatro zonas, de forma não-aleatória e correspondente aos desenhos específicos para cada uma das quatro classes, as quais contribuem para o ponto zero (zona central) de ambos os fatores (abscissas e ordenadas), mesmo que a distribuição ocorra discretamente de maneira oposta em ambos os eixos (eixo 1 e eixo 2) ou fatores (F1 e F2). Os dois fatores, juntos, explicam 75% da variância total das UCE.

Quadro 1. Legendas para interpretação do Gráfico do Plano Fatorial. Salvador-BA, 2015

Quadro 1

Fonte: Autores, 2015.

A linha horizontal das abscissas (eixo 1 ou F1) revela as maiores cargas fatoriais identificadas pelo Alceste, explicando 40% da variância total das UCE. Nesse eixo, no lado negativo (da esquerda), encontram-se as palavras agrupadas nas classes 2 e 4 que emergiram dos discursos dos/as participantes. No espaço fatorial, as duas classes possuem sobreposição no F1-, compartilhando as variáveis-atributos e a palavra sexualidade. A classe 4 ainda cooperou individualmente no eixo, com as palavras: fé, fala (sentido de dialogar), abstinência, viver, segue (seguir/praticar as doutrinas), desejo, namoro e professar.

No eixo 1 positivo (à direita) estão as palavras com maiores cargas fatoriais aglutinadas nas classes 1 e 3, também sobrepostas, e, em oposição ao fator negativo. As mulheres com ensino superior completo e procedentes do interior dos seus estados colaboraram com a classe 1 emitindo as palavras: uso, prevenção, método e dia (dias atuais). A classe 3 teve a contribuição dos jovens com ensino superior incompleto com os seguintes vocábulos: meio, camisinha, proteger, parceiro, doença, discurso, tempo e fidelidade. No eixo vertical, onde se visualiza o F2, destacam-se, também, as quatro classes, que, juntas, explicam 30% da variância total das UCE. No fator F2+ se encontram sobrepostas as classes 1 e 2. A classe 1 é formada pelos seguintes campos semânticos-lexicais: dever, assunto, grupo e opinião. Na classe 2, os participantes representaram os termos valor, doutrina, discutido (discussão), corpo, prazer, momento e entendimentos.

No F2 foram categorizadas as classes 3 e 4, que estão justapostas, e contribuíram para este setor. A classe 3 destaca as objetivações tempo e fidelidade. A classe 4, que sofreu interferência das variáveis da classe 2 (observada com a sobreposição no F1-), foi formada pelo conteúdo lexical: fé, respeito, mulheres, abstinência, viver, falar (sentido de dialogar), segue (seguir/praticar as doutrinas), namoro e professar.

Salienta-se que alguns participantes tiveram suas próprias UCI, as quais também contribuíram com as respectivas classes: classe 1 (entrevistados 05, 11, 14 e 19); classe 2 (entrevistado 07); classe 3 (entrevistado 18); classe 4 (entrevistado 08). Os participantes destacados no gráfico do plano fatorial (figura 2) também colaboraram, ainda que discretamente, com mais de uma classe, conforme as sobreposições visualizadas no gráfico: entrevistado 14 (classe 1 e 2); entrevistados 05 e 19 (classes 1 e 3); entrevistados 11 e 18 (classes 3 e 4); entrevistados 05 e 18 (classes 1, 3 e 4); entrevistado 19 (classes 1, 2 e 3); e entrevistado 11 (todas as classes).

A seguir estão descritas as quatro classes, na ordem da esquerda para a direita, como está demonstrada na figura 1, que evidencia os vocábulos com maior khi² e as variáveis-atributos que contribuíram significativamente: sexo (mulher ou homem), procedência (capital /região metropolitana ou interior), raça (branca ou negra) e escolaridade (ensino médio completo, ensino superior incompleto ou ensino superior completo).

A classe 1, “Sexo só com camisinha”, foi composta por vocábulos e radicais no intervalo entre khi²=29 (ficar) e khi²=07 (problema). As variáveis-atributos que tiveram significância para esta classe foram mulheres, procedentes do interior de seus respectivos estados, com ensino superior completo. Na sequência, há trechos dos discursos dos participantes, revelada pelo software, que caracteriza esta classe:

Mesmo conhecendo seu parceiro, o preservativo é a melhor maneira de não ter uma gravidez indesejada e não pegar uma doença transmitida pelo sexo, como a Aids (Entrevistada 01; março de 2015).

Sexo seguro sem dúvida é o sexo com camisinha (Entrevistada 19; março de 2015).

A classe 3, “Benefícios do sexo seguro: camisinha ou fidelidade?”, foi formada por palavras e radicais no intervalo entre khi²=36 (camisinha) e khi²=06 (quer). A variável-atributo que mais contribuiu foi a escolaridade - ensino superior incompleto, para ambos os sexos. A seguir, um recorte do contexto elementar que caracteriza a denominação desta classe:

(...) eu não acho que o uso da camisinha deveria ser tão criticado, pois, de certa forma, é uma questão de manutenção da vida. Se você pensar em relação às doenças sexualmente transmissíveis, eu sou super a favor do uso (Entrevistada 05; março de 2015).

(...) as pessoas devem ter consciência dos seus atos (...) sexo seguro é a intimidade que você tem com seu parceiro, (...) quando há fidelidade mútua é difícil contrair doenças (Entrevistado 13; março de 2015).

A classe 2, “Sexualidade: prazer x valores cristão”, apresentou palavras e radicais no intervalo khi²=23 (prazer) e khi²= 07 (mídia). Esta classe foi caracterizada por homens negros que residem em capitais/regiões metropolitanas com ensino superior completo. As interlocuções a seguir possibilitam uma melhor compreensão:

Ao meu ver a sexualidade implica no envolvimento de duas pessoas, independente da opção sexual. Traz consigo o extremo prazer no sexo (...) a sexualidade é livre, independe de orientação sexual (Entrevistado 14; março 2015).

(...) a sexualidade é vista como algo sagrado, dom de Deus, com duas finalidades: a união e a procriação. Eu me posiciono com o mesmo pensamento, deve ser feita com alguém também separado para você (Entrevistado 07; março de 2015).

A classe 4, definida como “Significados da castidade”, evidencia o conteúdo lexical referente ao conceito tradicional da castidade seguido por alguns jovens e à nova forma que outros encontraram de vivenciar a sexualidade sem a castidade. Essa parte do corpus teve sua caracterização estabelecida por palavras e radicais no intervalo khi²=20 (desejo) e khi²=06 (mundo). No que se refere às variáveis descritivas, a classe não apresentou variáveis com grau de associação que contribuíssem especificamente. Entretanto, ao visualizar o gráfico do plano fatorial de correspondência (figura 2), fica nítida a interferência das variáveis da classe 2 (homens negros que residem em capitais/regiões metropolitanas e com ensino superior completo) para a caracterização da classe 4, uma vez que elas se interseccionam. Abaixo, trechos das UCE para contextualizar a classe:

(...) Eu entendo a abstinência para algo que você já experimentou, porém, decide que vai parar. Então, se você nunca transou antes acho que vai ser castidade (...) (Entrevistada 02; março de 2015).

(...) para mim a proposta da castidade é um caminho para aprofundar o amor e para guardar a dignidade da pessoa (...) sendo a sexualidade algo sagrado que deve acontecer em um momento sagrado (Entrevistado 07; março de 2015).

(...) Existe um bloqueio criado pela Igreja, somos chamados a viver a castidade e deixar a sexualidade para depois do casamento (Entrevistada 15; março de 2015).

Pelo exposto, pode-se inferir que as classes, apesar de possuírem características peculiares, que lhes conferem dissensos e contradições na formação das representações acerca da prevenção para o HIV/Aids, possuem mais similaridades no conteúdo semântico e lexical, o que contribui para a formação de um grupo consensual.

DISCUSSÃO

Percebe-se que as entrevistas online, realizadas com os jovens católicos para este estudo, permitiram compreender o processo de formação das representações construídas sobre a prevenção ao HIV, uma vez que as diferenciações e as similaridades foram compreendidas através de seus discursos. Como toda representação é de um objeto (prevenção) para um grupo social(5), pode-se observar que, nessas relações em rede, há a formação de grupos de pertencimentos que compartilham ideias, crenças e aspectos semelhantes de vidas(6-7), o que permitiu a qualificação de social à representação estudada. Desta maneira, as redes sociais são definidas como a representação de um conjunto de participantes autônomos que unem ideias e valores em torno de interesses compartilhados(7).

Destaca-se que a variável procedência não caracterizou diferenças intragrupais significativas sobre as representações dos jovens estudados. Essa evidência corrobora com a função das redes sociais em propagar informações rapidamente, formando grupos de pertencimento e promovendo uma “cultura cibernética”.

A escolaridade, principalmente na divisão do ensino superior completo e incompleto, caracterizou respectivamente as classes 1 e 3, que discretamente sofreram oposição no plano fatorial de correspondência, mas que não determina o pensamento social dos que participaram do estudo, pois as classes tiveram aproximação semântica significativa, reforçando a ideia, que ainda necessita ser aprofundada, do papel das redes sociais, como o Facebook, na construção e difusão de representações.

Foram evidenciadas palavras que contribuíram para o discurso dúbio apresentado pelos jovens, no que se refere à representação da prevenção ao HIV: antes do casamento com uso do preservativo, ancorado no uso da camisinha quando se faz o sexo casual (expressada pela palavra ficar, típica do linguajar dos jovens), cujo principal objetivo é o de prevenção do HIV/Aids ou gravidez indesejada, presente especialmente nos discursos da ala mais progressista da Igreja; e depois do casamento, com o binômio fidelidade e confiança com o único parceiro escolhido por Deus, com o intuito de ter filhos.

Essas palavras reforçam os discursos, em que as representações sociais dos jovens católicos revelam oposição simbólica entre o discurso da tradição da Igreja, normalmente denominada de conservadora, e aquele que engloba as tecnologias disponíveis na atualidade como mecanismos de proteção pessoal no exercício sexual.

Como um processo de reforço da esfera tradicional, muito incrementado pelos movimentos de renovação carismática, pode-se observar que a representação da sexualidade associada à prevenção do HIV, para este grupo, apresenta-se com certo grau de idealização a partir das proposições da fé que foi abraçada. Por isto, ele precisa de força para não cair em tentação e pecar, uma vez que o pecado acarreta muitas consequências, tirando-o, por exemplo, da esfera de atuação da graça divina ou diminuindo-o em face do padrão que possui(1). Compreende-se, então, algumas relações que as representações da prevenção ao HIV possuem com aquelas construídas em relação à sexualidade: ambiguidade entre o que se deve ser, como idealização da fé, e o que se realiza no cotidiano da vida.

Com esse discurso permeado de construções psicossociais compostas de elementos negativos acerca da sexualidade, muitos jovens iniciam as práticas sexuais sem informações precisas ou fazem sexo ‘escondido’ da Igreja, por não conseguirem manter a experiência da castidade e vivenciar a fidelidade em seus relacionamentos. A construção representacional da fidelidade como meio de prevenção ao HIV potencializa a vulnerabilidade, sobretudo das mulheres, uma vez que, no imaginário social e na tradição da Igreja, ter um relacionamento fixo, com um único parceiro, representa segurança e proteção contra as infecções sexualmente transmissíveis, especialmente o HIV/Aids(8-9).

A representação do estado de vulnerabilidade dos jovens católicos pode ser invisibilizada como estratégia em face das doutrinas católicas e está fundamentada na hegemonia masculina/patriarcal, o que termina por reforçar construções sociais como a virgindade, o casamento, a confiança e a fidelidade nos relacionamentos(10).

A invisibilidade para as questões relacionadas à vulnerabilidade pode estar associada, também, às construções sociais e representações hegemônicas sobre a Aids. Corrobora com estes achados estudo realizado com líderes religiosos de cunho carismático, em que as representações da Aids relacionam-se com elementos circulantes na sociedade na década de 80 do século passado, como se não houvesse acontecido uma evolução ética, científica, humana e moral na civilização ocidental a partir do surgimento do HIV(11).

Ao mesmo tempo, no conjunto dos resultados, pode-se observar uma dualidade no discurso dos jovens católicos quanto aos significados que possuem sobre sexo: num primeiro grupo estão aqueles que optam pelo livre arbítrio (liberdade) e defendem que as pessoas são livres para exercerem a prática sexual e a adoção de mecanismos de prevenção com o intuito de obter prazer e desejo; no segundo grupo estão os jovens que consideram que o sexo serve para unir o casal (homem e mulher), o qual deve ser realizado com a pessoa que ama, respeitando os valores e a fé, o que gera uma dissonância cognitiva entre as exigências doutrinárias e as demandas práticas próprias da idade.

Destaca-se que a representação social da prevenção ao HIV mostra a influência da tradição da Igreja Católica no processo de formação dessas representações, em tensão com a presença de conteúdos representacionais ligados ao conhecimento científico e às recomendações das instâncias oficiais da saúde no País, o que se concretiza na adoção, lado a lado, do condom e da castidade/fidelidade como métodos de prevenção.

Desta maneira, o grupo religioso a que se pertence, com o qual se constrói relação de identidade social, se constitui, na prática, uma rede cultural que, dentre outras coisas, vigia, investiga e aconselha as pessoas sobre o certo e o errado, materializando-se no controle dos corpos e impondo limites à autonomia. As doutrinas da religião católica, ao menos ao longo dos séculos, disciplina a sexualidade dos fiéis por meio da submissão dos corpos(12).

Os resultados mostraram que, embora o objeto de estudo seja a representação social da prevenção ao HIV para jovens católicos, os significados representacionais da sexualidade também estiveram presentes como dilema, uma vez que são intrínsecos. A consideração da castidade como método de prevenção mostra isto de maneira marcante ou até mesmo a construção do discurso científico como um contraponto àquele tradicional da Igreja, com legitimidade própria na contemporaneidade(10).

A Igreja Católica apoia a concepção hierárquica pai-mãe-filho, naturalizada como o lugar originário da formação do sujeito. Esta construção heteronormativa considera uma única concepção de família, a partir da relação do homem com a mulher, cujo objetivo é manter a ordem social e contribuir na formação da pessoa adulta(13-14).

Destaca-se, no entanto, que, ao mesmo tempo em que representações hegemônicas sobre sexo e sexualidade são mantidas, outras novas vão surgindo e fogem à tradicional que é disseminada oficialmente pela Igreja Católica. Estas ideias se contrapõem às doutrinas tradicionais e ganham força com o pensamento progressista, que propõe que os jovens podem ser bons católicos, mas discordar do posicionamento da Igreja(11,15).

Essa dissonância entre as novas visões dos jovens com os ideais tradicionais católicos evidencia um elemento estranho no conjunto da própria representação social. É um novo repensar da sexualidade que implica em práticas diversas de prevenção ao HIV/Aids.

Essa polaridade de ideais sobre a prevenção ao HIV e até mesmo da sexualidade e o seu livre exercício (com prática sexual segura ou não) tem constituído o pensamento social do grupo de pertencimento e conformado as representações, apontando para uma duplicidade complexa de ideologias que a Igreja vem enfrentando: o lado tradicional e conservador, com a manutenção da ideia do sexo restrito ao casamento e proibição de métodos artificiais preventivos; e, do outro lado, o ideal progressista sobre a práticas de preventivas e sexuais redirecionadas à autonomia dos corpos(16).

As representações sociais dominantes, tradicionais e hegemônicas, como as decorrentes da doutrina católica, refletem ideologias que são funcionais e/ou auto-reproduzidas, permitindo que o status quo siga seu curso sem desafio. Entretanto, as representações oriundas de pensamentos progressistas, cujas práticas são contra-ideológicas e moralmente inaceitáveis pelo grupo conservador, tendem a quebrar vários tabus(17).

Esse é o caso das representações sociais evidenciadas entre os jovens deste estudo, uma vez que o elemento estranho das representações decorre de um processo de acomodação de uma nova forma de pensamento social, cujas possíveis e futuras modificações das representações sociais acerca da prevenção ao HIV para jovens católicos englobam este elemento estranho anteriormente apontado que, certamente, vem sendo absorvido a partir da sociedade e da mídia pela Igreja, através dos fiéis que passam incorporar novas práticas, um pouco mais distintas das tradicionais.

CONCLUSÃO

A elaboração das representações sociais pelos jovens católicos, em seus sistemas de construções mentais, sobre a prevenção para o HIV revelou que este objeto é intrínseco à esfera da sexualidade e ao livre exercício da prática sexual, cujos comportamentos são influenciadas pelas doutrinas e dogmas católicos tradicionais, ainda que se reconheça que o pensamento progressista e o uso de tecnologias (como a adesão à camisinha no sexo seguro) convergem para a formação dessas representações, o que se configura em dilemas entre os jovens e um desafio para a Igreja. Contudo, deve-se reconhecer a impossibilidade de generalizar os resultados desta pesquisa para o cotidiano vivenciado por outros jovens católicos, mesmo que a metodologia aplicada no Facebook possa atingir uma população maior, o que se constitui como uma das limitações deste estudo.

Desse modo, ao refletir as representações sociais dos jovens católicos, profissionais de saúde podem planejar o cuidado, fundamentado no conhecimento que o grupo possui sobre o objeto investigado, além de propor diálogos com a Igreja para, juntos, elucidar as dúvidas e promover avanços nas discussões sobre a sexualidade, sexo seguro e a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, como a Aids.


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Todos os autores participaram das fases dessa publicação em uma ou mais etapas a seguir, de acordo com as recomendações do International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE, 2013): (a) participação substancial na concepção ou confecção do manuscrito ou da coleta, análise ou interpretação dos dados; (b) elaboração do trabalho ou realização de revisão crítica do conteúdo intelectual; (c) aprovação da versão submetida. Todos os autores declaram para os devidos fins que são de suas responsabilidades o conteúdo relacionado a todos os aspectos do manuscrito submetido ao OBJN. Garantem que as questões relacionadas com a exatidão ou integridade de qualquer parte do artigo foram devidamente investigadas e resolvidas. Eximindo, portanto o OBJN de qualquer participação solidária em eventuais imbróglios sobre a matéria em apreço. Todos os autores declaram que não possuem conflito de interesses, seja de ordem financeira ou de relacionamento, que influencie a redação e/ou interpretação dos achados. Essa declaração foi assinada digitalmente por todos os autores conforme recomendação do ICMJE, cujo modelo está disponível em http://www.objnursing.uff.br/normas/DUDE_final_13-06-2013.pdf

Recebido: 14/12/2016 Revisado: 06/01/2019 Aprovado: 06/01/2019