ORIGINAL

 

Morbimortalidade de gestantes pela COVID-19 e os atravessamentos da raça/cor: uma análise interseccional

 

Ricardo Bruno Santos Ferreira¹; Climene Laura de Camargo¹; Anderson Reis de Sousa¹; Maria Carolina Ortiz Whitaker¹

 

1 Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: analisar, sob a ótica interseccional, os atravessamentos do quesito raça/cor na morbimortalidade de gestantes pela COVID-19 no Brasil. Método: estudo ecológico, documental, desenvolvido a partir dos boletins epidemiológicos de acompanhamento do novo coronavírus no Brasil. Os dados foram coletados nos meses de março e abril de 2021 e analisados através de estatística descritiva, mediada pelo modelo teórico-metodológico da interseccionalidade. Resultados: gestantes negras apresentaram taxa média de prevalência de 65,18% das internações e 70,85% dos óbitos por COVID-19 no ano de 2020. Por outro lado, a taxa média de prevalência de internações e óbitos entre gestantes brancas foi de 32,32% e 27,23%, respectivamente. Conclusão: A maior dificuldade no acesso ao pré-natal, a alta taxa de prevalência de comorbidades, as precárias condições de trabalho e dificuldade de afastamento durante a pandemia, o racismo institucional e a necropolítica adotada pelo Estado Brasileiro são possíveis explicações para essa expressiva situação de vulnerabilidade.

 

Descritores: Gestantes; Indicadores de morbimortalidade; Infecções por coronavírus.

 

 

INTRODUÇÃO

A morbimortalidade durante a pandemia da Covid-19 tem cor, e em países como o Brasil ela é preta e parda. Isso porque a evolução da pandemia agudizou e aprofundou as desigualdades sociais, étnicorraciais e de gênero em todo planeta, sobretudo em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento(1), os quais, em diferentes continentes do mundo, apresentam piores desfechos da doença para a população negra. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a pandemia já se constitui como o maior fenômeno que assolou a humanidade nesse século, promotora de mais de 181 milhões de casos da doença e 3,9 milhões óbitos no mundo até o dia 26 de junho de 2021, decorrentes da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e outras consequências sistêmicas(2).

Dessa forma, os dados epidemiológicos indicam mais do que um quantitativo de pessoas desenvolvendo quadros graves e morrendo pela Covid-19, uma vez que a evolução da pandemia tem revelado um perfil racial de acometimento que mostra que a sociedade ainda não superou a história de escravidão e desigualdade racial. Isso se reflete em todo o clico de vida das pessoas negras, inclusive nas mulheres em seu processo de vida singular, como o gravídico, o que torna a problemática uma agenda importante para a saúde global(3).

A gestante negra, em relação à exposição ao SARS-CoV-2 e ao acometimento da Covid-19, apresenta vulnerabilidades que são potencializadas devido às alterações imunológicas, fisiológicas e anatômicas inerentes ao período gestacional. Tais alterações reduzem a sua tolerância à hipóxia, somado ao fato de que o racismo e o sexismo atuam como determinantes sociais em saúde(4), o que repercute em  maiores taxas de mortalidade materna entre mulheres negras(3).

No Brasil, segundo maior epicentro global da Covid-19, uma intensa e constante preocupação com os grupos em situação de vulnerabilidade tem se tornado pauta de movimentos sociais – associoativismo, científico e da saúde - a fim de que seja garantida a proteção social. As vulnerabilidades da população negra frente à Covid-19 têm sido justificada por aspectos clínicos, como o fato desse grupo populacional possuir maior prevalência de doenças de base como a asma, hipertensão arterial e diabetes mellitus, que precipitam o agravamento da SRAG, entretanto, cabe salientar que as pessoas negras possuem piores indicadores sociais, apresentam maiores dificuldades no acesso aos serviços de saúde e possuem maior exposição à fatores estressores como a violência, o que reforça a emergência da efetivação de ações de atenção integral à saúde da população negra durante o momento pandêmico(5).

Achados sobre gestantes negras evidenciaram disparidades raciais no cuidado pré-natal(6), o que dificulta o diagnóstico precoce de variadas complicações inerentes à gestação, configurando-se assim como um complicador adicional no contexto da Covid-19. Quando observado outros contextos epidêmicos, como a emergência de saúde pública provocada pelo Zika Vírus, identificou-se que gestantes negras, pobres e periféricas foram mais impactadas pela epidemia(7). Ainda sobre esta problemática, em Salvador, capital do estado da Bahia, Brasil, verificou-se que 91% dos casos notificados de Síndrome Congênita pelo Zika Vírus durante o período 2015-2016 acometeu fetos de gestantes negras(8).

Diante desse cenário, no mês de abril de 2020, o Ministério de Saúde do Brasil, ao tomar como base os altos índices de complicações, internações e óbitos durante o período gestacional associado às infecções respiratórias pelo H1N1 e por outras cepas de Coronavírus como o SARS-CoV-2 e o MERS-CoV, instituiu, através da Nota Técnica nº 12/2020, a vigilância permanente às mulheres em ciclo gravídico no período pandêmico da Covid-19(9).

Nessa perspectiva, a fim de analisar a problemática étnicorracial no contexto da Covid-19, a lente teórico-política da interseccionalidade, como dada na proposição de Kimberlé Crenshaw, pode se constituir em um importante dispositivo operacional para orientação das práticas profissionais e desenvolvimento de ações civis públicas para a proteção das pessoas em vulnerabilidades na gestação, tal como contribuir com o avanço da epidemiologia social e crítica e do cuidado em enfermagem. A base do pensamento da interseccionalidade descrita defende que a sociedade não pode ser compreendida de forma fragmentada, uma vez que determinados grupos estão expostos à inúmeras situações de vulnerabilidade. Nesse sentido, a proposta é fundamental para analisar o cenário epidemiológico e racial de gestantes acometidas pela Covid-19, sobretudo pelo histórico brasileiro de iniquidades que ancoram a análise interseccional: racial, de classe social e de gênero/sexualidades(10).

No campo da produção do cuidado em enfermagem, apesar da atuação quase heroica durante a pandemia, nota-se a carência da garantia da atenção à especificidade étnicorracial, tal como na construção de uma epistemologia de cuidado étnico e racial, que, sob uma perspectiva interseccionada, seja capaz de compreender que tal marcador social, simbólico e político, repercute diretamente nas respostas humanas das pessoas e na sua situação e/ou condição de saúde(11).

Em busca realizada nas bases Pubmed e Scielo com as palavras-chave extraídas da plataforma Descritores em Ciências da Saúde (DECS) “Pregnant Women”, “coronavirus infections” e “racism” conectados com o operador boleano “and”, identificou-se apenas um estudo com temática relacionada no Brasil, entretanto, o estudo não utiliza a interseccionalidade como modelo analítico, nem insere o profissional de enfermagem como corresponsável pela elaboração de um cuidado holístico para esse público, o que explicita uma lacuna significativa na produção do conhecimento científico, tal qual revela o ineditismo do estudo.

Dessa forma, este estudo tem como objetivo analisar, sob a ótica interseccional, os atravessamentos do quesito raça/cor na morbimortalidade de gestantes pela Covid-19 no Brasil.

 

MÉTODO

Estudo ecológico de base documental, descritivo, parte de um projeto de doutorado em Enfermagem e Saúde da Universidade Federal da Bahia, Brasil, subsidiado pelas diretrizes do STROBE(12).

Assumimos o conceito teórico-político de interseccionalidade como modelo dedicado à análise de dados, ao considerar que esta perspectiva teórico-política permite a compreensão do objeto estudado a partir de um somatório de condições de opressão: raça e gênero, e confere um aporte analítico de avanço no conhecimento e crítica das variáveis investigadas(10).

O local da pesquisa foi o Brasil e se justificou por ser o maior país da América-Latina, com uma população estimada em 211 milhões de habitantes. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do ano de 2019, o país apresenta cerca de 56,2% de habitantes com a autodeclaração de raça-cor negra, seguidos de 42,7% brancos e 1,1% habitantes autodeclarados amarelos ou indígenas(13). Faz-se saber, que segundo a convenção estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra é composta por pessoas que se autodeclararam pretas ou pardas(14).

A equipe de pesquisa foi composta de 2 enfermeiras, com formação de Doutorado e Pós-Doutorado na área de enfermagem e larga experiência na condução de pesquisa e ação comunitária na área de saúde da população negra, e de 2 enfermeiros com formação de mestrado e doutorado na área de enfermagem e saúde. No período da coleta de dados a equipe de pesquisa desenvolvia ações de ensino e pesquisa e não realizou vinculação direta com participantes de pesquisa.

Os dados foram coletados em ambiência virtual, por 2 pesquisadores, sob a supervisão de um terceiro pesquisador, a partir do acesso à dados secundários, disponibilizados em fontes oficiais do Ministério da Saúde do Brasil, em parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde Doença pelo Novo Coronavírus – COVID-19, que tem divulgado os Boletins Epidemiológicos Especiais (BE) sobre a Doença pelo Novo Coronavírus – COVID-19, através do site governamental: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/boletins-epidemiologicos. Os BEs são documentos oficiais, e possuem um caráter técnico/científico, o qual permite acompanhar os dados de morbimortalidade pela Covid-19 no país por semana epidemiológica (SE) e orientar a tomada de decisão dos gestores de saúde(15), mostrando-se uma importante fonte de acesso público aos dados, especialmente em contextos de pandemia, os quais constituíram a amostra deste estudo.

A coleta de dados ocorreu nos meses de março e abril de 2021. Foi realizado inicialmente a leitura de todos os 44 BEs publicados pelo Ministério da Saúde do Brasil no ano de 2020. Adotamos a realização de um protocolo interno de coleta dos dados como forma de garantir o rigor metodológico e a qualidade na pesquisa quantitativa. Para a seleção do material e constituição dos dados para análise, adotamos os seguintes critérios: ser BEs oficiais; ser publicado de maneira secundária – de acesso público; possuir dados relativos à morbimortalidade de gestantes pela Covid-19; apresentar estratificação pelo quesito raça/cor; ser publicado no recorte temporal do ano de 2020. A partir disso foram selecionados 8 BEs para o presente estudo. A Figura 1, apresentada abaixo, detalha os BEs analisados.

 

Número do Boletim Epidemiológico Especial

Semana Epidemiológica consultada

Boletim nº 17

Semana epidemiológica 21 – 17 a 23 de maio de 2020

Boletim nº 21

Semana epidemiológica 27 – 28 de junho à 04 de julho

Boletim nº 25

Semana epidemiológica 31 – 27 de julho à 01 de agosto

Boletim nº 39

Semana epidemiológica 48 – 22 a 28 de novembro

Boletim nº 40

Semana epidemiológica 49 – 29 de novembro à 05 de dezembro

Boletim nº 41

Semana epidemiológica 50 – 06 a 12 de dezembro

Boletim nº 42

Semana epidemiológica 51 – 13 a 19 de dezembro

Boletim nº 43

Semana epidemiológica 52 – 20 a 26 de dezembro

Figura 1 - Boletins epidemiológicos utilizados para coleta de dados, 2021

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

Os dados levantados dos BEs pertenciam à seção “Perfil dos casos e óbitos de SRAG hospitalizado confirmados por COVID-19 em gestantes”. A partir daí, foram extraídas as seguintes informações: 1) número de hospitalizações por SRAG por COVID-19, segundo classificação de raça-cor; 2) óbito por SRAG, segundo classificação final de raça-cor; 3) número da semana epidemiológica do BE.

Os dados relativos às variáveis analisadas (hospitalização, óbito e semana epidemiológica) foram tabulados com o apoio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21, no qual foi organizado mediante a raça/cor autodeclarada: branca, preta, parda, amarela ou indígena. Para a análise, pretos e pardos foram agregados para determinação dos resultados relativos à população negra, conforme convenção do IBGE do Brasil.

A análise de dados foi realizada mediante estatística descritiva. Para isso utilizou-se os parâmetros de frequências, medidas de tendência central por meio de médias, intervalo mínimo e máximo, adotando intervalo de confiança de 95%, e medidas de dispersão mediante desvio padrão. Inicialmente, foi realizado o cálculo de frequência simples das internações e óbitos para determinação da prevalência em cada semana epidemiológica. Posteriormente, para cálculo da média de internações e óbito, foi realizado a soma de todas as prevalências obtidas, dividido pelo total de semanas epidemiológicas estudadas(16).

O estudo não necessitou de submissão no comitê de ética e pesquisa uma vez que os dados utilizados são de domínio público. Contudo, atendemos e respeitamos as legislações vigentes no Brasil quanto ao desenvolvimento de pesquisas envolvendo seres humanos, como a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Destarte, cumprimos com os critérios da confiabilidade, qualidade, veracidade dos dados produzidos, em convergência com os aspectos da Lei de Proteção de Dados(17).

 

RESULTADOS

O córpus de análise foi composto por 8 boletins epidemiológicos, publicados prevalentemente no segundo semestre de 2020 (75%). Até o dia 26 de dezembro de 2020, data de publicação do último BE analisado, foram registrados 4.773 internações e 247 óbitos de gestantes por COVID-19. Desses, 3922 (82,17%) internações e 208 (81,78%) óbitos haviam dados relativos à raça-cor. Os dados foram organizados em duas categorias para descrição dos resultados: 1) Morbidade por SRAG pela COVID-19 segundo raça-cor e; 2) Mortalidade por SRAG pela COVID-19 segundo raça-cor.

 

Categoria 1: Morbidade por SRAG pela COVID-19 segundo raça-cor

A presente categoria descreve o total acumulado de internações de gestantes por SRAG pela COVID-19, bem como relata a evolução da prevalência segundo raça-cor autorreferida.

A Tabela 1 apresentada abaixo, descreve o total de internações de gestantes por SRAG pela Covid-19 no ano de 2020 e a taxa média de prevalência nos boletins analisados, segundo raça-cor.

 

Tabela 1 - Total de internações e média de prevalência das internações de gestantes por SRAG pela covid-19, segundo raça-cor em 2020. Guanambi, Bahia, Brasil, 2021

Raça-cor

Total de internações em 2020 (n)

Taxa média de prevalência nas SE estudadas (%)

IC 95% (Limite inferior - limite superior)

Desvio padrão

Branca

1298

32,32

30,91 – 33,74

1,69

Negra

2505

65,18

63,45 – 66,91

2,06

Amarela

44

0,98

0,80 – 1,16

0,21

Indígena

75

1,48

0,95 – 2,00

0,62

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

A Figura 2 apresenta a evolução da prevalência de internações em gestantes por SRAG segundo raça-cor e semana epidemiológica.

 

Gráfico 4

Figura 2 - Evolução da prevalência de internações por SRAG por COVID-19 segundo raça-cor em 2020

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

Categoria 2: Mortalidade por SRAG pela COVID-19 segundo raça-cor

Essa categoria descreve o total acumulado de óbitos de gestantes por SRAG pela COVID-19, bem como relata a evolução da sua prevalência, segundo raça-cor autorreferida.

A Tabela 2, descreve o total de óbitos acumulados por SRAG pela Covid-19 em gestantes no ano de 2020 e a taxa média de prevalência nos boletins analisados, segundo raça-cor.

 

Tabela 2 - Total de óbitos e média de prevalência da mortalidade de gestantes por SRAG pela Covid-19, segundo raça-cor em 2020. Guanambi, Bahia, Brasil, 2021

Raça-cor

Total de óbitos em 2020 (n)

Taxa média de prevalência nas SE estudadas (%)

IC 95% (Limite inferior - limite superior)

Desvio padrão

Branca

63

27,23

23,75 – 30,70

4,15

Negra

140

70,85

66,72 – 74,98

4,93

Amarela

4

1,59

1,02 – 2,15

0,67

Indígena

1

0,30

0,09 – 0,52

0,25

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

A Figura 3 apresenta a evolução da prevalência de óbitos de gestantes por SRAG pela Covid-19 segundo raça-cor e semana epidemiológica.

 

Gráfico 1

Figura 3 - Evolução da prevalência de óbitos de gestantes por SRAG por COVID-19 segundo raça-cor em 2020

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

DISCUSSÃO

O estudo aponta maior prevalência de morbimortalidade entre gestantes negras por SRAG pela Covid-19 no Brasil em todo o ano de 2020, o que resultou em, aproximadamente, o dobro de internações e óbitos desse grupo por SRAG quando comparado a mulheres brancas.

Chama a atenção o fato desse estudo evidenciar que gestantes negras são mais acometidas e morrem mais pela Covid-19 desde o início da divulgação dos dados de morbimortalidade estratificados por raça-cor no Brasil. Isso porque, a doença acometeu inicialmente pessoas brancas, de alto poder aquisitivo(5), o que reflete a maior situação de vulnerabilidade vivenciada por esse grupo racial.

Verificou-se que houve baixa disponibilidade de dados relativos a gestantes nos Boletins Epidemiológicos do Brasil. Dos 44 boletins epidemiológicos publicados em 2020, apenas 8 trazem dados relativos à morbimortalidade de gestantes estratificados por raça-cor, o que mostra negligência na atualização dos dados com esse público. Acrescenta-se ainda que, mesmo a OMS tendo classificado a Covid-19 como um vírus pandêmico em 11 de março de 2020(18), os primeiros dados divulgados com gestantes no Brasil iniciaram apenas na SE 21 (17/05/2020 à 23/05/2020), com o BE 17.

No que se refere às internações por SRAG, percebe-se que gestantes negras apresentaram taxa média de prevalência de 65,18% durante o ano de 2020, atingindo o pico de prevalência na SE 27 (28 de junho à 04 de julho de 2020) com 69,78% de internações. Por outro lado, mulheres brancas apresentaram média de 32,32% das internações, com pico de 35,07% na SE 21. Gestantes indígenas e de raça-cor amarela apresentaram estabilidade nas taxas durante todo o ano de 2020, não ultrapassando 2% de prevalência em nenhum boletim estudado.

Com relação à mortalidade, houve estabilidade de notificações durante todo o ano, com pior desfecho para mulheres negras. As gestantes negras apresentaram taxa média de prevalência de 70,85%, com pico de 80% na SE 21. Por outro lado, gestantes de raça-cor branca apresentaram prevalência média de 27,23%, chegando à 20% de prevalência no melhor cenário, durante a SE 21. Assim como nos dados de morbidade, gestantes de raça-cor amarela e indígenas mantiveram taxas de mortalidade inferior à 2% em todas as semanas epidemiológicas estudadas.

Através dos dados é possível perceber que, uma vez acometidas pela Covid-19, gestantes negras tem mais risco de morrer do que gestantes brancas, haja vista que todos os boletins epidemiológicos apontam maiores taxas de óbito do que de internações por SRAG, o que agrava sua situação de vulnerabilidade.

Acredita-se que isso se deve a maior prevalência de doenças de base que são apontadas pela OMS como fatores de risco para maior gravidade da Covid-19. Mulheres negras são mais acometidas, por exemplo, pela doença hipertensiva específica da gravidez (DHEG) e pré-eclâmpsia(19) e diabetes gestacional(20). Ademais, mulheres de raça-cor negra tem piores condições de acesso aos serviços de saúde e realizam menos consulta pré-natal do que mulheres brancas, o que dificulta o acompanhamento da gestação e, consequentemente, a identificação precoce dos sinais de gravidade(21).

Acrescenta-se que, nas mulheres negras, o impacto da pandemia extrapola os dados de morbimortalidade. A pandemia da Covid-19 traz inúmeras repercussões psicológicas, como exposição à ansiedade e maior risco de depressão. Em estudo realizado na Filadélfia (EUA), mulheres negras apresentaram maior preocupação com o risco de perda de emprego ou redução de salários, além de conhecerem mais pessoas que morreram pela Covid-19(22).

Essa condição se deve a enorme desigualdade social e racial que afeta desproporcionalmente a sociedade, em diferentes países, fazendo com que a mulher negra tenha piores condições de empregabilidade(23), renda e tenham piores condições de acesso a bens e serviços(24), o que resulta em desenvolvimento de ansiedade e risco de depressão devido ao pior desfecho da doença entre seus pares.

As piores condições de trabalho vivenciadas por mulheres negras levam-nos a refletir sobre o alcance da Lei 14.151/2021, sancionada em 12 de maio de 2021, que garantiu o afastamento das gestantes do trabalho presencial durante a pandemia no Brasil(25). A lei garante a realização de teletrabalho ou trabalho remoto apenas para as trabalhadoras com vínculos formais, não atingindo as trabalhadoras informais que são majoritariamente negras(26). Essa precariedade no vínculo de trabalho impossibilita, muitas vezes, que essas mulheres possam realizar efetivamente o distanciamento social, até quando há garantia legal, expondo-a a maior risco de contaminação pelo vírus.

Ademais, durante a pandemia, mulheres negras apresentam maior preocupação com o cuidado pré-natal, com a experiência do parto e os cuidados com o bebê quando comparado à mulheres de outra raça-cor, o que pode ser explicado pelo histórico de disparidades raciais no cuidado às mulheres(22). Acrescenta-se ainda as evidências que apontam, por exemplo, que mulheres negras sofrem mais violência obstétrica, recebem menos anestesia durante o parto e sofrem mais intervenções desnecessárias do que mulheres brancas devido ao imaginário social racista sustentar que mulheres negras possuem maior resistência a dor(27,28).

Além das questões relacionadas a assistência ao parto, há evidências de que mulheres negras tem maiores índices de mortalidade materna(29), abandonam o aleitamento exclusivo mais cedo(30) e os filhos são mais impactados com a prematuridade(31) e com a mortalidade infantil(32), o que mostra que a experiência da gestação implica em maior desafio para pessoas negras.

A partir dos resultados é possível notar que a mulher negra em período gestacional se encontra em situação de vulnerabilidade mais intensa do que a população negra geral brasileira, haja vista que a população negra geral, apesar de apresentar pior desfecho, finaliza o ano de 2020 com taxa de internação de 49,33% e óbito de 52,68% enquanto as gestantes negras apresentaram taxas de internação de 63,87% e óbito de 67,3%, na SE 52, última semana epidemiológica de 2020.

Diante disso, percebe-se que essas taxas precisam ser compreendidas de forma interseccional, uma vez que essa situação resulta da acumulação da tripla situação vulnerabilidade: mulher, negra e gestante. No Brasil, o racismo e as opressões de gênero operam de maneira conjunta e produzem subjetivação da mulher negra, sendo determinante para as condições de nascer, viver, gestar e morrer(28,33). Dessa forma, apesar da escravidão brasileira ter sido extinta há mais de 200 anos, o racismo institucional permanece impactando de maneira distinta e produzindo piores desfechos para as mulheres pretas e pardas.

Salienta-se que tal contexto é potencializado pela necropolítica adotada pelo Estado brasileiro durante a pandemia, onde a relativização da gravidade da pandemia da Covid-19, a naturalização e a banalização das mortes contribuíram para o funcionamento da máquina capitalista que determina quem pode morrer ou viver, ao passo em que penalizam os grupos mais vulneráveis(34).

Nesse sentido, apesar do estudo apresentar limitações que são inerentes à toda pesquisa que utiliza dados secundários, como o risco de subnotificação da marcação da variável raça-cor durante o preenchimento da ficha de atendimento pelo profissional responsável, o estudo revela dados alarmantes que podem ser utilizados pelo gestor público para construção de políticas públicas voltadas para redução da morbimortalidade de mulheres negras pela Covid-19 durante o período gestacional.

Acredita-se que os achados podem auxiliar na compreensão do impacto da doença em diferentes grupos etnicorraciais, sinalizando para os gestores da saúde a necessidade de proteção social e ampliação do acesso aos serviços de saúde para as gestantes em maior situação de vulnerabilidade.

Destaca-se que, diante dos indicadores epidemiológicos que expuseram uma importante disparidade étnicorracial das pessoas que foram afetadas pela Covid-19, é urgente que os profissionais de enfermagem desenvolvam competências para prestar cuidados coerentemente adaptados, respeitosos e inclusivos à população negra. Além disso, destaca-se a necessidade de ter uma categoria profissional de enfermagem comprometida com a superação de cenários desfavoráveis, em que permeiam o racismo, as desigualdades e iniquidades sociorraciais e de gênero(35).

 

CONCLUSÃO

O estudo evidenciou maior taxa morbimortalidade por COVID-19 entre gestantes de raça-cor negra em 2020. Os dados são alarmantes, uma vez que a prevalência de internações e óbitos entre gestantes negras é, aproximadamente, duas vezes maior do que de gestantes de raça-cor branca. Constatou-se também que, uma vez acometida pela COVID-19, a gestante negra tem maior possibilidade de óbito do que as gestantes brancas com COVID-19, uma vez que as taxas de óbito são superiores às taxas de internação.  

A maior dificuldade no acesso ao pré-natal, a alta taxa de prevalência de comorbidades, as precárias condições de trabalho e dificuldade de afastamento durante a pandemia, o racismo institucional e a necropolítica adotada pelo Estado Brasileiro são possíveis explicações para essa expressiva situação de vulnerabilidade.

Nesse sentido, o estudo sinaliza aos gestores de saúde do Brasil (municipal, estadual e federal) a necessidade de construção de políticas específicas de proteção às mulheres negras durante o período gestacional. Ademais é fundamental que os profissionais de enfermagem, construam e desenvolvam competências para a prática do cuidado que seja capaz de contribuir para o combate ao racismo e as iniquidades de gênero.

Acrescenta-se ainda ser fundamental que o Ministério da Saúde amplie a frequência de publicação dos boletins epidemiológicos com dados de gestantes e divulguem os dados de raça-cor estratificados por renda, idade e local de residência para maior aprofundamento da análise de morbimortalidade entre gestantes.

 

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

 

FONTE DE FINANCIAMENTO

Sem financiamento.

 

REFERÊNCIAS

 

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Submissão: 17/08/2021

Aprovado: 28/09/2021

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Ferreira RBS, Camargo CL

Obtenção de dados: Ferreira RBS, Camargo CL

Análise e interpretação dos dados: Ferreira RBS, Camargo CL, Sousa AR

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Ferreira RBS, Camargo CL, Sousa AR, Whitaker MCO

Aprovação final do texto a ser publicada: Ferreira RBS, Camargo CL, Sousa AR, Whitaker MCO

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Ferreira RBS, Camargo CL, Sousa AR, Whitaker MCO

 

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