Prática de atividade física de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica: estudo transversal

 

Isabela Penido Matozinhos1, Gustavo Henrique Soares Costa2, Francielly Stephanie Moreira Naves2, Francielly Alves Sampaio3, Thales Philipe Rodrigues da Silva4, Fernanda Penido Matozinhos4

 

1 Santa Casa de Misericórdia Hospital, MG, Brazil

2 Medical Sciences School of Minas Gerais, MG, Brazil

3 Belo Horizonte Hospital, MG, Brazil

4 Federal University of Minas Gerais, MG, Brazil

 

RESUMO

Objetivo: Avaliar se pacientes submetidos à cirurgia bariátrica eram fisicamente ativos, antes e após o processo cirúrgico, além de identificar os fatores associados à inatividade física. Método: Estudo transversal, com 307 adultos submetidos à cirurgia bariátrica entre 2012 a 2014 em um hospital geral de Minas Gerais. A prática de atividade física (>150 minutos/semana) antes e após o procedimento cirúrgico foi considerada como variável desfecho deste estudo. A magnitude da associação entre a variável dependente e os fatores de interesse foi estimada pelas odds ratio pelo modelo logístico longitudinal. Resultados: Após a cirurgia bariátrica, houve aumento da realização da atividade física. Na análise multivariada, cor de pele autorreferida amarela ou indígena, índice de massa corporal e percepção ruim ou muito ruim do estado de saúde associaram-se à AF. Conclusão: A prática de atividade deve ser incentivada, visto que favorece mudança de hábitos, englobando os âmbitos físico, psicológico e social.

 

Descritores: Cirurgia Bariátrica; Atividade Motora; Epidemiologia; Obesidade; Manejo da Obesidade.

 

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a obesidade vem assumindo proporções epidêmicas. Dados da World Health Organization (WHO) apontam que em 2016, 39% dos adultos da população mundial foram considerados com sobrepeso e 13% encontravam-se obesos(1). No Brasil, em 2018, mais da metade da população estava com excesso de peso (55,7%) e 19,8% dos brasileiros foram considerados obesos, sendo que a prevalência de obesidade é de 18,7% nos homens e de 20,7% nas mulheres(2)

A obesidade é uma doença crônica importante e potencialmente letal causada por uma associação entre genética e estilo de vida, além dos riscos à saúde física, como o desenvolvimento de hipertensão arterial sistêmica (HAS), hipercolesterolemia, diabetes mellitus (DM) e doenças cardiovasculares(3). É caracterizada como uma doença que causa estigma, pois compromete, também, a saúde psicossocial do indivíduo, o qual pode desenvolver quadros de depressão, ansiedade e transtornos alimentares compulsivos(3). Neste contexto, destaca-se a cirurgia bariátrica (CB), a qual tem sido considerada uma possibilidade de intervenção para o tratamento da obesidade(4)

Os candidatos submetidos ao tratamento cirúrgico são, na maioria das vezes, pacientes com índice de massa corporal (IMC) acima de 40 Kg/m² ou com IMC maior do que 35 kg/m² associado à comorbidades, como HAS, DM tipo 2, apneia do sono ou dislipidemia. A seleção de pacientes requer um tempo mínimo de cinco anos de evolução da obesidade e história de falha documentada do tratamento clínico realizado por profissionais qualificados(4).

Isoladamente, a CB não promove a cura da obesidade, mas o seu controle, e pode estar associada a complicações nutricionais e clínicas a curto e a longo prazo(5). Diversos são os fatores que influenciam a perda e manutenção do peso associado à CB, como idade, hábitos alimentares, redução da atividade física e adaptações hormonais(6-8). Ressalta-se que a inatividade física dos pacientes após a CB está relacionada a problemas nutricionais e clínicos, especialmente a perda substancial de massa corporal magra(9-10). Como a obesidade tem sua origem relacionada a fatores genéticos, ambientais e comportamentais, a ingestão calórica excessiva e a diminuição de atividade física são os fatores de maior relevância para seu acometimento(5). 

Ressalta-se, portanto, a importância da atividade física (AF) (no mínimo 150 minutos de atividade aeróbica de intensidade moderada por semana ou pelo menos 75 minutos de atividade aeróbica de intensidade vigorosa semanal)(11) para reverter ou evitar o desenvolvimento do quadro clínico citado previamente. Entende-se como AF qualquer movimento realizado pelo corpo produzido pela musculatura esquelética que requeira gasto energético acima do nível de repouso(11-12). Ressalta-se que o exercício físico é uma subcategoria da AF e é entendido como uma atividade física que é planejada, estruturada, repetitiva e propositada, com o objetivo principal de melhorar ou manter a aptidão física, desempenho físico ou a saúde(11).

A AF tem sido recomendada por influenciar na velocidade da perda de peso corporal e na preservação ou aumento da massa magra depois da CB, além de reduzir a sensação de fome e a ansiedade, se apresentando como um importante componente para o controle do peso e para redução de outros fatores de risco inerentes ao excesso de peso(12).

Por conseguinte, este estudo se justifica pela escassez de estudos nacionais acerca desta temática(13), além da válida busca de conhecimento sobre os efeitos fisiológicos da AF em pacientes submetidos à CB, para que se possa discutir, propor e incentivar mudanças de hábitos de vida e prevenir o desenvolvimento de quadros mais severos de obesidade. Estudos demonstram que várias são as barreiras e os facilitadores para que pacientes submetidos à CB pratiquem a AF(14-15). As barreiras para a prática de AF podem ser: restrição do peso, insatisfação corporal, a saúde psicológica dos pacientes, apoio social. Já os fatores, como perda de peso pós-cirurgia, manutenção do peso, satisfação com a saúde, prazer com a imagem corporal, idade e apoio para a AF são agentes facilitadores para a prática de AF em pacientes pós CB(14). Diante do exposto, a hipótese desse estudo é que fatores sociodemográficos, clínicos e de percepção de saúde dos indivíduos submetidos à CB estão associados à prática de AF. 

O objetivo deste estudo é avaliar se pacientes submetidos à CB eram fisicamente ativos, antes e após o processo cirúrgico, além de identificar os fatores associados à inatividade física. 

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, realizado com 307 pacientes adultos (idade maior ou igual a 18 anos) submetidos à cirurgia bariátrica nos anos de 2012 a 2014 em um hospital geral e privado de Minas Gerais, Brasil. Este estudo faz parte do projeto de coorte intitulado “Avaliação de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica em hospital geral: estudo epidemiológico e clínico sobre obesidade”, que acompanhou pacientes submetidos à CB nos anos de 2012 a 2014 e os acompanhou por 5 anos após à CB. 

A coleta de dados ocorreu no ano de 2016, em duas fases (fontes): nos prontuários eletrônicos (dados anteriores ao procedimento cirúrgico e pós-operatório imediato) e por telefone (no primeiro - pacientes operados em 2014, no segundo - pacientes operados em 2013 e, no terceiro ano - pacientes operados em 2012, de pós-operatório). Ressalta-se que a coleta de dados foi realizada por profissionais de saúde devidamente capacitados. Foram excluídos os indivíduos para os quais não se obteve sucesso nas ligações e os óbitos. A amostra final foi constituída por 307 pacientes. O fluxograma de seleção da amostra pode ser observado na Figura 1.

 

 

 

 

C:\Users\saude da familia\Dropbox\objn-edição\Template Diagramação\licenciamento.png

 

 

 

 

                                              

Figura 1 - Fluxograma das perdas amostrais. Contagem, MG, Brasil, 2016

 

Os dados coletados compreenderam variáveis (exposição) sociodemográficas (sexo, idade, cor da pele, escolaridade, estado civil, renda), clínicas - relacionadas às comorbidades e à internação (HAS, DM e percepção sobre o estado de saúde) -, epidemiológicas (IMC) e hábito intestinal. A prática de atividade física (>150 minutos/semana)(11) antes e após o procedimento cirúrgico (no primeiro, no segundo e no terceiro ano de pós-operatório) foi considerada como variável desfecho deste estudo. 

Para mensurar o tempo de atividade física, utilizou-se a combinação de duas informações. A primeira foi: “A senhor(a) tem praticado alguma atividade física durante a semana nos 3 últimos meses, como: caminhada, caminhada em esteira, musculação, hidroginástica dança e voleibol/futevôlei, corrida, corrida em esteira, ginástica aeróbica, futebol/futsal, basquetebol e tênis?”. Aqueles entrevistados que responderam sim para a variável foram questionados quanto: à periodicidade (“Quantos dias por semana o (a) Sr. (a) costuma praticar essa atividade?”) e quanto ao tempo da atividade (“No dia em que o (a) Sr.(a) pratica essa atividade, quanto tempo dura essa atividade?”). Estas questões foram questionadas quanto a sua realização antes e após à CB. 

Após, os pacientes foram categorizados em: aqueles que praticavam no mínimo 150 minutos de atividade aeróbica de intensidade moderada por semana ou pelo menos 75 minutos de atividade aeróbica de intensidade vigorosa semanal(11)

Os dados coletados foram analisados utilizando-se o programa estatístico Stata, versão 14.0. 

As frequências e as proporções foram calculadas para as variáveis categóricas, além dos intervalos de 95% de confiança (IC95%) das proporções. Para as variáveis quantitativas, foram utilizadas a média e o desvio padrão (DP), devido à distribuição normal das variáveis verificadas pelo teste Shapiro-Wilk. 

As magnitudes das associações entre a variável dependente (AF antes e após a CB) e os fatores de interesse foram estimadas pelas odds ratio (OR) pelo modelo logístico longitudinal, controlado pela correlação intra-indivíduo. Realizou-se o procedimento de forward de inclusão das variáveis. O modelo final foi avaliado pelo teste de bondade de Wald. Ressalta-se que o modelo foi controlado pela correlação intra-indivíduo, tempo pós-operatório dos pacientes (em meses) a partir da data de realização da cirurgia até a data coleta de dados em 2016, sexo e idade. Adotou-se o nível de significância de 5% em todos os procedimentos analíticos.

 Obteve-se a autorização prévia da instituição hospitalar, bem como a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE 52657115.2.0000.5149), sob parecer 1.503.789. Todos os participantes deram seu consentimento de forma verbal ao telefone, conforme as diretrizes éticas descritas na Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, que envolvem pesquisas com seres humanos. Ressalta-se que a assinatura do termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi dispensada, pois a segunda fase da pesquisa ocorreu por via telefônica, impossibilitando a assinatura dos mesmos. 

 

RESULTADOS

A amostra foi constituída por 307 pacientes, em sua maioria, por mulheres (87,62%, n=269), com média de idade de 37,10 anos (DP± 9,32, n=307), que se auto declaravam pardas (49,84%, n=153), tinham ensino médio completo (58,96%, n=181), viviam com algum tipo de companheiro (69,06%, n=212) e possuíam renda média por domicílio de 1 a 3 salários mínimos (54,79%, n=160) (Tabela 1).

 

Tabela 1 - Perfil sociodemográfico de pessoas submetidas à Cirurgia Bariátrica. Contagem, MG, Brasil, 2016

Variável 

n

%

IC 95%*

Sexo

 

Masculino 

38

12,38

9,12-16,58

Feminino

269

87,62

83,41-90,88

Idade em anos**

37,10(9,32)

 

Cor de pele autorreferida

 

Branca

102

33,22

28,15-38,72

Preta

46

14,98

11,10-19,09

Parda

153

49,84

44,24-55,44

Amarela/ Indígena

6

1,96

0,88-4,29

Escolaridade

 

 

 

Ensino Superior

67

21,82

17,53-26,82

Ensino Médio 

181

58,96

53,33-64,36

Ensino Fundamental

30

9,77

6,90-13,66

Educação Primária

29

9,45

6,63-13,29

Vive com Companheiro

 

 

 

Sim

212

69,06

63,63-74,00

Não

95

30,94

25,99-36,37

Renda Média por Domicílio***

 

Sem renda ou com até 1salário mínimo

28

9,59

6,69-13,56

De 1 a 3 salários mínimos

160

54,79

49,01-60,45

De 3 a 5 salários mínimos

69

23,63

19,08-28,87

Mais que 5 salários mínimos

35

11,99

8,71-16,27

Notas: *Intervalo de confiança 95%.

**Média e Desvio Padrão.

***Renda média por domicílio calculada com base no Salário Mínimo: R$788,00.

Fonte: Elaborada para fins desse estudo.

 

Dos pacientes da amostra, 101 (32,90%) praticavam AF antes do procedimento cirúrgico e 109 (35,50%) relataram prática de AF (>150minutos/semana) após a cirurgia (dados não mostrados). Na Tabela 2, são apresentadas as análises bivariadas dos potenciais fatores sociodemográficos, clínicos e de percepção de saúde associados à prática de AF. Associaram à redução da chance de inatividade física a cor de pele amarela/indígena (quando comparadas com pessoas brancas) e associou-se com maior chance de inatividade física o aumento do IMC durante o tempo, além de pessoas que avaliaram o seu estado de saúde como ruim ou muito ruim (em relação àquelas que avaliaram como muito bom ou bom o seu estado de saúde).

 

Tabela 2 – Análise bivariada dos fatores associados à prática de atividade física antes e após a cirurgia bariátrica. Contagem, MG, Brasil, 2016

 

Prática de atividade física

Modelo bruto*

 

Antes

Após

OR(IC95%)

 

Sim

Não

Sim

Não

 

 

n(%)

n(%)

n(%)

n(%)

 

Fatores sociodemográficos

 

 

 

 

Sexo

 

 

 

 

 

Masculino

10(26,32)

28(73,68)

13(34,21)

25(65,79)

1

Feminino

91(33,83)

178(66,17)

96(35,69)

173(64,31)

0,81 (0,46 – 1,43)

Idade*

40

(33 - 45)

38

(33 - 45)

38

(32 - 43)

39

(33 - 46)

1,00(0,98 – 1,02)

Cor de pele

 

 

 

 

 

Branca

35(34,31)

67(65,69)

35(34,31)

67(65,69)

1

Preta

10(21,74)

36(78,26)

14(30,43)

32(69,57)

1,48(0,80 – 2,72)

Parda

52(33,99)

101(66,01)

58(37,91)

95(62,09)

0,93(0,62 – 1,39)

Amarela/indígena 

4(66,67)

2(33,33)

2(33,33)

4(66,67)

0,52(0,37 – 0,72)

Escolaridade

 

 

 

 

 

Ensino Superior

16(23,88)

51(76,12)

24(35,82)

43(64,18)

1

Ensino Médio 

64(35,36)

117(64,64)

72(39,78)

109(60,22)

0,70(0,46 – 1,07)

Ensino Fundamental

14(43,75)

18(56,25)

8(25,00)

24(75,00)

0,81(0,40 – 1,62)

Educação Primária

7(25,93)

20(74,07)

5(18,52)

22(81,48)

1,48(0,68 – 3,23)

Vive com Companheiro

 

 

 

 

Sim

76(35,85)

136(64,15)

68(32,08)

144(67,92)

1

Não

25(26,32)

70(73,68)

41(43,16)

54(56,84)

0,96(0,66 – 1,40)

Renda média por domicilio

 

 

 

 

Sem renda ou com até 1salário mínimo

7(25,00)

21(75,00)

10(35,71)

18(64,29)

1

De 1 a 3 salários mínimos

57(35,63)

103(64,38)

56(35,00)

104(65,00)

0,79(0,43 – 1,45)

De 3 a 5 salários mínimos

20(28,99)

49(71,01)

17(24,64)

52(75,36)

1,18(0,61– 2,30)

Mais que 5 salários mínimos

13(37,14)

22(62,86)

19(54,29)

16(45,71)

0,51(0,25 – 1,05)

Fatores clínicos

 

 

 

 

 

Hipertensão Arterial

 

 

 

 

Sim

44(30,77)

99(69,23)

9(34,62)

17(65,38)

1

Não

57(34,76)

107(65,24)

92(32,74)

189(67,26)

0,79(0,53 – 1,17)

Diabetes Mellitus

 

 

 

 

 

Sim

25(30,86)

56(69,14)

3(23,08)

10(76,92)

1

Não

76(33,63)

150(66,37)

98(33,33)

196(66,67)

0,95(0,60 – 1,50)

IMC

43,01

(40,57 – 46,19)

43,87

(40,87 – 48,06)

27,52

(24,52 – 29,40)

27,34

(24,46 – 30,00)

1,01(1,002 – 1,036)

Habito intestinal

 

 

 

 

 

Normal

63(35,39)

115(64,61)

80(35,40)

146(64,60)

1

Constipação

37(29,60)

88(70,40)

24(34,29)

46(65,71)

1,00(0,59 – 1,67)

Diarreia 

1(25,00)

3(75,00)

5(45,45)

6(54,55)

0,62 (0,19 – 1,96)

Percepção de saúde

 

 

 

 

 

Muito bom ou bom

19(43,18)

25(56,82)

104(37,14)

176(62,86)

1

Regular

32(39,02)

50(60,98)

4(19,05)

17(80,95)

0,91 (0,57 – 1,44)

Ruim ou muito ruim

50(27,62)

131(72,38)

1(20,00)

4(80,00)

1,52(1,03 – 2,23)

Notas: * modelo logístico longitudinal controlado pela correlação intra-indivíduo; IC95% - intervalo de confiança de 95%, em negrito apresenta diferença estatisticamente significativa.

 

Por fim, na análise multivariada, utilizando regressão de logística multivariada controlado pela correlação intra-indivíduo (Tabela 3), verificou-se que características sociodemográficas, clínicas e condições subjetivas associaram-se à atividade física.

Os resultados mostram redução na chance de inatividade física nos pacientes de cor de pele amarela ou indígena em relação aos de cor branca, controlada pela correlação intraindivíduo e ajustada pelas demais variáveis presentes no modelo (Tabela 3). 

Observou-se aumento da chance de inatividade física nos pacientes que referiram percepção ruim ou muito ruim do estado de saúde em relação aos pacientes que referiram muito boa ou boa percepção de saúde. Houve aumento, também, da chance de inatividade física com o aumento do IMC. Ambos os achados foram controlados pelas correlações intra-indivíduo e ajustados pelas demais variáveis presentes no modelo (Tabela 3).

 

Tabela 3 – Análise multivariada dos fatores associados à prática de atividade física após a cirurgia bariátrica. Contagem, MG, Brasil, 2016

Variáveis

OR

IC95%

Cor de pele

 

 

Branca

1

-

Preta

1,20

0,61 – 2,35

Parda

0,90

0,57 – 1,40

Amarela/indígena 

0,39

0,26 – 0,59

IMC

1,04

1,01 – 1,08

Percepção de saúde

 

 

Muito bom ou bom

1

-

Regular

1,18

0,58 – 2,40

Ruim ou muito ruim

2,31

1,14 – 4,67

Nota: modelo logístico longitudinal controlado pela correlação intra-indivíduo e ajustado para sexo, idade e tempo pós-cirurgia; IC95% - intervalo de confiança de 95%, em negrito apresenta diferença estatisticamente significativa.

 

DISCUSSÃO

Neste estudo, após a realização do procedimento cirúrgico, ocorreu aumento da proporção dos pacientes que praticavam AF. Na análise multivariada, as características sociodemográficas (cor de pele autorreferida amarela ou indígena), clínicas (IMC) e as condições de saúde subjetivas (percepção ruim ou muito ruim do estado de saúde) associaram-se à AF.

O aumento da AF após à CB é relatado em outros estudos(16-17). Tal aumento pode ser entendido como uma melhora na qualidade de vida desses pacientes, uma vez que os pacientes apresentam menores preocupações quanto à ocorrência de lesões após a cirurgia e se tornam menos inibidos a prática de AF (18). A AF em períodos pós-cirúrgico contribui com a melhora da autonomia funcional, sendo responsável pela manutenção de massa corporal perdida e diminuindo a porção de tecido adiposo, resultando em um aumento do metabolismo de repouso, além de reduzir o cansaço e dores(19)

Observou-se que pacientes que referiram percepção ruim ou muito ruim do estado de saúde tiveram aumento na chance de serem inativos. A autoavaliação do estado de saúde é um indicador que aborda os componentes emocionais e o conceito individual de satisfação e de bem-estar, o que vai além da análise da condição físico-patológica atual do indivíduo(20). Dessa forma, é de extrema importância na análise da AF, uma vez que tal prática se relaciona a um grande número de benefícios, tais como a melhoria da saúde mental, do estado de humor, do autoconceito, da estabilidade emocional, do autocontrole e bem-estar, assim como a diminuição dos níveis de estresse e dos quadros de depressão e ansiedade(21)

Ainda que esses efeitos sejam amplamente discutidos, os mecanismos responsáveis por essas alterações psicológicas não são completamente conhecidos, de forma a proporcionar a existência de diversas hipóteses que procuram explicar essa relação com base nos mecanismos envolvidos no exercício físico. A mais clássica dessas hipóteses relaciona o bem-estar ao aumento da concentração de endorfinas durante e após a prática de AF, o que levaria a uma sensação agradável associada à euforia e à redução da dor, da ansiedade, da tensão e da raiva(22)

Outra teoria presente sobre a melhora na percepção do estado de saúde refere-se às monoaminas, o que explica a melhoria no estado de humor após a prática de AF com base no aumento dos níveis de neurotransmissores, como a serotonina. Este neurotransmissor é conhecido por estar reduzido em pessoas depressivas, podendo ter relação com o mecanismo do estado de humor(22). Além da serotonina, o exercício físico também aumenta a atividade enzimática do sistema cálcio-calmodulina, o qual resulta na elevação nos níveis de cálcio no cérebro que, por sua vez, estimula a síntese de dopamina(23). A dopamina é um neurotransmissor que estimula os receptores dopaminérgicos e gera uma sensação de bem-estar e euforia. Além disso, a dopamina também influencia na motivação, no sono, no humor e na aprendizagem(24).

Outra variável que apresentou diferença significativa em relação à prática de atividade física, neste trabalho, foi o IMC ao decorrer do tempo. Essa diferença justifica-se porque a prática de AF está relacionada diretamente à redução do peso e à preservação da massa magra, fazendo com que os participantes fisicamente ativos tendam a apresentar menor peso do que os indivíduos sedentários. Para que haja perda de peso, é necessário um balanço energético negativo, ou seja, o gasto total de energia diário seja maior que o consumo de energia. Assim, uma das principais causas da redução do peso relacionada à atividade física é o aumento da Taxa Metabólica de Repouso (TMR), a qual se apresenta elevada durante e após a AF(25). Tal taxa corresponde ao gasto energético mínimo necessário para que todas as funções vitais do organismo sejam mantidas em funcionamento. Considerando que esta taxa é o principal componente do gasto energético total diário(26), o seu aumento proporcionado pela AF pode levar ao estabelecimento de um balanço energético negativo, levando ao emagrecimento. 

Ressalta-se, ainda, que outro fator que revelou diferença significativa, nesse estudo, foi a cor da pele. Todavia, não foram encontrados dados ou evidências na literatura que justificassem esse fato, mas sugere-se que tal resultado possa estar relacionado à questão cultural desses indivíduos.

Diante do exposto, os achados deste estudo confirmam a hipótese do estudo de que os fatores sociodemográficos, clínicos e de percepção de saúde dos indivíduos submetidos à CB estão associados à prática de AF. Os achados deste trabalho ressaltam a importância da equipe multidisciplinar antes e após à CB, visando o cuidado direcionado ao processo de mudança do estilo de vida(17).Por fim, é importante considerar as limitações deste estudo, dentre elas a perda amostral durante a coleta de dados, o que pode ter influenciado na ausência de significância estatística em alguns dos resultados apresentados. Ressalta-se, entretanto, que foram realizadas análises de sensibilidade entre as perdas e a amostra final e, para a maioria das variáveis, não foram verificadas diferenças significativas entre elas. Ademais, algumas variáveis utilizadas neste trabalho são autorreferidas, mas muitas delas têm sido amplamente utilizadas em estudos epidemiológicos como um método aceitável.

Para o nosso conhecimento, há escassez de pesquisas nacionais voltadas para a temática. Esse estudo contribui, indubitavelmente, para melhor compreensão sobre os efeitos fisiológicos da AF em pacientes submetidos à CB.

 

CONCLUSÃO

Houve associação da cirurgia bariátrica com a prática de AF, a qual deve ser incentivada, visto que favorece a mudança de hábitos, englobando os âmbitos físico, psicológico e social do indivíduo. Os resultados deste estudo podem ajudar na elaboração de estratégias pelos profissionais da equipe multidisciplinar, visando melhorar a condição de saúde dos pacientes submetidos à CB e reverter complicações decorrentes deste procedimento cirúrgico, como a perda de massa magra. 

 

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization (WHO). Obesity and overweight [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2020 May 22]Available fromhttp://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight.

 

2. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção de Saúde. Vigitel Brasil 2019: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. 2019 [cited 2020 May 22]. 160 p. Available from: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2019/julho/25/vigitel-brasil-2018.pdf.

 

3. Haddad M do CL, Leroux AMR, Santos CF, Loman H, Oliveira SG. Qualidade de vida após gastroplastia. Ciênc Cuid Saúde [Internet]. 2008 [cited 2020 May 22];2(1) Available from: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/5566 

 

4. Zeve JL de M, Novais PO, Oliveira Júnior N de. Técnicas em cirurgia bariátrica: uma revisão da literatura. Ciência & Saúde [Internet]. 2012 [cited 2020 May 22];5(2):132-40. Available from: http://dx.doi.org/10.15448/1983-652X.2012.2.10966

 

5. Coelho EML, Fontela PC, Winkelmann ER, Schwengber MSV. Perda de peso, estado de saúde e qualidade de vida durante 2 anos após cirurgia bariátrica. Ciência & Saúde [Internet]. 2016 [cited 2020 May 22];9(3):174-81. Available from:  http://dx.doi.org/10.15448/1983-652X.2016.3.23377

 

6. Monaco-Ferreira DV, Leandro-Merhi VA. Weight Regain 10 Years After Roux-en-Y Gastric Bypass. Obes Surg [Internet]. 2016 [cited 2020 May 22];27(5):1137-44. Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s11695-016-2426-3

 

7. Bastos ECL, Barbosa EMWG, Soriano GMS, Santos EA dos, Vasconcelos SML. Determinants of weight regain after bariatric surgery. Arq Bras Cir Dig [Internet]. 2013 [cited 2020 May 22];26(Suppl 1):26-32. Available from:  http://dx.doi.org/10.1590/S0102-67202013000600007

 

8. Barhouch AS, Padoin AV, Casagrande DS, Chatkin R, Süssenbach SP, Pufal MA et al. Predictors of Excess Weight Loss in Obese Patients After Gastric Bypass: a 60-Month Follow-up. Obes Surg [Internet]. 2016 [cited 2020 May 22];26(6):1178-85. Available from: https://doi.org/10.1007/s11695-015-1911-4

 

9. Silva AA da, Araújo RP de, Gurgel LA, Aguiar JB de. Influência do exercício físico sobre a composição corporal após gastroplastia. Rev Aten Saúde [Internet]. 2014 [cited 2020 May 22];11(38):25-31. Available from: https://doi.org/10.13037/rbcs.vol11n38.1975

 

10. Carey DG, German JP, Robert LR. Body composition and metabolic changes following bariatric surgery: effects on fat mass, lean mass and basal metabolic rate: six months to one-year follow-up. Obes Surg [Internet]. 2006 [cited 2020 May 22];16(12):1602-8. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17217636

 

11. World Health Organization (WHO). WHO Guidelines on Physical Activity and Sedentary Behaviour [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [cited 2021 July 14]Available fromhttps://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/336656/9789240015128-eng.pdf

 

12. Donnelly JE, Blair SN, Jakicic JM, Manore MM, Rankin JW, Smith BK. American College of Sports Medicine Position Stand. Appropriate physical activity intervention strategies for weight loss and prevention of weight regain for adults. Med Sci Sports Exerc [Internet]. 2009 [cited 2020 May 22];41(2):459-71. Available from: https://doi.org/10.1249/MSS.0b013e3181949333

 

13. Aguiar JB, Gurgel LA, Santos ALB, Arruda SPM. Barriers to Physical Exercise and Associated Factors in the Pre- and Postoperative Periods of Bariatric Surgery. Obes Surg [Internet]. 2021 [cited 2021 Jun 30];31(4):1696-1704. Available from: https://doi.org/10.1007/s11695-020-05183-y

 

14. Dikareva A, Harvey WJ, Cicchillitti MA, Bartlett SJ, Andersen RE. Exploring Perceptions of Barriers, Facilitators, and Motivators to Physical Activity Among Female Bariatric Patients: Implications for Physical Activity Programming. Am J Health Promot [Internet]. 2016 [cited 2021 Jun 30];30(7):536-44. Available from: https://doi.org/10.4278/ajhp.140609-QUAL-270. 

 

15. Hayotte M, Nègre V, Gray L, Sadoul JL, d'Arripe-Longueville F. The transtheoretical model (TTM) to gain insight into young women's long-term physical activity after bariatric surgery: a qualitative study. Obes Surg[Internet]. 2020 [cited 2021 Jun 30];30(2):595-602. Available from: https://doi.org/10.1007/s11695-019-04220-9. 

 

16. Boscatto EC, Duarte M de F da S, Gomes M de A. Comportamentos ativos e percepção da saúde em obesos submetidos à cirurgia bariátrica. Rev Bras Ativ Fís Saúde [Internet]. 2012 [cited 2021 Jun 30];16(1):43-7. Available from: https://rbafs.org.br/RBAFS/article/view/556

 

17. Barros LM, Frota NM, Moreira RAN, Brandão MGSA, Caetano JA. Mudanças de hábitos de vida de pacientes em pós-operatório da cirurgia bariátrica. RBONE - Revista Brasileira De Obesidade, Nutrição E Emagrecimento [Internet]. 2018 [cited 2021 Jun 30];12(74):812-19. Available from: http://www.rbone.com.br/index.php/rbone/article/view/800

 

18. Wouters EJ1, Larsen JK, Zijlstra H, van Ramshorst B, Geenen R. Physical activity after surgery for severe obesity: The role of exercise cognitions. Obes Surg [Internet] 2011 [cited 2020 May 22];21(12):1894-9. Available from: https://doi.org/10.1007/s11695-010-0276-y

 

19. Fonseca-Junior SJ, Sá CGA de B, Rodrigues PAF, Oliveira AJ, Fernandes-Filho J. Exercício físico e obesidade mórbida: Uma revisão sistemática. ABCD Arq Bras Cir Dig [Internet]. 2013 [cited 2020 May 22];26(Suppl 1):67-73. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-67202013000600015

 

20. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas – Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2014 [cited 2020 May 22]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=291110

 

21. Ravelli MN, Merhi VAL, Mônaco DV, Aranha N. Obesidade, cirurgia bariátrica e implicações nutricionais. Revista Brasileira em Promoção da Saúde [Internet]. 2012 [cited 2020 May 22];20(4):259-66. Available from: https://dx.doi.org/10.5020/1036 

 

22. Miranda REEPC, Mello MT de, Antunes HKM. Exercício Físico, Humor e Bem-Estar: Considerações sobre a Prescrição da Alta Intensidade de Exercício. Revista Psicologia e Saúde [Internet]. 2011 [cited 2020 May 22];3(2):46-54. Available from: https://doi.org/10.20435/pssa.v3i2.102 

 

23. Vorkapic CF. Neurociência do Exercício, Saúde Mental e Aprendizagem. Caminhos da Educação Matemática em Revista (On-line) [Internet]. 2016 [cited 2020 May 22];4(2). Available from: https://aplicacoes.ifs.edu.br/periodicos/index.php/caminhos_da_educacao_matematica/article/view/77

 

24. Antunes HKM., Andersen ML., Tufik S, Mello MT de. Privação de sono e exercício físico. Rev Bras Med Esporte [Internet]. 2008 [cited 2020 May 22];14(1):51-6. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922008000100010

 

25. Hannibal D, Zolet NE, Souza JC de, Speretta GFF, Leite RD, Prestes J. Exercício físico e obesidade: o impacto das diferentes modalidades. RBPFEX- Revista Brasileira de Prescrição e Fisiologia do Exercício [Internet]. 2011 [cited 2020 May 22];4(20). Available from: http://www.rbpfex.com.br/index.php/rbpfex/article/view/240

 

26. Bonganha V, Conceição MS, Santos CF dos, Chacon-Mikahil MPT, Madruga VA. Taxa metabólica de repouso e composição corporal em mulheres na pós-menopausa. Arq. bras. endocrinol. metabol. [Internet] 2009 [cited 2020 May 22];56(4):755-59. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27302009000600010

 

27. Werneck FZ, Bara Filho MG, Ribeiro LCS. Mecanismos de melhoria do humor após o exercício: Revisitando a hipótese das endorfinas. Rev Bras Ci e Mov [Internet]. 2005 [cited 2020 May 22];13(2):135-44. Available from: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/RBCM/article/viewFile/634/645

 

 

Submission: 01/11/2021 

Approved: 07/14/2021

 

 

C:\Users\saude da familia\Dropbox\objn-edição\Template Diagramação\licenciamento.png