ORIGINAL

 

Primeira hora de vida e COVID-19 a partir da visão de enfermeiras obstétricas: estudo descritivo

 

Yasmin Orezu Farias Sampaio Monteiro de Mendonça1, Audrey Vidal Pereira1, Valdecyr Herdy Alves1, Paolla Amorim Malheiros Dulfe1, Bianca Dargam Gomes Vieira1, Diego Pereira Rodrigues2, Luísa Neves Soares de Freitas Oliveira1, Rayanne Coco Cunha1

 

1 Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil

2 Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: analisar como ocorria o contato pele a pele em maternidade municipal, na região metropolitana II do estado do Rio de Janeiro, Brasil, durante o início da pandemia da COVID-19, a partir da visão de enfermeiras obstétricas. Método: estudo qualitativo, descritivo-exploratório, realizado com sete enfermeiras obstétricas. As informações foram coletadas via Google Formulários® e tratadas pela análise temática proposta por Bardin. Resultados: emergiram duas categorias: “manutenção do contato pele a pele e influência da decisão médica” e “avaliação de síndromes gripais e COVID-19, no início da pandemia, que interferiram no processo do contato pele a pele”. Conclusão: a manutenção do contato pele a pele ocorria atrelada às recomendações de protocolos oficiais. O poder da medicina influenciava o trabalho em equipe, direcionado pelo uso de procedimentos, durante o parto e nascimento que, de certa forma, limitava a respectiva prática, em casos suspeitos para COVID-19.

 

Descritores: Enfermagem Obstétrica; Relações Mãe-filho; Pandemias; Infecções por Coronavírus.

 

 

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou estado de pandemia de COVID-19, em 11 de março de 2020(1). Por se tratar de agravo atual à saúde humana e vírus de rápida disseminação, as pesquisas no campo da saúde estão sendo desenvolvidas no decorrer do processo pandêmico. Com isso, muitas dúvidas surgiram e ainda persistem sobre questões mais específicas associadas à doença, como em relação à amamentação.

No Brasil, a amamentação não é contraindicada, independente do estado sorológico da lactante, pois, além de não haver informações suficientes nas evidências científicas sobre a transmissão pelo leite materno, os benefícios deste superam os possíveis riscos(2). No entanto, sugere-se que a nutriz siga as precauções recomendadas pela comunidade científica, como usar máscara durante as mamadas e lavar rigorosamente as mãos antes e depois de segurar o bebê(3).

Enfatiza-se que, segundo a OMS, objetivando o sucesso do processo da amamentação, a quarta das dez recomendações da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) é o contato pele a pele entre mãe e bebê, na primeira hora pós-parto. Esse passo deve ser compreendido como manter a pele do recém-nascido (RN) em contato com a pele da mãe e encorajar a mulher a reconhecer quando o(a) filho(a) estiver pronto para ser amamentado(4).

Os efeitos positivos dessa prática envolvem o baixo custo, o início precoce do aleitamento materno e a criação do vínculo entre o binômio mãe-bebê, de modo a promover a compreensão das necessidades do bebê e o estímulo ao desempenho do papel materno(5,6). Caso a mãe esteja infectada pelo novo coronavírus ou em esclarecimento diagnóstico, o contato pele a pele não é recomendado(3).  

Apesar dos benefícios dessa prática na primeira hora de vida, a implementação envolve a necessidade de o profissional de saúde possuir conhecimentos teórico-práticos, sensibilização, além de constante atualização, devido ao período de emergência sanitária, quando as informações e orientações dos órgãos de saúde mudam constantemente. Assim, é oportuno resgatar a importância da formação como ferramenta para atualizar conhecimentos e fomentar assistência qualificada e pautada nas melhores evidências científicas disponíveis(6).

Nesse contexto, a presença da Enfermeira Obstétrica (EO), enquanto categoria profissional, tem se mostrado muito importante nacional e internacionalmente. A OMS recomenda incentivo à formação de EO, sendo grupo de profissionais representante de mão de obra especializada para realização das práticas a que lhe competem, conforme as recomendações de saúde acerca do ciclo gravídico-puerperal. Além disso, são membros essenciais da equipe interprofissional obstétrica, as quais ofertam à mulher e ao recém-nascido assistência qualificada e com base nas evidências científicas(7,8).

Dessa forma, diante da pandemia da COVID-19 que reconfigura os processos de trabalho relativos ao parto e nascimento, o cuidado às mulheres e aos bebês deve ser objeto de estudo, visando reorganização dos serviços obstétricos, sendo de grande valia para os gestores de saúde, os profissionais assistentes e a população atendida. Portanto, a questão norteadora aponta: como ocorria o contato pele a pele entre mãe e bebê, na primeira hora de vida, durante o início da pandemia da COVID-19, em maternidade municipal, localizada na região metropolitana II do estado do Rio de Janeiro, a partir da visão de enfermeiras obstétricas?

Este estudo tem como objetivo analisar de qual maneira ocorria o contato pele a pele, em maternidade municipal, localizada na região metropolitana II do estado do Rio de Janeiro, durante o início da pandemia da COVID-19, a partir da visão de enfermeiras obstétricas.

 

MÉTODO

Este estudo está relacionado ao projeto de pesquisa intitulado “Qualificação e intervenção no campo do parto e nascimento: aprimoramento interprofissional em obstetrícia”, realizado no âmbito do Grupo de Pesquisas Maternidade, Saúde da Mulher e da Criança. Foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da Faculdade de Medicina, que obteve aprovação, conforme parecer nº 3.913.573 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n° 12127619.80000.524330.

Trata-se de estudo qualitativo, com abordagem descritiva-exploratória. Adotou-se o instrumento Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(9), preconizado nos estudos qualitativos em saúde.

O cenário utilizado foi uma maternidade pública de risco habitual, localizada na região metropolitana II do estado do Rio de Janeiro, Brasil, referência na atuação de enfermeiras obstétricas à assistência às gestantes em situações de risco habitual, principalmente em relação ao parto normal humanizado. O setor de interesse para este estudo foi o Centro Obstétrico, por se caracterizar enquanto ambiente de parto e nascimento, em que ocorrem o contato pele a pele e a amamentação na primeira hora de vida, também conhecida como hora de ouro(6).

Participaram do presente estudo sete enfermeiras obstétricas da referida Unidade de Saúde, tendo sido utilizado o critério de inclusão: ser enfermeira obstétrica com atuação voltada ao parto e nascimento; e como de exclusão: estar afastada do serviço por ocasião de férias ou licença médica.

Ao considerar o momento de pandemia, optou-se pela não realização de coleta de dados de forma presencial. Assim, a coordenadora de enfermagem da instituição de saúde pesquisada forneceu os números de telefone das enfermeiras obstétricas, após comunicá-las sobre o desenvolvimento desta pesquisa na Unidade. Para manter o diálogo com as profissionais, utilizou-se o aplicativo de mensagens WhatsApp® e, a partir deste, convidaram-nas a compor o estudo, mediante o uso do Google Formulários®, compartilhando a seguinte pergunta: “Descreva como tem sido realizado o contato pele a pele na maternidade, durante a pandemia da COVID-19.”

Esse método foi escolhido em detrimento do momento de pandemia vivenciado e da sobrecarga de trabalho enfrentada pelas profissionais, permitindo maior comodidade para participarem do estudo, além de manter anonimato e sigilo das informações. A coleta de dados ocorreu de março a setembro de 2020, quando se sucedeu ao processo de tratamento do material.

A delimitação da amostra ocorreu por conveniência, a partir do contato com as enfermeiras obstétricas e convite para participação no estudo, sendo incluídas aquelas que manifestaram disponibilidade e interesse, bem como atenderam aos critérios de inclusão.

Os dados obtidos serão mantidos em confidencialidade, sob responsabilidade e cuidados do pesquisador principal. Para distinguir as participantes, empregou-se a codificação alfanumérica (ex.: P1, P2, P3, …, P7), visando assegurar sigilo, anonimato e confiabilidade, sendo também garantida a participação voluntária das mesmas, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A análise do conteúdo das informações foi realizada na modalidade temática(10), utilizando-se das fases estabelecidas: 1) pré-análise dos depoimentos; 2) exploração do material e tratamento dos resultados; 3) inferência e interpretação(10).

A maneira de organização e codificação do material contou com recursos computadorizados simples, incluindo a colorimetria no Microsoft Word®, que permitiram a eleição das Unidades de Registro (UR): “contato pele a pele”; “COVID 19”; “pandemia”; “procedimento parto e nascimento”; “poder médico”; “avaliação de risco”; e a Unidade Temática: “Manutenção do contato pele a pele e as influências do poder médico e das incertezas provocadas pela pandemia da COVID-19”. Essas UR fundamentaram a construção das seguintes categorias: 1) Manutenção do contato pele a pele e influência da decisão médica; 2) Avaliação de risco para síndromes gripais/COVID-19, no início da pandemia, que interferiram no processo do contato pele a pele.

 

RESULTADOS

 

Manutenção do contato pele a pele e influência da decisão médica

Conforme as falas, o contato pele a pele e a amamentação ao nascer permaneceram sendo realizados no início da pandemia. Mesmo sob influências específicas ao momento pandêmico, a respectiva prática tinha continuidade concordante aos processos implantados anteriormente na instituição pesquisada. Neste contexto, a necessidade por parte da equipe obstétrica de utilizar procedimentos no parto e nascimento, como a cesariana e as intervenções consideradas necessárias aos cuidados imediatos dos recém-nascidos, foram apontados como impeditivos para assegurar, de modo integral, a prática do contato pele a pele e a amamentação.

 

Não tivemos casos confirmados de COVID na maternidade e, no meu plantão, teve uma suspeita que foi encaminhada diretamente para cesárea. Nenhuma cesárea na maternidade tem contato pele a pele. Então, a prática não mudou muito. (P2)

 

Tenho observado que não houve mudanças em relação ao contato pele a pele durante a pandemia. (P5)

 

O contato pele a pele tem se mantido normal, não aconteceram mudanças nesse processo durante o parto normal. Na cesariana, o contato pele a pele não acontece, independente de COVID. (P7)

 

As dificuldades para assegurar o contato pele a pele existiam antes da pandemia, principalmente quando se tratava de pós-operatório de cesariana. Assim, evidenciou-se a centralidade do poder de decisão médica nas falas, a qual exerceu influência sobre o processo de trabalho na instituição, caracterizando fator que direciona a (im)possibilidade de manutenção do contato pele a pele/amamentação ao nascer, em algumas situações, demonstrando possíveis obstáculos para garantia de rotinas que assegurem, de modo integral, o contato pele a pele e a amamentação, na primeira hora de vida. As falas sinalizaram o quanto a necessidade de avaliação, assistência e intervenções determinam o momento em que o RN é solicitado para realização de cuidados.

 

Então, o clampeamento nunca pode passar de 3 minutos e o contato pele a pele é feito de acordo com o que o pediatra do plantão permite. Raramente, as mães têm a Golden Hour respeitada. (P2)

 

Atualmente, tem permitido o contato pele a pele, porém, o tempo é diferente do pediatra de plantão que solicita o RN para cuidados de rotina. (P6)

 

Observou-se, a partir dos relatos, o poder resolutivo, muitas vezes, concentrado no ser médico, fato que influencia diretamente o contexto do nascer. Entretanto, destaca-se a fala de uma EO que menciona a atuação do trabalho em equipe interprofissional na hora de ofertar o contato pele a pele/hora de ouro.

 

[...] o contato pele a pele continua sendo priorizado na primeira hora de vida por desejo materno. Então, é ofertado tanto pela equipe de enfermeiros obstetras, médicos e pediatras, para que a mãe possa ficar com esse RN na primeira hora de vida, desde que o Apgar seja confortável para deixá-lo. (P1)

 

Notou-se, então, a partir dessa fala, que em uma instituição de saúde podem existir diferentes modos de ação, pois se apontou situação em que se priorizava o contato pele a pele e o trabalho interprofissional obstétrico acontecia.  

 

Avaliação de risco para síndromes gripais e COVID-19, no início da pandemia, que interferiram no processo do contato pele a pele

Relatou-se que a avaliação das síndromes gripais/COVID-19, desde o início, estava sendo realizada a partir da classificação de risco da maternidade e, de certa forma, essa preocupação influenciava o processo do contato pele a pele.

 

Diante do cenário da pandemia atual, temos em nosso acolhimento a triagem da paciente onde avaliamos o risco potencial! Frente a isso, após essa análise, e diante dos cuidados preconizados, mantemos o contato pele a pele, visto que sabemos a sua importância. (P4)

 

Em caso de parturiente assintomática, o contato pele a pele ocorria conforme a rotina institucional. Já a mulher que apresentasse algum sintoma de gripe, resfriado ou fosse confirmada a infecção pelo Sars-CoV-2, o processo de contato pele a pele/amamentação do bebê ao nascer era alterado, não ocorrendo de modo integral, como preconizado.

 

 [...] antes da pandemia, nós já utilizávamos a hora de ouro e, neste momento, continuamos priorizando a primeira hora de contato. A não ser que essa mãe tenha uma queixa respiratória, gripe ou resfriado, mas até o momento não aconteceu de precisarmos diminuir o tempo de contato pele a pele por conta do coronavírus e antes já funcionava dessa forma. (P1)

 

[...] o contato pele a pele tem acontecido com as mães assintomáticas, o bebê ainda é posto em contato com a mãe ao nascer e tem ficado também o aleitamento na primeira hora, a hora de ouro, tem acontecido mesmo com esse momento de pandemia. A não ser que a mãe seja COVID, que a gente não faz esse contato pele a pele. (P3)

 

A partir das falas apresentadas, notou-se a mudança na dinâmica do acolhimento na maternidade pesquisada. Por meio da classificação de risco, determinam-se os protocolos que serão seguidos, de acordo com as recomendações da comunidade científica internacional. Evidenciou-se valorização do contato pele a pele e a importância atribuída pelos profissionais de saúde para que esse momento seja garantido, conforme a individualidade de cada paciente.

 

DISCUSSÃO

Independente da suspeita ou confirmação de infecção pelo Sars-CoV-2, a possibilidade de ocorrência do contato pele a pele e a amamentação ao nascer se mostraram condicionadas, sobretudo, ao tipo de parto, sendo a cesariana apontada como um dos obstáculos para manutenção da respectiva prática, corroborando achados na literatura(11-14).

É perceptível que a continuidade do contato pele a pele e a garantia da hora de ouro podem apresentar influência direta de certos fatores. No ambiente do Centro Obstétrico, existem muitos elementos que dificultam a manutenção da hora de ouro, como instabilidade das condições clínicas da mãe, desconforto durante o fechamento da incisão operatória, efeitos letárgicos dos anestésicos, náuseas e despreparo da equipe obstétrica(11). Além desses, outros fatores, como primeiros cuidados, realização de exames do RN, trabalho da equipe e rotinas institucionais podem interferir no contato pele a pele(14).

A despeito disso, são necessários orientação e esforço, para que o contato pele a pele seja estimulado durante a primeira hora de vida, também, nos casos de cesarianas, considerando as especificidades enfrentadas no decorrer da pandemia, pois esse processo traz benefícios tanto para a mulher quanto para o recém-nascido. Ademais, proporciona momento íntimo, com conforto para ambos, gera estímulos de calor para melhor adaptação, prevenção da dor, desenvolvimento saudável do bebê e auxílio na interação e criação de vínculo entre a mãe e o filho, fator prejudicado pela cesárea, visto que os hormônios ocitocina, prolactina, adrenalina e noradrenalina, que facilitam essa relação, não são liberados da mesma forma que ocorre quando o parto é vaginal(11-16).

Outro fator de interferência no contato pele a pele/amamentação ao nascer é a centralidade do poder de decisão médica, predominante no modelo biomédico que ainda ocorre em muitas instituições de saúde, sobretudo as hospitalares. Nessa conjuntura, o tempo de contato pele a pele a ser realizado pode ser influenciado, a partir desse poder de decisão profissional, em algumas situações, pelo pediatra que estaria no plantão. Com isso, pode-se observar que a necessidade de avaliação, cuidados e intervenções, segundo as condições clínicas do recém-nascido, determina o momento em que o profissional pediatra é solicitado para realização de cuidados.

Como esse processo apresenta interferência relacionada às condutas médicas, como a partir de justificativas de intervenções, conforme a avaliação clínica necessária em cada momento, pode-se encontrar, em alguma medida, dificuldade para efetivar ações, ponderando avaliações coletivas da equipe de saúde. Esse movimento induz a garantia de rotinas que assegurem o contato pele a pele e a amamentação ao nascer, consoante à indicação da literatura científica(6-12).

Assim, pode-se destacar que a garantia do contato pele a pele e da amamentação ao nascer depende intensamente não somente de rotinas institucionais, como também do envolvimento e da relação entre os diversos profissionais obstétricos. Neste estudo, as falas apontam que a grande influência da decisão médica tem associação íntima com esse processo.

Esse poder simbólico atribuído à medicina está ligado a fatores históricos, perpassando também por questões de classe, gênero e raça/etnia. A medicina ainda tem sido vista como profissão liberal e intelectual, enquanto a enfermagem tem ocupado espaço de relação subsidiária e auxiliar, podendo ter representação técnica implicada ao “trabalho braçal”. Por sua vez, esse processo de tensões históricas, em alguma medida, contribui, até o momento, para reforçar fragilidades, interferindo no trabalho em equipe(17).

Entretanto, destaca-se a fala de uma EO que mencionou a atuação do trabalho em equipe interprofissional no momento de realizar o contato pele a pele. A possibilidade da realização de atividades que caracterizam modos diferentes de organização do processo de trabalho na mesma instituição, complementando-se e configurando-se trabalho colaborativo, com foco na segurança da saúde das mulheres, torna possível observar que, na relação entre enfermagem e medicina, existem pontos de encontros que, por sua vez, além de provocarem tensões, também estimulam equilíbrio nas relações de poder(18).

A OMS recomenda o incentivo na formação e qualificação de enfermeiras obstétricas, devido à importância deste papel exercido em equipe interprofissional na rotina de hospitais e maternidades, sendo estas preparadas para prestar assistência no ciclo gravídico-puerperal(7,8). Deste modo, torna-se necessário destacar que a EO tem significante atuação na assistência às parturientes, pois, além de ter o conhecimento sobre o processo fisiológico do parto, deve reconhecer a individualidade de cada mulher, respeitá-la, orientá-la, acolhê-la, atender aos questionamentos e detectar intercorrências durante o trabalho de parto e com relação ao contato pele a pele e à amamentação ao nascer(7,8,18).

Atualmente, a presença da EO tem sido muito valorizada pelas mulheres e instituições de saúde, pois, entre os diversos aspectos que envolvem os cuidados realizados por estas profissionais, está o de garantir os direitos de mães e recém-nascidos no processo do parto e nascimento. Esse ponto pode ser expresso ao assegurar a presença do acompanhante e o envolvimento da família no momento de parturição e o respeito à privacidade da mulher. Além da implementação de práticas baseadas em evidências que contribuem para evitar intervenções consideradas desnecessárias e do incentivo de ações voltadas à promoção e educação em saúde realizadas, com vistas ao estímulo da autonomia feminina, durante os momentos do parto e nascimento(19).

A humanização do parto e nascimento é uma das diferentes ações que integram a Política Nacional da Humanização (PNH), desenvolvida pela OMS, cuja premissa é o atendimento humanizado às usuárias do Sistema Único de Saúde, de modo a reduzir as taxas de cesáreas e de mortalidade materna. Em atendimento humanizado, com destaque para o contato pele a pele e a amamentação ao nascer, a equipe interprofissional deve garantir maior participação da parturiente nas decisões sobre a própria saúde, assegurando, assim, o máximo bem-estar da mulher e do bebê(19).

Assim, as práticas baseadas em evidências devem fazer parte da rotina de todos os profissionais de saúde, para que o foco da atenção à saúde deixe de estar nos profissionais para estar direcionado às necessidades das mulheres e dos recém-nascidos(19).

Neste estudo, o exercício das enfermeiras obstétricas participantes em assegurar medidas de avaliação e controle dos casos de infecção pelo Sars-CoV-2 esteve de acordo com as recomendações das instituições públicas de saúde, sociedades e órgãos de classe profissionais(20), incluindo as indicações da Sociedade Brasileira de Pediatria(2), nas quais orientam observar a história clínica da mulher e o pré-natal, com análise de situação presente de contato com sintomático respiratório compatível com síndrome gripal.

Além disso, é ainda recomendado que para as parturientes sintomáticas ou que tenham contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal testadas positivo para COVID-19, o contato pele a pele deve ser suspenso temporariamente até o desenvolvimento das ações de prevenção de contaminação. O contato pele a pele e a amamentação somente deverão ser iniciados após realização da higiene e das medidas de prevenção de contaminação do RN, como banho da parturiente, troca de máscara, touca, camisola e lençóis. Para as mulheres infectadas, mas clinicamente estáveis e bebês assintomáticos, o alojamento conjunto deve ser mantido, assim como a amamentação, mas em isolamento e com as seguintes condições: dois metros de distância entre o leito da mãe e o berço do RN e com a mãe tomando as medidas preventivas necessárias, como uso da máscara e higienização das mãos, de forma adequada, antes e depois do contato com o RN(2).

Enfatiza-se que cada mulher deve ser avaliada individualmente e, no caso da necessidade de suspensão do contato pele a pele/amamentação ao nascer, os profissionais obstétricos devem estar atentos quanto às medidas de segurança vigentes no momento(20).

Deste modo, nota-se que a pandemia, em alguma medida, interferiu no processo de realização do contato pele a pele e da amamentação, na primeira hora de vida. Mesmo que tenha sido possível identificar que na instituição investigada existissem dificuldades para garantir em plenitude a hora de ouro. O momento pandêmico contribui para necessidade de retomar e manter a atenção de ações e relações, na perspectiva de prevenção e controle de agravos em defesa da vida. Portanto, um momento histórico que suscita maior vigilância dos profissionais de saúde quanto ao uso atual de evidências científicas para ancorar com segurança e qualidade a assistência.

Como limitação deste estudo, ressalta-se a impossibilidade de consulta aos dados produzidos pelos registros das EO na Unidade de Saúde acerca desta temática, em razão da recomendação de isolamento e distanciamento social durante o momento pandêmico, em decorrência da situação de pandemia.

Como implicação aos avanços do conhecimento científico para área de saúde e enfermagem, torna-se oportuno estímulo e investimento em pesquisas a respeito desta temática, para viabilizar reflexões e produção atualizada de informações relacionadas ao modo de lidar com o processo de amamentação e contato pele a pele, mesmo em tempos de pandemia. Além disso, sinalizam-se reflexões atualizadas sobre a relação do trabalho interprofissional entre enfermeiras e médicos, no âmbito do parto e nascimento, a fim de estimular o debate intelectual relacionado à produção científica na área da saúde.

 

CONCLUSÃO

Ao considerar as experiências relatadas neste estudo, identificou-se que a pandemia provocou alerta quanto à necessidade de rever situações nos processos de trabalho institucionais. No caso do contato pele a pele/amamentação ao nascer, também existiram preocupações por parte dos profissionais de saúde em relação ao predomínio de informações novas sobre a COVID-19, inclusive com possibilidade de mudanças rápidas que, de certa forma, influenciavam as rotinas e os processos de trabalho.

Neste caso, o poder médico que historicamente centraliza as decisões no processo de trabalho nas instituições hospitalares, sobretudo, em relação à avaliação quanto aos procedimentos, como a cesariana e os cuidados imediatos ao recém-nascido, durante a pandemia, tem encontrado artefatos que justificam a tomada de decisões que interferem, por exemplo, na manutenção do contato pele a pele. Porém, mesmo que de modo focalizado, nessa situação de interdependência entre as atuações profissionais, destaca-se a existência de ações que envolvem também o exercício profissional da enfermeira obstétrica, realizadas a partir de acordos entre as equipes obstétricas, cujas práticas eram baseadas na segurança e em evidências científicas atualizadas.

Como a COVID-19 se trata de doença com alto poder de transmissibilidade e letalidade, revelou-se preocupação em seguir as orientações dos órgãos oficiais de saúde e garantir a vida das mulheres e dos recém-nascidos, a partir da avaliação de critérios e classificação de risco, desde a porta de entrada da maternidade, limitando o contato pele a pele, em casos suspeitos ou confirmados de infecção.

Outrossim, evidenciou-se a importância da enfermeira obstétrica na dinâmica do trabalho interprofissional relacionado à assistência ao parto e nascimento para operacionalização do contato pele a pele e da amamentação. O reforço quanto ao papel fundamental de cada membro da equipe obstétrica no desempenho da prática colaborativa, que agrega qualidade e segurança ao processo de cuidado, tem sido convite para possibilidade de provocar mudanças nos processos de trabalho nas instituições de saúde.

Da mesma forma, reforça-se a relevância do aprimoramento permanente em saúde, especialmente em tempos de pandemia, para efetivação da assistência humanizada ao parto e nascimento, incentivo ao aleitamento materno e contato pele a pele, para redução dos índices de morbimortalidade materna e neonatal.

Em suma, diante da possibilidade de permanência da pandemia da COVID-19, de modo global, reitera-se que os achados referentes à temática desenvolvida neste estudo podem ser estímulos para futuras pesquisas, auxílios na qualificação e segurança do cuidado, como também na necessidade de fortalecer políticas públicas de saúde comprometidas com incentivo do aleitamento materno e defesa da vida de mulheres e recém-nascidos, durante e após o momento pandêmico.

 

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

 

FONTE DE FINANCIAMENTO

Sem financiamento.

 

REFERÊNCIAS

 

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Submissão: 31/05/2021

Aprovado: 04/11/2021

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Mendonça YOFSM, Pereira AV, Alves VH, Dulfe PAM, Vieira BDG, Rodrigues DP, Oliveira LNSF, Cunha RC

Obtenção de dados: Mendonça YOFSM, Pereira AV, Dulfe PAM

Análise e interpretação dos dados: Mendonça YOFSM, Pereira AV, Dulfe PAM

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Mendonça YOFSM, Pereira AV, Alves VH, Dulfe PAM, Vieira BDG, Rodrigues DP, Oliveira LNSF, Cunha RC

Aprovação final do texto a ser publicada: Mendonça YOFSM, Pereira AV, Alves VH, Dulfe PAM, Vieira BDG, Rodrigues DP, Oliveira LNSF, Cunha RC

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Mendonça YOFSM, Pereira AV, Alves VH, Dulfe PAM, Vieira BDG, Rodrigues DP, Oliveira LNSF, Cunha RC

 

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