A (in)visibilidade do adolescente na atenção primária na percepção do profissional da saúde: estudo descritivo

 

 

Taynara Takuno da Silva1, Bianca Machado Cruz Shibukawa1, Marcela de Oliveira Demitto1,  Juliane Ayres Baena1,  Ieda Harumi Higarashi1, Maria de Fátima Garcia Lopes Merino1

1 Universidade Estadual de Maringá

 

 

RESUMO

Objetivo: Identificar a percepção de enfermeiros da Atenção Primária sobre sua atuação no desenvolvimento de ações de saúde para adolescentes. Método: Pesquisa qualitativa e descritiva, realizada em 30 Unidades Básicas de Saúde de um município do Sul do Brasil, com enfermeiros, que responderam à entrevista. Realizada análise temática, resultando em três categorias. Resultados: O conhecimento dos enfermeiros acerca das diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde do adolescente apresenta-se restrito. Ações visando a promoção da saúde do adolescente são, em geral, preteridas pelos enfermeiros. Conclusão: A dificuldade de aproximação entre enfermeiro e adolescente na Atenção Primária se contrapõe à necessidade de vínculo entre eles. O desenvolvimento de estratégias mais efetivas de promoção à saúde, suscita a premência de capacitação profissional e de condições estruturais, que permitam ao profissional voltar seu olhar para essa população, notoriamente vulnerável.

Descritores: Saúde do Adolescente; Estratégia Saúde da Família; Promoção da Saúde; Enfermagem.

 

INTRODUÇÃO

A adolescência é considerada uma fase de mudanças no crescimento e maturação do indivíduo, além de ser um período de grande vulnerabilidade, devido à dificuldade de identificar situações que possam levá-los a sentirem-se fragilizados ou expostos a algum risco(1-2).

Desde o início deste período da vida, os adolescentes necessitam de apoio e orientação dos pais e enfermeiros, a fim de lidarem com suas transformações e alcançarem um estilo de vida mais saudável, reduzindo comportamentos de risco(3).

Considerando-se a instabilidade desta fase da vida, a saúde do adolescente deve ser valorizada e acompanhada pelos enfermeiros, os quais são os planejadores e executores de ações de prevenção de agravos e promoção de saúde. Os enfermeiros devem aproveitar todas as situações de presença do adolescente na unidade de atenção primária em saúde (APS), a fim de ofertar consultas, orientações e vinculações a grupos e oficinas pertinentes, propiciando-lhes condições de vida mais saudável e segura(4).

Assim, atendendo a essa particularidade, União, Estados, e municípios atuaram de forma conjunta ao elaborar políticas públicas específicas à saúde dos adolescentes, as quais buscam garantir integralidade no cuidado. Tais políticas possuem o objetivo de reduzir as principais doenças e agravos que acometem o adolescente, melhorar a vigilância e proteção a sua saúde e promover qualidade de vida, atendendo ainda, a determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garante o direito de proteção à vida e à saúde(2,5).

Contudo, apesar dos esforços, a busca pelos serviços de saúde entre os adolescentes ainda é pequena. A ausência de doença é o principal motivo da não procura pela atenção primária, seguidos de dificuldade de encontrar ou não gostar da qualidade de atendimento, bem como a ausência do serviço desejado(6). Uma avaliação em 30 países europeus, evidenciou que a incapacidade de ofertar consultas de urgência, e a falta de confidencialidade da consulta, são os motivos que mais afastam os adolescentes da APS(7).

Estratégias que amparam efetivamente às necessidades desta população, que ultrapassem as ações puramente técnicas e atuem de forma integrativa e humanizada, devem ser desenvolvidas pelo profissional que atua na gestão do cuidado. Portanto, o enfermeiro precisa difundir a importância da promoção à saúde dos adolescentes, ponderando o contexto sociocultural, visto que este é uma barreira de acesso tanto para informações, quanto para o próprio serviço(4).

Contudo, para executar tais ações, o enfermeiro necessita compreender o universo adolescente e saber seu papel de atuação, para tal, encoraja-se a formação de vínculo de confiança entre o enfermeiro e os adolescentes, uma vez que estes são facilitadores do cuidado integral a saúde(1,5-6).

A busca pela valorização da vida e construção de cidadania, deve ser estimulada também na APS, garantindo aos jovens direitos sociais, fortalecendo suas capacidades individuais, auxiliando-os na compreensão e enfrentamento de situações adversas e na busca da autonomia para escolhas de atitudes saudáveis(8). Portanto, o objetivo do estudo foi identificar a percepção de enfermeiros da atenção primária sobre sua atuação no desenvolvimento de ações de saúde para adolescentes.

MÉTODO

O embasamento teórico, que conduziu o estudo, esteve pautado nos conceitos sugeridos nas Diretrizes Nacionais para a Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde. Nela, propõe-se a incorporação de ações de saúde e implementação de novos elementos, voltados para o reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeitos plenos de direitos, facultando a eles o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, preconizado pelo ECA(2,9).

A participação juvenil, direitos sexuais e reprodutivos, projeto de vida, cultura de paz, ética e cidadania, igualdade racial e étnica e a equidade de gêneros são os conceitos preconizados pelas diretrizes. Assim, a atuação do enfermeiro deve pautar-se no envolvimento do jovem no cuidado à própria saúde e colaborar na construção da autonomia, pela solução de problemas reais, seja na escola, na comunidade ou na vida social(9).

Desenvolvidas pelo MS em 2010, tais diretrizes reconhecem a vulnerabilidade do grupo jovem no que se refere às repercussões sobre o processo saúde-doença, advindas das determinações socioeconômicas e políticas a que essa população está inserida, com o objetivo de nortear ações, frente aos desafios que a presente situação de saúde das  pessoas jovens evidencia. Por meio dessa estratégia, busca-se sensibilizar gestores e profissionais para uma visão holística e abordagem sistêmica das necessidades dos adolescentes, apontando para a importância da construção de estratégias interfederativas e intersetoriais, que contribuam para a modificação do quadro nacional de vulnerabilidade de adolescentes e de jovens, influenciando no desenvolvimento saudável(9).

Pesquisa qualitativa, de natureza exploratória descritiva, no qual utilizou-se a diretriz COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research) como direcionamento para sua produção(10).

A coleta de dados ocorreu nos meses de junho e julho de 2019. Os componentes da amostra foram enfermeiros e sua escolha se deu pelo fato de que o atendimento ao adolescente, realizado por profissional qualificado, médico ou enfermeiro, constitui-se em espaço privilegiado para ações de promoção da saúde e prevenção, diagnóstico e tratamento de agravos, com uma abordagem que respeite as necessidades específicas dessa faixa etária(9).

Os participantes atuavam nas Equipes Saúde da Família (ESF), alocadas nas 34 Unidades Básicas de Saúde (UBS) de um município do Sul do Brasil. Cada UBS contava com duas ESF, em média, e com um total de 68 enfermeiros.

Os critérios de inclusão foram: ser enfermeiro da ESF e ter, no mínimo, um ano de atividade na função, considerado como importante para o estudo, devido ao envolvimento do profissional no ambiente de trabalho, o que favorece a construção de vínculo com a equipe e com a comunidade. O critério de exclusão abarcou as UBSs que não faziam parte do território urbano do município. Assim, duas unidades, localizadas em dois distritos, foram excluídas. Dos 32 profissionais abordados, dois não aceitaram participar do estudo e, portanto, a amostra final foi formada por 30 enfermeiros.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, contendo questões relativas à atuação do enfermeiro nas ações de promoção à saúde de adolescentes e jovens, que abarcam os três eixos fundamentais: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento; atenção integral à saúde sexual e saúde reprodutiva; atenção integral no uso abusivo de álcool e outras drogas, por pessoas jovens(9).

Os dados foram coletados por meio de perguntas de apoio, relacionadas ao tema da entrevista: Você conhece algum programa proposto pelo Ministério da Saúde que aborde a saúde do adolescente? Em caso de resposta afirmativa, questionava-se: Quais dos eixos, você considera que, prioritariamente, viabilizam a atenção integral à saúde do adolescente e que são abordados pelos profissionais da sua ESF? E em caso de resposta negativa: O que você pensa ser as diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes? Como questões de apoio utilizaram-se, por exemplo: Na sua percepção, a enfermagem está trabalhando com os adolescentes com ênfase na promoção da saúde no contexto da Atenção Primária? Você realiza em sua prática assistencial, ações educativas voltadas aos adolescentes na área de abrangência da sua ESF?

As entrevistas foram realizadas durante o período de trabalho dos participantes, em momentos definidos previamente por eles, na própria instituição e em sala privativa, com duração média de 25 minutos, e ocorreram até que novas informações não fossem relatadas.

Os relatos foram gravados, transcritos e submetidos à análise de conteúdo, modalidade temática, seguindo-se as etapas prefixadas pelo referencial incluindo: pré-análise, na qual se explora o material e se realiza o tratamento dos dados. Esta etapa foi iniciada pela organização, transcrição e separação dos dados. Em seguida, realizou-se a leitura flutuante do material empírico buscando destacar os aspectos relevantes em face ao objetivo do estudo(11).

Na etapa de exploração do material, realizou-se a classificação e a agregação dos dados a partir de uma leitura minuciosa, identificando-os por meio de cores, dos termos comuns e dos mais específicos, originando-se as categorias prévias. Posteriormente, no tratamento dos dados, aprofundaram-se as categorias articulando os achados empíricos com o material teórico, considerando-se, sempre, o objetivo da investigação e os temas emergentes do processo de análise.

A identificação dos participantes foi realizada por meio da letra “E” e pelo algarismo arábico respectivo à ordem de realização da entrevista, a fim de garantir o sigilo de sua identidade. O estudo foi desenvolvido em consonância com as diretrizes disciplinadas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá, sob parecer nº 3402228 e CAAE 14287819.3.0000.0104.

 

RESULTADOS

 

Os participantes do estudo foram, em sua maioria, do sexo feminino (93,3%) com idade média de 37,5 anos. O tempo de formação profissional variou entre dois e 25 anos, e o tempo de atuação, na mesma UBS, entre 2 e 15 anos.

A análise dos discursos, possibilitou que se identificassem aspectos fundamentais do posicionamento do enfermeiro na atenção à saúde do adolescente, permitindo a categorização em três temas: Políticas Públicas para a atenção integral à saúde de adolescentes: conhecimento do enfermeiro; Desafios na implementação de ações de saúde para uma abordagem sistêmica das necessidades dos adolescentes; Necessidades em saúde e estratégias para transformação do quadro de vulnerabilidade de adolescentes: ação do enfermeiro.

 

Políticas Públicas para a atenção integral à saúde de adolescentes: conhecimento do enfermeiro

A pesquisa mostrou que quase metade dos enfermeiros (46,7%) apresentavam pouco conhecimento sobre programas de saúde voltados para a atenção ao adolescente. Embora dentre os participantes, alguns (30%) tenham citado especificamente algum programa governamental de saúde voltados à esta população, 10% não souberam nominar, quando solicitados.

[...]sim, eu sei que existe (programas de atenção ao adolescente), mas não sei te informar o nome agora. (E2)

[...] na verdade a gente até tem umas cartas do ministério (MS) sobre intervenções propostas à saúde do adolescente, mas que estão guardadas. (E21)

 

Dentre os programas existentes no Brasil de proteção à vida e à saúde da criança e do adolescente, o Programa Saúde na Escola (PSE) foi citado por 9 (30%) participantes, enquanto que a Política Nacional de Imunização (PNI) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foram citado por dois (14%) e um (7%) entrevistados, respectivamente. Esses programas foram citados quando dispunham sobre seu conhecimento e suas ações, junto aos jovens da área de abrangência da ESF da qual faziam parte.

[...] sim conheço! Os grupos com adolescentes com o Saúde na Escola. (E13)

[...] conheço a “vacinação” (Política de Imunização), Saúde na Escola e as campanhas que temos do ministério. (E26)

[...] Eu sei que o Estatuto da Criança e do Adolescente já determina que a gente atue junco dos adolescentes na questão da educação em saúde, das IST, falando sobre as doenças e outros problemas que eles possam ter. (E11)

 

Desafios na implementação de ações de saúde para uma abordagem sistêmica das necessidades dos adolescentes

O presente estudo demonstrou que existem condições adversas que interferem no desenvolvimento, planejamento e execução de ações, que atendam às necessidades dos adolescentes, justificando, assim, a baixa realização de atividades voltadas para os jovens na maior parte das UBS do município.

Dentre os obstáculos foram destacados: a grande demanda de trabalho atribuída ao enfermeiro na APS, que o afasta de suas funções de cuidado; a baixa adesão dos jovens às atividades propostas pelos profissionais, contribuindo para o seu distanciamento do serviço de saúde e, consequentemente, não permitindo a formação de vínculo com a equipe; a precariedade de recursos financeiros e físicos, prejudicando a execução das ações.

Assim, o desvio de atribuição da função do enfermeiro da ESF foi citado por grande parte dos profissionais (93%), como um fator que dificulta a realização das atividades de promoção das ações junto aos adolescentes.

[...] O enfermeiro executa praticamente todas as ações dentro da UBS e dificilmente temos tempo para promoção. A gente vive apagando fogo, sem falar do estresse que causa no profissional a sobrecarga de trabalho. (E20).

[...]a enfermagem faz muita coisa burocrática e administrativa, e as questões da educação em saúde, consulta de enfermagem, acabam que ficando de fora... eu poderia estar fazendo outras coisas. Há um desvio muito grande da real função do enfermeiro, como aquele que só resolve problemas e não aquilo que é realmente atribuição dele. E com isso, eu não consigo trazer o adolescente para a unidade, então não posso falar que isso é uma dificuldade, se eu mesma não fui atrás deles. (E11).

 

A pouca adesão dos jovens às intervenções de saúde, foi apresentada como um fator desmotivador para os profissionais (60%).

[...] A população jovem procura muito pouco o serviço de saúde, então nós temos que ir atrás deles. (E18)

[...] Quem mais procura ajuda são as meninas, tipo 14 anos, com a vida sexual ativa, mas não muitas. (E5)

[...] Apesar de termos um grupo de artesanato e a busca ativa para vacinação, no grupo vem poucas pessoas, eles não se interessam muito. Nesse grupo de artesanato, temos mais meninas. (E4)

 

A precariedade de recursos financeiros e físicos, que poderiam viabilizar o desenvolvimento das ações de saúde, bem como estimular e atrair os adolescentes para o serviço foram questões abordadas pelos participantes e, dentre os relatos, 30% dos enfermeiros referiram que, embora sejam realizadas algumas atividades, estas ocorrem de maneira irregular.

[...]É um público que não usa a UBS, deveria ser feito algo que chamasse muita a atenção deles.... E nós não temos todo esse recurso tecnológico para empregar com eles. (E7)

[...] Apesar dos poucos recursos que nós temos disponíveis, ainda tentamos trabalhar com eles abordando temas sobre drogas, sexualidade, através da educação continuada em forma de palestras. (E19)

[...] Com o uso do celular, vídeo games, eles não vão sair de casa no contraturno da escola para assistirem palestra. E nós não temos todo esse recurso tecnológico para empregar com eles. (E6)

 

A cultura curativa da sociedade atual também foi apontada como responsável pela dificuldade na implementação e na adesão às ações para adolescentes.

[...] eles (adolescentes) acham que nunca vão acontecer com eles (as doenças). A sociedade apresenta uma cultura curativista que só saem da unidade (UBS) se estiverem com receita médica em mãos... se saem só com uma orientação eles não estão satisfeitos e procuram outro médico. (E6)

[...]Nós devíamos ter mais tempo, mais profissionais, mais capacitação, um lugar mais adequado, tudo deveria mudar para nos estimular a trabalhar a prevenção... (E3)

 

Diante das questões que abordavam maneiras mais propositivas de ações com os adolescentes, em alguns momentos, os enfermeiros reconheceram as necessidades dessa população e expuseram questões que os afligiam, na sua prática diária, em outros, desconsideraram esse grupo, atribuindo-lhe a responsabilidade pela inexistência de atividades direcionadas a ele e ainda, em outros momentos, atribuíram a outros profissionais essa responsabilidade, sugerindo uma atuação multiprofissional mais efetiva.

 [...] Não realizamos nada [...]. O adolescente não vem pra UBS. Ele esquece! [...] Nenhuma atividade é proposta para eles (adolescentes) porque temos outros grupos de hiperdia, de caminhada, saúde mental. Mas nem adianta, porque se nós fizermos, não terá adesão, eles nem ligam. (E1)

[...] Falta tempo para nós por causa da existência de outros programas também. E o NASF deveria ampliar seu horário de atividade de promoção, deveriam ser mais ativos na carga horaria. São todos capacitados para isso com uma equipe multiprofissional para elaborar atividades e acompanhar eles (adolescentes). (E20)

 

Necessidades em saúde e estratégias para transformação do quadro de vulnerabilidade de adolescentes: ação do enfermeiro

A terceira categoria temática, emergente dos relatos dos entrevistados, referiu-se às ações desenvolvidas pelos enfermeiros na APS, evidenciando as necessidades prioritárias dos adolescentes da área de abrangência das ESF. Dentre as principais necessidades na abordagem aos adolescentes, embora cada profissional tenha apontado para além de uma, foram citadas: a saúde sexual e reprodutiva (53%), com destaque para as doenças sexualmente transmissíveis (33%); o uso abusivo de álcool e outras drogas ilícitas (46%); a violência na adolescência (13%); os transtornos alimentares, em especial, a obesidade (20%), entre outros.

[...]hoje em dia eles tem muitas informações errôneas de busca na internet, pornografias e não sabem muito sobre a educação sexual [...] há uma busca muito precoce para a relação sexual sem informação, sem maturidade, sem conhecer o próprio corpo. (E11)

[...]os adolescentes da escola pulam o muro para fumar maconha ali na quadra. Aqui perto da UBS tem muito tráfico! (E17)

[...] E a obesidade também deveria ser trabalhada porque não é problema só do adolescente, é problema da família porque os pais que trazem o alimento para dentro de casa, então a ação deve envolver a todos”. (E13)

 

Compreendendo a necessidades de promoção da saúde e prevenção de agravos, o desenvolvimento de algumas iniciativas, foi relatado pelos enfermeiros (50%) como: a busca ativa do adolescente para vacinação e a realização de palestras em escolas.

[...] Sim, realizamos palestras e atividades junto com o NASF de saúde na escola. Os enfermeiros fazem a orientação com relação as DST’s e tem também orientações da nutricionista e fisioterapeuta. (E6)

[...] Na nossa equipe são realizados encontros em grupos, junto com a Agente Comunitária de Saúde (ACS) e os estagiários de medicina, vinculado a atividades como passeios, gincanas. (E9)

 

O vínculo entre os profissionais da UBS com as instituições de ensino, foi destacado pela maior parte dos enfermeiros (90%), como forma de contribuir positivamente para o desenvolvimento de ações voltadas a saúde dos jovens, minimizando riscos à sua saúde e auxiliando na prevenção de danos próprios da idade.

[...] aqui, nessa área, não temos escolas para os maiores e isso dificulta o comparecimento e a captação dos mesmos, o que dificulta um pouco a nossa abordagem com os adolescentes. (E1)

[...] Se formos a escola, nós conseguimos, porque eles já estão lá e são obrigados a participar das atividades. (E10)

[...] Nós não sabemos falar com eles, não sabemos como lidar com as reações deles... é difícil estabelecer vinculo e ter a confiança deles. É nessa hora que a escola nos ajuda muito. (E2)

DISCUSSÃO

O PSE como política pública voltada ao adolescente, foi o mais citado pelos participantes do estudo, além do PNI. Esses programas lançaram o olhar para a adolescência desde a infância, representando um avanço no cuidado à saúde da criança e do adolescente(2).

Além de conhecer as estratégias preconizadas pelo MS, é necessário que os enfermeiros possuam competências e boas práticas no processo de cuidar, com um olhar ampliado para os diferentes determinantes sociais envolvidos no processo saúde-doença e na sua atuação na APS, na perspectiva da intersetorialidade e integralidade da atenção ao adolescente para que possa obter bons resultados nas ações em saúde(10).

Contudo, a precariedade em termos de programas de capacitação aos enfermeiros, o número reduzido de profissionais e os espaços físicos restritos e inadequados para atender aos jovens, são apresentados como obstáculos na aplicação das políticas públicas ao adolescente(12).

Os profissionais percebem a necessidade de treinamento para lidar com os adolescentes e seus familiares, porém ocorre ainda a resistência em abordar alguns temas como a sexualidade, o que acaba dificultando as atividades de promoção à saúde(4,13).

Além das dificuldades encontradas pelos enfermeiros devido à falta de conhecimento ou convívio com as práticas de saúde voltadas para os adolescentes, os enfermeiros enfrentam ainda outras barreiras para a sua atuação. As atividades burocráticas da UBS, em detrimento às ações voltadas ao público adolescente são, em vários momentos, priorizadas pelos enfermeiros. Questões de sobrecarga de trabalho os desviam de suas funções interferindo, por exemplo, nas tomadas de decisão em favor de ações educativas(12-15).

Os adolescentes necessitam de uma rede de apoio, principalmente ao longo dessa etapa instável de suas vidas, que vai além das famílias. Nesse contexto, a APS apresenta importância fundamental na proteção ao adolescente pois, em situações de conflito no ambiente familiar, escolar e comunitário, ela é quase sempre a primeira porta de entrada para a busca de orientação específica(16-18).

Assim, a relação dos profissionais com essa população deve estender-se à sua rede de apoio considerando-se que, na maior parte dos casos, não é o jovem que procura o serviço mas sim, seus familiares e ainda, em outras situações, são as escolas e os órgãos de proteção da criança e do adolescente, ou até mesmo agentes de saúde, que encaminham a demanda ao serviço de saúde(5).

Considera-se ainda, para aumentar a rede de apoio, que há efetividade e resolubilidade de ações em unidades que desempenham atividades vinculadas com instituições fora do ambiente da UBS, nas escolas, centros comunitários e esportivos, e por isso, esse tipo de estratégia, favorece a participação e o interesse da população jovem(18). Assim, esses locais de convivência, têm sido utilizados para acolher os adolescentes, a fim de suprir a deficiência que existe, em grande parte, nas estruturas físicas das instituições para desenvolver ações de educação em saúde(1).

As escolas, por sua vez, foram ressaltadas como os locais mais adequados para ações de educação em saúde e também como instituições facilitadoras para aproximação adolescente-profissional. No entanto, o desenvolvimento das ações de prevenção e promoção à saúde, esbarra na necessidade de parcerias extramuros e vínculos com a secretaria de educação e as demais secretarias, para o desenvolvimento da intersetorialidade como estratégia de intervenção(19-20).

Quando o adolescente não compreende a importância do autocuidado, ocorre a negligência com sua saúde. Essa percepção do desinteresse na participação dos jovens junto às propostas dos profissionais, também foi relatada em outras realidades anteriormente pesquisadas(8,15,17).

Evidenciou-se pelo relato dos enfermeiros que a cultura curativista da sociedade atual, é um impeditivo para conseguir adesão da população jovem nas atividades programadas. Essa percepção encontra-se ancorada no fato do adolescente, principalmente do sexo masculino, buscar o serviço somente quando instaurado um quadro patológico(19).

Muito embora o adolescente, possua percepção positiva do seu estado de saúde a conscientização da importância da APS para ele pode ser estimulada pelo acolhimento, no campo da ESF(17,20).

A aproximação do jovem permite o desenvolvimento da confiança mútua, viabilizando trocas que levem à credibilidade nos profissionais. Assim, estabelecer vínculo é essencial para promover a gestão do cuidado(13).

Cabe aos serviços, ainda, apresentarem-se resolutivos e incentivadores para atrair o jovem à tomada de decisão sobre sua saúde, com uma abordagem que respeite sua cultura e valores individuais, utilizando linguagem acessível, compreensível e facilitadora (1,6,13,16). O uso de metodologias ativas, com participação multiprofissional em encontros com os jovens, pode tornar a experiência da educação em saúde mais rica e estimulante, refletindo em benefícios mútuos entre profissionais e adolescentes(1).

A escuta ativa do enfermeiro pode oportunizar uma assistência sistematizada, reservada e segura, atendendo necessidades e esclarecendo dúvidas ao expressar suas reais necessidades. Assim, o enfermeiro aplicará seus conhecimentos, reconhecendo e atuando sobre os problemas de saúde, e as diferenças e desigualdades de gênero, visto que os sexos se diferem quanto ao comportamento sexual(1,7,11,15).

Na abordagem de assuntos relacionados à sexualidade do adolescente, ocorre uma dificuldade aumentada, em função da escassa capacitação nessa área, despreparo e desinformação sobre políticas públicas de proteção à criança e adolescente(15-17). Assim, para desenvolver atividades com esta abordagem, o enfermeiro deve estar apto para lidar com as demandas trazidas pelos adolescentes, baseado em conhecimento dos aspectos biológicos, psicossociais, históricos, culturais, políticos, valores e comportamentos dos adolescentes(14).

Embora existam situações que dificultem a atuação do enfermeiro na APS, diferentes contextos devem ser considerados, a fim de favorecer a promoção da saúde do adolescente. Reconhecendo que somente a utilização de cartilhas, palestras e folhetos, são insuficientes para despertar a atenção desse público, as ações de promoção devem pautar-se nas necessidade do período de vida de cada grupo de adolescente, de modo que as atividades incluam dinâmicas, atividades lúdicas e criativas(14). Ações dessa natureza despertam a atenção do jovem e garantem sua frequência, colocando-o como protagonista do processo de crescimento(11,14).

Constata-se ainda que, para o adolescente, a escola permanece como o ambiente ideal para o desenvolvimento das ações educativas em saúde, pois são ambientes de formação para o desenvolvimento de habilidades, além de serem espaços propícios para trocas de informações(19).

Portanto, a abordagem multiprofissional com o adolescente deve ser realizada através de parcerias com outros setores institucionais e extramuros promovendo a convergência de saberes que servem como complemento das ações de assistência da Atenção Primária(13).

 

CONCLUSÃO

 

As políticas públicas voltadas aos adolescentes são preteridas em função das demais atividades realizadas pelos enfermeiros, desencadeando em uma precária aplicação dos protocolos já existentes e expondo a desarticulação dos profissionais entre teoria e prática assistencial. O planejamento e desenvolvimento de atividades de caráter multiprofissional, junto a essa população, encontra-se em fase de construção por alguns enfermeiros, embora prejudicados também por questões institucionais.

A atuação dos profissionais na atenção ao adolescente e as dificuldades relatadas por eles na organização do serviço, para este fim, reflete na baixa adesão dos jovens às ações desenvolvidas. Por meio de educação, triagem, orientação e intervenção precoce, os cuidados preventivos podem ajudar a estabelecer hábitos saudáveis que duram a vida inteira e reduzem danos.

Tornar a saúde do adolescente uma prioridade é especialmente importante, considerando-se suas necessidades específicas de cuidados, não deixando de explorar até que ponto os programas públicos de saúde estão atendendo a essas carências.

 

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Recebido: 17/07/2020

Revisado: 10/09/2020

Aprovado: 22/09/2020