ORIGINAL

 

Relação entre dor crônica nas costas, incapacidade e qualidade de vida após auriculoacupuntura e ventosaterapia e satisfação com o tratamento: estudo transversal

 

Caroline de Castro Moura1, Érika de Cássia Lopes Chaves2, Denismar Alves Nogueira2, Denise Hollanda Iunes2, Cissa Azevedo1, Bianca Bacelar de Assis3, Tamara Goncalves Rezende Macieira4, Tânia Couto Machado Chianca3

 

1 Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, Brasil

2 Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, MG, Brasil

3 Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

4 University of Florida, College of Nursing, Gainesville, FL, United States

 

RESUMO

Objetivo: avaliar a relação da intensidade da dor, incapacidade física e qualidade de vida após tratamento de auriculoacupuntura e ventosaterapia com a satisfação com o tratamento, necessidade dele para controle da dor, percepção de melhora e consumo de medicação. Método: estudo transversal conduzido com 198 pessoas com dor crônica nas costas. Foram investigadas: intensidade da dor, incapacidade física, qualidade de vida, satisfação com o tratamento, necessidade da intervenção para o controle da dor, percepção de melhora e consumo de medicação. Foi realizada correlação de Spearman a 5% de significância. Resultados: Houve correlações negativas de fraca magnitude da intensidade da dor e da incapacidade física com a satisfação com o tratamento, necessidade da intervenção, percepção de melhora após o tratamento e consumo de medicamentos, e correlações positivas de fraca magnitude da percepção da qualidade de vida com a satisfação com o tratamento, necessidade da intervenção, e percepção de melhora. Conclusão: A melhora da intensidade da dor, da incapacidade física e da qualidade de vida ocasionou melhor estado geral de saúde, satisfação com o tratamento e menor consumo de medicamentos entre os participantes do estudo.

 

Descritores: Satisfação do Paciente; Acupuntura Auricular; Ventosaterapia.

 

INTRODUÇÃO

A dor crônica, uma condição multifatorial que engloba fatores biológicos, psicossociais e econômicos, é uma das principais fontes de sofrimento humano(1). Há pessoas que experimentam perturbações mínimas, até as gravemente incapacitadas e para as quais a participação no trabalho e nas atividades sociais e familiares se torna severamente restrita.

Devido ao impacto negativo que a dor crônica acarreta na vida das pessoas, ela é considerada um problema de enfermagem. E o enfermeiro, por meio de intervenções de enfermagem, pode contribuir para solucioná-la. Neste contexto, destacam-se a acupuntura e os seus recursos terapêuticos, como a auriculoacupuntura e a ventosaterapia. Essas intervenções são métodos promissores para o manejo da dor crônica(2-3) e podem ser realizadas por esses profissionais, por meio de formação específica.

Mediante a aplicação desses recursos terapêuticos, é essencial que o enfermeiro realize avaliação abrangente dos seus impactos na vida das pessoas, que inclua, por exemplo, a intensidade da dor, a incapacidade física e a qualidade de vida.

O autorrelato da intensidade da dor é considerado o padrão-ouro para a mensuração desse fenômeno(4). E geralmente, o aumento da sua intensidade e da sua propagação coincidem com o aumento do estresse físico e mental e da incapacidade física. Esta última é relacionada com limitações e restrições nas atividades que uma pessoa pode enfrentar em diversas situações de vida. Por fim, a qualidade de vida relacionada à saúde envolve aspectos físicos (como dor, mobilidade, dependência de medicação ou de tratamento e capacidade de trabalho), psicológicos (como sentimentos, autoestima, imagem corporal e aparência), relações sociais e aspectos ambientais (como disponibilidade e qualidade dos cuidados de saúde)(5).

É importante avaliar, também, as percepções da pessoa frente ao tratamento recebido, por meio de variáveis como a satisfação, que se refere ao sentimento do participante sobre o tratamento (se ele sente que as características positivas do tratamento superam as negativas)(6), a necessidade do tratamento e a percepção de melhora depois dele. O resultado dessas avaliações torna o usuário protagonista do seu plano de cuidado, além de influenciar a forma como esses tratamentos são oferecidos nos serviços de saúde, possibilitando maior qualidade e resolutividade.

Ainda, verificar o consumo de medicação mediante a realização de intervenções não farmacológicas de controle da dor é mais uma forma de avaliar o impacto da intervenção na saúde das pessoas. O manejo farmacológico ainda constitui uma das estratégias mais utilizadas para o controle da dor crônica; contudo, os pacientes raramente obtêm alívio da dor a longo prazo, pois os efeitos colaterais tendem a limitar a dosagem máxima(7). Acredita-se, então, que a acupuntura possa impactar também o consumo de medicação, trazendo benefícios não só para os pacientes, mas também para os serviços de saúde, ao reduzir os gastos com medicação.

Diante disso, o presente estudo teve por objetivo avaliar a relação da intensidade da dor, da incapacidade física e da percepção da qualidade de vida com a satisfação com o tratamento recebido, com a necessidade da intervenção para alívio da dor, com a percepção global de melhora e com o consumo de medicação após tratamento de auriculoacupuntura e ventosaterapia.

 

MÉTODO

 

Desenho do estudo

Estudo transversal analítico.

 

Contexto

O estudo foi realizado entre novembro de 2017 e dezembro de 2018, com uma população de 686 pessoas com dor crônica nas costas cadastradas em Estratégias de Saúde da Família de uma cidade do interior de Minas Gerais, Brasil. Este estudo faz parte de um projeto que ofereceu a aplicação exclusiva de auriculoacupuntura e da ventosaterapia para esta população (ou seja, os participantes não receberam mais nenhum tipo de tratamento concomitante às intervenções propostas) e foi aprovado por uma Comissão de Ética em Pesquisa com seres humanos (Parecer no 2.277.176).

 

Participantes

Os seguintes critérios de inclusão para seleção dos participantes foram adotados: 1) idade entre 18 e 70 anos, já que a incidência de dor crônica nas costas nessa faixa etária é elevada(8-9), além de ser mais provável de apresentar turgor cutâneo preservado, condição importante para o tratamento com ventosaterapia; 2) função cognitiva preservada, verificada por meio do Teste de Comprometimento Cognitivo com Seis Itens (pontuação entre zero e 10). Nele, atribui-se zero para cada resposta correta e um para cada resposta incorreta até a quantidade máxima de erros permitida; em seguida, deve-se multiplicar o número de erros de cada item pelo seu peso, para obter a pontuação final. O grau total máximo é 28; um grau 10 ou maior é significativo de algum comprometimento(10); 3) presença de dor crônica nas costas há três meses ou mais(1), independentemente da sua causa; 4) autorrelato de intensidade da dor moderada ou severa (≥ 4)(1) nos últimos sete dias, verificada por uma escala numérica de 11 pontos e de faces. Este escore foi selecionado, uma vez que pacientes com níveis muito baixos de dor tendem a não responder a algumas terapias(11); 5) aceitação do tratamento com auriculoacupuntura e ventosaterapia para manejo da dor. Foram excluídas do estudo pessoas que possuíam doenças crônicas graves, câncer, doenças neurológica ou psiquiátrica; gestantes ou puérperas.

 

Variáveis

A avaliação foi realizada duas semanas após o término do tratamento com auriculoacupuntura e ventosaterapia. Variáveis sociodemográficas (sexo; idade; situação conjugal, e ocupação) e clínicas (tempo de dor) foram coletadas. Foi investigada, também, a percepção do paciente sobre o tratamento recebido, por meio das variáveis: satisfação com o tratamento (“extremamente insatisfeito”; “insatisfeito”; “não tem certeza”; “satisfeito”; “extremamente satisfeito”); necessidade de realização da intervenção para o controle da dor (“totalmente desnecessária”; “desnecessária”; “não tem certeza”; “necessária”; “totalmente necessária”); percepção global de melhora com o tratamento aplicado (que foi verificada por meio da escala “Patient’s global impression of change”, de sete pontos, que varia de “muito melhor” para “muito pior”, ou “nenhuma mudança” como ponto médio(12)); e a frequência de consumo de medicação para alívio da dor – analgésicos, anti-inflamatórios e/ou miorrelaxantes (“não utiliza esse tipo de medicamento”; “esporadicamente”; “uma ou duas vezes por mês”; “uma ou mais vezes por semana”). Além disso, as seguintes variáveis foram coletadas: intensidade da dor, por meio de uma escala de classificação numérica(13); incapacidade física, por meio do Questionário de Incapacidade de Rolland Morris (QIRM) para dor em geral(14), e percepção da qualidade de vida, por meio do World Health Organization Quality of Life-Bref (WHOQOL-Bref)(5).

 

Fontes de dados/mensuração

A intensidade da dor foi avaliada por uma escala de classificação numérica, numerada de zero a 10, em que zero= nenhuma dor; 1 a 3 = dor leve; 4 a 6 = dor moderada; 7 a 10 = dor severa(13). Para facilitar a compreensão dos participantes da pesquisa acerca da intensidade da dor, foi apresentada a eles uma régua com graduação numérica e faces(13) no momento da avaliação. Ressalta-se que, a escala numérica, que já foi traduzida e adaptada culturalmente para a população brasileira(15), é considerada o instrumento padrão nos estudos sobre dor crônica(13). Na presente amostra, o alfa de Cronbach para esse item foi de 0,830, o que confere uma alta consistência interna do instrumento(16). Já o QIRM foi desenvolvido para medir a incapacidade física em pacientes com dor. Possui 24 itens com pontuações de zero ou um (sim ou não) e o total que varia de zero (nenhuma incapacidade) a 24 pontos (incapacidade grave). Este instrumento foi traduzido, adaptado e validado para a versão brasileira e possui adequadas propriedades psicométricas(14). Na presente amostra, o alfa de Cronbach para o QIRM foi de 0,827, o que denota alta confiabilidade do instrumento(16).

Por fim, a percepção da qualidade de vida foi verificada por meio do World Health Organization Quality of Life-Bref (WHOQOL-Bref). Este é um dos instrumentos de campo mais influentes utilizado para avaliar a qualidade de vida, além da saúde física e mental do indivíduo(5). O instrumento consta de duas questões gerais de qualidade de vida (percepção da qualidade de vida e satisfação com a saúde), além de quatro domínios (físico, social, psicológico e meio ambiente) que avaliam aspectos específicos da vida da pessoa(5). Cada questão do WHOQOL-Bref possui um escore de um a cinco, em escala tipo likert, que são transformadas em uma escala linear de zero (qualidade de vida menos favorável) a 100 pontos (qualidade de vida mais favorável)(5). O instrumento foi traduzido e validado para a versão brasileira e possui adequadas propriedades psicométricas(5). Ressalta-se que, para o presente estudo, foi utilizada apenas a questão referente à “percepção da qualidade de vida”. Na presente amostra, o alfa de Cronbach para essa escala é de 0,796, indicando uma alta confiabilidade do instrumento(16).

 

Tamanho do estudo

A população inicial foi composta por 686 pessoas com dor crônica nas costas. Para estimar o tamanho da amostra, foi realizado cálculo amostral por meio do site (http://calculoamostral.bauru.usp.br/), na opção “Tamanho de amostra – correlação entre duas variáveis”. Ao adotar um coeficiente de correlação de Pearson de 0.2 entre as variáveis intensidade da dor e satisfação com o tratamento (que foi baseado em um pré-teste realizado com 20 pessoas), nível de significância de 5%, poder de 80% e correção de 20% para evitar perdas, foi estimada uma amostra de 194 pessoas.

 

Variáveis quantitativas

As variáveis intensidade da dor(13); incapacidade física(14) e percepção da qualidade de vida(5) foram processadas como contínuas. E a percepção do paciente sobre o tratamento recebido; a necessidade de realização da intervenção para o controle da dor; a percepção global de melhora com o tratamento aplicado(12); e a frequência de consumo de medicação para alívio da dor foram processadas como variáveis categóricas.

 

Métodos estatísticos

Os dados foram organizados no software Microsoft Office Excel® (versão 2013) por dois pesquisadores independentes e posteriormente tiveram sua consistência verificada. Para a análise estatística, foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences® (versão 23.0). As variáveis quantitativas foram descritas por meio de medianas e intervalos interquartis (p25-p75). A frequência relativa foi utilizada para a descrição das variáveis categóricas. A relação entre as variáveis foi determinada pela correlação de Spearman a 5% de significância. As forças das correlações foram analisadas considerando coeficientes de correlação < 0,4 (correlação de fraca magnitude), > 0,4 a < 0,7 (de moderada magnitude) e > 0,7 (de forte magnitude)(17). O coeficiente de correlação varia entre zero e um e o seu sinal (positivo ou negativo) define a direção do relacionamento.

 

RESULTADOS

Neste estudo, 183 voluntários foram submetidos ao tratamento de auriculoacupuntura e ventosaterapia para manejo da dor crônica nas costas. Destes, 153 (83.6%) eram mulheres, com idade média de 48.03 anos (desvio padrão: 12.41). O tempo médio de estudo foi de 8.25 anos (desvio padrão: 4.13), 113 (61.7%) participantes eram casados, 45 (24.6%) solteiros, 17 (9.3%) divorciados e oito (4.4%) viúvos; e, em relação a caracterização profissional, 104 (56.8%) voluntários estavam empregados e trabalhavam.

A média do tempo de dor foi de 99.20 meses (desvio padrão: 116.59; tempo mínimo: três meses; tempo máximo: 600 meses/50 anos).

A Tabela 1 apresenta os dados da intensidade da dor, da incapacidade física e da percepção da qualidade de vida após o tratamento, bem como da satisfação dos participantes com a realização do tratamento recebido, da necessidade da intervenção para alívio da dor, da percepção global de melhora após o tratamento e do consumo de medicamento para alívio da dor. Destaca-se que 105 (57.4%) participantes referiram ausência de dor ao final do tratamento; 35 (19.1%) referiram dor leve; 40 (21.9%), dor moderada; e 3 (1.6%), dor severa.

 

Tabela 1 – Perfil dos participantes quanto à intensidade da dor, incapacidade física, percepção da qualidade de vida, satisfação, necessidade da intervenção, percepção global de melhora e consumo de medicação após tratamento de auriculoacupuntura e ventosaterapia. Mariana, MG, Brasil, 2018 (n=183)

Variável

Escala

mediana

(p25*-p75)

Intensidade da dor

0-10

0.00 (0.00-3.00)

Incapacidade física

0-24

3.00 (0.00-7.00)

Percepção da qualidade de vida

0-100

75.00 (50.00-75.00)

 

 

f (%§)

Satisfação com o tratamento

Muito insatisfeito

0 (0.00)

Insatisfeito

1 (0.50)

Não tenho certeza

8 (4.40)

Satisfeito

114 (62.30)

Totalmente satisfeito

60 (32.80)

Necessidade da intervenção

Totalmente desnecessária

0 (0.00)

Desnecessária

1 (0.50)

Não tem certeza

4 (2.20)

Necessária

105 (57.4)

Totalmente necessária

73 (39.9)

Percepção global de melhora após o tratamento

Muito pior

0 (0.00)

Pior

1 (0.50)

Nenhuma mudança

2 (1.10)

Melhor

108 (59.00)

Muito melhor

72 (39.30)

Consumo de medicamento para alívio da dor após o tratamento (Analgésico, miorrelaxante e/ou anti-inflamatório)

Não utiliza esse tipo de medicamento

9 (4.90)

Não utiliza mais esse tipo de medicamento

137 (74.90)

Esporadicamente

29 (15.80)

Uma ou mais vezes por semana

8 (4.40)

Fonte: Elaborado pelos autores, 2018.

*p25: percentil 25; p75: percentil 75; f: frequência; §%: porcentagem

 

Foram encontradas correlações negativas de fraca magnitude da intensidade da dor e da incapacidade física com a satisfação com a realização da auriculoacupuntura e da ventosaterapia, a necessidade das intervenções para alívio da dor, a percepção global de melhora e o consumo de medicamento após as intervenções (Tabela 2). Encontraram-se também correlações positivas de fraca magnitude da percepção da qualidade de vida com a satisfação e a necessidade das intervenções e a percepção global de melhora com o tratamento aplicado (Tabela 2).

 

Tabela 2 – Correlação entre satisfação e necessidade da intervenção, percepção global de melhora e consumo de medicação após o tratamento com intensidade da dor, incapacidade física e percepção da qualidade de vida. Mariana, MG, Brasil, 2020 (n=183)

Variável

Satisfação com a intervenção recebida

Necessidade

da intervenção

Melhora global com o tratamento

Consumo de medicamento após a intervenção

R*

Valor p

IC 95%

R*

Valor p

IC 95%

R*

Valor p

IC 95%

R*

Valor p

IC 95%

Intensidade da dor

-0.181

0.014

(-0.321/-0.030)

-0.282

<0.001

(-0.401/-0.148)

-0.288

<0.001

(-0.416/-0.157)

-0.211

0.004

(-0.363/-0.053)

Incapacidade física

-0.313

<0.001

(-0.446/-0.170)

-0.276

<0.001

(-0.406/-0.130)

-0.303

< 0.001

(-0.428/-0.167)

-0.294

< 0.001

(-0.422/-0.150)

Percepção da qualidade de vida

0.172

0.020

(0.028/0.305)

0.225

0.002

(0.087/0.355)

0.241

0.001

(0.100/0.380)

0.053

0.476

(-0.109/0.224)

Fonte: Elaborado pelos autores, 2018.

*R: Coeficiente de correlação de Spearman; IC 95%: Intervalo de Confiança a 95%.  

 

DISCUSSÃO

No presente estudo, a maioria dos participantes ficou satisfeita ou totalmente satisfeita com o tratamento recebido; achou que a intervenção foi necessária para o alívio da dor; relatou melhora com o tratamento e que não utilizou mais medicamentos para alívio da dor. Além disso, foram encontradas correlações negativas de fraca magnitude da intensidade da dor e da incapacidade física com a satisfação com o tratamento recebido, a necessidade da intervenção, a percepção de melhora após o tratamento e o consumo de medicamentos, e correlações positivas de fraca magnitude da percepção da qualidade de vida com a satisfação com o tratamento, a necessidade da intervenção e a percepção de melhora após a realização dele.

De fato, as práticas integrativas e complementares em saúde, como é o caso da acupuntura e dos seus recursos terapêuticos, são consideradas uma importante estratégia de assistência à saúde, por estabelecer uma visão ampliada do processo saúde-doença. Nesse campo de atuação, o enfoque está na saúde e na busca de equilíbrio do indivíduo, valorizando a integralidade do cuidado humano.

Neste contexto, a Organização Mundial da Saúde reconhece o uso e a importância das terapias tradicionais chinesas, dentre elas a acupuntura, para os cuidados de saúde primário, na prevenção e promoção da saúde. Todavia, ainda existem desafios em sua implementação, no acesso, na utilização e também na formação de profissionais capacitados(18), uma vez que é relativamente pequeno o número de enfermeiros que se apropriam dessas modalidades de intervenção.

Outro ponto que merece destaque é a importância da avaliação das variáveis satisfação com o tratamento recebido, necessidade da intervenção para alívio da dor e a percepção de melhora após o tratamento. Por meio delas, é possível verificar as percepções dos usuários, planejar um tratamento individualizado, reavaliá-lo e, se necessário, readequar as condutas terapêuticas. De fato, a Nursing Outcomes Classification(19) apresenta resultados de enfermagem como “Estado de Saúde Pessoal (2006)”, “Satisfação do Cliente (3014)” e “Satisfação do Cliente: Controle da Dor (3016)” reafirmando a importância de o enfermeiro incluir tais indicadores na avaliação dos resultados das intervenções implementadas. Todavia, esta taxonomia não apresenta títulos de resultados relacionados ao consumo de medicação após intervenções não farmacológicas, por exemplo. Destaca-se que avaliações como essa são essenciais, pois ajudam a verificar a eficácia da intervenção implementada, além de gerar indicadores de gestão e contribuir para a redução de gasto dos serviços de saúde com dispensação de medicamentos.

O Methods, Measurement and Pain Assessment in Clinical Trials recomenda a avaliação da satisfação com o tratamento e a percepção global de melhora em estudos de acupuntura para dor crônica(6). De fato, acredita-se que pacientes que sentem uma maior satisfação com o seu tratamento também experimentam uma recuperação melhorada. Percebe-se, portanto, a necessidade de oferecer tratamentos de saúde integrais e holísticos, que tragam satisfação ao paciente, pois contribuem para aumentar a adesão, e consequentemente, para o alcance de resultados positivos.  

Intervenções como a auriculoacupuntura e a ventosaterapia têm se mostrado efetivas para o manejo das condições dolorosas crônicas(2,3) e, consequentemente, contribuído para melhores perspectivas de vida e saúde. Tais achados corroboram o de uma investigação em que a auriculopressão reduziu a dor em curto e médio prazo e, consequentemente, melhorou a qualidade de vida dos pacientes com dor crônica na coluna vertebral; além disso, grande parte deles recomendaria o tratamento para amigos ou familiares com os mesmos problemas(20), devido aos resultados promissores encontrados. Interessante observar que, naqueles estudos com grupo controle de intervenção falsa(20), as expectativas dos pacientes e a credibilidade na técnica foram menores, devido ao menor benefício acarretado.

Outro estudo que realizou a aplicação de ventosaterapia em pessoas com fibromialgia também reportou que elas ficaram satisfeitas com o tratamento realizado, 64,1% realizariam a intervenção novamente e 85% também a recomendariam para outras pessoas(21).

Além disso, também foi encontrado que, quanto menor a intensidade da dor e da incapacidade física, maior é a percepção global de melhora com o tratamento aplicado. Em relação à auriculoacupuntura, não foram encontrados estudos, até o presente momento, que avaliaram esta variável e sua associação com a intensidade da dor e com a incapacidade física, o que reflete as inovações do presente estudo. Por outro lado, 40,9% dos participantes que receberam ventosa, medicação e fisioterapia relataram pelo menos um pouco de melhora na saúde após o tratamento, enquanto a maioria dos participantes do grupo controle, que receberam apenas medicação e fisioterapia, classificaram sua saúde da mesma forma que antes e alguns até como um pouco pior(22).

Sabe-se que pessoas que convivem com a experiência da dor frequente, principalmente se mais intensa e incapacitante, buscam por estratégias de alívio, e o consumo de medicamentos tende a ser frequente(23) e até mesmo abusivo, devido, por exemplo, à facilidade de aquisição dos mesmos ou às prescrições inapropriadas(24). Contudo, o uso prolongado de medicamentos pode acarretar vários efeitos colaterais e adversos, além de dependência(24).

Neste contexto, a auriculoacupuntura foi apontada como uma possível terapia que pode auxiliar na redução do consumo desses medicamentos(25). De fato, ao final do tratamento, observou-se que aproximadamente 75% da amostra relatou não fazer mais o uso de analgésicos, miorrelaxantes ou anti-inflamatórios; e foi encontrado também que, quanto menor a intensidade da dor e da incapacidade física, menor é este consumo. Corroborando esses resultados, pesquisadores também encontraram que tanto a auriculoacupuntura(23) quanto a ventosaterapia(21) contribuíram para reduzir o consumo de analgésicos quando a dor é de fato aliviada. Consequentemente, há, também, uma redução na ocorrência de efeitos colaterais decorrentes do seu uso.

Também foi encontrado no presente estudo que uma melhora na qualidade de vida, decorrente do alívio da dor desencadeado pela aplicação das intervenções, está associada à maior satisfação e necessidade das intervenções e à maior percepção de melhora com o tratamento aplicado.

Resultados similares também foram encontrados em pacientes com dor lombar crônica, que receberam auriculoacupuntura associada a um programa de exercícios físicos; eles demonstraram melhoria na qualidade de vida, em comparação com grupo que recebeu apenas os exercícios(25). Além disso, cerca de 90% dos participantes estavam muito satisfeitos com o tratamento e consideraram que a intervenção trouxe, pelo menos, algum benefício para o alívio da dor(25).

Por sua vez, revisão sistemática com metanálise concluiu que, dependendo do tipo de grupo controle (nenhum tratamento ou controle ativo), a ventosaterapia está associada à melhora significativa da qualidade de vida em pacientes com dor cervical(26). Contudo, não foi encontrado, até o presente momento, estudo que avaliasse a qualidade de vida, a satisfação com o tratamento e a percepção global de melhora decorrente da aplicação da ventosaterapia.

Ainda, não foi encontrado, nesta investigação, correlação estatisticamente significativa entre a qualidade de vida e o consumo de medicamento após a realização do tratamento.

Revisão sistemática da literatura que avaliou os efeitos da acupressão auricular para manejo da dor encontrou que a terapia melhorou significativamente o consumo de medicamentos analgésicos e os efeitos adversos advindos deles(27). Dessa forma, há evidências preliminares de que a acupressão auricular pode ser uma terapia adjuvante benéfica para pacientes com dor, além de capacitar os pacientes a autocuidar da própria dor(27). Tal fato também foi observado no presente estudo, em que aproximadamente 75% dos participantes relataram não consumir mais medicação para alívio da dor após o tratamento. Este pode ser considerado um resultado extremamente positivo, pois a redução do consumo de medicação pode ser considerada um indicador da eficácia da intervenção; além disso, os efeitos colaterais decorrentes do seu uso podem ser minimizados. Contudo, sugere-se a realização de novos estudos, com amostra mais expressiva, a fim de verificar se há ou não correlação entre a qualidade de vida e o consumo de medicação após o tratamento de auriculoacupuntura e ventosaterapia.

É importante destacar, neste momento, que a natureza transversal do estudo não possibilitou estabelecer relação de causalidades entre as variáveis relacionadas, o que reflete uma limitação do presente estudo. Contudo, os dados aqui apresentados foram estatisticamente significativos, tornando-os pioneiros na investigação desse fenômeno, embora com correlações de fraca magnitude entre as variáveis, sugerindo cautela na utilização deles. Destaca-se, todavia, que avaliações como essas podem contribuir para a geração de indicadores que favoreçam a implementação desses recursos nos serviços de saúde, refletindo a importância da sua realização.

 

CONCLUSÃO

Houve correlações da intensidade da dor, da incapacidade física e da qualidade de vida com a satisfação com o tratamento, com a necessidade da intervenção para o alívio da dor e com a percepção global de melhora após a realização da auriculoacupuntura e da ventosaterapia. E apenas a intensidade da dor e a incapacidade física correlacionaram-se com o consumo de medicamentos. Dessa forma, percebe-se que, apesar das correlações de fraca magnitude entre as variáveis, acredita-se que a melhora da intensidade da dor, da incapacidade física e da qualidade de vida ocasionaram melhor estado geral de saúde, satisfação e necessidade do tratamento e menor consumo de medicamentos entre os participantes deste estudo.

 

*Artigo extraído da tese de doutorado “Efeitos da associação da ventosaterapia à acupuntura auricular sobre a dor crônica nas costas: ensaio clínico randomizado”, apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

FINANCIAMENTO

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

 

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Submissão: 06/06/2021

Aprovado: 08/02/2022

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Moura CC, Chaves ECL, Iunes DH, Chianca TCM

Obtenção de dados: Moura CC, Azevedo A, Assis BB

Análise e interpretação dos dados: Moura CC, Nogueira DA, Macieira TGR

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Moura CC, Chaves ECL, Nogueira DA, Iunes DH, Azevedo A, Assis BB, Macieira TGR,  Chianca TCM  

Aprovação final do texto a ser publicada: Moura CC, Chaves ECL, Nogueira DA, Iunes DH, Azevedo A, Assis BB, Macieira TGR, Chianca TCM

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Moura CC, Chaves ECL, Nogueira DA, Iunes DH, Azevedo A, Assis BB, Macieira TGR, Chianca TCM

 

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