Profile and life experience of informal caretakers of patients with chronic disease. An exploratory study

Perfil e vivência dos cuidadores informais de doentes crônicos assistidos pelo NEPAAF - Núcleo de estudos, pesquisa, assistência e apoio à família

 

Karina Santo Pedro1, Sonia Silva Marcon1
1Universidade Estadual de Maringá, Pr, Brasil

 

Abstract: This is an exploratory descriptive study of quali-quantitative nature accomplished with families of chronic patients attended in a project of home assistance, developed with the objective of characterizing their caretakers, to know their opinion on the meaning of caretaking, their expectations, and knowledge on the disease. The results reveal that all of the caretakers are female who do not possess contract of employment, that they are skilled in the caretaking process, and that the types of care more frequently developed are of life maintenance and recovery of health. For them, care means love, assistance, patience, renouncement, retribution and obligation (filial and matrimonial). Taking over the caretaker's role makes people feel happy, satisfied, useful and privileged by God. However, some of them feel sad for the lack of recognition, and with some resentment due to the situation imposed by the disease. The greatest difficulties are regarding financial conditions, physical overload and obstinacy of the patient.  

Keywords: Caregivers; home nursing; health education.

Resumo: Estudo descritivo-exploratório, de natureza qualiquantitativa realizado junto a famílias de pacientes crônicos assistidos em um projeto de assistência domiciliar. Foi desenvolvido com o objetivo de caracterizar o cuidador destes pacientes, conhecer a opinião destes sobre o significado do cuidado, suas expectativas e conhecimentos sobre a doença. Os resultados revelam que todos os cuidadores são do sexo feminino, não possuem vínculo empregatício, que eles se sentem hábeis no processo de cuidar e que os tipos de cuidado mais freqüentemente desenvolvidos são para manutenção da vida e recuperação da saúde. Para essas pessoas, cuidado significa amor, ajuda, paciência, renúncia, retribuição e obrigação (filial e conjugal). Assumir o papel de cuidador faz as pessoas se sentirem felizes, satisfeitas, úteis e privilegiadas por Deus; porém algumas se sentem tristes por falta de reconhecimento e revoltadas pela situação imposta pela doença. As maiores dificuldades relatadas são relativas às condições financeiras, sobrecarga física e teimosia do doente.

Palavras-chave:  Cuidadores;assistência domiciliar; educação em saúde
 

INTRODUÇÃO

            Cuidar da saúde sempre foi uma prática comum na família, de forma que na área da saúde esta tem sido apontada, na maioria das vezes, como a primeira e a mais constante unidade de saúde para seus membros, e com a transição demográfica e epidemiológica em curso, a experiência de cuidar de um doente em casa tem se tornado cada vez mais freqüente no cotidiano das famílias. O domicílio hoje já é visto como um espaço em que pessoas portadoras de doenças crônicas e outras afecções, idosas ou não, podem viver com boa qualidade de vida e manter a estabilidade da doença.(1)

Por outro lado, a perda da capacidade para executar determinadas atividades cotidianas, e às vezes até da autonomia, resulta em que outros precisem realizar tarefas e funções outrora executadas pela pessoa acometida, surgindo assim a figura do cuidador familiar. Estes cuidadores são responsáveis pela continuidade da assistência dada pela equipe de saúde, tornando-se, assim, elemento terapêutico no processo de reabilitação.(2) Desempenham atividades relacionadas com a manutenção da vida, a recuperação da saúde e até a administração financeira da família.

Um aspecto que sobressai nos estudos abordando o papel dos cuidadores é a preocupação, por parte dos profissionais de saúde, em identificar estratégias para aproximá-los das famílias, permitindo-lhe compartilhar de saberes científicos e culturais. Contudo, é preciso considerar que a capacidade da família para cuidar de seus membros, individualmente, ou do grupo como tal, pode estar comprometida, diminuída ou ausente em determinadas situações ou fases de sua trajetória de vida, e nestes casos, as famílias precisam ser assessoradas pelos profissionais nas suas dificuldades cotidianas. 

Alguns estudos indicam que mudanças no contexto biopsicossociocultural, além de influir no número de filhos, afetam também os valores compartilhados e construídos na família, a quantidade e qualidade do cuidado familial e das relações intra e extrafamiliares.

O cuidado familial é definido a partir do mundo de significados de cada família e aprendido, construído e desenvolvido ao longo da trajetória de seu processo de viver, o que lhe dá um caráter de especificidade; especialmente por poder ser modificado segundo as vivências e interpretações de seus membros.(3) Ele se dá inter e intrageracionalmente e nas diferentes etapas da vida de cada ser humano; além disso, é fortalecido pela rede de suporte social, formada por parentes, amigos e vizinhos, seja em situações de crise seja do cotidiano.

O cuidado familial é caracterizado pelas ações e interações no núcleo familiar e direcionado a cada um de seus membros, com o intuito de alimentar e fortalecer o crescimento, desenvolvimento, saúde e bem-estar, tanto dos membros quanto do grupo familiar. Finalmente, o cuidado familial constitui um todo complexo, e como tal, não se fragmenta. Além isso é multidimensional, ou seja, contempla, entre outras, as dimensões de relações, tempo-espaço; físico-simbólicos, podendo ser reconhecido por vários atributos, tais como: a presença, a promoção da vida e bem-estar, a proteção, a inclusão e a orientação para a vida.(3)

Assim, se para cuidar da família se faz necessário levar em consideração sua complexidade e sua forma de cuidar/lidar com as questões relacionadas com a saúde e a doença de seus membros, concluímos que cuidar da família, de forma geral, não é uma tarefa fácil para os profissionais de saúde, porém boa-vontade e percepção de que a família tem sua própria maneira de cuidar e que isso deve ser respeitado podem ajudar a delinear seu trabalho. Conhecer os valores da família, suas crenças e costumes, facilita a construção de um assistência digna e individualizada. Além disso, é preciso levar em consideração que as necessidades mudam de pessoa para pessoa, principalmente em relação ao contexto em que elas estão vivendo.(4)

Por isso, identificar as dificuldades e facilidades que envolvem esse cuidado ajuda a equipe a se preparar e ampliar sua perspectiva de cuidado à família, não perdendo de vista que o objetivo da assistência é ajudar a família a identificar e a sanar, se for possível, as suas perturbações interacionais, a enfrentar problemas e a tomar decisões. O cuidado, portanto, deve ter como foco ajudar e capacitar a família, de forma que ela possa atender às necessidades de seus membros, especialmente em relação ao processo saúde-doença, mobilizando recursos, promovendo apoio mútuo e crescimento.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo é caracterizar os cuidadores de pacientes crônicos e conhecer o significado que eles atribuem ao cuidado e suas expectativas e conhecimentos relacionados com a doença.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo de natureza qualiquantitativa realizado junto a 14 famílias de pacientes crônicos assistidas em um dos projetos de extensão vinculados ao NEPAAF (Núcleo de Estudos, Pesquisa, Assistência e Apoio à Família). Os dados foram coletados no período de fevereiro a maio de 2006, utilizando-se como técnica a entrevista semi-estruturada, gravada.  Os informantes do estudo foram os cuidadores e as entrevistas foram previamente agendadas e realizadas nos domicílios das famílias.

O instrumento utilizado na coleta de dados foi elaborado pelos autores com base nos objetivos do estudo e submetido à avaliação aparente e de conteúdo de três professores.

Para a análise, os dados quantitativos foram interpretados a partir da estatística descritiva e os de natureza qualitativa foram submetidos a um processo de categorização, utilizando como referencial a análise de conteúdo (5). Para tanto, após leitura e escuta flutuante realizada pelos autores, os dados foram refletidos, visando a escanção e o reagrupamento em sistema de categorias para posterior procedimento estatístico, frequência simples e identificação de temas significativos a serem interpretados.

O desenvolvimento do estudo obedeceu a todos os preceitos éticos disciplinados pela Resolução 196/96 do CNS – MS (Brasil); e o projeto institucional ao qual este projeto de iniciação científica está ligado foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá (Parecer n. 063/2003). Para não ser revelada sua identidade, as cuidadoras foram referidas com nomes fictícios. 

 

            APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

 

O cuidador é a pessoa que se responsabiliza pelo cuidado do paciente e, por esta razão, é a pessoa da família com quem os profissionais de saúde mais costumam manter contato(5), daí a importância de se conhecer quem são os cuidadores.  Neste estudo, conforme observado no quadro 1, todos eram do sexo feminino, na maioria dos casos (doze) era alguém da família, em especial as filhas (cinco), irmãs (três); esposas e mães (dois casos), sendo cinco delas idosas, com baixa escolaridade e renda familiar de no máximo quatro salários-mínimos. Em metade dos casos, a aposentadoria do doente complementa a renda familiar.  

Estas características fazem com que as cuidadoras sejam doentes em potencial, indicando a necessidade de que elas sejam incluídas no plano de assistência.

Eu fico nervosa porque eu também não estou boa e sou responsável por ele, porque eu tenho que cuidar dele.Tem poucas pessoas que faz o que eu faço, nem uma filha, nem um filho faz o que eu faço. Enquanto eu estou podendo eu faço, agora quando eu não puder mais... (Ilda).

 

Além disso, para assistir a família como unidade, torna-se necessário compreender como se dá o processo de cuidar em seu interior, considerando a diversidade cultural existente e buscando propor um cuidado que seja exeqüível e adequado à situação em questão e ao mesmo tempo possibilite à família participar das decisões, e não simplesmente obedecer a ordens.

Neste contexto, conforme o Quadro 1 abaixo, a baixa escolaridade das cuidadoras em estudo aponta para a possibilidade de existirem algumas limitações e dificuldade de compreensão dos cuidados propostos, ressaltando-se a necessidade de realizar as atividades de educação em saúde de forma diferenciada, ou seja, coerente com o grau de escolaridade das cuidadoras, com a utilização de estratégias que facilitem a compreensão dos ensinamentos. Desta forma, elas poderão apreender aspectos importantes do cuidado e realizar as adaptações que se fizerem necessárias.

 

 

A dificuldade financeira é outro problema importante vivenciado pelas famílias de pacientes crônicos, o qual tende a se agravar com o tempo, especialmente nos casos de dependência, pois cuidar exige tempo e dedicação, o que leva as cuidadoras a reduzir a jornada de trabalho ou mesmo a abandonar o emprego.

Eu trabalhava, mas quando ela ficou assim ela não tá andando. Tá praticamente na cama, depende de mim para tudo, não sei nem quando eu vou começar a trabalhar, não tem previsão (Ivone).

 

A dificuldade financeira é tamanha que três famílias precisam receber auxílio da comunidade para conseguir sobreviver. É interessante observar que as famílias não gostam de receber este tipo de ajuda, e quando o aceiram, é porque realmente  não possuem alternativa.

... mas se precisar a igreja me ajuda. Eu acho que a gente ainda é capaz de se sustentar, tem pessoas piores que a gente que não têm condições (Maria Helena).

 

 

Hoje em dia os municípios dispõem de uma cesta básica de medicamentos que são distribuídos gratuitamente aos usuários dos serviços públicos de saúde, e, apesar de, em sua maioria, as famílias referirem ser beneficiadas por esta política de assistência, referem também que os gastos com medicamentos e planos de saúde são muito freqüentes nas famílias de pacientes crônicos.

Olha, vai bastante. Só o plano de saúde da Santa Casa é R$ 110,20. O salário tem mês que não dá para medicação e para o plano de saúde (Laura).

 

O uso de chás e outros recursos populares de assistência à saúde se revelou muito freqüente para metade das famílias em estudo, e esses recursos representam tanto uma alternativa para reduzir custos como um respeito a crenças e valores do doente ou de algum conhecido.

Olha, às vezes eu faço chá, mas não que eu acredito, porque eu acho que não resolve, mas  a minha mãe acredita muito, não tem medicação que ajuda. As comadres ensinam, se você não faz é porque tem pouca vontade, mas não é, porque a gente sabe que não vai resolver o problema dela (Laura)

 

 

·         Significado do cuidado

Ao se manifestarem sobre o que as levou a assumir o papel de cuidadora, elas revelaram a presença de quatro motivos: a) a solidariedade ou obrigação para com o companheiro, com o pai, mãe ou algum membro da família; b) o desejo de retribuir os cuidados recebidos na infância; c) o desejo de receber o mesmo cuidado no futuro; e d) a ausência de outras alternativas.

Tudo o que eu planto hoje amanhã eu vou colher. Se eu faço por ela hoje amanhã eu posso receber dos meus filhos o que eu não fizer por ela (Márcia).

 

Além disso, o cuidar se apresenta como uma manifestação de afeto, amor e a concepção popular de que amar remete a essa forma de compromisso com o outro.

Eu acho que é amor. Porque se a pessoa não tiver amor, a pessoa não cuida. Tudo vem do amor. A pessoa que não tem amor a nada, jamais vai fazer alguma coisa, tanto para mãe quanto para o pai, para esposo, para a filha. Então se você não tiver amor, jamais (Laura).

 

Associado o fato de cuidar com um componente afetivo, evidencia-se que para algumas cuidadoras o fato de assumirem o cuidado ao doente é decorrente de uma obrigação matrimonial, pois uma vez casados constitui-se em dever o cuidar do outro até o fim da vida.

É uma obrigação minha, sou esposa dele na saúde e na doença (Alice).

 

Culturalmente, a sociedade espera essa atitude de compromisso dos casais e também dos filhos. A este compromisso associam-se valores como responsabilidade, obrigação e o dever como um sentimento natural e subjetivo. O dever refere-se a ações impostas por normas sociais, e estas, por sua vez, estão inscritas num conjunto de crenças e valores compartilhados entre membros de uma sociedade, sendo que a família é o lugar da transmissão, introjeção e manutenção dos valores.(1)

Quando a cuidadora manifesta que cuida por obrigação matrimonial ou filial ela está, de certa forma, assumindo que não sente prazer no que faz e que, por conseguinte, cuida porque não há alternativa.

Eu acho que mãe é mãe, por mais ruim que ela possa ser, ela nunca vai deixar de ser mãe (Márcia).

 

Segundo as cuidadoras, abandonar a função, brigar com o doente e outros familiares são atitudes que não mudarão a situação, pois provavelmente não haverá outra pessoa para assumir o cuidado. Assim, acabam se sentindo impotentes, aceitam a situação como imutável, resignando-se às circunstâncias.

Ah, eu vou fazer o quê? O que a gente vai fazer? abrir mão? Se a gente quiser abrir mão joga tudo para cima e vai embora. A gente vai pelo mandamento: “honra teu pai e tua mãe”. (Maria Helena).

 

As manifestações revelam que para as cuidadoras, cuidar significa amor, ajuda, paciência, renúncia, dedicação e recompensa.

Eu sinto satisfação de saber que eu sou útil, que eu presto para alguma coisa, que eu sou alguém. Apesar que ela não retribui o que eu faço (Solange).

 

Inclusive, em suas opiniões, para ser cuidadora e resistir ao dia-a-dia se faz necessária a presença de alguns atributos pessoais, como a paciência,

Cuidado é a gente ter que tá ali todo o dia presente cuidando da pessoa, além da paciência que tem que ter. Nossa, ela dá trabalho, ai meu Deus do céu, ela dá um trabalho... Tem que ter uma paciência... Nada tá bom, tudo que faz não tá bom (Luzia).

 

a renúncia a uma vida pessoal ou a prática de atividades outrora realizadas habitualmente 

Renunciei tudo, não vou nem nas festas de aniversário dos meus netos. A prioridade é ele, eu não vivo para mim. Nada do que é pessoal tem como eu fazer, até para ir ao mercado peço para alguém ir para mim. Se ele ficar sozinho, Deus me livre de ficar sozinho e acontecer alguma coisa. Quem não ama e não renuncia não cuida, quebra um galho (Ana).

 

Esse cuidado é cuidado mesmo, aí, você está vendo, de nem dormir para poder ficar olhando como que ele está, se brincando ele não vai se machucar. Uma pessoa que tem algum tipo de deficiência ele depende totalmente da mãe ou daquela pessoa que cuida, então a sua vida acaba sendo a criança, não tem como separar; é uma vida só a dois. Você acaba respirando o ar que ele respira, às vezes a dor que ele tem você acaba sentindo também (Sueli).

 

Desempenhar esta tarefa deflagra a vivência de sentimentos positivos, como satisfação, alegria e reconhecimento, ressaltando-se o aspecto de benevolência que acompanha o desempenho desta função.

Sinto uma graça de Deus muito grande. Me sinto uma pessoa capaz, útil, me sinto privilegiada por Deus (Ana).

 

Eu me sinto muito feliz, me sinto útil, é uma coisa que me traz muita alegria no coração é me sentir útil, ainda mais cuidando da minha mãe (Solange).

 

Há também uma preocupação em tentar fazer o melhor, numa tentativa de evitar uma espécie de remorso futuro.

Eu sinto que quando eles faltar, vão fazer falta. Todo mundo fala: cuida, porque depois que faltar você vai querer fazer, mais aí já não tem. Porque toda vez meu pai fala: ah, esse é o meu último Natal, ah, esse é o meu último aniversário, sempre assim, sabe? Eles acham que sempre é o último. Então você fala: será que é verdade? Aí a gente cuida com aquele pensamento: quantos dias eu vou cuidar? Então sempre aquela preocupação de perder um. Porque a gente se apega tanto. A gente faz para eles porque no dia de amanhã alguém vai fazer pra gente (Laura).

 

Algumas cuidadoras, no entanto, expressaram revolta pela condição imposta pela doença e tristeza por não ver seus esforços reconhecidos, tanto pelo doente como por outros familiares.

Eu sinto tristeza, dó. Eu fico nervosa de ver ele daquele jeito (Ilda).

 

Eu sinto tristeza porque tudo que a gente faz não está bom, ela reclama de tudo.(Luzia).

 

·         A experiência de cuidar

A maior parte das cuidadoras (oito) realiza esta atividade há mais de quatro anos, algumas (três) o fazem por mais de 12 a 15 anos, e apenas uma por menos de um ano. De forma geral, todas relatam sentir-se aptas para realizar o cuidado e reconhecem que o tempo interfere na qualidade do cuidado prestado e na habilidade e segurança para a realização das tarefas. 

Apenas uma cuidadora referiu preocupação em melhorar e aprimorar o desempenho das atividades; as demais referiram já ter aprendido tudo o que precisavam.

Eu já tô prática, não tenho mais medo de cuidar. Antes eu tinha medo de acontecer alguma coisa, de fazer um curativo que não ficasse bem feito e infeccionar  (Ivone).

 

Eu acho que melhor do que eu cuido não vou conseguir não  (Marli).

 

Elas referem que detectam a necessidade e executam com facilidade determinadas atividades, especialmente cuidados relacionados com higiene (quatro), medicação, curativos, troca de fraldas e detecção de sinais e sintomas de complicações (três), e cuidados com alimentação (duas).

Para essas cuidadoras, o exercício de cuidar do doente no domicílio é um aprendizado constante. É uma tarefa difícil quando o cuidador é inexperiente no atendimento das demandas que surgem no decorrer do processo de cuidar e que precisam ser aprendidas no enfrentamento do cotidiano.

A maioria das cuidadoras (dez) referiram que sempre estão em contato com a equipe de saúde e que freqüentemente procuram ajuda profissional; as demais referiram que só procuram ajuda em situações de emergência. Esta atitude, mais do que uma relutância, evidencia a dificuldade enfrentada por essas pessoas em ter acesso aos serviços de saúde, diculdade que envolve desde problemas para o deslocamento do paciente até a disponibilidade de consultas. 

No que se refere ao preparo para assumir a posição de cuidadora, cinco mulheres referiram não ter recebido nenhuma orientação e ter aprendido a cuidar na prática do dia–a–dia, como autodidatas, fazendo, errando e acertando. Entre essas cinco se incluem duas cuidadoras que referiram ter aprendido ao observar e auxiliar na enfermagem durante o período de internação do doente. Sete tiveram como principais orientadores médicos e enfermeiras e as demais referiram ter aprendido com benzedeiras e estagiárias de enfermagem.

 Destarte, tiveram que incorporar e desenvolver no seu dia-a-dia uma gama enorme de cuidados, os quais iam sendo adequados conforme a evolução da doença e as necessidades surgidas. Isto torna o cotidiano cansativo, repetitivo e estressante, desencadeando sentimentos de insatisfação e descontentamento com a vida e refletindo-se na qualidade do cuidado. Isto porque a convivência diária pode produzir situações de conflito entre o cuidador e o familiar doente ou uma maior aproximação entre eles (6).

A literatura tem apontado que os cuidadores percebem o cuidar como um trabalho solitário e gerador de sobrecarga, principalmente de natureza física, que se expressa em cansaço, insônia e problemas de saúde (7).

Cuidar do doente no domicílio é uma tarefa que ocupa muito tempo, especialmente porque as cuidadoras, além da atividade de cuidar do doente, precisam realizar outros afazeres. Isto, por sua vez, impões a elas uma jornada de trabalho que muitas vezes se estende ao longo do dia e para a qual não contam com ajuda de outras pessoas. Assim, conciliar as atividades domésticas com os cuidados pessoais e os cuidados ao doente com dependência exige habilidade na organização do tempo e na execução de tantas atividades.

 A presença de sentimentos negativos da família, desencadeados pela existência da doença, está geralmente relacionada ao cuidador principal, que assume toda a responsabilidade pelo cuidado (8). Esse fator gera sobrecarga nas atividades diárias do cuidador, que muitas vezes negligencia o cuidado de si próprio, prejudicando sua saúde física e mental. 

Tudo atropelando o tempo. Sempre fica as coisas para trás  (Márcia).

 

Dela eu cuido certinho, tem hora certa. Agora o serviço eu largo tudo pro lado. (Marli).

 

 Fazer tem que fazer, não tem outra alternativa. Tem tempo pra tudo.        Deus me ajuda muito; Deus dá um tempo para você, e se você souber dividir você consegue fazer as coisas tudo certo, sem atropelamento, sem desesperar, sem entrar em depressão (Rosa).

 

Os reflexos da sobrecarga, decorrentes da pressão cotidiana, da falta de ajuda de outros familiares e das dificuldades financeiras, são evidentes, a ponto de cinco cuidadoras terem referido que o cansaço é a maior dificuldade que enfrentam para cuidar.

Deixo de fazer muitas coisas para ficar com ela. Só sobra pra mim. Não tenho mais nada. Tô cansada, estressada, vou procurar um serviço, vou trabalhar. Aí durante o período que eu estou trabalhando alguém vai ter que cuidar  (Márcia).

 

Outro aspecto importante na vivência desta experiência diz respeito a seu caráter solitário, tendo sido comum o fato de as cuidadoras mencionarem a pouca ajuda prática recebida por parte da família e de amigos. Menos da metade das cuidadoras (seis) deste estudo fez referência a alguma forma de participação de outras pessoas no desempenho do cuidado e ainda assim, como pode ser observado, a ajuda normalmente é no quesito financeiro.

Não tem participação da família. A única irmã minha que cuida da minha mãe, que pega ela, fica 3, 4, 5 dias é uma só de 7, e os 6 moram aqui. Um dos meus irmãos, para falar que não ajuda com nada, dá dois pacotes de fralda mensal. O outro não ajuda com nada, nem visita. Só três irmãs que estão me ajudando financeiramente, mas sem data certa para me dar o dinheiro. Eles nem se preocupam, o telefone nem toca  (Márcia).

 

Quando precisa, você liga, e eles falam: hoje eu não posso, tenho tanta coisa para fazer. O tempo passa só para eles para gente não. São poucos que ajudam financeiramente, ajudam todo mês. Agora são 4 que ajuda, de 9  (Maria Helena).

 

           Apenas uma delas relatou que todos os irmãos lhe dão suporte para desempenhar atividades relacionadas com o cuidado do portador de doença crônica .

Todos os irmãos colaboram, eles ajudam financeiramente. Toda vez dão 50 reais, 100 reais todo mês, às vezes ajudam com remédio, às vezes fazem uma comprinha, às vezes trazem uma cesta. Então é assim, nunca eles vem de mão limpa não (Laura).

 

Podemos observar, contudo, que algumas cuidadoras conseguem educar outros membros da família para auxiliar no cuidado, mesmo que de forma esporádica.

Quando eu preciso ir ao médico, então eu já aviso meu filho e o meu sobrinho: oh, eu não quero que vocês saiam daqui. Os dois têm que ficar de castigo, até eu chegar (Maria Helena).

Ademais, as cuidadoras vivenciam mudanças no estilo de vida, e isto reduz, modifica e gera insatisfações em sua vida social, representadas por sentimentos de isolamento e um relacionamento circunscrito às atividades referentes ao  cuidado (6) .

Cuidar de uma pessoa que depende de cuidados especiais acarreta mudança no estilo de vida da cuidadora, independentemente do fato de esta ser uma pessoa jovem ou idosa. Suas atividades de lazer e convívio social acabam sendo desvinculadas e elas se vêem na impossibilidade de sair de casa, passear, experimentando a sensação de não ter autonomia para gerenciar a própria vida e ter de viver em torno do outro. Este afastamento das pessoas faz com que as cuidadoras busquem outros recursos que preencham esta lacuna, para o seu próprio suporte emocional, tais como chorar e rezar.

São dois anos cuidando da minha mãe...  eu não tive mais paz, não posso sair sossegada, não posso mais nada. Se eu tenho que sair, antes de eu sair ela áa querendo ir no banheiro. Então quer dizer, eu não posso sair porque antes eu tenho que cuidar dela. Quando eu estou bem estressada, bem cansada, bem nervosa, daí eu choro. É direto que eu tenho essas crises. Quando minhas irmãs pegam minha mãe e eu vou fazer alguma coisa para me distrair, o celular toca, onde eu estiver eu tenho que ir embora. Perdi o ânimo de tudo, eu não tenho vontade de fazer mais nada. A única distração minha é o computador, eu fico lá o tempo todo  (Márcia).

 

Observou-se que o assistir televisão constitui a quase única forma de lazer para dez cuidadoras. Foram ainda referidos o ir à igreja e o acesso à internet. Ressalta-se que os valores religiosos, de forma geral, foram referidos como suporte importante à aceitação do cotidiano quando este é permeado pela necessidade de cuidar de uma pessoa dependente.

É interessante observar que, independentemente de seu tipo (financeira, atenção e apoio físico/psicológico), a ajuda normalmente ocorre por parte daqueles que estão mais próximos; ou seja, os familiares que residem em outras cidades parecem não se preocupar com seus doentes na mesma proporção em que se preocupam aqueles que residem na mesma cidade. Quando todos moram na mesma cidade, normalmente é observado maior envolvimento por parte daqueles que moram mais perto, no mesmo quintal, por exemplo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

As cuidadoras revelaram que o impacto nas relações familiares causado pela presença de um membro acometido por uma doença crônica incapacitante é muito marcante, e envolve alterações de ordem afetiva, financeira e estrutural, configurando um verdadeiro processo de reestruturação familiar.

No decorrer do cotidiano, durante a realização dos cuidados, surgiram sentimentos ambíguos. Na ótica das cuidadoras, prestar cuidados é considerado como uma obrigação (filial / conjugal), uma sobrecarga física e emocional, sendo necessário desenvolver algumas características que lhes possibilitem enfrentar o cuidar de uma maneira menos impositiva, como, por exemplo, a paciência.

Este dia-a-dia do cuidado, cansativo, produz situações de conflito entre quem cuida e os demais integrantes da família. Todavia, o cuidar do doente também produz sentimentos de alegria, amor, carinho e gratidão.

Com o passar do tempo a cuidadora, em algumas situações, vai adaptando-se ao seu papel, porém se sente cada vez mais sobrecarregada, cansada e às vezes desanimada com a situação imposta pela doença. Destarte, essas famílias que enfrentam uma condição de fragilidade ou vulnerabilidade necessitam de um olhar mais próximo por parte dos profissionais de saúde e dos de outras áreas também.

O cuidador familiar precisa ser alvo dos serviços de saúde, não só com o intuito de melhor instrumentalizá-lo para a atividade de cuidar, mas também para acompanhar sua saúde física e mental. Isto é possível através de visitas periódicas dos profissionais de saúde, de orientações práticas sobre como proceder nas situações mais difíceis, colaborando para que o familiar adquira cada vez mais habilidades e desenvolva um conhecimento mais amplo sobre a doença, e, em especial, que realize atividades que promovam sua própria saúde e previnam doenças, de forma particular as decorrentes da  atividade de cuidar.   

REFERÊNCIAS 

1- Cattani RB, Girardon-Perlini NMO. Cuidar do idoso doente na voz de cuidadores domiciliares. Rev Eletrônica Enferm 2004; 6(2):254 – 71. 

2- Ricci NA, Kubota MT, Cordeiro RC. Concordância de observações sobre a capacidade funcional de idosos em assistência domiciliar. Rev Saúde Públ 2005; (39)4: 655-62.  

3- Elsen I. Cuidado familial: uma proposta inicial de sistematização conceitual. In: Elsen I, Marcon SS, Silava MRS, organizadoras. O viver em família e sua interface com a saúde e a doença. Maringá: Eduem; 2004  p.11-22 

4- Waidman MAP, Elsen I. Família e necessidades...revendo estudos. Acta Scientiarum Health Sciences 2004 Jan-jun: (26): 147-57. 

5- Resta DG, Budó MLD. A cultura e as formas de cuidar em família na visão de pacientes e cuidadores domiciliares. Acta Scientiarum Health Sciences 2004 (26)1: 53-60. 

6- Bocchi SCM. Vivenciando a sobrecarga ao vir -a –ser um cuidador familiar de pessoa com acidente vascular cerebral ( AVC): análise do conhecimento. Rev Latino – Am Enferm 2004 jan-fev ; 12(1):115-21.  

7- Girardon-Perlini NMO. Cuidar de pessoa incapacitada por acidente vascular cerebral no domicílio: o fazer do cuidador familiar. Ijuí: Unijuí, 2005. (Coleção trabalhos acadêmicos – científicos. Série dissertações de mestrado, 19).

8- Marcon SS, Lopes MC, Antunes CRM, Fernandes J, Waidman MAP. Famílias cuidadoras de pessoas com dependência: um estudo bibliográfico. Online Braz J Nurs  [online]  2006  april;  5(1) .  Available at:. http://www.uff.br/objnursing/viewarticle.php?id=216&layout=html

 

Apoio financeiro à pesquisa: CNPq 

Contribuição dos autores:
-Concepção e desenho: 1 e 2
-Análise e interpretação: 1 e 2
-Escrita do artigo: 1 e 2
-Revisão crítica do artigo: 2
-Aprovação final do artigo: 2
-Colheita de dados: 1
-Provisão de pacientes, materiais ou recursos: 2
-Expertise em Estatística:
-Obtenção de suporte financeiro: 2
-Pesquisa bibliográfica: 1
-Suporte administrativo, logístico e técnico:

Endereço para correspondência: Rua Jailton Saraiva, 526. Jardim América. Maringá-PR. CEP: 87045-300

Recebido Oct 31st, 2006
Revisado Nov 19th, 2006
Aceito Dec 3rd, 2006