ORIGINAL

 

Conhecimento materno acerca da puericultura durante a pandemia da COVID-19: abordagem qualitativa

 

Mayane Cândido da Silva Leite Cardoso1, Gracielly Beatriz Cardoso de Oliveira1, Ana Márcia Nóbrega Dantas2, Gabriela Lisieux Lima Gomes2

 

1 Centro Universitário de João Pessoa, PB, Brasil

2 Universidade Federal da Paraíba, PB, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: descrever o conhecimento materno acerca da puericultura durante a pandemia da Covid-19. Método: trata-se de uma pesquisa de campo, de caráter descritivo com abordagem qualitativa, realizada com 30 mães de crianças com faixa etária entre zero a 24 meses de idade. O recrutamento das participantes foi no domicílio, devido a pandemia do Covid-19. Os dados foram examinados e interpretados através da análise de conteúdo. Resultados: foram criadas quatro categorias: O conhecimento das mães acerca da puericultura; Realização das consultas de puericultura em tempos de pandemia da Covid-19; Vigilância do desenvolvimento infantil na perspectiva das mães; Conhecimento das mães sobre a avaliação dos marcos do desenvolvimento infantil. Conclusão: foram reveladas fragilidades de comunicação dos profissionais com as mães, limitação de conhecimento das mães em relação ao desenvolvimento infantil e devido a pandemia, as mães estão receosas em levar as crianças para realizar o acompanhamento do desenvolvimento infantil.

 

Descritores: Desenvolvimento Infantil; Atenção Primária à Saúde; Enfermagem.

 

INTRODUÇÃO

A Estratégia da Saúde da Família (ESF) promove a interligação das condutas baseada em evidência com a comunidade, por meio da puericultura, habilitando o enfermeiro para ser capaz de assistir a criança na promoção e detecção de possíveis fatores de risco(1).

O enfermeiro é apto para o cuidado integral à criança de modo a exercitar a comunicação verbal e não verbal(2), além de proporcionar a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) e operacionalizar o Processo de Enfermagem (PE), durante a puericultura.

A consulta de enfermagem, realizada na puericultura, proporciona um elo entre o profissional e o binômio criança-família/cuidador a fim de incentivar o comparecimento às consultas, além de orientar sobre estímulos do desenvolvimento infantil no domicílio(3).

O desenvolvimento da criança nos primeiros anos de vida é marcado por vínculos e estímulos neurais do cérebro(4), para isso, recebe influências de fatores sociais, cognitivos e afetivos com o desígnio de atingir seu potencial, no entanto, quando há instabilidades nas referidas influências, aumenta-se o risco de um déficit no desenvolvimento(5).

Atingir o potencial de desenvolvimento infantil refere-se à aquisição de habilidades da criança para vida acadêmica, social, econômica, comportamental e equilíbrio emocional(6). Nesse sentido, a família e especialmente a mãe, tem um papel primordial para construir uma base ajudando nos estímulos específicos no processo de desenvolvimento(5).

Sabendo que o cenário do desenvolvimento infantil é um problema de saúde pública, posto que milhares de crianças têm risco de não atingir os marcos de desenvolvimento para cada idade, principalmente as menores de cinco anos devido ao processo de maturação(4) e vulnerabilidade. Estudo evidencia que o índice de crianças que não atingem a potencialidade continua alta e a falta de cuidados de orientação quanto à importância de intervir em tempo hábil também é preocupante(6).

A compreensão da mãe em relação às orientações na puericultura é fundamental para que ela se aproprie, valorize e se encarregue de levar a criança para as consultas de enfermagem. Entretanto, a percepção materna está fundamentada na cultura de cada uma e isto pode ser tanto benéfico quanto prejudicial para o desenvolvimento da criança.

Ademais, o cuidado à criança está sendo desafiador para os profissionais de saúde e para as mães na pandemia da Covid-19, tendo em vista que o distanciamento social e isolamento estão dificultando o acesso das mães às unidades de saúde e por muitas vezes, são incentivadas a cuidar da criança no domicílio(7) e levá-los apenas em caso de doença, o que vai contra as diretrizes da promoção da saúde. As mídias sociais influenciam diretamente nesse aspecto, muitas mães por medo e para proteção do filho faltam às consultas de puericultura e resistem para levá-los às unidades de saúde.

Os serviços de saúde na Atenção Primária à Saúde (APS) durante a pandemia, apesar de ser considerado um serviço essencial, demandaram adaptações com horários programados e atendimento para pacientes sintomáticos respiratórios(8). Considerando que crianças e adultos estão expostos à contaminação, mas que os pequeninos têm menor probabilidade de evoluir para forma grave da doença(9), o cuidado para essa faixa etária tornou-se secundário, o que evidencia a necessidade de atenção(8).

Desse modo, é relevante investigar o entendimento das mães durante a pandemia da Covid-19, acerca dos aspectos inerentes aos marcos desse desenvolvimento, com o intuito de promover e assegurar a saúde da criança. Como questão norteadora do estudo, têm-se: Qual a percepção das mães durante a pandemia da Covid-19 acerca do desenvolvimento infantil na perspectiva da puericultura? Para tanto, o objetivo do trabalho inclui descrever o conhecimento materno acerca da puericultura durante a pandemia da Covid-19.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa de campo, de caráter descritivo, transversal, com abordagem qualitativa, realizada com as mães em duas unidades, uma localizada no município de Borborema e a outra no município de Serra da Raiz, ambas no estado da Paraíba. O cenário destinado à coleta de dados foi a Unidade Básica de Saúde da Família Eliane Flor da Silva Clementino dos Santos e a Unidade Básica de Saúde da Família Dr. José Weber de M. Lula, respectivamente. A coleta de dados ocorreu no período de agosto a setembro de 2020. Salienta-se que toda pesquisa foi norteada pelas diretrizes do COREQ.

A população foi composta por 60 mães, enquanto a amostra da pesquisa foi definida por conveniência, estabelecida pelos seguintes critérios de inclusão: mães que fazem o acompanhamento de puericultura de crianças com faixa etária de 0 - 24 meses de idade dentro das Unidades de Saúde da Família dos municípios de Borborema e Serra da Raiz, cadastradas na área de abrangência ESF e com condições cognitivas e emocionais para responder à entrevista. A amostra final foi representada por 30 mães, às quais atenderam os critérios de inclusão do estudo.

É oportuno destacar que a realização da coleta de dados seria realizada na ESF, porém, devido a pandemia do Covid-19, o recrutamento das participantes foi realizado no domicílio. Para tanto, foi obtido o acesso a listagem das mulheres assistidas na ESF que tiveram filhos nos últimos dois anos, as quais foram previamente contatadas via telefone e informadas sobre o objetivo da pesquisa. As visitas foram agendadas conforme disponibilidade das mães, atentando para todas as medidas de proteção e distanciamento social necessárias no contexto da pandemia do Covid-19.

Para a coleta de dados, foi utilizado um instrumento do tipo questionário, não validado, semiestruturado do qual foram analisadas as variáveis correspondentes ao desenvolvimento da criança, bem como a percepção das mães acerca da temática. O instrumento teve como direcionamento as seguintes questões norteadoras: Você já ouviu falar em puericultura? Você já realizou alguma consulta de puericultura com seu filho? Você sabe qual a importância da puericultura para a vida do seu filho? Você sabe quais os procedimentos são realizados na consulta de puericultura? Você sabe qual profissional é responsável por realizar a puericultura na sua unidade?

Foi realizado inicialmente um teste piloto, tendo em vista a possibilidade de avaliar se os itens elencados refletiam a necessidade da coleta de dados, confirmando, de fato, a utilidade do referido instrumento. Desse modo, foram consideradas as variáveis referentes à investigação da percepção das mães acerca do desenvolvimento infantil na perspectiva da puericultura, culminando com a posterior inclusão deste piloto na amostra do estudo, tendo em vista que não houve necessidade de alteração do referido instrumento.

No momento das entrevistas, as mães eram informadas sobre a necessidade de gravar as respostas conferidas mediante instrumento de gravação de som. Cada entrevista durou no mínimo dez minutos e no máximo 25 minutos ou até o momento que a mãe pediu encerramento. O encerramento da pesquisa se deu através da suficiência dos resultados, configurando uma amostragem por saturação. Não houve entrevistas repetidas. Para garantir o anonimato das mães, cada entrevistada foi representada pelo nome Mãe e um numeral.

A análise dos dados foi realizada após a transcrição na íntegra das entrevistas gravadas, seguida da estruturação de uma planilha do Microsoft Excel, versão 2016. Para a análise estatística, foi utilizado o cálculo de porcentagem de modo a permitir a caracterização quantitativa da amostra de acordo com os critérios pré-estabelecidos: faixa etária, naturalidade e investigação acerca do conhecimento de puericultura.

Os dados qualitativos foram analisados após a transcrição na íntegra das entrevistas gravadas, organizadas e interpretadas através da análise de conteúdo de Bardin(10). As coletas aconteceram mediante consentimento das participantes e, desse modo, as pesquisas obedeceram aos preceitos da Resolução nº 466 de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, cujo projeto recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 31547020.0.0000.5176; Parecer nº 4.086.887), onde foram seguidos todos os preceitos éticos para pesquisas envolvendo seres humanos.

 

RESULTADO

O presente estudo foi realizado com 30 mães de crianças com faixa etária entre zero a 24 meses de idade, com ênfase na Consulta de Enfermagem à criança. Para tanto, os dados foram categorizados de acordo com as variáveis e permitiram a caracterização dos participantes no que concerne à idade e a naturalidade, de acordo com as Tabelas 1 e 2.

 

Tabela 1 – Caracterização das mães e crianças em acompanhamento de puericultura no município de Borborema (n=15). Borborema, PB, Brasil, 2020

Variável

N

%

Faixa etária

 

 

Neonato

1

6,7%

Lactente

10

66,7%

Toddler*

4

26,6%

Total

15

100%

Naturalidade

 

 

Campina Grande

1

6,7%

Guarabira

12

80%

João Pessoa

2

13,3%

Total

15

100%

*As crianças classificadas como Toddler correspondiam à faixa etária de 1-2 anos.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

 

Tabela 2 – Caracterização das mães e crianças em acompanhamento de puericultura no município de Serra da Raiz (n=15). Serra da Raiz, PB, Brasil, 2020

Variável

N

%

Faixa etária

 

 

    Lactente

7

46,6%

    Toddler*

8

53,4%

    Total

15

100%

Naturalidade

 

 

Guarabira

12

80%

Belém

2

13,4%

João Pessoa

1

6,8%

Total

15

100%

*As crianças classificadas como Toddler correspondiam a faixa etária de 1-2 anos.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2020.

 

Para esse estudo foram criadas quatro categorias: O conhecimento das mães acerca da puericultura; Realização das consultas de puericultura em tempos de pandemia da Covid-19; Vigilância do desenvolvimento infantil na perspectiva das mães; Conhecimento das mães sobre a avaliação dos marcos do desenvolvimento infantil.

 

O conhecimento das mães acerca da puericultura

O déficit de conhecimento foi notório por parte das mães atendidas na Unidade de Saúde da Família durante a consulta de puericultura. O estudo constatou que das 30 mães, 20 relataram não terem conhecimento de puericultura.

 

Não sei muito bem (Mãe 2).

 

Mais ou menos, tenho muitas dúvidas em relação a tudo nessa etapa (Mãe 6).

 

Não, por nunca ter feito (Mãe 5).

 

Convém enfatizar que para a realização da coleta do respectivo estudo, fez-se necessário explicar um pouco a respeito do que era a puericultura no momento em que as mães relataram desconhecimento. Desse modo, foi possível dar seguimento ao estudo de forma eficiente acerca da investigação do conhecimento sobre a realização de consulta de puericultura.

Algumas mães demonstraram significativo conhecimento sobre a puericultura, demonstrado nas falas a seguir:

 

Sim, eu sei que tanto o enfermeiro quanto o pediatra faz esse tipo de acompanhamento e avaliação com a criança (Mãe 1).

 

Na puericultura avalia o crescimento, medição, pesagem, orientação das mães em relação a higienização, vacinação (Mãe 21).

 

Sim, levei para a enfermeira e ela disse que era para acompanhar cada fase do crescimento do meu filho (Mãe 24).

 

É importante pois vai ser avaliado o crescimento e desenvolvimento do meu filho (Mãe 15).

 

A realização das consultas de puericultura durante a pandemia da Covid-19

As mães têm conhecimento sobre realização das consultas de puericultura, no entanto, relataram que devido a pandemia da Covid-19 pararam de levar.

 

Sim, já realizei a consulta várias vezes, mas parei em março (Mãe 11).

 

Das 30 mães, oito relataram que o filho ainda não realizou nenhuma consulta devido ao momento de pandemia.

 

Não. Devido a pandemia, achei arriscado levar minha filha (Mãe 7).

 

Não, devido o tempo e pandemia (Mãe 6).

 

Estamos em uma pandemia (Mãe 2).

 

Devido ao cenário de pandemia, uma mãe considera que a realização deve ser feita apenas em caso de doenças ou vacinação. Esse olhar vai contra o que preconiza o Ministério da Saúde, uma vez que a criança deve comparecer às consultas independente do estado de saúde:

 

Eu só levo o meu filho para a consulta de enfermagem quando ele precisa tomar vacina e a enfermeira aproveita para pesar e fazer tudo de uma vez só. Fora isso, eu só levo se estiver doente (Mãe 15).

 

A baixa adesão da consulta no período de pandemia é preocupante, uma vez que o acompanhamento das crianças é fundamental para promover a saúde, identificar fatores de risco, prevenir contra doenças, identificar em tempo hábil os agravos e proporcionar melhor qualidade de vida a criança para ser um adulto com condições saudáveis. Além disso, ajuda a criança com comorbidades a evoluir de maneira adequada, com padrão satisfatório para cada situação.

 

Vigilância do desenvolvimento infantil na perspectiva das mães

Ao analisar as amostras do presente estudo, foi observado que cerca de 24 mães tinham conhecimento sobre os procedimentos realizados na consulta para vigilância do desenvolvimento. Destas, sete mencionam que os procedimentos são apenas medidas antropométricas:

 

Sim, as medidas antropométricas (Mãe 4).

 

Conheço, são medidas antropométricas (Mãe 9).

 

Outras 11 mães disseram que os procedimentos são referentes apenas a medição e peso:

 

É assim: pesou e mediu (Mãe 28).

 

A enfermeira realiza a pesagem e mede a criança para saber se está atingindo o esperado (Mãe 27).

 

Que eu saiba é feito à medida, peso (Mãe 25).

 

E apenas quatro mães das 24 mencionaram algo referente ao desenvolvimento infantil:

 

Peso, perímetro cefálico, altura, acompanhar o desenvolvimento (Mãe 18).

 

Sim, pesar, medir e avaliar o desenvolvimento (Mãe 19).

 

[...] cabeça firme sem apoio, sorrir espontaneamente e reproduzir sons pela boa (Mãe 21).

 

E duas mães mencionaram sobre orientação e demais procedimentos relacionados à vigilância do desenvolvimento infantil:

 

[...] orientações sobre a amamentação (Mãe 25).

 

[...] acompanhar o calendário vacinal da criança (Mãe 8).

 

Conhecimento das mães sobre a avaliação dos marcos do desenvolvimento infantil

Das 30 mães, 27 não têm conhecimento sobre os marcos do desenvolvimento infantil. Além disso, chama a atenção o dado revelado na pesquisa, o que evidencia o descaso em relação à vigilância do desenvolvimento infantil na atenção básica de saúde, uma vez que a maior parte dessas orientações pode ser promovida por profissionais de saúde, até mesmo durante a visita domiciliar.

 

Não. É tanto que eu sinto uma carência de informação tremenda, sabe?! Pois é minha primeira filha e eu não sei quase de nada (Mãe 4).

 

As três mães que relataram conhecimento sobre os marcos do desenvolvimento, mencionaram isso não por completo, mas percebe-se que existe sim um entendimento:

 

Sentar só, engatinhar, falar umas palavrinhas (Mãe 17).

 

Sim, acompanho essas coisas pela internet (Mãe 19).

 

Sim, manter a cabeça firme sem apoio, sorrir espontaneamente e reproduzir sons pela boa (Mãe 21).

 

Vale salientar, que após a investigação sobre o conhecimento das mães, as participantes foram orientadas quanto aos marcos de desenvolvimento infantil, como ainda, sobre o acesso ao instrumento através da internet de modo a incentivá-las a prática de atenção ao cuidado de seus filhos.

 

DISCUSSÃO

A consulta de enfermagem na puericultura é direcionada ao binômio mãe-filho e cabe ao enfermeiro exercer ações para prestar melhor qualidade ao paciente, dentre essas, está o diálogo, uma vez que é dever orientar o cuidador da criança sobre o que será feito durante a consulta, mais especificamente, sobre o desenvolvimento infantil(11). Sabe-se que o diálogo sobre puericultura inicia-se desde o pré-natal, no entanto, os achados qualitativos desta pesquisa apontam alguma lacuna na assistência, uma vez que mais da metade das mães demonstraram ter um conhecimento inadequado sobre a puericultura.

As limitações das mães sobre o conhecimento da abrangência da puericultura ocorrem por diversos fatores, tais como, diálogos unilaterais, complicando a comunicação entre profissional-cuidador, a não realização de ações educativas pelo enfermeiro(11), a relação da puericultura com as medidas antropométricas(12), fatores socioeconômicos e escolar(13).

Em realidade similar, estudo realizado com 15 mães na cidade de Guarapuava-PR evidenciou que mais da metade delas tinham restrição do conhecimento da puericultura e sua importância para a criança(12), coincidindo com outro estudo(13). Esses dados científicos corroboram com os achados da pesquisa em que a percepção da maioria está restrita quanto ao entendimento da puericultura.

Apesar do quantitativo baixo observado nos resultados do estudo concernente ao conhecimento das mães sobre a puericultura, é plausível destacar que assim como este, outros estudos(14,15) revelam que há mães com entendimento adequado e isto é satisfatório e condizente com as diretrizes proposta na puericultura. Mesmo sendo baixo, existe persistência na melhora da qualidade.

Por conclusão, uma das alternativas para preencher essa lacuna é promover ações educativas, primeiramente com a união da equipe multiprofissional, em seguida, a criação de um histórico de cada família acobertada pela unidade básica, planejamento e implementação das intervenções de enfermagem com a finalidade de criar um vínculo com a família e ofertar um cuidado singular e eficiente para a criança(3).

É necessário frisar que algumas mães nos achados qualitativos deste estudo, relataram não saber o que é puericultura por não ter ido a nenhuma consulta devido a pandemia da Covid-19. É uma descoberta preocupante, visto que é essencial para promover a saúde, prevenir doenças, detectar em tempo hábil alterações e proporcionar melhor qualidade de vida à criança, favorecendo o seu crescimento e desenvolvimento com boas perspectivas de vida adulta.

Nesse sentido, o cenário da Covid-19 se torna catastrófico para a saúde da criança, retarda o funcionamento das atividades exercidas na atenção primária e, consequentemente, todo o processo de planejamento pensado e implementado para o bem-estar biopsicossocial da criança.

Tal fato corrobora com a categoria Realização das consultas de puericultura em tempos de pandemia da Covid-19, evidenciando que as mães deixaram de levar os filhos à consulta de puericultura pelo cenário da pandemia, o que reflete diretamente no desenvolvimento infantil.

A fim de procurar medidas para recrutar tanto as crianças que precisam realizar a primeira consulta quanto as que pararam de frequentar, seja por questões administrativas da ESF ou pelo medo que o cuidador apresenta, cidades do país estão adotando estratégias para contornar essa situação. Em Florianópolis/SC - Brasil, as equipes estão sendo orientadas a proceder com busca ativa das crianças para realizar a primeira consulta de puericultura(16). No entanto, conseguir colocar isso em prática é desafiador e nem todos os lugares estão com resposta satisfatória, tendo fragilidades para esse processo(8).

Vale salientar que esse cenário árduo perpassa a nível global. Na Espanha, as crianças estão com a vacinação atrasada por causa de toda rigorosidade do afastamento social e isto tem chamado atenção dos profissionais de saúde, que exigem políticas ativas a fim de convocar as crianças em atrasos tanto na imunização quanto nas consultas de puericultura(17).

A ausência da criança na consulta de puericultura, nesta pandemia da Covid-19, causa rompimento do cuidado e isso pode influenciar no aumento da morbidade, mortalidade infantil e desnutrição, principalmente nos países em desenvolvimento ou de baixa renda(18). Além do mais, também afeta o desenvolvimento infantil, trazendo consequências mais negativas(19), como déficit no estado nutricional com deficiência de micronutrientes, nanismo(20), comprometimento a aprendizagem da criança, da saúde mental, do desenvolvimento social(19), dentre outras habilidades que são acompanhadas na consulta de puericultura.

Em perspectiva distinta ao desenvolvimento infantil, é oportuno destacar que os impactos da pandemia da Covid-19 afetam severamente a população infantil. Uma pesquisa desenvolvida no país do Quênia revelou o aumento do risco de abuso sexual infantil, violência doméstica, negligência do cuidado, maior vulnerabilidade nas crianças deficientes, aumento de gestação na adolescência, falta de acesso aos serviços primários de saúde e a quebra da assiduidade das crianças nas consultas(20).

A resistência do cuidador em levar o infante para os serviços de saúde por medo, apreensão e insegurança é alarmante, mas muito recorrente em tempos de pandemia. Corroborando com um estudo desenvolvido em todas as unidades básicas de três municípios de médio porte, um no Estado do Paraná, um no Estado de São Paulo e outro no Estado de Minas Gerais, no qual, enfermeiros apontam essa relutância familiar, carregando consigo esses sentimentos, sendo o mais constante, o medo. Ainda relatam que isto pode ser em decorrência de informações propagadas nas redes sociais, fake news e notícias difusas na própria comunidade(8).

Quanto à percepção das mães sobre a vigilância do desenvolvimento, a presente pesquisa evidenciou que 80% (24 mães) sabiam quais são os procedimentos, entretanto, observa-se uma limitação sobre a totalidade dos procedimentos utilizados na vigilância do desenvolvimento infantil.

Corroborando com este resultado, pesquisas(14,15) demonstram que o cuidador da criança reconhece o desenvolvimento infantil, sua importância para a criança e os procedimentos que são realizados. Isso pode associar-se ao papel da mãe, na qual, ela se reconhece como a pessoal responsável pelo bem estar da criança e a imposição da sociedade em que é dever da mãe prestar uma assistência à criança(14).

Outro aspecto que permite às mães ter esse conhecimento é a relação ao vínculo com o profissional, tendo em vista que a mãe sente-se mais confortável em contar suas angústias, dúvidas e alegrias(15), ao mesmo tempo que o profissional percebe a comunicação não verbal da mãe e oferece o escutar vai existindo um diálogo compreensivo para a mãe em que elas conseguem tirar suas dúvidas(2).

Entretanto, um estudo com resultado significativo revela que os percalços vivenciados pelos enfermeiros no dia-a-dia, afeta diretamente o vínculo com a mãe e a disposição em repassar conhecimento, consequentemente, muitas mães não conseguem compreender a grandeza da vigilância do desenvolvimento infantil(11).

Na categoria “Conhecimento das mães sobre a avaliação dos marcos do desenvolvimento infantil”, 80% (27 mães) não têm conhecimento sobre os marcos do desenvolvimento, isto mostra que, apesar das falas na categoria anterior que afirmam o conhecimento sobre os procedimentos realizados na vigilância do desenvolvimento, quando é perguntado algo mais profundo e específico muitas não conseguiram relatar. Nesse aspecto, pode ser observado fragilidade de conhecimento ou de aprendizagem.

Essa limitação de profundidade sobre os marcos do desenvolvimento, pelos achados qualitativos desta pesquisa, está relacionada com a falta de informação ou uma fragmentação dessa comunicação. Um estudo em cinco distritos na Paraíba evidenciou que os enfermeiros não relataram detalhadamente o que foi avaliado e por vezes se atrapalham, outros, ao avaliar os marcos do desenvolvimento se restringem às mensurações do crescimento e uma avaliação geral da criança, sem sequer avaliar os riscos para um déficit de desenvolvimento(11).

Vale destacar que não foi encontrado, até o presente momento desta pesquisa, artigos científicos com dados qualitativos em que as mães narram de maneira correta todos os marcos do desenvolvimento infantil. Em vista disso, é importante que os profissionais promovam técnicas de feedback, interlocução com uma linguagem acessível, e assim, ser um facilitador para o entendimento da mãe.

Tal fato, corrobora a necessidade de realização de ações educativas por enfermeiros, com vistas a instrução das mães acerca do desenvolvimento infantil, com ênfase na vigilância do desenvolvimento no contexto da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) mas, sobretudo, com a avaliação dos marcos referentes a cada faixa etária.

Esta pesquisa teve como limitação o fato de ter sido realizada no domicílio, e em consequência, as respostas eram ditas apressadamente, havia dispersão de ideias e isso impossibilitou o aprofundamento do tema.

 

CONCLUSÃO

Os resultados deste trabalho revelam fragilidades de comunicação dos profissionais com as mães e uma limitação de conhecimento das mães em relação à puericultura e ao desenvolvimento infantil.

A maioria das mães não compreendem o que engloba a puericultura, embora saibam que existem consultas que as crianças precisam ir. Este é um achado alarmante, pois para entender a importância de levá-los a consulta, é preciso saber a essência da puericultura.

A consequência da falta de compreensão e a situação da pandemia da Covid-19, acarretou nos resultados desta pesquisa a confirmação de que as mães deixaram de levar os filhos para a consulta de enfermagem, incluindo aquelas que tiveram seus filhos na pandemia e, portanto, não realizaram consultas na Estratégia da Saúde da Família. Neste contexto, destaca-se ainda uma nova organização do serviço para atendimento de sintomáticos respiratórios, que reforça o receio das mães em levar os filhos para a consulta nessa conjuntura, favorecendo uma lacuna na atenção integral e vigilância do desenvolvimento da criança.

Quanto ao conhecimento do desenvolvimento infantil, esse cenário é preocupante, uma vez que para o completo desenvolvimento da criança faz-se necessário estímulos, os quais são direcionados pela família no contexto da convivência do lar. Por conclusão, esses resultados podem servir de guia para novas pesquisas. Sugere-se novos estudos em diferentes cenários do país sobre a percepção das mães em relação ao desenvolvimento infantil para identificar a realidade de lugares distintos sobre essa temática, possibilitando encontrar outras evidências importantes.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos às mães que participaram do estudo.

 

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declararam que não há conflito de interesse.

 

FONTE DE FINANCIAMENTO

CAPES - Nº do processo: 88887.487273/2020-00

 

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Submissão: 06/22/2021

Aprovado: 12/03/2021

 

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Cardoso MCSL, Oliveira GBC, Gomes GLL

Obtenção de dados: Cardoso MCSL, Oliveira GBC, Gomes GLL

Análise e interpretação dos dados: Cardoso MCSL, Oliveira GBC, Dantas AMN

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Cardoso MCSL, Oliveira GBC, Dantas AMN, Gomes GLL

Aprovação final do texto a ser publicada: Dantas AMN, Gomes GLL

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Cardoso MCSL, Oliveira GBC, Dantas AMN, Gomes GLL

 

 

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