Educação permanente no serviço de atendimento pré-hospitalar móvel de urgência: revisão integrativa

 

 

Fabíola Chaves Fernandes1, Daniel Laprovita1, Wagner Luiz Melo Bonin1, Geilsa Soraia Cavalcanti Valente1, Elaine Antunes Cortez1, Marcos Paulo Fonseca Corvino1

 

1 Universidade Federal Fluminense

 

 

RESUMO

Objetivo: identificar como a educação permanente em saúde vem sendo incorporada na prática de ensino em publicações acerca do serviço de atendimento móvel de urgência. Método: revisão integrativa em três bases de dados, com corte temporal de 2010 a 2020. Resultados: três artigos selecionados, emergindo duas categorias: Necessidade da prática de educação para atender demandas no atendimento pré-hospitalar móvel; e Incorporação da educação permanente como estratégia para novas práticas no serviço de atendimento móvel de urgência. Conclusão: há grande demanda de atendimentos nas redes de urgência, sobretudo no componente pré-hospitalar. Porém, a incorporação da educação permanente como estratégia para novas práticas no serviço ainda não está bem clara, posto que apenas três artigos a referiram. Sugere-se novas pesquisas introduzindo a educação permanente na prática do serviço pré-hospitalar móvel de urgência, já que proporciona uma releitura crítica das práticas de trabalho e das necessidades advindas delas, para, assim, transformá-las.

Descritores: Educação continuada; Serviços Médicos de Emergência; Capacitação em Serviço.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO  

 

 

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) projetam um aumento significativo na mortalidade por causas externas, principalmente no que se refere a acidentes de trânsitos e violências, no período de 2002-2020(1), impactando fortemente o Sistema Único de Saúde (SUS) e a sociedade(2). Este quadro revela um dos principais problemas enfrentados pelo SUS, que se apoia em um arcabouço legal pautado no pacto federativo.

A legislação do SUS reconhece a competência de cada esfera de governo, delegando a gestores federais, estaduais e municipais a responsabilidade pela gestão, financiamento e política do sistema. Trata-se de  exercício de autonomia para municípios e estados na edição e aplicação de medidas, normas e estratégias que objetivem garantir as diretrizes da universalidade, igualdade de acesso e integralidade da assistência(3).

Neste sentido, a Política Nacional de Atenção às Urgências (PNAU) propõe a conformação de sistemas de atenção às urgências estaduais, regionais e municipais, com o objetivo de cumprir as diretrizes que norteiam o SUS, priorizando a implantação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) – 192 – , como o primeiro elemento da política(4).

O SAMU, que é um serviço de atendimento pré-hospitalar móvel, é composto por Unidades de Suporte Básico de Vida (USB) e Unidades de Suporte Avançado de Vida (USA), que diferem entre si pela composição da equipe que tripula a unidade e pelas ocorrências que estão aptas a atender(4). As USA são tripuladas por médicos, enfermeiros e condutores de veículos, enquanto  as viaturas de suporte básico são tripuladas por técnicos de enfermagem, funcionando 24 horas por dia(2).

O cenário de trabalho das equipes de saúde constitui-se de situações em que o tempo, associado à tomada de decisão precisa, é de fundamental importância para um desfecho satisfatório para o usuário.

Os profissionais que atuam no atendimento pré-hospitalar são convocados a todo o momento a produzirem uma prática segura e uma assistência mediada por especificidades que se renovam a cada atendimento. As incertezas que atravessam a atenção das equipes do SAMU em uma via pública são constantes, posto que as condições da assistência são sempre mediadas por vários vetores e probabilidades, que incluem entre outros: o local do acidente e o seu entorno, a distância entre o local do acidente e o hospital de referência e as condições da vítima. Essa é uma conjuntura que exige do profissional, que atua no campo do atendimento pré-hospitalar, uma rotina de atualização e educação permanente.

Para tal, a educação permanente em saúde (EPS) trabalha com ferramentas que buscam a reflexão crítica sobre as práticas, sendo por si só um processo educativo aplicado ao trabalho. Isso possibilita mudanças nas relações, nos processos, nos atos de saúde e nas pessoas e uma melhor articulação dentro e fora do trabalho(5).

Vale salientar que a ESP considera como pressuposto a aprendizagem significativa, ou seja, a partir dos problemas que se apresentam no ambiente de trabalho, pode-se refletir e debater em equipe as necessidades educacionais a fim de melhorar o processo de trabalho(6).

A EPS possibilita a produção de novos pactos e novos acordos coletivos no SUS. Seu foco são os processos de trabalho, seu alvo são as equipes de saúde e seu lócus de operação são os coletivos, pois o olhar do outro é fundamental para a possibilidade de problematização e produção de incômodos(7).

Diante do exposto, esse estudo teve como objetivo identificar o conhecimento produzido e publicado na literatura nacional e internacional, a respeito de como a EPS vem sendo incorporada na prática de ensino do SAMU, no período de 2010 a 2020.

 

MÉTODO

 

Optou-se por desenvolver um estudo que envolve a sistematização e publicação dos resultados de uma pesquisa bibliográfica em saúde. O principal objetivo da revisão integrativa (RI) é permitir realizar análises que ultrapassem a síntese dos resultados dos estudos selecionados, uma vez que abrange outras dimensões de pesquisa, apresentando potencial para o desenvolvimento de novas teorias e problemas de pesquisa. Assim, a RI é um tipo de revisão com métodos normatizados e sistemáticos, garantindo o rigor necessário à pesquisa científica, a fim de legitimar as evidências, integrando-as à prática profissional e possibilitando a reflexão sobre determinado fenômeno(8).

Com objetivo de sistematizar a pesquisa, a seguinte sequência foi adotada para a RI: 1- identificação do tema e seleção da questão da pesquisa; 2- estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos; 3- definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados; 4- avaliação dos estudos incluídos/categorização; 5- interpretação dos resultados; 6- apresentação da revisão/síntese do conhecimento.

Por meio da RI se conseguiu identificar, selecionar, avaliar de forma crítica e sintetizar os conhecimentos existentes para solucionar o problema em questão, a fim de atender ao objetivo do trabalho.

Para isso, consideraram-se as recomendações do Joanna Briggs Institute, obtendo como resultado na primeira etapa a questão norteadora para sua condução, utilizando-se o método PICO: como a EPS vem sendo incorporada como estratégia de ensino no SAMU? (The Joanna Briggs Institute, 2011)

Cada parâmetro da estratégia PICO contribuiu para a seleção dos estudos a serem incluídos e correspondem aos seguintes elementos: P (população) - trabalhador do SAMU; I (intervenção) - inserção da EPS nas práticas de ensino do SAMU; C (comparação) - instrumento não utilizado; O (desfecho) - identificar como a EPS vem sendo incorporada na prática de ensino do SAMU. Essa estratégia permitiu limitar de forma específica e científica a questão que se desejou investigar(9).

Para elaboração da segunda etapa foram estabelecidos os critérios da pesquisa, sendo incluídos artigos com textos na língua portuguesa, inglesa ou espanhola, que abordassem a construção da EPS como prática de ensino nos serviços de urgência e emergência, na modalidade pré-hospitalar móvel. Foram excluídos os artigos de revisão integrativa, as monografias, dissertações e teses, e os estudos que descrevem sobre a EPS fora do contexto do atendimento pré-hospitalar móvel de urgência. O levantamento dos artigos se deu no período de 5 a 30 de junho de 2020, tendo como corte temporal os estudos publicados de 2010 a 2020.

A busca online foi realizada na Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), na US National Library of Medicine (MEDLINE) e base de dados SciVerse Scopus TopCited (SCOPUS), , sendo considerados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) para as bases LILACS e MEDLINE, e os termos do Medical Subject Headings (MESH) para a SCOPUS.

Utilizou-se a busca avançada nas respectivas bases de dados, com a combinação dos descritores anteriormente definidos, nas bases MEDLINE e LILACS, via portal da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), e SCOPUS, via portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com os operadores booleanos “AND” e “OR”. Foram encontradas 447 publicações conforme quadro 1.

 

Quadro1:  Combinação de descritores e base de dados, 2020, Niterói.

 

DESCRITORES

 

BASE DE DADOS

 

PUBLICAÇÕES ENCONTRADAS

“serviços médicos de emergência” OR “samu” AND “educação continuada” OR “educação permanente” AND “capacitação em serviço” OR              “treinamento em serviço” OR “programa de treinamento ao empregado”.

 

   MEDLINE

                     112

    LILACS

17

“Emergency medical services” OR “Prehospital emergency care” OR “Emergency care” “OR “Emergency health services” AND “Continuing education” OR “Education, nursing, continuing” OR “Education, medical continuing” AND “Training, inservice” OR “Inservice training” OR “Training, inservice”.

 

 SCOPUS

 

169

 

TOTAL:

298

 Fonte: Os autores.

 

A Prática Baseada em Evidências (PBE) preconiza sistemas de classificação de evidências caracterizados de forma hierárquica, dependendo da abordagem metodológica adotada, que toma por base o delineamento do estudo(10). Neste estudo, o nível de evidência se estabeleceu a partir da classificação utilizada na Universidade de Oxford (2001), considerando o grau de recomendação a partir do enfoque da pesquisa(11,12).

Na terceira etapa da RI, os trabalhos foram selecionados mediante a leitura dos títulos e resumos e a aplicação dos critérios de elegibilidade já mencionados. Nessa etapa, três avaliadores selecionaram os artigos: dois enfermeiros e uma dentista, sendo dois mestres pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem - Mestrado Profissional em Ensino na Saúde: Formação docente interdisciplinar no Sistema Único de Saúde, e uma doutoranda pelo Programa Acadêmico de Ciências em Cuidado em Saúde, ambos da Universidade Federal Fluminense. Esse caminho percorrido será apresentado a partir do fluxograma demonstrado na figura 1.

 

 

 

Figura 1- Fluxograma da pesquisa e resultados, 2020, Niterói.

Figura1

Fonte: Os autores

 

 

Avaliando as nove publicações quanto à origem, verificou-se que cinco são provenientes de revistas internacionais, duas são provenientes de uma revista eletrônica nacional, e duas são de revistas nacionais impressas. Uma publicação foi escrita em língua inglesa (n=5), uma internacional traduzida para língua portuguesa (n=3) e um estudo originalmente em língua portuguesa (n=1).

Apenas uma revista não estava classificada na qualificação Qualis/Capes. As demais foram: uma C, uma B4, uma B3, duas B1, uma A4, uma A3 e uma A2.

Ressalta-se que Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela Capes para estratificação da qualidade dae produção intelectual dos programas de pós-graduação(13).

A classificação de periódicos pela Capes é realizada pelas áreas de avaliação e passa pelo processo anual de atualização. Esses veículos são enquadrados em estratos indicativos de qualidade, sendo A1 (o mais elevado), A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C (com peso zero)(13).

A quarta etapa desta RI consistiu na revisão com análise crítica dos estudos selecionados, os quais foram lidos na íntegra pelos três avaliadores para, assim, construir a quinta etapa. Essa compreendeu a interpretação e discussão dos resultados, destacando-se aqueles que enfatizam a incorporação da EPS nas práticas de ensino no SAMU.

A sexta e última etapa tratou da revisão e síntese dos estudos destacados, com a finalidade de responder aos objetivos, na qual emergiram duas categorias. Nesse momento, mais três avaliadores ficaram responsáveis pela correta concepção das categorias e seu desenho, sendo todos professores doutores do mesmo programa de mestrado profissional e doutorado acadêmico.

 

RESULTADOS

 

O quadro sinóptico 2, com as três referências encontradas, a partir da RI, é apresentado de acordo com o tipo de periódico, idioma e ano, a base de dados onde o estudo foi coletado, título do trabalho, autores, tipo de pesquisa, considerações temáticas e classificação do estudo.

 

 

Quadro 2: Distribuição do material selecionado de acordo com a procedência, título, ano de publicação, autor, periódico, considerações e nível de evidência(NE).

Procedência

Título

Autores

Periódico

Considerações

NE

LILACS

O conhecimento da aplicação dos métodos de triagem em incidentes com múltiplas vítimas no atendimento pré-hospitalar

Araujo, Jonas Allyson Mendes deGonçalves, Kauanny GomesSales Filho, Raimundo Faustino deSilva, Hobber Kildare SousaMenezes, Raila Souto PintoMatos, Tarcio Aragão.

Nursing (Säo Paulo); 22(252): 2887-2890, maio.2019.

Limitação dos participantes para atendimento de múltiplas vítimas no atendimento pré-hospitalar. Dos casos elaborados para o estudo, 50% obtiveram resolutividade adequada. Apenas 17% dos participantes tinham formação específica.

4C

MEDLINE

Improving Air Medical Transport Education for Emergency Providers

Junod, ColtonPangan, Catherine Hagerman.

Air Med J; 38(1): 5, 2019.

Relato de experiência destacando a transfusão de sangue e plasma no atendimento pré-hospitalar.

5D

LILACS

 Implementação da Sistematização da Assistencia de Enfermagem (SAE) no Serviço de Atendimento Movel de Urgência (SAMU)

NICOLAU, Silvio et al

Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental Online, [S.l.], v. 11, n. 2, p. 417-424, jan. 2019. ISSN 2175-536

Pesquisa acerca da dificuldade da sistematização da assistência de enfermagem, considerando que a descontinuidade da assistência é o principal motivo para a falta de registros, o que leva a unidade recebedora do paciente não ficar com nenhum registro do atendimento prestado no pré-hospitalar.

4C

MEDLINE

Difference in First Aid Activity During Mass Casualty Training Based on Having Taken an Educational Course. Disaster

Yanagawa, Y., Omori, K., Ishikawa, K., Takeuchi, I., Jitsuiki, K., Yoshizawa, T., . . . Osaka, H.

Medicine and Public Health Preparedness, 12(4), 437-440. doi:10.1017/dmp.2017.99 2018

Profissionais que receberam treinamento de apoio à vida em massa, tiveram desempenho melhor na atividade de primeiros socorros.

4C

MEDLINE

Mobile emergency simulation training for rural health providers.

Martin, DouglasBekiaris, BrentHansen, Gregory.

Rural Remote Health; 17(3): 4057, 2017.

Treinamento de  simulação móvel de emergência aumentou a qualidade geral do aprendizado, desenvolvendo habilidades de raciocínio clínico e capacidade de tomada de decisão, ajudando a reconhecer rapidamente a deterioração do paciente e permitindo a autorreflexão

4C

LILACS

Instrument for assessing the quality of mobile emergency pre-hospital care: content validation

DANTAS, Rodrigo Assis Neves et al

Rev. esc. enferm. USP,São Paulo , v. 49, n. 3, p. 380-386,  June  2015

Validação de instrumento de avaliação da qualidade da assistência pré-hospitalar móvel.

 

MEDLINE

Prehospital trauma care education for first responders in India(14)

Aekka, A. et al.

Journal of Surgical Research, August 2015, p. 331-338

Necessidade de formar socorristas leigos pela dificuldade no atendimento pré-hospitalar em países em desenvolvimento

4C

LILACS

Ensino à distância na educação permanente em Urgência e

Emergência(15)

Tobase, L. et al.

Journal of Health  Informatics, 2012

 

Considerando a grande demanda de Atendimento Móvel de Urgência, revela-se a importância da capacitação técnica da equipe

4C

LILACS

Educação permanente

/continuada como estratégias de gestão no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência(16)

Hetti, L. B. E. et al.

Revista Eletrônica de Enfermagem, 2013

 

 

Qualificação das equipes das viaturas de suporte básico e avançado de vida sob a perspectiva da educação permanente

4C

Fonte:  Os autores.

Com a leitura e análise dos artigos selecionados foi possível separar as categorias temáticas para responder ao objetivo desse estudo, quais sejam: 1) Necessidade de prática de educação para atender às demandas do atendimento pré-hospitalar móvel; e 2) Incorporação da ESP como estratégia para novas práticas no SAMU.

Na primeira categoria foram enquadrados estudos(14,16,20,21) que consideram a necessidade de se manter um programa de EPS que utilize as demandas do próprio serviço para qualificá-lo.

A segunda categoria reuniu estudos(15,17,18,19,22) que citam diretamente a incorporação da EPS como possibilidade para novas práticas no processo de trabalho.

DISCUSSÃO

 

Considerando que a maioria das mortes por trauma poderia ser evitada se houvesse atendimento pré-hospitalar adequado nas primeiras horas, na Índia foi estabelecido um programa de treinamento para socorristas leigos em áreas rurais, com a inserção de profissionais de vários segmentos(20), junto com a população nativa.

E ainda considerando que a equipe envolvida nesta assistência não tem formação específica, conforme estudo em Sobral/CE, sugere-se implementação de um programa direcionado ao processo de preparo intersetorial dos profissionais do campo da medicina de desastres, norteados pela educação permanente(14).

Observando a experiência do transporte médico aéreo, onde a transfusão sanguínea e de plasma teve importância vital na medicina rural, seja pela rápida tomada de decisão ou pelo baixo suprimento de sangue dos hospitais(15), retoma-se a dificuldade da assistência pela sua descontinuidade, negligenciando muitas vezes registros pré-hospitalares importantes para a integralidade do cuidado(16). Sugere-se, desta maneira, que ao se treinar a equipe através de cursos educacionais, na lógica da EPS, seu desempenho irá melhorar(17), posto que o treinamento em simulação de emergência aumenta a qualidade do serviço prestado(18), confirmado por instrumento validado de avaliação da qualidade da assistência(19).

Compreendendo que o atendimento pré-hospitalar móvel é realizado majoritariamente pelas equipes de USB, mas que em países em desenvolvimento há escassez de mão de obra especializada, evidencia-se a necessidade de formar socorristas leigos(20), bem como a importância da utilização da educação a distância (EaD) como espaço virtual de aprendizagem que possibilita a incorporação da EPS no serviço para as equipes de USB(21)

Incluir a utilização da modalidade EaD evidencia a valorização da utilização dos recursos tecnológicos na potencialização da aprendizagem(21). Por isso, na cidade de São Paulo, acreditando que o sucesso para utilização de qualquer estratégia educativa deve passar pela compreensão dos envolvidos sobre ela, propôs-se identificar a percepção dos profissionais do SAMU sobre a educação permanente/continuada nas práticas de ensino. Busca-se, com isso, a compreensão de conceitos e a percepção dos trabalhadores sobre a incorporação da educação permanente como prática de ensino no processo de trabalho(22)

Pode-se verificar que profissionais médicos e enfermeiros concebem a educação em saúde como um objetivo a ser alcançado, a fim de tornar a população mais responsável por sua própria saúde, seja promovendo saúde, prevenindo ou controlando doenças(23). Mas, sobre si mesmos, seus depoimentos relacionam qualidade ao grau de qualificação do trabalhador, denotando a necessidade de maior investimento em EPS, já que essa se configura em uma importante ferramenta para tornar o profissional protagonista, empoderando-o(24). A EPS para equipes de saúde é fundamental, em especial para equipes de atendimento de urgências, pois proporciona uma releitura crítica das condições de trabalho, das relações estabelecidas e das necessidades de saúde, levando em conta as particularidades de cada região, dos usuários e dos trabalhadores envolvidos(7).

 

Categoria 1 - Necessidade de prática de educação para atender as demandas do serviço de atendimento pré-hospitalar móvel

Foram verificados estudos (20,21,22,23) evidenciando que as demandas nas urgências precisam ser atendidas, pois, mundialmente, sobrecarregam e fragilizam os serviços de saúde. Para o Ministério da Saúde, a área de urgência e emergência se constitui um importante componente da assistência a saúde(2). Em resposta, constata-se a construção de programas que visam diminuir esse impacto. No Brasil, houve a incorporação do SAMU, que segue dois modelos internacionais, o francês e o americano. O modelo francês é centralizado numa rede de comunicações e baseado na regulação médica. Todas as chamadas são avaliadas por um médico, que define a resposta mais eficiente, maximizando os recursos disponíveis. Já o modelo americano atua com paramédicos, que são regulados por uma central de regulação médicas16. Os serviços de saúde precisam se organizar para atender de maneira eficaz as políticas públicas e mostrar um esforço imenso, tanto a nível nacional quanto internacional, (20,21,22) de se reduzir as mortes por trauma ou sequelas incapacidades através da inserção de programas que visam organizar o fluxo de atendimento às demandas, contribuindo para um atendimento rápido e de qualidade as vítimas que sofrem agravos. Destaque-se a importância do aprimoramento dos profissionais que atuam neste serviço, embora um estudo observacional na Suíça revelou que a implementação do treinamento em USB não pareceu estar associada com a redução da mortalidade ou capacidade de retorno ao trabalho, após lesões de trânsito de veículos motorizados(25). Os estudos selecionados mostram que essa lacuna vem sendo preenchida por meio de programas de atualização dos profissionais(21,22) e em outro estudo(26), esse enfrentamento se deu por meio da capacitação de socorristas leigos, ou seja, não pertencentes a área da saúde.

 

Categoria 2: Incorporação da EPS como estratégia para novas práticas no SAMU

Em se tratando do SAMU, verifica-se nos estudos (14,16,20,21) a preocupação com o desenvolvimento de estratégias que visam produzir conhecimento a partir da aprendizagem significativa, isto é, quando o conhecimento novo encontra pontos de ancoragem na estrutura de conhecimentos e valores já existentes. No entanto, apenas dois estudos (21,22) se referem à EPS como possibilidade de produzir novas práticas no SAMU. Um estudo(26) aponta que, por ocasião do Congresso Nacional da Rede SAMU, em março de 2006, promovido pelo Ministério da Saúde com o intuito de potencializar a qualificação dos trabalhadores em urgência, foi orientado que cada SAMU implantasse o Núcleo de Educação Permanente (NEP). E que esse,  associado ao Núcleo de Educação em Urgência (NEU), promovesse a educação dos profissionais do componente pré-hospitalar móvel, que carece de educação específica e de formação diferenciada(15). Tendo em vista a rotina dos profissionais que atuam no componente pré-hospitalar móvel de urgência, que se deparam com a realidade de diversos atendimentos e situações, é de suma importância a incorporação da EPS considerando a aprendizagem significativa. O ambiente do trabalho se traduz um excelente espaço para incorporação da EPS nas práticas de trabalho(15,16), mas o trabalhador precisa reconhecer esse caráter educativo. A EPS tem como objetivo transformar as situações diárias em aprendizagem, analisando reflexivamente os problemas da prática e valorizando o próprio processo de trabalho no seu contexto intrínseco(21,5). Deve ser ressaltado que um estudo publicado em 2013(22) descreve que os profissionais de um SAMU não conseguiram distinguir a diferença entre o termo educação permanente e educação continuada. Isso indica que deve haver maior clareza e inserção desses profissionais na definição de métodos educativos no trabalho. Um estudo(22) aborda a EaD como ferramenta para incorporação da ESP, porém, em outro estudo(22), alguns profissionais não identificaram uma ação educativa similar como abordagem voltada para educação permanente, inclusive relatam a escassez de aulas práticas e o excesso de conteúdo teórico.

Autores(14,16,20,21) descrevem a utilização de diversos métodos para a incorporação do processo de educação no trabalho, levando em consideração a epidemiologia local, os serviços regionais e a infraestrutura. A utilização de suporte para o processo de ensino se deu através de simulações realísticas, videoaulas, vídeos de aprendizagem auto-dirigida, ensino da linguagem nativa para melhor compreensão, utilização de espaço virtual e simulações para leigos baseadas nos protocolos da American Heart Association(21,22).

 

CONCLUSÃO

 

A presente revisão demonstrou que há limitação sobre a abordagem do tema educação permanente nos serviços de atendimento pré-hospitalar móvel, considerando as escassas publicações encontradas.

Em razão da crescente demanda por atendimento de traumas por causas externas, faz-se necessária a adoção de métodos que valorizem o ensino e o aprendizado na vida cotidiana das organizações e nas práticas sociais e laborais, no contexto real em que ocorrem, considerando o ambiente do trabalho como processo formativo a partir da construção do conhecimento coletivo.

Os diversos métodos descritos apontam estratégias para a incorporação do processo de educação no serviço, objetivando a produção de conhecimento para atender às demandas oriundas das atividades dos serviços pré-hospitalares, o que reforça a importância da inserção da EPS no SAMU, que se apresenta como uma relevante porta de entrada dos usuários no SUS, permitindo-lhes acessar de forma integral, igualitária e universal as redes dos serviços de saúde.

Pelo exposto, sugere-se novos estudos, já que este trabalho não foi capaz de abordar o tema com plenitude em função da ausência de pesquisas sobre tão relevante assunto.

 

REFERÊNCIAS

 

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Recebido: 05/01/2017

Revisado: 25/07/2020

Aprovado: 30/07/2020