ORIGINAL

 

Polifarmácia e adesão medicamentosa em idosos no âmbito da atenção básica de saúde: estudo transversal

 

Maria Eduarda da Silva Rodrigues1, Girleide Santos do Nascimento1, Lucielly Batista de Medeiros1, Matheus Figueiredo Nogueira1, Francilene Figueiredo da Silva Pascoal1, Mariana Albernaz Pinheiro de Carvalho1

 

1Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, PB, Brasil

 

Resumo

Objetivo: Avaliar a adesão medicamentosa em idosos que fazem o uso de polifarmácia no âmbito da Atenção Básica. Método: Estudo transversal de caráter quantitativo. A amostra foi constituída por 231 idosos. Resultados: Dos 231 idosos que participaram do estudo 36,4% eram do sexo masculino e 63,6% do sexo feminino. A média de idade observada foi de 73,4 (± 8,7) anos. Houve uma diferença estatisticamente significativa entre as variáveis “sexo”, “quantidade de medicamentos” e “possui cuidador”. Ademais, observou-se a correlação estatística positiva entre a idade e a quantidade de medicamentos utilizada pelo idoso. A prevalência de polifarmácia identificada foi de 16,0%. A maior parte dos usuários de múltiplos fármacos apresentaram adesão ao tratamento (86,5%). Conclusão: Presume-se a necessidade de uma maior investigação da relação entre o cuidador e a quantidade medicamentos utilizados pelos idosos, além da capacitação profissional para o manejo da polifarmácia.

 

Descritores: Polimedicação; Adesão à Medicação; Idoso.

 

INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos no campo da medicina e da saúde pública contribuem para o aumento da expectativa de vida, de maneira que as tecnologias médicas mais utilizadas são representadas pelos medicamentos(1). Com isso, a população idosa é um dos grupos etários mais medicalizados da sociedade, condição decorrente transição epidemiológica, em que as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) tornaram-se mais prevalentes(2).

Segundo a Pesquisa Nacional de Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM,2016), 22,0% dos idosos relataram possuir duas doenças crônicas; 13% referiram-se a três enfermidades, e 9% citaram pelo menos quatro doenças(3). Outra situação que justifica a medicalização de idosos é a senescência, visto que é próprio dessa fase a diminuição da reserva funcional, de modo que os tratamentos envolvem a associação de inúmeras drogas, o que pode levar à polifarmácia(2).

Apesar de não haver um consenso acerca do conceito de polifarmácia, em revisão sistemática identificou-se que esse termo foi mais frequentemente aplicado ao uso concomitante de cinco ou mais medicamentos, sendo, portanto, a definição empregada neste estudo(4).

De acordo com a PNAUM, a prevalência de polifarmácia em idosos brasileiros chegou a 18%(3). Embora seja necessário para a gestão de multimorbidades, o uso de múltiplos medicamentos contribui para a utilização incorreta dos mesmos e a ocorrência de desfechos negativos como interações medicamentosas, intoxicações, uso de medicamentos potencialmente inapropriados (MPI), falta de adesão ao tratamento, aumento da necessidade de hospitalização e da mortalidade(5).

Devido às múltiplas comorbidades que acometem os idosos e à necessidade de uso de múltiplos fármacos, esse público é mais propenso a problemas com adesão e abandono do tratamento do que o público jovem. Compreende-se por adesão à medicação o comportamento participativo ativo, voluntário e colaborativo do paciente, com o objetivo de atingir o efeito terapêutico, de modo que uma pessoa é considerada aderente quando utiliza 80% a 120% da terapia sugerida(6-7).

Alguns fatores estão relacionados ao abandono do tratamento, tais como o esquecimento, a dificuldade no manejo do medicamento, as preocupações com os efeitos colaterais e os preços dos medicamentos(1) .

A não adesão não intencional pode ser causada pelo esquecimento. Diversos fatores fazem com que ele seja comum nesse grupo etário, a exemplo das frequentes alterações cognitivas e de memórias, que estão relacionadas às demências ou aos quadros depressivos. A complexidade do regime terapêutico conduz às dificuldades no gerenciamento por parte do idoso, em virtude do déficit de conhecimento sobre os medicamentos, visto que alguns deles os identificam pelo formato e cor, método que pode acarretar erros na utilização. Assim, a adesão é necessária para alcançar resultados terapêuticos, de tal modo a garantir a melhoria na saúde do idoso(1) .

Em vista disso, considerando que a Atenção Básica (AB) é responsável pelo gerenciamento e ações de promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde, de maneira a asseverar a longitudinalidade do cuidado, cabe à AB identificar e acompanhar a pessoa idosa vulnerável; portadora de multimorbidades ou usuária de polifarmácia. Por conseguinte, a AB assume o cuidado e o acompanhamento de idosos em uso de polifarmácia e em risco de abandono do tratamento(8-9).

A polimedicação pode gerar maiores demandas para a AB, dentre elas a oneração do sistema, os gastos desnecessários com as medicações, o aumento de custo por paciente, devido aos efeitos iatrogênicos. Ademais, o ato de polimedicar é contrário à prevenção quaternária, que objetiva proteger o paciente contra desfechos negativo de exames, medicamentos e outros atos da equipe de saúde. Nessa perspectiva, a atuação da equipe multiprofissional, incluindo-se médicos, enfermeiros, auxiliares ou técnicos em enfermagem, agentes comunitários de saúde, cirurgiões-dentistas, técnicos em saúde bucal, além de outras especialidades, deve enfatizar a prevenção quaternária, buscando identificar idosos em risco de medicalização excessiva e promovendo ações de proteção à saúde (10 - 12).

Sendo assim, este estudo buscou avaliar a adesão medicamentosa em idosos que fazem o uso de polifarmácia, no âmbito da Atenção Básica. Justifica-se pela necessidade de gerar conhecimentos voltados à educação e à segurança, envolvendo o uso de múltiplos medicamentos. Além disso, justifica-se, ainda, por evidenciar aspectos úteis ao desenvolvimento de estratégias de promoção e proteção da saúde que impulsionem uma melhor aceitabilidade medicamentosa, conscientização para o tratamento e qualidade de vida do idoso.

 

MÉTODO

Configura-se como um estudo descritivo, de corte transversal e abordagem quantitativa, realizado no município de Cuité (PB), localizado na mesorregião do Agreste paraibano e na microrregião do Curimataú Ocidental. A amostra foi constituída por 231 idosos, residentes na zona urbana do município citado, selecionados a partir de amostragem não probabilística por conveniência. Para a localização dos idosos, realizou-se um levantamento do endereço de suas respectivas residências junto às Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Agentes Comunitários de Saúde (ACS).

O cálculo do tamanho amostral foi efetuado com base em uma população finita de 3.734 idosos de ambos os sexos, considerando-se um intervalo de confiança de 95% e margem de erro de 5%. Para o cálculo amostral, utilizou-se uma proporção estimada de variabilidade na população de 20%, obtida mediante a aplicação de instrumento piloto com 30 idosos que não fizeram parte da amostra.

Incluíram-se no estudo idosos com idade igual ou superior a 60 anos, cadastrados na Estratégia Saúde da Família (ESF) e considerados aptos cognitivamente, a partir da adaptação e aplicação de questões relacionadas à orientação temporal e espacial (data de aplicação dos instrumentos e endereço de residência), extraídas do Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), juntamente com a avaliação da memória (data de nascimento).

Definiu-se que cada questionamento equivaleria a um ponto, de modo que foram considerados elegíveis os idosos que responderam corretamente às três indagações. Os critérios de exclusão englobaram: estar em tratamento envolvendo o uso de quimioterápicos, radioterapia ou apresentar alguma condição de saúde que inviabilizasse responder aos questionários.

O recrutamento dos participantes para a coleta deu-se por meio do acesso às informações baseadas nas áreas de abrangências das UBSs, conforme ordem de fornecimento desses dados pelas gestões das cinco unidades de saúde selecionadas para compor o estudo. Inicialmente, os participantes foram informados acerca dos aspectos abordados no projeto de pesquisa e sobre como se daria sua colaboração para que, em seguida, o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) fosse apresentado e assinado, em duas vias.

A coleta de dados ocorreu durante o mês de janeiro de 2021, subsidiada por dois instrumentos, aplicados por três discentes do curso de bacharelado em Enfermagem, devidamente instruídas e capacitadas para a aplicação. O instrumento I é composto por duas partes: a primeira, com nove questões voltadas à identificação do perfil sociodemográfico (idade, sexo, estado civil, religião, renda etc.), e a segunda, com quatro questões relacionadas ao uso de medicamentos e à polifarmácia. O instrumento II, concerne ao teste de Medida de Adesão ao Tratamento (MAT) aplicado com os idosos que faziam uso de polifarmácia, composto por sete questões, das quais as respostas variam em seis escores: sempre (1), quase sempre (2), com frequência (3), por vezes (4), raramente (5) e nunca (6).

Para a devida interpretação do MAT foi obteve-se a média global dos itens. O valor obtido foi convertido em escala dicotômica, sendo que resultados situados entre um e quatro foram considerados como não adesão e os resultados entre cinco e seis, como adesão(13). Trata-se de um instrumento desenvolvido e validado em Portugal, com adequação para o português do Brasil(14- 15).

A análise estatística contemplou métodos descritivos para caracterização do perfil sociodemográfico. Utilizou-se, ainda, a estatística inferencial, a partir de testes selecionados conforme a natureza das variáveis e a distribuição dos dados, para tanto, considerou-se o nível de significância de 5% para todos eles.

As variáveis independentes do estudo foram representadas pelas questões do perfil sociodemográfico e pela polifarmácia. Já as variáveis dependentes constituem-se pela quantidade de medicamentos utilizada pelos idosos e a adesão à terapêutica. Para verificar a normalidade dos dados, aplicou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov juntamente com a análise de histogramas.

Posteriormente, com base nos achados de distribuições assimétricas, foram selecionados os testes não-paramétricos oportunos, como o U de Mann-Whitney e o Kruskal-Wallis. Para correlacionar as variáveis quantitativas, aplicou-se o teste de Correlação de Spearman, considerando-se os seguintes valores de força do coeficiente (ρ): correlação pequena - entre 0,00 e 0,25; correlação baixa - entre 0,26 e 0,49; correlação moderada entre 0,50 e 0,69; correlação alta entre 0,70 e 0,89 e correlação muito alta - entre 0,90 e 1,00(16).

A pesquisa atendeu aos aspectos éticos da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, porquanto a coleta foi realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Alcides Carneiro (HUAC), através do parecer nº 4.487.645(17). O TCLE foi devidamente apresentado e assinado em duas vias pelos idosos participantes do estudo. Este estudo foi guiado pelas recomendações do Strengthening the Reporting of Observational studies in Epidemiology (STROBE)(18).

 

RESULTADOS

A caracterização sociodemográfica foi obtida a partir do instrumento I. Tais informações, além da relação das características com a quantidade de medicamentos utilizada pelo idoso, estão apresentadas na Tabela 1.

Com relação à quantidade de medicamentos utilizados, optou-se por calcular a mediana com vistas a evitar inconsistência por valores extremos, obtendo-se o valor 2(dois), sendo 12 (doze) o maior número encontrado nas observações.

Em tempo, constatou-se diferença estatisticamente significativa entre as variáveis sexo e quantidade de medicamentos (p = 0,009), “Possui cuidador” e a quantidade de medicamentos (p = 0,001).

 

Tabela 1 - Caracterização sociodemográfica e relação entre as características sociodemográficas e a quantidade de medicamentos utilizada. Cuité, PB, Brasil, 2021 (n=231)

 

 

Quantidade de medicamentos

Mean Ranks

 VARIÁVEIS

 

f(%)

p-valor

 

 

Sexo

 

0,009*

 

 

     Masculino

84 (36,4%)

 

101,03

 

     Feminino

147 (63,6%)

 

124,55

 

Estado civil

 

0,244

 

 

     Casado

106 (45,9%)

 

115,61

 

     Divorciado

17 (7,4%)

 

118,38

 

     Solteiro

22 (9,5%)

 

115,02

 

     União estável

21 (9,1%)

 

87,29

 

     Viúvo

65 (28,1%)

 

125,62

 

Com quem reside

 

0,100

 

 

     Sozinho

37 (16,0%)

 

115,63

 

     Cônjuge

73 (31,6%)

 

109,59

 

     Cônjuge e filhos

43 (18,6%)

 

114,37

 

     Apenas filhos

40 (17,3%)

 

134,43

 

     Cônjuge, filhos e genro/nora

6 (2,6%)

 

173,33

 

     Apenas cuidador

2 (0,9%)

 

119,00

 

     Outros

30 (13,0%)

 

98,28

 

Religião

 

0,187

 

 

     Católico

176 (76,2%)

 

111,36

 

     Evangélico

40 (17,3%)

 

136,34

 

     Nenhum

11 (4,8%)

 

119,09

 

     Outro

4 (1,7%)

 

108,38

 

Cor da pele

 

0,322

 

 

     Amarela

4 (1,7%)

 

94,88

 

     Branca

108 (46,8%)

 

123,37

 

     Parda

98 (42,4%)

 

112,39

 

     Preta

21 (9,1%)

 

98,95

 

Sabe ler e escrever

 

0,076*

 

 

     Não

119 (51,5%)

 

108,56

 

     Sim

112 (48,5%)

 

123,90

 

Possui cuidador

 

0,001*

 

 

     Não

174 (75,3%)

 

107,52

 

     Sim

57 (24,7%)

 

141,89

 

TOTAL

231

 

 

 

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

*Teste U de Mann-Whitney; † Teste Kruskal-Wallis

 

Com respeito às variáveis quantitativas independentes, verificou-se que houve correlação estatística entre idade e quantidade de medicamentos utilizada pelo idoso, classificada como positiva e pequena (ρ = 0,216 e p = 0,001), conforme exposto na Tabela 2.

 

Tabela 2 – Correlação entre características sociodemográficas (idade, anos de estudo e renda) e a quantidade de medicamentos utilizada pelo idoso. Cuité, PB, Brasil, 2021 (n=231)

 

Correlação

Quantidade de

medicamentos

ρ (p-valor)*

Idade

Anos de estudo

Renda

0,216 (0,001)

-0,085(0,395)

0,117 (0,103)

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

*Teste de Correlação de Spearman (ρ - Coeficiente de correlação)

 

Com isso, considerando-se a amostra do estudo, a prevalência encontrada de polifarmácia foi de 16,0%, uma vez que, dos 231 idosos participantes, 37 idosos faziam o uso de cinco ou mais medicamentos. Dessa maneira, esse foi o total de idosos com os quais se aplicou o teste de Medida de Adesão ao Tratamento (MAT), de modo a caracterizar essa aderência. Com base na aplicação do MAT, identificou-se que 32 idosos (86,5%) apresentaram adesão ao tratamento e 5 (13,5%) não adesão, de acordo com os dados da Tabela 3.

 

Tabela 3 - Caracterização da adesão medicamentosa de idosos em uso de polifarmácia, com base no instrumento de Medida de Adesão ao Tratamento. Cuité, PB, Brasil, 2021 (n=37)

 

POLIFARMÁCIA

ADESÃO

Adesão

Não Adesão

Sim

32 (86,5%)

5 (13,5%)

Não

-

-

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

DISCUSSÃO

Com base no exposto, neste estudo observou-se que dos 231 participantes, 147 (63,6%) eram do sexo feminino, conforme apontam pesquisas nacionais realizadas a partir dos cálculos de projeção da população brasileira, feitos pelo Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), nos quais as mulheres são maioria nesse grupo etário. Posto isso, sua expectativa de vida é maior 7,3 anos em relação aos homens(19), de modo que  a maior longevidade está relacionada ao sexo feminino(20-21). Identificou-se também significância estatística entre o sexo e a quantidade de medicamentos.

A média de idade dos idosos estudados foi de 73,4 (± 8,7) anos, verificando-se a correlação estatística entre o número de medicamentos e a idade. Com a mudança demográfica, aumentou-se a prevalência de DCNT, de maneira que os tratamentos farmacológicos são necessários para preveni-las e controlá-las. Assim, dados cumulativos demostram que pertencer a uma faixa etária avançada é um dos fatores de risco para o uso crônico de medicamentos, embora envelhecer não seja sinônimo de adoecimento (3, 22).

Nesse sentido, com o envelhecimento ocorre um aumento da vulnerabilidade clínico-funcional e da predisposição às DCNT, condição que se estabelece decorrente das alterações próprias desse processo, de ordem fisiológicas, morfológicas, bioquímicas e psicológicas, sendo frequente nesse grupo etário a presença de mais de uma DCNT(23). Relacionando-se a esse tipo dados, outra pesquisa identificou a prevalência de 23,7% de multimorbidades em indivíduos com 60 anos ou mais, no Nordeste, sendo que a maior prevalência foi observada em idosos com mais de 80 anos, dos quais possuíam chance 35% maior(23). Esse mesmo estudo também verificou que um dos fatores associados às multimorbidades constituía-se pela faixa etária.

No que se refere à quantidade de medicamentos consumida pelos idosos, constatou-se a mediana de 2 (dois), sendo 12 (doze) o maior número de medicamentos utilizados simultaneamente. A mediana de 2 (dois) nesse estudo possivelmente foi influenciada pelo número de idosos que não consumiam medicamentos. Quando avaliada a prevalência de polifarmácia em idosos diabéticos, residentes em Frederico Westphalen/RS, observou-se que a média de fármacos utilizadas pelos idosos foi de 5,8(20). Já em uma investigação semelhante, realizada na população em Portugal, encontrou-se uma média de 6,82 (± 2,03) de medicamentos prescritos por idoso, com mediana de 6 (seis)(1).

Um aspecto relevante deste estudo refere-se ao nível de escolaridade dos participantes, visto que mais da metade (51,5%) dos idosos se declararam analfabetos. No Brasil, a taxa de analfabetismo em pessoas com 60 anos ou mais é de 18%, sendo essa condição associada à idade, tendo em vista que quanto mais velho o grupo populacional, maior a proporção de analfabetos. Ademais, o município onde foi empreendida a investigação em questão (Cuité/PB), localiza-se no Nordeste do país, região que apresenta a maior taxa de analfabetismo do território nacional, em decorrência, ao se considerar as desigualdades regionais, a taxa de analfabetismo chega a 37,2% em idosos nordestinos(24).

Sendo assim, a ausência de alfabetização como a identificada nos idosos participantes desta pesquisa, provocando dificuldades no manejo dos medicamentos e o desconhecimento até mesmo do nome do fármaco, o que ocasiona aos idosos a necessidade de utilizar estratégias para identificá-los pela caixa, cor ou formato do comprimido. Logo, a capacidade de ler pode configurar um fator de comprometimento à adesão medicamentosa(1).

À continuidade, identificou-se que 75,3% não contavam com auxílio de um cuidador. Entretanto, foi encontrada uma relação estatística significativa entre possuir cuidador e quantidade de medicamentos, dado que pode ser explicado pelo fato de que a presença de um cuidador possibilita a melhor percepção das condições de saúde do idoso, o que pode proporcionar uma maior busca dos estabelecimentos de saúde e, por consequência, a um aumento no número de prescrições e de consumo de medicamentos(25).

Outra informação averiguada no decorrer deste estudo foi a prevalência de polifarmácia identificada entre os idosos (16%), valor aproximado ao da prevalência nacional que corresponde a 18%(3). No entanto, outras pesquisas observaram prevalências superiores a identificada neste estudo. No Rio Grande do Sul, em pesquisa de ocorrência de polifarmácia em idosos diabéticos identificou-se que 85,8% utilizavam múltiplos fármacos(20). Em outra investigação, ao analisarem os prontuários da população geriátrica cadastrada na UBS de Brazlândia, Distrito Federal, observou-se que o uso de cinco ou mais medicamentos foi identificado em 29,4% dos usuários(26). Já em estudo sobre a ocorrência de polifarmácia em idosos atendidos em duas UBS, de Belo Horizonte, Minas Gerais, identificou uma ocorrência de 57,7%(27).

Em vista disso, embora os medicamentos sejam prescritos para tratar as doenças e as comorbidades que acometem os idosos, a polimedicação está associada ao declínio do estado funcional, comprometimento cognitivo, quedas, incontinência urinária e comprometimento do estado nutricional, condições que podem ocasionar a não adesão à terapia medicamentosa(28).  Uma intervenção para tal problemática é a revisão abrangente da medicação, uma ação que pode resultar na redução da mortalidade e no uso de medicamento potencialmente inapropriado na população geriátrica(29).

No que diz respeito à caracterização da adesão em idosos polimedicados, encontrou-se nesta pesquisa um valor de 86,5%, resultado distintos daqueles descritos na literatura, na qual 47,7% dos idosos em uso de polifarmácia foram caracterizados como não aderentes(1). Em achados de pesquisa anterior, evidenciou-se que 61,1% dos hipertensos eram não aderentes, compreendendo-se que as variações nas taxas de adesão ao tratamento podem ocorrer devido à população estudada, ao método de medição e à definição da adesão(30).

Fatores como falta de conhecimento sobre a própria condição clínica e acerca dos efeitos adversos são considerados barreiras para a adesão. Em contrapartida, são facilitadores do comportamento de aderência a compreensão de que a não adesão leva a resultados negativos, que a medicação é necessária, bem como o apoio familiar e social, além da adoção de rotinas e estratégias como o uso de lembretes(31).

Nesse perspectiva, o aumento do contingente de idosos é um dos desafios para a AB, tendo em vista a consequente demanda por assistência à saúde específica para essa população. Desse modo, a equipe multiprofissional enfrenta obstáculos na atenção aos idosos que residem sozinhos ou com arranjo familiar disfuncional, com dependência parcial ou total, como também as dificuldades relacionadas à compreensão de informações sobre medicamentos. Logo, é necessária a organização dos serviços de saúde afim de ofertar uma assistência integral, com enfoque na prevenção quaternária, visando reduzir problemas relacionados às medicações, além de incentivar a implementação de estratégias voltadas à ampliação da qualidade das orientações prestadas a esse público. Nesse ínterim, o profissional enfermeiro destaca-se como figura central, pois encontra-se na linha de frente das práticas assistenciais(10-12).

Como limitações do estudo, convém citar o instrumento de avaliação da medida de adesão utilizado, elaborado e validado em Portugal e traduzido para o português do Brasil, não sendo, portanto, validado no país; e, embora os idiomas sejam semelhantes, é salutar considerar as diferenças culturais. Ademais, acrescenta-se que o questionário alusivo à polifarmácia também não é validado, tendo sido elaborado com base em estudos nacionais e internacionais envolvendo a temática. Outrossim, destaca-se que durante a aplicação do teste piloto, no qual se utilizou o MEEM, percebeu-se uma incompatibilidade entre o escore do teste e o real estado mental do participante, o que levou à necessidade de uma adaptação para a avaliação cognitiva dos idosos.

 

CONCLUSÃO

Frente ao exposto, embora o envelhecimento repercuta na saúde dessa população, os idosos participantes da pesquisa, que se encontravam em situação de polimedicação, apresentaram-se aderentes ao tratamento e demostrou-se que a quantidade de medicamentos relaciona-se com as variáveis sexo e com a existência da figura do cuidador.

Constata-se, portanto, a necessidade de uma investigação mais abrangente, referente à relação entre o cuidador e a quantidade medicamentos utilizados pelos idosos, de maneira a fortalecer a importância de um cuidado compartilhado, todavia capaz de incluir e conscientizar o usuário de medicamentos como o protagonista de seu processo terapêutico.

Por fim, entende-se que a equipe de saúde deve estar capacitada para o manejo da polifarmácia, como também para o rastreamento e o acompanhamento terapêutico de idosos não aderentes. Além disso, medidas de educação em saúde com foco no uso racional de medicamentos e nos fatores que levam a não adesão à terapia deve ser realizadas com objetivo de conscientizar a população idosa e seus cuidadores.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

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Submissão: 26/11/2022

Aprovado: 24/02/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Carvalho MAP

Obtenção de dados: Rodrigues MES, Nascimento GS, Medeiros LB

Análise e interpretação dos dados: Rodrigues MES, Carvalho MAP

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Rodrigues MES, Nogueira MF, Pascoal FFS, Carvalho MAP

Aprovação final do texto a ser publicada: Nogueira MF, Pascoal FFS, Carvalho MAP

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Rodrigues MES, Carvalho MAP

 

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