EDITORIAL

 

Acessibilidade nos periódicos científicos: para além de uma necessidade

 

Yasmin Saba de Almeida1,2, Raíra Lima Alves1,2

 

1Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil

2Online Brazilian Journal of Nursing, Niterói, RJ, Brasil

 

Em um amplo conceito democrático, nos últimos anos, a ciência vem sendo consolidada por meio de um movimento que tem por premissas o acesso livre, inclusivo e acessível por todos, o chamado movimento de Ciência Aberta, permitindo, assim, que a sociedade possa participar e se beneficiar do processo de descoberta científica. Apesar disso, desafios estruturais no processo de divulgação científica acabam por criar disparidades no acesso ao conteúdo por pessoas com deficiência. Desta forma, com base em nossa missão, desde 2022, a revista Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN) vem implementando estratégias para quebrar essas barreiras, visando assim, se aproximar cada vez mais do conceito de “ciência para todos”.

A acessibilidade, segundo o artigo 8º do Decreto Federal nº 5.296/2004, caracteriza-se pela condição para uso, com segurança e autonomia, total ou assídua, por pessoa portadora de deficiência ou mobilidade reduzida, de espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, além de edificações, serviços de transporte, dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação(1). Desta forma, tornar algo acessível vai muito além de uma necessidade, sendo uma questão de direitos humanos.

Anteriormente à migração das mídias físicas para o meio digital, o acesso à ciência pela população em geral ocorria de forma bastante limitada. Foram os computadores, segundo Gardner, Bulatov e Kelly(2), que revolucionaram o acesso à informação, sobretudo por pessoas cegas ou com graves deficiências visuais(2). O acesso à informação em papel, antes do digital, se dava a partir da intervenção humana, o que permitia tornar essa informação disponível para as pessoas com deficiência visual(2). Com o avanço tecnológico, as informações passaram a ser lidas por programas automatizados, que permitem a leitura por voz ou tradução para o braille, garantindo maior autonomia a seus usuários.

Infelizmente, grande parte da literatura científica distribuída eletronicamente ainda não pode ser lida adequadamente por programas de leitura de tela, sobretudo quando envolvem imagens(3), sendo poucos os sites que adaptaram seu conteúdo visando a inclusão de pessoas cegas. Essa realidade também aflige pessoas com outras limitações sensoriais e/ou mentais, já que um desenho inadequado, por exemplo, pode levar indivíduos com dislexia a apresentarem dificuldade na leitura de um site(4). Desta forma, a escassez de materiais adaptados torna a leitura um desafio para essas pessoas, que têm prejudicado o acesso às informações, ficando condicionadas àquelas (poucas) adaptadas às suas limitações(5).

Ao excluirmos digitalmente esta população, a privamos de sua participação na sociedade, já que as principais atividades econômicas, governamentais e culturais ocorrem no meio digital. Sendo assim, tornar acessível na web é “proporcionar igualdade de acesso e de oportunidades para pessoas com deficiência”(6). Para tal, não basta que o conteúdo esteja disponível online, faz-se necessário identificar as barreiras que impedem seu uso eficaz por diferentes grupos de indivíduos, buscando eliminá-las(7).

O direito ao acesso e ao uso da ciência deve ser assegurado para toda população, sendo a acessibilidade crucial para garantir que a ciência seja uma força utilizada para o bem de todos e não apenas de alguns. Neste contexto, o Committee on Publication Ethics (COPE) reconhece a acessibilidade, diversidade, equidade e inclusão como aspectos essenciais a serem promovidos e aplicados a todo conteúdo das revistas científicas. Desta forma, os periódicos têm a responsabilidade de tomar esforços e garantir que seu conteúdo seja o mais acessível possível, respeitando os Princípios de Transparência e Melhores Práticas na Publicação Acadêmica(8) e os direitos humanos.

Nesse sentido, há alguns anos, o OBJN tem reforçado sua busca na adoção de tecnologias assistivas que garantam a acessibilidade de pessoas com deficiência à produção científica na área da Enfermagem, por ela disponibilizada. As tecnologias assistivas são produtos, dispositivos ou estratégias que visam promover a funcionalidade correlata à participação de pessoas com deficiência, estimulando sua autonomia, inclusão social e qualidade de vida(9).

Dentre as medidas adotadas nos últimos anos estão: a inserção do plugin do VLibras, para deficientes auditivos, e a ferramenta de alto contraste e ampliação de letra por meio do ícone de acessibilidade, facilitando a visualização por pessoas com baixa visão. Ademais, com as mudanças previstas em 2020(10), todos os artigos passaram a ter suas versões disponíveis, não somente em HTML e PDF, mas também em EPUB, facilitando o uso de leitores de tela por pessoas cegas.

Em meados de 2022, visando ampliar ainda mais as estratégias de inclusão para todos os públicos, o OBJN trouxe uma novidade para seu site: a implementação de audiodescrição nos resumos de todos os seus artigos publicados. Desta forma, ao abrir a página de resumo, os autores e leitores podem ouvi-los antes mesmo de consultar o artigo na íntegra. Esta tecnologia é capaz de auxiliar não somente as pessoas cegas, mas os disléxicos e o público em geral, facilitando a leitura.

O OBJN preza pela inclusão de todos os públicos no âmbito científico, desta forma, visando promover o seu papel enquanto meio de divulgação científica e sua missão para com a sociedade, compromete-se a sempre buscar ampliar as tecnologias assistivas disponíveis em seu site, disponibilizando, ao longo de 2023, audiodescrição para todo o seu conteúdo, notas descritivas em imagens dos artigos e vídeos das redes sociais. Será proposto, para até 2024, a inserção de um tradutor de Libras nos vídeos publicados nas redes sociais.

 

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Decreto nº 5.926, de 2 de Dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000 [...] [Internet]. Brasília: Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos; 2004 [citado 2023 Jan 18]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm

 

2. Gardner J, Bulatov V, Kelly R. Making journals accessible to the visually impaired: the future is near. Learn Publ. 2009;22(4): 314–319. https://doi.org/10.1087/20090408

 

3. Andreoli B, Andrade C. Deficientes visuais relatam dificuldades com acessibilidade na internet, essencial nesse período de isolamento [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): G1; 2020 [citado 2023 Jan 22]. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2020/06/11/deficientes-visuais-relatam-dificuldades-com-acessibilidade-na-internet-essencial-neste-periodo-de-isolamento.ghtml

 

4. Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (BR). eMAG - Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico [Internet]. Versão 3.1. Brasília (DF): Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos; 2014 [citado 2023 Jan 22]. Disponível em: https://emag.governoeletronico.gov.br/

 

5. Malheiros TM, Cunha MB da. As bibliotecas como facilitadoras no acesso à informação por usuários com deficiência visual. RDBCI: Rev Digit Bibliotecon Cienc Inf. 2017;16(1):146-70. https://doi.org/10.20396/rdbci.v16i1.8650318.

 

6. W3C Brasil. Cartilha de Acessibilidade na Web do W3C Brasil: fascículo 1 [Internet]. São Paulo: W3C Brasil; 2013 [citado 2023 Jan 22]. Disponível em: https://www.w3c.br/pub/Materiais/PublicacoesW3C/cartilha-w3cbr-acessibilidade-web-fasciculo-I.pdf

 

7. Rêgo LF, Lima NRW. Divulgação científica e inclusão digital através de sites acessíveis: novos cenários em velhos problemas [Internet]. In: Barbosa, FC. Tópicos em ciência da saúde. 7. ed. Piracanjuba (GO): Editora Conhecimento Livre; 2021 [citado 2023 Jan 22]. p. 121-147. Disponível em: https://api.conhecimentolivre.org/ecl-api/storage/app/public/L.353-2021.pdf. http://dx.doi.org/10.37423/211004904

 

8. Committee on Publication Ethics (COPE); Directory of Open Access Journals (DOAJ); Open Access Scholarly Publishing Association (OASPA); e World Association of Medical Editors (WAME). Principles of Transparency and Best Practice in Scholarly Publishing [Internet]. Hampshire (UK): COPE, DOAJ, OASPA, WAME; 2002 [citado 2023 Jan 18]. Disponível em: https://publicationethics.org/sites/default/files/principles-transparency-best-practice-scholarly-publishing.pdf. https://doi.org/10.24318/cope.2019.1.12  

 

9. Brasil. Lei nº 13.146, de 6 de Julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) [Internet]. Brasília (DF): Presidência da República, Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos; 2015 [citado 2023 Jan 21]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm

 

10. Cavalcanti AC, Carvalho AL, Flores PVP. A nova Online Brazilian Journal of Nursing: o que mudou? [editorial]. Online Braz J Nurs. 2021;20:20216525. https://doi.org/10.17665/1676-4285.20216525

 

 

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