ORIGINAL

 

Análise espacial da tuberculose e sua relação com fatores socioeconômicos na Paraíba: um estudo ecológico

 

Anderson Marcos Vieira do Nascimento1, Ysabely de Aguiar Pontes Pamplona2, Mateus Santos Peixoto3, Carlus Alberto Oliveira dos Santos3, Lourdes Conceição Martins2, Anna Stella Cysneiros Pachá4, Ricardo Alves de Olinda3

 

1Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

2Universidade Católica de Santos, Santos, SP, Brasil

3Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, PB, Brasil

4Secretaria Estadual da Saúde da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Analisar a distribuição espacial da tuberculose e sua associação com fatores socioeconômicos. Método: Estudo ecológico, misto, com análise espacial dos casos de tuberculose no estado da Paraíba, notificados no período de 2015 a 2018. Resultados: Foram notificados 6.082 casos, com incidência média de 37,4/100 mil habitantes. Nenhum município foi classificado com desenvolvimento “muito baixo”, embora exista significância estatística entre as taxas de incidência e os fatores socioambientais. Conclusão: O índice de Moran apontou autocorrelação positiva entre as áreas com altas incidências. O Moran Map releva clusters que indicam concentração da infecção entre a Zona da Mata e o Agreste Paraibano, sendo o maior deles formado por 19 municípios.

 

Descritores: Análise Espacial; Tuberculose; Sistemas de Informação em Saúde.

 

INTRODUÇÃO

A tuberculose é uma doença infectocontagiosa, causada por uma bactéria integrante do complexo Mycobacterium tuberculoses, popularmente denominado de Bacilo de Koch. Caracteriza-se por acometer principalmente o pulmão (forma pulmonar), mas pode atingir diversos órgãos ou tecidos (forma extrapulmonar). Apesar de ter terapia instituída de forma gratuita e de ser curável, é a doença infeciosa de agente único que mais mata no Brasil e no mundo, superada apenas pelo SARS-CoV-2 no cenário de pandemia desde 2020(1,2).

Logo, a doença continua sendo um desafio às autoridades de saúde a nível mundial. Estima-se que em 2021 o Brasil notificou cerca de 68.271 novos casos de Tuberculose (TB), representando um coeficiente de incidência de 32 casos por 100 mil habitantes, demonstrando uma tendência declinante quando comparada aos anos anteriores, mas que pode ser justificada pelos impactos da pandemia por Covid-19 nos serviços e sistemas de saúde(3,4).

Assim como outras doenças importantes no cenário epidemiológico, a ocorrência de TB e sua distribuição no espaço geográfico têm estreita relação com fatores sociodemográficos. Conhecer o quadro clínico da tuberculose na população, bem como os padrões de distribuição no território e sua relação com fatores sociais, pode fornecer informações importantes para o planejamento e a tomada de decisão, tendo potencial contribuição na gestão e na alocação dos recursos em saúde(5,6).

A infecção por tuberculose sempre foi descrita por inúmeros estudiosos como uma doença estreitamente relacionada à condição vida, sendo a pobreza um dos mais fortes determinantes para sua ocorrência, assim como o fator que determina o agravamento dos sintomas da doença(7,8). Sua ocorrência encontra-se fortemente associada com indicadores sociais e econômicos: tipo de moradia, aglomerados subnormais, renda per capita, alimentação, acesso a serviços de saúde, doenças preexistentes, principalmente as imunossupressoras, e serviço de saneamento básico integral(9-12).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu a tuberculose como uma emergência de saúde pública, considerando sua magnitude e seus impactos sociais e econômicos, e nas últimas décadas tem estimulado os países no desenvolvimento de políticas e ações de enfrentamento da infecção. A meta é a redução para menos de 10 casos a cada 100 mil habitantes(13). Para isso, passou a recomendar a realização de diversas ações, entre elas o comprometimento partidário dos entes federados, com incremento nos recursos humanos, assim como a garantia de fundos financeiros que viabilizem a elaboração e execução de planos a fim de conter e controlar a infecção por TB, contando também com a participação social(14).

Sendo assim, a utilização de estatística espacial em saúde pública torna-se ferramenta essencial para o planejamento de ações gerenciais no enfrentamento da tuberculose, uma vez que permite a identificação de áreas vulneráveis e população com risco aumentado, levando em consideração os fatores socioambientais, permitindo compreender as variáveis envolvidas nos estudos ecológicos e individuais da infecção, através de técnicas de análise apropriadas, apoiando a vigilância sobre o risco coletivo, de modo a compreender e controlar processos endêmicos(15,16).

Esse artigo teve como objetivo analisar a distribuição espacial da tuberculose e verificar a existência de dependência espacial entre os municípios da Paraíba, assim como investigar a possível associação da doença com fatores socioeconômicos, dados que caracterizam de forma objetiva a condição de vida da população brasileira, segundo as classificações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

 

MÉTODOS

Estudo ecológico, misto, com análise espacial dos casos de tuberculose no estado da Paraíba, notificados no período de 2015 a 2018.

O estudo foi realizado na Paraíba no litoral leste do Nordeste do Brasil. O estado tem um território de 56.468,435km², dividido em 223 municípios. Em 2010, a Paraíba tinha 3.766.528 residentes, com “moderado” Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), “baixo” Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) e “alta” prosperidade social, de acordo com o Censo de 2010(17).

Foram utilizados os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), disponibilizados pelo Núcleo de Doenças Endêmicas e o Departamento de Enfrentamento da Tuberculose da Secretaria Estadual de Saúde. Foram excluídas as notificações que apresentavam duplicidade, sem informações sobre o município de residência, e aquelas que apresentaram mudança de diagnóstico. As informações sobre condições socioeconômicas, sociodemográficas e populacionais, foram provenientes do censo demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)(17-19). Todos os dados foram coletados em março de 2021.

Utilizou-se como variável dependente o coeficiente médio (por 100 mil hab.) dos casos de tuberculose para cada ano relacionado ao estudo. Para descrição do contexto socioeconômico foram utilizadas as seguintes variáveis: população em domicílios com água encanada “T AGUA”; população em domicílios com banheiro e água encanada “T BANAGUA”; população em domicílios com densidade maior que duas pessoas por dormitório “T DENS”; população em domicílios com coleta de lixo “T LIXO”; população em domicílios com energia elétrica “T LUZ”; pessoas em domicílios com abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequados “AGUA-ESGOTO”; Índice de Desenvolvimento Humano Municipal “IDHM”; e proporção de indivíduos alfabetizados “T ANAL”. As abreviações utilizadas estão de acordo com as utilizadas pelo IBGE.

O IDHM reflete sobre a longevidade populacional, instrução educacional e renda, e é categorizado em 4 estratos que variam de 0 até 1, sendo essas medidas diretamente proporcionais, classificando-se da seguinte maneira: IDHM “muito baixo” = (0,000 a 0,499); IDHM “baixo” = (0,500 a 0,599); IDHM “médio” = (0,600 a 0,699); IDHM “alto” = (0,700 a 0,799) e IDHM “muito alto” = (0,800 a 1,000)(20).

Para identificação da concentração de casos (cluster) e das áreas de transmissão da doença, foram consideradas a incidência média por 100 mil habitantes para cada ano de forma individual, de modo a permitir a avaliação temporal, visualizando a disposição espacial das notificações de TB em todo o estado. Para o cálculo considerou-se a média acumulada das notificações de 2015 a 2018, a fim de minimizar eventuais variações e obter mais estabilidade no teste, principalmente nas unidades (municípios) com densidade demográfica muito pequenas.

Para verificar a semelhança das medidas dos atributos das áreas na região de estudo de maneira visual, foram construídos os mapas dos quartis, gráfico de espalhamento de Moran, e Moran Map. O diagrama de espalhamento de Moran é uma metodologia suplementar para visualizar a dependência espacial. Formulado com base nos valores normalizados (valores de atributos subtraídos de sua média e divididos pelo desvio padrão), permite analisar o padrão da variabilidade espacial. Sendo calculado pela autocorrelação espacial entre os vizinhos.

Para verificar a autocorrelação espacial foi utilizado o Índice de Moran Global (IMG) e Local, sendo então uma ferramenta para testar a autocorrelação global, e detectar objetos espaciais com influência sobre os indicadores globais e locais em estudo. Esse índice varia de -1 a 1, sendo que a maior proximidade dos extremos indica autocorrelação significativa e a maior proximidade de zero indica completa aleatoriedade, sob a hipótese nula de não inexistência de uma estrutura de autocorrelação espacial entre os municípios que compõem o estudo(21).

O Índice de Moran Local foi utilizado para evidenciar locais com dependência e autocorrelação mais acentuada. Ao contrário do Moran Global, produz indicadores específicos para cada espaço geográfico em estudo, nesse caso os municípios que compõem o estado da Paraíba, permitindo a identificação de agrupamentos que produzem valores semelhantes (clusters) ou diferentes (outliers) e de regimes espaciais não percebidos através dos resultados globais.

A aplicação dessa técnica permite a distribuição das unidades estudadas (municípios) em diferentes quadrantes previamente classificados, e traduzem a associação espacial, sendo: quadrante (alta-alta), município com altas incidências, cercado por municípios com incidências também elevadas, quadrante (baixa-baixa), municípios com baixas incidências, cercados por municípios com incidências baixas, indicando autocorrelação espacial positiva, e quadrante (alta-baixa), municípios com alta incidência, porém cercados por municípios com incidência baixa e quadrante (baixa-alta), representado por municípios com baixa incidência, cercados por municípios com incidência alta, indicando áreas de transição com autocorrelação espacial negativa.

O Moran Map foi utilizado para representação visual dos resultados obtidos a partir do diagrama de espalhamento, considerando para tal o nível de significância <5%. Áreas com risco elevado para transmissão da doença e com altas incidências foram consideradas pelo padrão de vizinhança com municípios com características similares. As coordenadas geográficas referentes ao estado da Paraíba foram oriundas da base online do IBGE, em formato vetorial armazenados por shapefiles (.shp), sistema de exibição de arranjos geográficos (latitude, longitude) e Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas, SIRGAS 2000.

No segundo momento, foram avaliadas a possível associação das variáveis socioeconômicas e sociodemográficas com a variável dependente (TB), com a utilização do modelo de regressão linear e espacial. A seleção do modelo adequado para cada ano realizou-se por meio do critério de informação de akaike (AIC), onde o modelo mais adequado foi aquele que obteve o menor valor do AIC.

Para o processamento, análise, apresentação dos dados cartográficos, cálculo do indicador de autocorrelação espacial e produção dos mapas coropléticos foi utilizado software estatístico de domínio livre, R Core Team versão 1.2.5. O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba sob o parecer 4.257.968.

 

 

RESULTADOS

No período de 2015 a 2018, foram diagnosticados e notificados 6.082 casos de TB em indivíduos residentes no estado da Paraíba, mantendo-se com uma taxa de incidência por 100 mil habitantes mais elevada do que o esperado para o país, com bruta elevação em 2018, quando a sua estrutura populacional beira a margem da padronização para os anos anteriores (Tabela 1). Já na análise do IDHM, dos 223 municípios do estado, 152 deles são classificados com baixo desenvolvimento.

 

Tabela 1 - Taxa de incidência anual de tuberculose (por 100 mil habitantes) no estado da Paraíba, nos anos de 2015 a 2018. Campina Grande, PB, Brasil, 2021

Anos Analisados

População

Total de casos

Incidência dos casos por 100.000 habitantes

2015

3.972.202

1345

33,86031224

2016

3.976.851

1491

37,49197543

2017

4.002.896

1483

37,04817712

2018

3.973.940

1763

44,36403167

Fonte: SINAN; IBGE, 2020.

 

Na distribuição dos quartis, apresentada no Box Map (Figura 1), é possível verificar que os municípios com maior incidência de TB, para todos os anos, foram aqueles que pertencem à Mata Paraibana e ao Agreste Paraibano, também denominada de região litorânea, sendo 86 desses municípios considerados prioritários para o enfrentamento da TB, apresentando maior formação de cluster em todos os anos.

Mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Figura 1 - Distribuição da taxa de incidência da tuberculose para os municípios da Paraíba de 2015 a 2018. Campina Grande, PB, Brasil, 2021

 

Entre 2015 e 2018, os municípios que compõem a mesorregião do Sertão Paraibano ficaram em segundo lugar quanto à taxa de acometimento por TB. Isso pode ser justificado por ser a mesorregião com maior extensão territorial, composta por 83 municípios, dentre eles: Cajazeiras, Souza e Patos. Essas três cidades formam um importante polo educacional, comportando importantes instituições de ensino e atraindo um importante fluxo de imigração, processo responsável pela superlotação das cidades e pela formação de espaços de aglomeração, que podem propiciar um ambiente ideal para transmissão da doença.

Observando os resultados do índice de Moran Global (Tabela 2), é possível concluir a existência de autocorrelação espacial positiva entre os municípios, para os anos de 2015, 2017 e 2018, indicando que a ocorrência da TB, está de alguma forma associada à sua localização e às características sociais dessas localidades. Pelo contrário, a autocorrelação global mostra-se negativa para o ano de 2016, e quando corrigida para aplicação do índice de Moran Local, essa também se apresenta com autocorrelação positiva (Figura 2).

 

Tabela 2 - Índice de Moran Global por ano com base na incidência total de 2015 a 2018 no estado da Paraíba. Campina Grande, PB, Brasil, 2021

Anos

Moran Global

Estatística

P-Valor

2015

0,090965439

0,01188

< 0,05

2016

0,028012094

0,2205

 

2017

0,262587045

1,46E-07

< 0,05

2018

0,163606041

3,81E-02

< 0,05

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

Mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Figura 2 - Moran Map: Apresenta áreas com autocorrelação local para a taxa de incidência de tuberculose nos municípios da Paraíba nos anos de 2015 a 2018. Campina Grande, PB, Brasil, 2021

 

O Moran Map (Figura 2), revelou concentração de casos de forma persistente em 19 municípios, também pertencentes às mesorregiões da mata paraibana e do Agreste Paraibano. Esses figuram como municípios com alta proporção do indicador, cercados por outros municípios também com altas proporções (alta-alta).

Na aplicação do modelo de regressão linear e espacial verificou-se significância estatística para a ocorrência da tuberculose com as seguintes variáveis: IDHM, analfabetismo; água encanada e esgotamento apropriado; ausência de banheiro com água; aglomerados subnormais, caracterizados por mais de dois moradores por dormitório e energia elétrica na residência (Tabela 3).

 

Tabela 3 - Tabelas dos coeficientes estimados dos modelos de Regressão – 2015 a 2018. Campina Grande, PB, Brasil, 2021

2016

Covariáveis

ML

P-valor

SAR

P-valor

SEM

P-valor

SDM

P-valor

Intercepto

-

 

-78,1835

0,0220

-

 

-

-

IDHM

-

 

128,2398

0,010585

-

 

239,52397

0,003558

T ANALF

-

 

0,89717

0,002733

-

 

1,0411

0,0400

T DENS

-

 

-

-

-

 

0,82801

0,022248

AIC

-

 

2094,2

 

-

 

2097,5

 

RHO

-

 

0,0069419

 

-

 

-0,00082534

 

Resíduo do Teste

-

 

0,2993

 

-

 

0,045231

 

2017

Covariáveis

ML

P-valor

SAR

P-valor

SEM

P-valor

SDM

P-valor

Intercepto

-80,12

0,002377

-70,0609

0,0038

-48,777

0,034746

-7,2996

0,825248

IDHM

96,517

0,020025

88,2267

0,021442

117,896

0,002657

125,3356

0,002314

T ÁGUA

0,4835

5,59E-05

0,33342

0,002414

-

 

-

 

ÁGUA ESGOTO

0,6404

0,000244

0,42674

0,007742

-

 

-

 

AIC

1988,1

 

1968,8

 

1972,1

 

1973,7

 

RHO

-

 

0,39984

 

0,47421

 

0,47299

 

Resíduo do Teste

-

 

2,2173

 

-

 

0,99671

 

2018

Covariáveis

ML

P-valor

SAR

P-valor

SEM

P-valor

SDM

P-valor

Intercepto

-58,15

0,00211

-51,7999

0,0047

-

 

-

 

IDHM

-

 

-

-

129,528

0,033896

187,0095

0,0006585

BANAGUA

0,7771

7,93E-06

0,67707

6,27E-05

0,57887

0,002113

-

 

T DENS

0,6347

0,02282

0,53629

0,049116

0,67619

0,028996

-

 

T LIXO

-

 

-

-

-

 

-5,6458

0,0238475

T LUZ

-

 

-

-

-4,9328

0,046781

-

 

ÁGUA ESGOTO

0,6681

0,00223

0,58313

0,006367

0,61145

0,007584

-

 

AIC

2081,7

 

2079,5

 

2078,1

 

2084,3

 

RHO

 

 

0,18117

 

0,18356

 

0,30773

 

Resíduo do Teste

 

 

6,6309

 

-

 

4,2141

 

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

DISCUSSÃO

É possível perceber que as altas incidências para tuberculose ocorrem de forma não homogênea em todo o estado, porém de forma mais expressiva nos municípios que situam a Zona da Mata e o Agreste Paraibano. Apesar dessas regiões terem um IDHM regular, existe a formação de cenários que caracterizam a desigualdade social, a exemplo do não acesso a serviços de saneamento de forma integral, e ambientes domiciliares incompatíveis com a estrutura familiar. Ressalta-se que nenhum município tem IDHM classificado como “muito baixo”, ou “muito alto”.

Ao analisar os municípios com “alta incidência” conjuntamente com seu IDHM, todos estão classificados com desenvolvimento entre “baixo” e “médio”, porém em tendencia crescente, contrapondo-se ao cenário literal sobre a distribuição de doenças negligenciadas no Brasil, sugerindo que existe a necessidade de aprimoramento ou reprogramação das ações de saúde e de controle da tuberculose no estado. Pois cabe ressaltar que o comum, para a maioria dos estudos, é maior prevalência de doenças negligenciadas associadas a IDHM “muito baixo”(22,23).

Apesar da notada heterogeneidade da distribuição espacial dos casos de TB, é necessário apontar o holofote para os municípios que se apresentam sob risco elevado de transmissão ativa da doença. A formação de aglomerados de municípios com altas taxas de incidência que situam a Zona da Mata e o Agreste Paraibano demarcam os merecedores de atenção e intervenções prioritárias. Entretanto, é necessário ressaltar uma quantidade elevada de municípios com incidência igual a “zero”, podendo indicar uma subnotificação. Esse achado dificulta a interpretação da situação epidemiológica da doença em um cenário real(24,25).

A subnotificação de doenças e outros agravos na saúde são falhas grossas que prejudicam diretamente o planejamento das ações de saúde, e estão quase sempre atreladas ao falseamento da situação de saúde(24). Uma situação semelhante foi descrita em um estudo no Espírito Santo, realizado nos anos 2000, onde municípios apresentavam “incidência zero” para tuberculose, e estavam cercados por outros que apresentavam “alta incidência”. O desfecho sugeriu que havia uma centralização do diagnóstico, e que muitos não eram reportados ao município de origem. Voltando ao presente estudo, a subnotificação requer uma investigação detalhada(26).

Ressalta-se que a distribuição espacial das altas taxas de incidência bruta estão concentradas nos maiores centros urbanos do estado, Campina Grande e na capital, João Pessoa. E esse achado vai ao encontro aos de Fortaleza entre 2000 e 2011, Rio de Janeiro em 2005 e São Paulo entre 2008 e 2013. Esses resultados devem ser atrelados ao grande fluxo populacional nos centros urbanos, ao processo de migração e imigração constante e principalmente à formação de espaços habitacionais desqualificados, fruto do déficit habitacional que atinge a nossa população(27-29).

Apesar dos números brutos indicarem a distribuição espacial da TB, esses apresentam instabilidades nos polígonos com populações pequenas, situação frequente entre os municípios do estado. Sendo assim, para obter resultados mais fidedignos, optou-se pela análise da autocorrelação com os coeficientes suavizados, chegando à conclusão de que a presença de clusters se encontra mais definida entre a Zona da Mata e o Agreste Paraibano.

Esse cenário ratifica a gravidade da tuberculose para o estado, pois a sua distribuição acomete de forma expressiva até mesmo os municípios com maior grau de desenvolvimento e maior potencial de resposta dos setores educação e saúde, haja vista que os maiores e melhores equipamentos de saúde estão situados nessas regiões, a exemplo de hospitais universitários e melhor cobertura da Atenção Primária em Saúde.

Neste estudo foi possível detectar áreas de significância estatística de risco de doença, colaborando para identificação de áreas prioritárias de intervenção em saúde. Foram encontrados quatro aglomerados, sendo o maior composto por 19 comunidades concentradas entre a Zona da Mata e Agreste do estado.

Esse achado demonstrou a associação espacial nessas áreas e concordou com os resultados de outros estudos que utilizaram o índice de Moran I e identificaram áreas de autocorrelação espacial e conglomerados de transmissão ativa, destacadas pelo mapa de Moran, demarcando as localidades prioritárias para o enfrentamento da doença(6,26,30).

Nesse cenário, a avaliação da distribuição espacial da tuberculose, com a utilização do Índice de Moran I, possibilitou a identificação de áreas críticas para a doença, assim como dos setores com autocorrelação positiva, ou seja, setores que influenciam os seus vizinhos na manutenção e propagação dessas incidências.

Ao realizar um modelo de regressão espacial, o estudo incrementou o modo de observar a ocorrência de um evento no espaço, dando meios mais palatáveis para identificação das causas do evento. Isso possibilita um planejamento com mais direcionamento das ações de saúde. Os resultados ratificam que as análises espaciais são potentes aliados no contexto da gestão em saúde, e que mais estudos devem ser encorajados, a fim de contribuir para melhor compreensão da endemia por tuberculose, inclusive em todos os estados brasileiros.

 

CONCLUSÃO

Diante dos resultados apresentados, é possível concluir que os municípios que formam a Zona da Mata e o Agreste Paraibano são prioritários para o desenvolvimento de ações de controle da tuberculose, pois apresentam manutenção da incidência durante todos os anos da análise, assim como características espaciais que favorecem a ocorrência desse agravo, sendo então caracterizadas como áreas com risco aumentado para infecção por TB.

A inclusão de elementos espaciais no modelo de regressão mostrou-se eficiente, pois permitiu melhor caracterização social dos espaços acometidos por altas incidências e revelou autocorrelação espacial entre as altas taxas de tuberculose e fatores socioeconômicos.

A limitação desse estudo pode estar relacionada à utilização de informações secundárias. Embora os dados sejam oriundos do Sistema Nacional de Agravos de Notificação, estão sujeitos as falhas de subnotificação, causando graves inconsistências na interpretação do cenário epidemiológico. Contudo, os dados são oficiais e amplamente utilizados em trabalhos técnicos, científicos e no planejamento das políticas de saúde do país.

A aplicação de métodos espaciais para dados de área requer refinamento dos métodos estatísticos a fim de evitar o falseamento das informações. Nesse estudo, o Índice de Moran Local foi aplicado para corrigir possíveis interferências relacionada à distância entre as áreas analisadas. Dessa forma, a implementação desse estudo contribui para o aprimoramento das políticas e das ações de saúde voltadas ao combate da tuberculose, assim como dá um norte às práticas de cuidado a serem implementadas pelas equipes de enfermagem e de saúde de modo interdisciplinar.

 

*Artigo extraído da dissertação de mestrado “Análise da distribuição espacial dos casos de tuberculose no estado da Paraíba e verificação de fatores associados”, apresentada à Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, PB, Brasil.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

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Submissão: 17/07/2022

Aprovado: 19/06/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Nascimento AMV, Olinda RA

Obtenção de dados: Peixoto MS, Pachá ASC

Análise e interpretação dos dados: Nascimento AMV, Peixoto MS, Pachá ASC, Olinda RA

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Nascimento AMV, Pamplona YAP, Santos CAO, Martins LC, Olinda RA

Aprovação final do texto a ser publicada: Nascimento AMV, Pamplona YAP, Santos CAO, Martins LC, Olinda RA

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Peixoto MS, Pachá ASC

 

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