Fatores associados aos óbitos e ataques de tubarão: um estudo transversal

 

Larissa Michelle Tenório de Vasconcelos¹, Halerrandro Gomes Borba¹, Nelson Miguel Galindo Neto¹, Ana Carla Silva Alexandre¹, Juliana Lourenço de Araújo Veras¹, Sílvia Elizabeth Gomes de Medeiros1

 

1 Federal Institute of Education, Science and Technology of Pernambuco, PE, Brazil

 

RESUMO

Objetivo: avaliar os fatores associados aos óbitos e ataques de tubarão no Brasil. Método: trata-se de um estudo transversal, quantitativo, realizado mediante acesso virtual ao website do Global Shark Attack File. A análise foi realizada no programa R, a partir de estatística descritiva e dos testes de Qui-quadrado de Pearson e Teste Exato de Fisher. Resultados: ocorreram 86 ataques, dos quais 26 (30,2%) resultaram em óbito. Foi encontrada associação entre a ocorrência de ataque com o ano, estado, região, dia da semana, turno e espécie do tubarão, além da faixa etária, sexo da vítima e local do corpo acometido. Nenhuma variável apresentou associação com o óbito. O estado de Pernambuco computou o maior número de ataques (83,7%) e óbitos (96,2%). Conclusão: os ataques de tubarão estiveram associados com nove variáveis: três de caracterização da vítima e seis do perfil do acidente. Os óbitos não apresentaram associação significativa. Pernambuco sobressaiu como estado com maior ocorrência de ataque e óbitos.

 

Descritores: Tubarões; Mordeduras e Picadas; Assistência Pré-Hospitalar; Morte; Brasil.

 

 

INTRODUÇÃO

As praias são grandes atrativos para visitação de pessoas em atividades de lazer, como corrida, surf e nado, e influenciam diretamente na economia, principalmente em países com o clima tropical(1). Entretanto, as atividades no mar demandam atenção, pois podem ser cenário de acidentes e ataques de tubarão, que ocorrem mais comumente em épocas quentes, onde a temperatura da superfície do mar favorece a presença dos animais, e por haver maior circulação de pessoas em atividades de recreações aquáticas. Assim, os ataques de tubarão são resultado da interação entre ser humano e animal(2).

De acordo com o Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões (ISAF), no ano de 2018, foram registrados, no mundo, 66 ataques, que resultaram em quatro mortes. No referido ano, o Brasil ficou em terceiro lugar no ranking de países, com três ataques e um óbito, atrás apenas dos Estados Unidos da América (EUA) e da Austrália(3).

Os ataques de tubarão são preocupantes devido às graves complicações que podem levar ao óbito. Neles, as vítimas apresentam extensas lesões teciduais, que requerem efetivo atendimento pré-hospitalar e tratamento cirúrgico especializado, para recuperação da região acometida(4). A equipe que realiza o primeiro atendimento tem papel fundamental no desfecho clínico da vítima, para reconhecer e tratar as lesões traumáticas que possam levar a óbito rapidamente(5). A ágil reanimação, controle das hemorragias, estabilização dos sinais vitais e também a correta transferência para o setor cirúrgico, aumentam as chances de prognóstico positivo e diminuem a chance de morte(5-6).

Os profissionais que compõem o Atendimento Pré-Hospitalar e os serviços hospitalares de urgência e emergência, que atuam em regiões litorâneas, possuem elevada probabilidade de se depararem com vítimas acometidas por ataques de tubarão. Para tanto, necessitam ser instrumentalizados para lidar com situações dessa natureza. 

Nesse contexto, o enfermeiro destaca-se por executar ações que exigem decisão clínica, habilidade na comunicação, liderança da equipe de enfermagem, gestão do serviço, organização da unidade e prestação de cuidados. Assim, com o propósito de nortear a tomada de decisões assistenciais e ofertar dados científicos para treinamentos direcionados realidade vivenciada, o estudo teve como objetivo avaliar os fatores associados aos óbitos e ataques de tubarão no Brasil.

 

MÉTODO 

Trata-se de um estudo descritivo, transversal, com abordagem quantitativa, realizado mediante acesso virtual ao website do Global Shark Attack File (GSAF).

O GSAF é um banco de dados online, de domínio público, atualizado continuamente com relatórios de incidentes com tubarões por todo o mundo(7). O website é coordenado pelo Shark Research Institute, um órgão multidisciplinar, sem fins lucrativos, fundado em 1991 na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, por equipe de médicos, cirurgiões e examinadores, que consiste na primeira entidade organizada de conservação a tubarões, com projetos de rastreamento, estudos comportamentais e produção de trabalhos científicos(8-9).

A população constituiu-se das vítimas de acidentes com tubarões que tiveram seus dados anexados ao GSAF. A coleta de dados foi realizada em dezembro de 2019, compondo uma amostra de 86 casos que atenderam ao critério de inclusão de ser relatório de acidentes/ataques de tubarão ocorrido nos últimos 30 anos (janeiro de 1989 a dezembro de 2019). Justifica-se a limitação temporal pela falta de informação no preenchimento de dados nos anos anteriores a esse período. O critério de exclusão foi o relatório indisponível para consulta online.

Para coleta de dados, foi elaborado instrumento especificamente para esse estudo, no Microsoft Excel, com as mesmas variáveis disponíveis nos relatórios, referente à caracterização da vítima (idade, sexo, local do corpo acometido e se houve óbito no local) e ao acidente (turno, dia, mês, ano e estação do ano em que ocorreram, localização geográfica/Estado e região da ocorrência, e espécie do tubarão envolvida no ataque). Não houve coleta de nenhuma informação que possa ser relacionada com a atuação do enfermeiro, uma vez que o banco de dados Global Shark Attack File não dispõe de nenhuma outra informação, a não ser as que foram coletadas.

Os dados foram analisados no programa R, versão 3.5.1. Foi utilizada estatística descritiva e o Qui-quadrado de Pearson e Teste Exato de Fisher, para verificar associações entre as variáveis categóricas. Foi considerado o intervalo de confiança de 95% e nível de significância de 5%, para todos os testes.

O estudo foi financiado pelos pesquisadores e dispensou a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, uma vez que os dados utilizados foram de domínio público.

RESULTADOS

Os dados coletados revelaram 86 acidentes registrados do ano de 1992 ao ano de 2019, destes 26 (30,2%) resultaram em óbitos. O ano esteve associado estatisticamente com a ocorrência de ataques de tubarão (p = 0,011), porém não se associou ao óbito (p = 0,929). Os anos que mais apresentaram vítimas foram o de 1994, com 10 casos (11,6%) e os de 2002 e 2004, com sete casos (8,2%) em cada ano. A mortalidade mostrou-se decrescente no decorrer dos anos, sendo mais expressiva nos anos de 2002, 2004 e 2006, com três (3,5%) mortes em cada ano. A Figura 1 apresenta a distribuição dos ataques de tubarão e óbitos, por ano.

 

Points scored

Figura 1 - Distribuição dos ataques de tubarão e óbitos por ano no Brasil (1992 – 2019). Pesqueira, PE, Brasil, 2020

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

 

No que se refere à localização geográfica, os dados da distribuição dos ataques de tubarão e óbitos por estados e regiões do Brasil, estão expressos na Tabela 1.

 

Tabela 1 - Ataques de tubarão e óbitos ocorridos por estados e regiões no Brasil (1992 -2019). Pesqueira, PE, Brasil, 2019

Estado

Ataques

n(%)

p*

 

Óbitos

n(%)

p**

Região

 

<0,001

 

 

0,461

Nordeste

79 (91,9)

 

 

26 (100,0)

 

Sudeste

5 (5,9)

 

 

0 (0,0)

 

Sul

2 (2,2)

 

 

0 (0,0)

 

Estados

 

<0,001

 

 

0,667

Maranhão (MA)

4 (4,7)

 

 

1 (3,8)

 

Rio Grande do Norte (RN)

1 (1,1)

 

 

0 (0,0)

 

Pernambuco (PE)

72 (83,7)

 

 

25 (96,2)

 

Bahia (BA)

2 (2,4)

 

 

0 (0,0)

 

Rio de Janeiro (RJ)

5 (5,9)

 

 

0 (0,0)

 

Rio Grande do Sul (RS)

1 (1,1)

 

 

0 (0,0)

 

Santa Catarina (SC)

1 (1,1)

 

 

0 (0,0)

 

* Qui-quadrado de Pearson. **Teste Exato de Fisher.                                     

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

 

Conforme a Tabela 1, a ocorrência de ataques de tubarão esteve associada com a região geográfica (p<0,001) e o estado (p<0,001); entretanto, não houve associação com o óbito. Os ataques de tubarão foram mais prevalentes na região Nordeste, com 79 casos (91,9%) e a totalidade dos óbitos. O estado com maior quantidade de incidentes foi Pernambuco, com 72 ataques (83,7%) e 25 óbitos (96,2%). O detalhamento acerca das variáveis que caracterizam as vítimas encontra-se expostas na Tabela 2.

 

Tabela 2 - Variáveis de caracterização das vítimas, conforme ocorrência de ataques de tubarão e óbito no Brasil (1992 – 2019). Pesqueira, PE, Brasil, 2019

Variável

Ataques n(%)

p*

 

Óbitos

n(%)

p**

Sexo

 

<0,001

 

 

0,307

Masculino

77 (89,5)

 

 

22 (84,6)

 

Feminino

4 (4,7)

 

 

1 (3,9)

 

Informação Ausente

5 (5,8)

 

 

3 (11,5)

 

Faixa etária

 

<0,001

 

 

0,799

0-11

1 (1,2)

 

 

0 (0,0)

 

12-19

21 (24,4)

 

 

6 (23,1)

 

20-30

19 (22,0)

 

 

7 (27,0)

 

31-40

9 (10,5)

 

 

1 (3,8)

 

41-50

3 (3,5)

 

 

1 (3,8)

 

Informação Ausente

33 (38,4)

 

 

11 (42,3)

 

Parte do corpo acometida

 

<0,001

 

 

0,188

Membros Superiores

19 (22,0)

 

 

2 (7,7)

 

Membros Inferiores

41 (47,7)

 

 

2 (7,7)

 

Cabeça

1 (1,2)

 

 

0 (0,0)

 

Quadril

3 (3,5)

 

 

1 (3,8)

 

Virilha

1 (1,2)

 

 

0 (0,0)

 

Informação Ausente

21 (24,4)

 

 

21 (80,8)

 

* Qui-quadrado de Pearson. **Teste Exato de Fisher.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

 

De acordo com a Tabela 2, todas as variáveis que caracterizaram as vítimas (faixa etária, sexo e local do corpo acometido) estiveram associadas à ocorrência de ataques de tubarão (p<0,001) e nenhuma delas se associou com o óbito. Observou-se predominância de ataques e óbitos no sexo masculino, devido aos maiores comportamentos de risco desempenhado pelos mesmos. Entre as faixas etárias analisadas, a de 12 a 19 obteve destaque, porém, a maior mortalidade foi encontrada na faixa de 20 a 30, com 19 casos (22,0%). A média da idade das vítimas acometidas por ataques de tubarão foi de 23,2 e a média da idade das vítimas que foram a óbito foi de 22,8 anos. A parte do corpo mais acometida foram os membros inferiores. Os dados referentes as variáveis de caracterização dos acidentes estão na Tabela 3.

 

Tabela 3 - Distribuição das variáveis de caracterização dos ataques de tubarão e óbitos ocorridos no Brasil (1992 - 2019). Pesqueira, PE, Brasil, 2019

Variável

Ataques

n(%)

p**

 

Óbito

n(%)

p**

Período

 

<0,001

 

 

0,411

1990 – 1999

39 (45,3)

 

 

10 (38,5)

 

2000 – 2009

31 (36,0)

 

 

12 (46,1)

 

2010 – 2019

16 (18,7)

 

 

4 (15,4)

 

Estação

 

0,130

 

 

0,510

Primavera

15 (17,4)

 

 

4 (15,4)

 

Verão

19 (22,1)

 

 

4 (15,4)

 

Outono

27 (31,4)

 

 

7 (26,9)

 

Inverno

25 (29,1)

 

 

11 (42,3)

 

Mês

 

0,290

 

 

0,496

Janeiro

8 (9,3)

 

 

1 (3,8)

 

Fevereiro

4 (4,6)

 

 

1 (3,8)

 

Março

7 (8,1)

 

 

2 (7,7)

 

Abril

8 (9,3)

 

 

1 (3,8)

 

Maio

8 (9,3)

 

 

2 (7,7)

 

Junho

11 (12,9)

 

 

5 (19,3)

 

Julho

12 (14,0)

 

 

4 (15,5)

 

Agosto

3 (3,5)

 

 

1 (3,8)

 

Setembro

7 (8,1)

 

 

5 (19,3)

 

Outubro

8 (9,3)

 

 

1 (3,8)

 

Novembro

3 (3,5)

 

 

1 (3,8)

 

Dezembro

7 (8,1)

 

 

2 (7,7)

 

Dia

 

0,007

 

 

0,719

Segunda

16 (18,6)

 

 

5 (19,3)

 

Terça

8 (9,3)

 

 

2 (7,7)

 

Quarta

12 (14)

 

 

2 (7,7)

 

Quinta

5 (5,8)

 

 

3 (11,5)

 

Sexta

10 (11,6)

 

 

3 (11,5)

 

Sábado

13 (15,1)

 

 

3 (11,5)

 

Domingo

22 (25,6)

 

 

8 (30,8)

 

Turno

 

<0,001

 

 

0,577

Manhã

7 (8,1)

 

 

1 (3,8)

 

Tarde

27 (31,4)

 

 

10 (38,5)

 

Noite

1 (1,2)

 

 

0 (0,0)

 

Informação Ausente

51 (59,3)

 

 

15 (57,7)

 

Espécies de tubarão

 

0,004

 

 

0,938

Tubarão Branco

3 (3,5)

 

 

1 (3,8)

 

Tubarão Touro

10 (11,6)

 

 

2 (7,7)

 

Tubarão Tigre

10 (11,6)

 

 

3 (11,5)

 

Tubarão Martelo

1 (1,2)

 

 

0 (0,0)

 

Tubarão Limão

3 (3,5)

 

 

0 (0,0)

 

Informação Ausente

59 (68,6)

 

 

20(77,0)

 

** Teste Exato de Fisher

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

 

Conforme a Tabela 3, os ataques de tubarão estiveram associados ao período (p<0,001), dia da semana (p=0,007), turno (p<0,001) e espécie do tubarão envolvida no ataque (p=0,004). Nenhuma das variáveis de caracterização do acidente se associou com o óbito. Observou-se predominância de ataques de tubarão entre 1990 e 1999, ocorridas no outono, mês de julho, aos domingos, no turno da tarde. No que tange à espécie de tubarão, Touro e Tigre tomaram destaque.

 

DISCUSSÃO

Foi observada redução nas ocorrências de ataques de tubarões ao longo das décadas, principalmente no estado de Pernambuco. Achados seguem a tendência mundial de redução de ataques, principalmente nos Estados Unidos, Austrália, África do Sul e Nova Zelândia, sendo que a mudança comportamental humana contribuiu positivamente para isto(7). Essa redução, no Brasil, pode ser justificada pelas intervenções instituídas: campanhas, conscientização realizadas pela mídia, placas e proibição de práticas de surf em áreas de risco e decretos sancionados em 1999 e 2014(4,10). Nesse contexto, os enfermeiros que exercem cargo de gestão e demais gestores em saúde, devem colaborar de forma intersetorial, com o aumento da sinalização e fiscalização dos litorais. 

No que se refere ao dia e turno, observou-se associação de ataques aos domingos, no período da tarde. Esse fato pode ser justificado pois tal período corresponde, no Brasil, ao turno propício para o lazer, uma vez que a maioria da população não exerce atividade trabalhista. Diante disso, é pertinente investimento em ações preventivas e de alerta para as equipes de atendimento pré-hospitalar, para que mantenham atenção redobrada nesse dia/turno. Destaca-se que as atividades educativas e de treinamento dos profissionais envolvidos do atendimento pré-hospitalar, devem contemplar essa realidade, para multiplicação da informação aos profissionais.

No tocante à localização geográfica, a região associada com os acidentes e na qual ocorreram todos os óbitos foi a Nordeste. Tal achado pode ter relação com o seu clima quente e existência de amplo litoral, que torna o ambiente marinho propício para o encontro de tubarões e banhistas. Esse fato é ratificado uma vez que os locais nos quais mais ocorrem ataques de tubarão, no mundo, são Califórnia, Flórida e Havaí, que, além de grande extensão litorânea, possuem um dos climas mais quentes do país(4). 

De acordo com estudo realizado na Alemanha, sobre o comportamento animal, as configurações do habitat, bem como as características e distribuição de recursos, influenciam no padrão de movimentação do mesmo(11). Essa realidade condiz com o litoral do Nordeste, em destaque o Estado de Pernambuco, onde as características geográficas marítimas propiciam relevos marinhos favoráveis à busca por suprimentos alimentares do tubarão, nas proximidades dos arrecifes, o que contribui com a possibilidade de incidentes(10). Acredita-se que a grande quantidade de tubarões nas zonas litorâneas do estado pode estar relacionada também a fatores ambientais, ecológicos e à ação do homem, que diretamente impactam na naturalidade do habitat. 

Desse modo, o aumento do número de ataques de tubarão nessa região pode ser favorecido por fatores naturais, por modificações antrópicas no meio e pelo próprio aumento populacional relacionado ao uso recreativo das praias. Segundo o Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões em Pernambuco(12), foram registrados 65 ataques de tubarão abrangendo seis municípios costeiros e o distrito de Fernando de Noronha entre 1992 e junho de 2018. Esses incidentes totalizaram 25 óbitos, cujas vítimas foram banhistas (21) e surfistas (4). Os principais municípios de ocorrência dos ataques estão localizados na Região Metropolitana do Recife, a saber: Recife, Jaboatão dos Guararapes, Olinda e Cabo de Santo Agostinho. 

Ao considerar que a formação em saúde precisa ser adaptada às demandas regionais, aponta-se a pertinência de diferenciada abordagem acerca dos ataques de tubarão, nos cursos ofertados na região nordeste, principalmente, nos do estado de Pernambuco, que devem considerar a elevada epidemiologia dos ataques de tubarão para direcionar a formação curricular regional.

Em relação às características das vítimas, foi encontrada associação entre o ataque e o sexo, de forma que os homens foram mais acometidos. Esse achado corrobora com estudo realizado na África do Sul, no qual observou-se taxa quatro vezes maior de afogamentos nos homens(13). Tais resultados apontam para a necessária reflexão e intervenção direcionada acerca dos comportamentos de risco masculinos no ambiente aquático. Dessa forma, destaca-se a necessidade do desenvolvimento de estratégias de educação, referentes à prevenção de ataques de tubarão voltadas ao público masculino.

No que tange à faixa etária, a média de idade, próxima aos 23 anos, das vítimas brasileiras, apresenta-se inferior à média mundial, que é de 26,1 anos(4). É esperado que pessoas jovens se exponham a mais riscos, diante do sentimento de liberdade e coragem(14). Assim sendo, torna-se necessária a priorização e atenção voltada aos jovens, no tocante ao risco de ataques de tubarão, durante atividades recreativas aquáticas.

No que tange à parte do corpo acometida, houve predominância de lesão nos membros inferiores. Resultados que condizem com estudo realizado em Pernambuco, no qual observou-se que partes do corpo como panturrilha, mão e antebraço foram as mais afetadas em ataques de tubarão(10); e com pesquisa realizada na Espanha, na qual os membros foram as partes mais acometidas em surfistas(15).

Tais achados podem ter relação com o fato de as extremidades, geralmente, serem a primeira zona de contato com o animal, pois tendem a ficar submersas na água, e por outras lesões surgirem, à medida que a vítima os movimenta, na tentativa natural de defesa. A gravidade da lesão causada por mordida de tubarão depende da espécie, do tamanho do animal e da natureza do ocorrido, uma vez que o tubarão não tem reflexo de mastigação, devido à estrutura anatômica da sua mandíbula(4).

Aponta-se que o comprometimento dos membros, apesar de não atingir diretamente órgãos nobres, pode ser grave. Tal fato é corroborado em estudo oriundo da Índia, cujos resultados apontam que as lesões de membros inferiores constituem cerca de 20% das mortes por traumas, de forma que, com o passar do tempo, as chances de recuperação diminuem e podem levar à amputação ou até mesmo ao óbito(16). Dessa forma, conteúdos referentes aos traumas de extremidades e à contenção de hemorragias nos membros devem ser inseridos no treinamento dos profissionais envolvidos na assistência pré e intra-hospitalar, das regiões litorâneas, principalmente no nordeste brasileiro.

Outro fator que se mostrou associado com a ocorrência dos ataques foi a espécie dos tubarões, dentre as quais houve destaque para tubarões Touro e Tigre. Estudo que investigou os dados mundiais de ataques de tubarão, também encontrou o tubarão Tigre como uma das cinco espécies mais identificadas em ataques(4).

O elevado índice de casos ocorridos com essas espécies pode ter relação com a seleção natural do habitat. Devido às características topográficas do ambiente e morfológicas dos animais, se estabelece limite de espécies presentes na costa, de forma que as maiores, costumam predominar, frente às espécies menores(7). Assim, as espécies maiores, como o tigre e touro, tornam-se residentes nas zonas litorâneas, pois nas águas profundas existe menos alimento, sendo que outras espécies de tubarão não fazem parte da população costeira, mas possuem passagem transitória por ela, fazendo com que os tubarões sejam habitantes presentes em todo o ano(7) e, em consequência, elevando a chance de ataques ocorrerem com tais espécies.

Tem-se como limitações do estudo a realização da coleta de dados em fonte única e a não correlação com informações nacionais, ocorrida pela ausência de estudos e dados de órgãos nacionais disponíveis sobre a temática. Além disso aponta-se como fator limitador o risco de subnotificação, a existência de relatórios incompletos e a defasagem temporal para alimentação do banco de dados pesquisado. Outra limitação consiste no fato de o estudo ter sido realizado com dados do Brasil, de forma que seus achados podem não corresponder aos obtidos em outros países, o que torna os resultados não generalizáveis mundialmente, apresentando impactos regionais.

CONCLUSÃO

Observou-se que houve associação estatística dos ataques de tubarão com as variáveis do acidente: ano, dia, período/turno, região e Estado; e variáveis da vítima: faixa etária, sexo e local do corpo acometido. Não houve associação de nenhuma variável com óbito.

Dos 86 ataques de tubarão investigados, houve predominância nos anos de 1994, 2002 e 2004, ocorridos aos domingos, no turno da tarde, localizados na região Nordeste, no estado de Pernambuco, com maioria de vítimas do sexo masculino, faixa etária entre 12 e 19 anos, com média de idade de 23,2 anos, sendo que a parte do corpo mais acometida foram os membros inferiores e as espécies mais identificadas nos ataques foram os tubarões Touro e Tigre.

O Estado de Pernambuco foi responsável por mais de 95% dos 26 óbitos encontrados, a maioria ocorreu em 2002, 2004 e 2006, com redução da taxa de mortalidade ao decorrer dos anos. Houve predominância de óbitos na faixa etária entre 20 e 30, com média de 22,8 anos.

Tendo em vista que o mar é o habitat natural do tubarão e que práticas aquáticas aumentam a possibilidade de encontro com seres humanos, torna-se relevante a ampliação do conhecimento sobre as características favoráveis ao ataque, o incentivo de campanhas e sensibilização de banhistas, como também sinalização de áreas de risco, para reduzir novos eventos. É necessário capacitar os profissionais em áreas com predominância estatística de casos, como na região nordeste, para elevar as chances de sobrevida das vítimas.

Recomenda-se que futuros estudos contemplem os fatores associados a desfechos hospitalares e pós-alta, para contribuir com o estado da arte da temática.

 

REFERÊNCIAS

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CONTRIBUIÇÃO DA AUTORIA

 

Concepção do Projeto: Vasconcelos LMT, Borba HG, Galindo Neto NM.

Obtenção dos dados: Vasconcelos LMT, Borba HG, Galindo Neto NM.

Análise e interpretação dos dados: Vasconcelos LMT, Borba HG, Galindo Neto NM.

Redação textual e/ou revisão crítica do cenário intelectual: Vasconcelos LMT, Borba HG, Galindo Neto NM, Alexandre ACS, Veras JLA, Medeiros SEG.

Aprovação final do texto a ser publicada: Vasconcelos LMT, Borba HG, Galindo Neto NM, Alexandre ACS, Veras JLA, Medeiros SEG.

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Vasconcelos LMT, Borba HG, Galindo Neto NM, Alexandre ACS, Veras JLA, Medeiros SEG.

 

 

Submission: 03/18/2021

Approved: 07/28/2021

 

 

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