A percepção das gestantes ao lidar com a infecção pelo HIV- estudo exploratório
Simone Gonçalves Vasconcelos, Marli Teresinha Gimeniz Galvão, Maria Isis Freire de Aguiar, Violante Augusta Batista Braga Resumo:
Descritores: Infecções por HIV; Síndrome de imunodeficiência adquirida; Gravidez; emoções.
INTRODUÇÃO
A aids, uma das mais estigmatizantes enfermidades no mundo no final do século XX, tem marcado profundamente o estado psicológico dos infectados, alterando o bem-estar e acarretando sentimentos negativos como medo, angústia e depressão.
Há cada vez mais novos registros da infecção pelo HIV na diferentes regiões do mundo, cerca de 39,4 milhões de pessoas entre 15 e 49 anos vivendo com o HIV/Aids. As mulheres têm sido cada vez mais afetadas, representando, aproximadamente, metade de todos os casos registrados.1
No Brasil, do início da década de 80 até 2004, existiam 89.302 mulheres infectadas. Dessa forma, registrava-se crescimento exponencial de mulheres contaminadas pelo HIV em plena idade reprodutiva.2
Na primeira década da epidemia, a população feminina não era considerada como alvo principal da infecção. Por isso, as campanhas educativas de prevenção à doença eram direcionadas aos homossexuais masculinos e aos usuários de drogas injetáveis. Assim, as mensagens educativas não tinham o propósito de alcançar diretamente as mulheres, e não as alertavam sobre proteção em relação à doença.
Entretanto, com a significativa mudança do perfil epidemiológico dos portadores de HIV, observam-se variadas manifestações de ordem emocional nos contaminados por este vírus e, em especial nas mulheres, principalmente naquelas que se descobriram infectadas pelos próprios parceiros, por associar a infecção à infidelidade conjugal. Esta descoberta causa indignação e culpa, pois a doença por si só já é um evento dramático. Além disso, ao se sentirem desprotegidas dentro do seu próprio relacionamento, enfrentam desajustes psicológicos. Um momento particular em que as mulheres descobrem-se infectadas tem sido durante o pré-natal, por ocasião da testagem compulsória.
Para a mulher, vivenciar a maternidade como portadora da infecção pelo HIV é uma situação especial. A experiência da doença toma proporções diferenciadas, pois aos fatores inerentes às próprias alterações hormonais presentes no ciclo gravídico, a exemplo de alterações físicas, soma-se o fato de gerar um filho associado a uma doença incurável e isto conduz as mulheres a um patamar diferenciado de enfrentamento na condição de ser.
Por séculos a maternidade foi percebida como papel primordial da mulher na sociedade, para o qual ela era preparada desde a infância. Contudo, a partir das inúmeras transformações tecnológicas e sociais ocorridas, as mulheres passaram a participar do mercado de trabalho e a exercer outros papéis, além das funções da maternidade e de dona-de-casa.3 Todavia, com a presença da aids, doença ainda incurável, a gestante já não se sente protegida como antes. Assim, experienciar uma gravidez no novo contexto cultural pode ser considerado um evento marcado por diferentes preocupações e transformações que não somente aquelas vivenciadas outrora.
Diante de diagnóstico de HIV as gestantes enfrentam dolorosa realidade na qual novos desafios devem ser enfrentados. Segundo dado revelado por determinado estudo, 43% das mulheres apresentaram distúrbios psiquiátricos após o diagnóstico da infecção pelo HIV, e a depressão, analisada como única manifestação na área de saúde mental, constituiu 63% destes distúrbios. Este sintoma soma-se à ausência de suporte afetivo e material, com conseqüente isolamento social e negação da doença, dificultando, assim, o apoio da família e dos profissionais de saúde.4
Conforme se divulga, pior estado de ânimo, maior nível de estresse ou estratégias de enfrentamento não destinadas à solução ativa dos problemas se relacionam com uma progressão viral mais veloz e, portanto, com pior prognóstico da doença. Por esta razão, intervenções psicológicas destinadas a estabelecer um bom ajuste psicológico do indivíduo, hábitos de vida apropriados ou um adequado controle do estresse poderiam colaborar com a terapia farmacológica na manutenção de níveis imunológicos adequados, evitando complicações advindas da progressão viral.5
O outro fator relevante quando se fala do isolamento e da negação a que estão propensos estes pacientes é o fato dos indivíduos soropositivos esconderem o diagnóstico por medo de se tornarem vítimas do preconceito e da discriminação social. Entre as mulheres infectadas, o sigilo sobre seu diagnóstico ocorre até com elas mesmas, pois evitam falar sobre a doença e utilizam-se de subterfúgios como esconder ou trocar embalagem dos frascos de medicações anti-retrovirais, buscando tratamento em localidades distantes da sua residência por medo de serem reconhecidas. Desse modo, tentam evitar mais sofrimento para elas próprias.6
A sexualidade é outra situação comprometida na mulher portadora de HIV, principalmente quando a via de contaminação foi a sexual. Elas experimentam vários conflitos entre os quais, de modo geral, inclui-se a diminuição da atividade sexual por medo ou constrangimento, mesmo que haja desejo sexual. No entanto, apesar destes conflitos, elas ainda manifestam o interesse de ser mãe como sendo a realização de um sonho ou sua afirmação na sociedade como mulher.6
Como as gestantes soropositivas para o HIV vivem sob constante carga de estresse psicológico, com vulnerabilidades específicas relativas à sua condição, faz-se necessário promover discussões sobre este assunto. Tais discussões têm por fim fundamentar as intervenções de enfermagem a serem desenvolvidas como mecanismo para melhoria da sua qualidade de vida. Neste contexto, para orientá-las, a(o) enfermeira(o), principal responsável por esta atividade, precisa estar familiarizada(o) com o significado da saúde mental, cuja finalidade é a otimização da qualidade de vida das pessoas, mediante consideração dos fatores emocionais que agem contra ou a favor do seu bem-estar psíquico e, portanto, da sua vida como um todo.7
Conforme se percebe durante a prática assistencial, a mulher quando gestante e infectada pelo HIV mostra-se mais ansiosa para discutir seu futuro e busca mais constantemente o atendimento em saúde. É como se a gravidez fosse a esperança de uma nova vida. Em face desta expectativa, este trabalho objetivou apreender os sentimentos vivenciados pela gestante portadora de HIV.
Este estudo faz parte de um projeto mais amplo apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do complexo hospitalar da Universidade Federal do Ceará - COMEPE, de acordo com o protocolo número 41/05. Todos os passos seguiram as exigências da Resolução nº 196/96, do Comitê Nacional de Pesquisas, que trata de estudos sobre seres humanos.
Caracteriza-se como descritivo e exploratório de natureza qualitativa. A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares, preocupa-se, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, presentes em um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.8
O cenário da pesquisa foi um ambulatório especializado de uma Maternidade de Fortaleza-CE, tendo como foco de interesse gestantes com conhecimento prévio da infecção pelo HIV, as quais estavam em acompanhamento pré-natal e que aceitaram participar do estudo.
Ao chegarem para aguardar a consulta médica previamente agendada, as pacientes foram convidadas aleatoriamente para participar da pesquisa ficando livres para aceitar ou não o convite.
Foram estudadas nove gestantes portadoras do HIV, e a delimitação do total de sujeitos sociais foi definida quando se obteve saturação de informações dos depoimentos. Com vistas a manter o anonimato das participantes utilizou-se a nomenclatura “G” seguida do número da entrevista (1 a 9) para nomear cada gestante.
Utilizou-se a entrevista semi-estruturada com um roteiro de questões norteadoras, com gravação dos depoimentos. A organização e análise de dados basearam-se no método de análise de conteúdo proposto por Bardin (1977), obedecendo as seguintes etapas: 1) Pré-análise - após cada entrevista, as respostas foram transcritas e lidas exaustivamente para busca de variáveis subjetivas; 2) Exploração do material – para elaboração das unidades de codificação, agregação e escolha das categorias temáticas, segundo a representatividade dos sentimentos expressos nas falas das gestantes; e 3) Interpretação dos resultados – análise e discussão das categorias temáticas a partir da convergência das idéias e inferências sobre a experiência vivida.9
As categorias apreendidas foram: 1. Depressão diante do diagnóstico de HIV/aids; 2. Percebendo-se gestante ante a infecção pelo HIV; 3. O cotidiano e as expectativas em face da doença.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Para melhor dimensão e compreensão dos aspectos socioculturais das participantes do estudo, apresentam-se os dados referentes à caracterização de cada uma delas.
Com relação à faixa etária, as gestantes variaram entre 22 e 35 anos. Segundo o nível de escolaridade, uma era alfabetizada e as demais cursaram apenas o primeiro grau, estando incluídas na classe social de baixa renda, dependentes do serviço público para o cuidado de saúde.
Quanto à situação ocupacional, todas eram donas-de-casa, portanto não estavam inseridas no mercado formal de trabalho e dependiam financeiramente do companheiro ou dos familiares.
No referente à maternidade atual, conforme mencionado, enquanto quatro gestantes a planejaram, cinco não o fizeram, todavia, sentiram-se felizes com a surpresa. Destas, uma, no entanto, afirmou que não desejava engravidar, e, por este motivo, tentou interromper a gravidez, embora sem sucesso.
Todas informaram terem adquirido a infecção por meio de relações sexuais com parceiros fixos, com os quais viviam em união consensual, e conheciam seus diagnósticos em períodos situados entre quatro meses a três anos.
A maioria das gestantes descobriu-se infectada pelo HIV após o diagnóstico de soropositividade do parceiro, principalmente após a doença nele instalada. Segundo percebeu-se, esta situação interferiu negativamente no enfrentamento da doença, pois, se sentiam traídas e usadas pelos parceiros, como mostram as categorias apreendidas das falas das gestantes, de acordo com sua vivência como portadoras de HIV.
1. Depressão diante do diagnóstico de HIV/aids.
As gestantes relataram surpresa ao se descobrirem infectadas pelo HIV, pois nenhuma se via diante da possibilidade de estar contaminada e não se percebia envolvida com parceiros potencialmente contaminados, além de não apresentar sinais físicos ou sintomas da doença. Ante a confirmação do diagnóstico, vivenciaram um período de depressão, chegando a se isolar do mundo.
Como consta na literatura, na fase inicial de descoberta da doença, podem ocorrer distúrbios emocionais de maior ou menor gravidade, principalmente depressão e ansiedade em graus variáveis. Este fato é mais evidenciado nas mulheres que se infectaram mediante relações heterossexuais com parceiros únicos.10
A descoberta da aids traz para o cotidiano destas mulheres sofrimentos como angústia e perplexidade em relação ao futuro e elas passam a refletir sobre o verdadeiro sentido da vida, os limites do suportável e a morte.
Compreender-se infectada quase sempre gera sentimentos negativos como tristeza, raiva e depressão. Estas situações podem ser observadas nas seguintes falas:
... fiquei desesperada, agressiva, revoltada... Chorei muito (G.3).
... Fiquei muito deprimida, pensei que ia morrer logo... (G.8).
... Foi muito difícil, uma coisa que eu nunca esperei na minha vida... (G.7).
Como um momento no qual as mulheres estão mais vulneráveis emocionalmente, a gravidez requer apoio emocional ainda maior com vistas a proporcionar à gestante amparo e orientação adequados, de acordo com suas necessidades. No cotidiano do atendimento ambulatorial, parecem encontrar o momento ideal para expressar suas ansiedades e temores.
Por isto, reitera-se, é importante o domínio da(o) enfermeira(o) que lida com mulheres portadoras de HIV no campo da saúde mental. Deve alertar para a possibilidade de inclusão da psicologia ou psiquiatria no tratamento desta clientela, tanto na prevenção quanto na assistência, principalmente, porque, conforme estudos atuais sugerem, aspectos comportamentais, psicológicos e sociais, como o estresse e estratégias de enfrentamento, podem influenciar na progressão da aids.5
Por se tratar de uma doença de alta letalidade, com longo período de progressão, é preciso aprender a conviver com a infecção. Esta não é uma tarefa fácil para as mulheres, pois apesar de todos sermos mortais, o diagnóstico positivo sugere pensamentos de abreviação da vida.
2. Percebendo-se gestante ante a infecção pelo HIV
No período gravídico, a mulher depara-se com uma das experiências mais significativas da sua existência. Nele ocorrem mudanças profundas em seu estilo de vida, particularmente porque o relacionamento mãe-filho se verifica desde o início da gestação. Mesmo na sociedade contemporânea, a gravidez e a maternidade surgem quase como a realização social do papel de mãe; como se a mulher fosse apenas reconhecida como tal apenas quando é mãe, quando traz frutos à sociedade onde está inserida.11
A sociedade foi sempre dominada por inúmeros preconceitos, especialmente em relação às mulheres, marcadas por limitações, proibições e tabus. Esses aspectos acentuam-se ainda mais quando se trata de uma mulher infectada pelo HIV e, sobretudo, quando grávida.12
Do ponto de vista dos direitos, é preciso assegurar às mulheres soropositivas a possibilidade de uma vivência sexual e reprodutiva segura e prazerosa, considerando-se as especificidades da sua condição. Independente da situação, as mulheres possuem direitos e são capazes de decidir a respeito das suas próprias vidas.13
Na condição de gestante vivenciando a situação de portadora de HIV/aids, sentiram-se felizes pela oportunidade da maternidade.
Mesmo em face do estigma ainda fortemente presente nos dias de hoje sobre os infectados pelo HIV, as mulheres não abrem “mão” do sonho de ser mãe.
Os bebês gestados por estas mulheres adquirem um significado vital. Muitas vezes eles se tornam a principal quando não a única razão na luta contra o sentimento de desesperança tão freqüente nesta clientela. Para a maioria delas, a possibilidade destes nascerem sem o vírus se constitui em fonte de motivação e da própria vida.
As falas a seguir revelam a importância da gestação diante das dolorosas aflições destas mulheres:
... achei bom... fiquei feliz.... eu só tenho um filho e ainda sou nova (G.6).
... fiquei de imediato apreensiva.... depois satisfeita. No fundo eu queria engravidar (G.9).
... não planejei... foi bom porque eu já queria ter um filho (G.7).
Entretanto, como resultado, uma das gestantes afirmou tê-la rejeitado.
... Não queria esse filho.... tentei... procurei tirá-lo em tempo... mas ele resistiu .... pensar que eu posso sofrer mais do que venho passando, é difícil aceitar-se grávida (G).
Apesar das dificuldades enfrentadas e dos riscos da gravidez sobre o estado clínico das gestantes, o contexto da maternidade trouxe-lhes sentimentos de satisfação ao poder gerar um filho, demonstrando o quanto ainda é forte em nossa sociedade o conceito da realização da mulher pela maternidade.
Consoante se percebeu que as gestantes parecem estar querendo dizer “sim” à vida, apesar de portadoras de uma doença ainda incurável. Talvez esta força seja motivada pela geração de um novo ser, do qual a existência adquire novo sentido, não importando seja a vida é efêmera ou mais duradoura.
3. O cotidiano e as expectativas em face da doença
Apesar das dificuldades apresentadas clínica e emocionalmente, as gestantes portadoras de HIV tentam levar uma vida semelhante à anterior ao diagnóstico. Entre estas dificuldades sobressai fazer uso de medicamentos anti-retrovirais e lidar com o preconceito da sociedade e seus sentimentos por vezes conflitantes.
Do ponto de vista clínico, conforme descrito, a gestação na vigência da infecção pelo HIV evidencia o surgimento de complicações obstétricas, puerperais e neonatais.12 Diante deste fato, as mulheres devem ser orientadas quanto aos riscos da gestação sobre suas vidas.
Entretanto, ao se saberem grávidas, as mulheres soropositivas encontram forças para juntar os fragmentos da sua vida, e tentam preencher o sentimento de solidão, muitas vezes advindo da doença. É uma busca de reconstrução para conviver melhor com a indesejada condição. Talvez, por meio deste esforço seja possível traçar uma nova trajetória de vida de forma menos dolorosa e mais consciente das próprias limitações humanas.
Sob este aspecto, segundo apreendeu-se, algumas gestantes demonstraram pouco conhecimento quanto aos riscos da condição vivenciada, ou seja, elas desconhecem que a gravidez, quando na vigência de outras infecções ou na presença de evidências laboratoriais desfavoráveis, pode antecipar fases mais avançadas da doença.
Diante disto, identificou-se a necessidade de maior conscientização destas mulheres sobre todos os riscos que envolvem sua saúde e a prevenção da transmissão vertical. Os depoimentos a seguir demonstram essa afirmação:
... tento sentir e levar minha vida normal. Acredito que a doença não vai interferir na gestação e nem depois na minha vida [referindo-se aos aspectos clínicos] (G.1).
... sinto-me uma pessoa normal ... mas, não tenho mais aquela alegria ... (G.2).
... não estou mais triste, tento não pensar como driblar a doença (G.8).
Como mostram as falas, as gestantes portadoras de HIV, em geral, não mencionaram o medo da morte ou a incapacitação como principal sentimento. Na verdade, acalentam a esperança de uma vida longa, sem a manifestação da doença e com a possibilidade de realização dos seus sonhos futuros.
Percebeu-se, ainda, que as gestantes tentam adequar-se ao seu novo estilo de vida, e superar os conflitos. Apesar da sua sensibilidade mais apurada, procuram acreditar, cada vez mais, na possibilidade de cura, fazendo disto motivação para continuar vivendo, conforme foi relatado:
... quero viver muitos anos, que os médicos estudem muito pra descobrir logo a cura desta doença (G.1).
... tomara que eu não fique doente e que a criança não nasça com problemas (G.2).
... espero que apareça logo a cura (G.6).
Na atualidade, o paradigma da aids vem se transformando em decorrência das novas tecnologias e do maior acesso aos serviços de tratamento e acompanhamento de pessoas com HIV/aids. Ante essas mudanças, o portador de HIV já vislumbra um novo sentido na sua vida.
Pode-se afirmar que o avanço na terapia dos anti-retrovirais e as campanhas em massa de conscientização sobre a doença, na tentativa de desmistificá-la, têm significativa contribuição no aspecto psico-emocional dos portadores do vírus, trazendo novos esclarecimentos e esperança de um futuro melhor.
Os achados deste estudo propiciam compreender melhor a dinâmica dos sentimentos experienciados por gestantes portadoras de HIV. Segundo percebeu-se, o primeiro momento da descoberta da doença parece ser um dos mais difíceis, pois, associados ao diagnóstico surgem sentimentos negativos como raiva, desespero e depressão. No caso das participantes, embora a gravidez de algumas não tenha sido planejada, elas enfrentaram como uma oportunidade de se sentirem “mais vivas”, pois o significado do filho para elas é inequívoco: representa a luta contra a morte e a esperança de continuidade da vida.
Na fase inicial da descoberta, a depressão é um dado prevalente quer relatada por elas próprias ou quando manifestam os sintomas.
A gravidez é sempre um momento especial, mas no caso de portadoras do HIV reveste-se de certas particularidades. Embora a gestação, por si só, possa ser marcada por um turbilhão de novas emoções, quando acrescida do diagnóstico soropositivo exige especial cuidado quanto ao aspecto emocional da mulher. É preciso, pois, a devida habilidade dos profissionais envolvidos, principalmente as(os) enfermeiras(os), que deverão atuar de forma ainda mais eficaz, na prestação de cuidados, proporcionando suporte emocional adequado ao enfrentamento das vivências pessoais inerentes à gravidez de uma mulher soropositiva.
Viver e enfrentar a doença não é fácil. As pacientes, porém, demonstraram que tentam levar sua vida o mais “normal” possível, no intuito de não comprometer seriamente sua qualidade de vida e para evitar a instalação de doenças oportunistas.
Cada pessoa pode reagir diferentemente ao enfrentamento e adaptação da doença. Entretanto, conforme evidenciado, a maioria das mulheres tem esperanças de um futuro melhor e acredita na possibilidade de cura. Elas demonstraram usar mecanismos de defesa na tentativa de não pensar muito sobre a doença, como uma forma de não relembrarem o sofrimento por ser portadora do vírus.
No caso das pessoas infectadas pelo HIV, uma das principais estratégias pode ser o suporte psicológico adequado, com vistas ao enfrentamento da doença e como forma de trabalhá-las para a possibilidade de se transformarem em cidadãs e sujeitos da sua própria doença. Ao mesmo tempo, poderá despertar estas mulheres para uma reflexão sobre os paradigmas da aids e os meios de enfrentá-los. Nesse prisma, é essencial manter uma troca de informações entre gestantes e profissionais de saúde, com o intuito de resgatar-lhes sua a dignidade e o respeito da comunidade.
A partir do reconhecimento das particularidades da gestação das portadoras de HIV, a(o) enfermeira(o) deve atuar com mais qualidade na prestação de cuidados à mulher, e não deter-se só aos fatores biológicos, mas, principalmente, valorizando os psicossociais, ainda mais comprometidas nesta fase. A detecção precoce de alterações nestes níveis torna mais evidente a intervenção. Com esta, poderá ser promovido o tratamento das pacientes e recuperado o seu bem-estar. Desse modo, a gravidez deixará de ser um momento de apreensão e sofrimento, para se transformar possível, como algo tranqüilo e saudável.
A atuação dos profissionais exerce papel decisivo nessa experiência. A(o) enfermeira(o) pode colaborar para tal experiência humanamente aceitável. Exige-se, porém, maior compromisso no cumprimento das políticas públicas de prevenção e controle da infecção por HIV. Cabe-lhes estimular uma abordagem e suporte adequados às mulheres para atender melhor às suas necessidades psico-biológicas e emocionais, proporcionando-lhes novas perspectivas em face desta realidade.
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