ORIGINAL

 

Análise dos indicadores de qualidade em uma Unidade de Terapia Intensiva adulto: um estudo descritivo

 

Diego Dias Paz1, Laylla Meireles de Souza1, Lídia Miranda Brinati2, Juliana de Souza Lima Coutinho1, Silvânia Medina de Souza1, Marisa Dibbern Lopes Correia1, Luana Vieira Toledo1

 

1Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, Brasil

2Centro Universitário Faminas, Muriaé, MG, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Analisar os resultados obtidos pelos indicadores de qualidade em assistência à saúde monitorados em uma unidade de terapia intensiva adulto. Método: Estudo descritivo com análise retrospectiva dos relatórios de indicadores de uma unidade de terapia intensiva adulto. Resultados: Dos 33 indicadores, nove referem-se ao funcionamento global do setor, destacando-se a baixa taxa de reinternação em 24 horas (0,8%); 14 referem-se aos dispositivos invasivos, com predomínio da utilização de cateteres vesicais de demora (63,2%), venosos periféricos (59,8%) e nasogástricos/nasoentéricos (50,0%); seis referem-se a incidentes não infecciosos, destacando-se a incidência de lesão por pressão (5,2%), obstrução (2,7%) e remoção de cateter nasogástrico/nasoentérico (2,3%); e quatro abordam os incidentes infecciosos, com destaque para a densidade de incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica (37,8 por 1000 pacientes-dia). Conclusão: Foram observados aspectos positivos, como o predomínio de altas hospitalares e baixa taxa de reinternação, e aspectos negativos, como a ocorrência de incidentes.

 

Descritores: Enfermagem; Indicadores de Qualidade em Assistência à Saúde; Unidades de Terapia Intensiva.

 

INTRODUÇÃO

A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é considerada um setor em que os pacientes apresentam maior gravidade e, portanto, há um elevado número de procedimentos invasivos e complexos, desenvolvidos por profissionais qualificados, a partir de alta densidade tecnológica(1). Ressalta-se que, para desenvolver a assistência especializada e com qualidade, é fundamental que os profissionais possuam conhecimento teórico-prático e sejam inseridos em atividades de educação permanente(1-2). No entanto, avaliar a qualidade do cuidado prestado constitui-se como um desafio, especialmente nas UTIs, uma vez que o perfil dos pacientes críticos está sujeito a contínuas variações hemodinâmicas que podem contribuir para o maior risco de óbito imediato, independentemente da assistência ofertada(3).

Os indicadores de qualidade assistencial têm sido utilizados em diferentes serviços de saúde, especialmente nas UTIs, a fim de avaliar a performance técnica e a metodologia de intervenção realizada no setor(3). Destarte, compreende-se que, para a aplicação desses indicadores na prática, é necessária muita prudência, a fim de que estes sejam completos, práticos, compactos e válidos. Assim, torna-se possível trabalhar com maior foco nas áreas que necessitam de maior investigação(4).

Em conformidade com a Instrução Normativa n°4, desenvolvida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que versa sobre os indicadores para avaliação de UTIs, ressalta-se a obrigatoriedade da vigilância mensal de alguns indicadores. Dentre os indicadores obrigatórios incluem-se os que refletem eventos adversos evitáveis, como: Densidade de Incidência (DI) de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAV), DI de Infecção Primária da Corrente Sanguínea (IPCS) relacionada ao Acesso Venoso Central (AVC) e DI do Trato Urinário (ITU) relacionada a cateter vesical. No entanto, apenas a obrigatoriedade de obtenção desses indicadores não garante por si só que haja uma análise do processo de trabalho e propostas de melhoria na qualidade da assistência oferecida(5).

Compreende-se que a assistência de enfermagem pode impactar diretamente a condição clínica dos pacientes e, portanto, o enfermeiro precisa ter parâmetros objetivos para avaliar a qualidade do seu trabalho, como o uso de indicadores. Vale ressaltar que o elevado número de indicadores e a não padronização de sua coleta podem ocasionar dificuldades operacionais que comprometem o resultado final. Além disso, a ausência de análise e aplicação prática dos resultados obtidos faz com que a coleta dos indicadores seja vista como uma atividade meramente burocrática, desvirtuando-se da real finalidade, que consiste em obter mudanças efetivas nos processos de trabalho.

Nesse contexto, justifica-se a realização de estudos que busquem analisar os indicadores de qualidade assistencial mensurados pela equipe multiprofissional a fim de subsidiar o planejamento e a reorientação do processo de trabalho.

Assim, este estudo teve por objetivo analisar os resultados obtidos pelos indicadores de qualidade em assistência à saúde monitorados em uma UTI Adulto.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, com análise retrospectiva documental, desenvolvido a partir da leitura e análise dos dados secundários provenientes dos relatórios de indicadores assistenciais de uma UTI Adulto.

A referida UTI Adulto está vinculada a uma instituição hospitalar de médio porte da Zona da Mata Mineira e é composta por seis leitos, atendendo pacientes graves que requerem atenção profissional especializada contínua, materiais específicos e tecnologias necessárias ao diagnóstico, monitorização e terapêutica. A equipe que atua na UTI é composta por enfermeiros, médicos, técnicos de enfermagem, nutricionista, fisioterapeuta e auxiliar de serviços gerais. A UTI dispõe de um enfermeiro coordenador, responsável pela análise mensal de indicadores assistenciais, que auxiliam no planejamento e avaliação do processo de trabalho.

A coleta de dados foi realizada entre os meses de julho e novembro de 2021. Nesse estudo, foram incluídos os dados disponíveis nos relatórios eletrônicos de indicadores assistenciais, referentes a todos os pacientes internados na UTI entre os meses de janeiro a dezembro de 2020, totalizando 444 internações. Os enfermeiros da UTI coletam diariamente as informações necessárias para o cálculo dos indicadores mensais, a partir da observação da condição clínica dos pacientes, como a presença de dispositivos invasivos e a ocorrência de incidentes infecciosos e não infecciosos. Ao final de cada mês, os dados são consolidados pelo enfermeiro coordenador, discutidos com a equipe multiprofissional e transformados em relatórios eletrônicos de indicadores mensais. Destaca-se que, apesar dos dados referirem-se ao período de pandemia da Covid-19, a UTI avaliada não foi considerada referência para o atendimento de pacientes infectados por SARS-Cov-2, portanto, sua dinâmica de atendimentos permaneceu inalterada e os indicadores não sofreram influência da pandemia.

Nesse estudo, além dos dados sobre indicadores, o pesquisador principal coletou informações sobre as características dos pacientes críticos, como idade e motivo da internação (condições clínicas ou cirúrgicas). Em relação aos indicadores de qualidade, os dados foram agrupados em quatro categorias: indicadores globais de funcionamento da UTI; indicadores relacionados à utilização de dispositivos invasivos; indicadores relacionados à ocorrência de incidentes não infecciosos e indicadores relacionados à ocorrência de incidentes infecciosos.

Dentre os indicadores globais de funcionamento da UTI incluem-se: Número de pacientes-dia no ano e no mês; Número de internação pelo SUS e por convênios/particular; Taxa de ocupação dos leitos no mês; Tempo de permanência na UTI, em dias; Taxa de reinternação em 24h; Taxa de mortalidade absoluta e Taxa de mortalidade estimada pelo Simplified Acute Physiology Score III (SAPS III).

Os indicadores relacionados à utilização de dispositivos invasivos compreendem os dados anuais de pacientes em uso de Ventilação Mecânica (VM)-dia; Pacientes em uso de Cateter Venoso Central (CVC)-dia; Pacientes em uso de Cateter Vesical de Demora (CVD)-dia; Pacientes em Cateter Venoso Periférico (CVP)-dia; Pacientes em uso de Tubo Orotraqueal (TOT)-dia; Pacientes em uso de traqueostomia (TQT)-dia; Pacientes em uso de Cateter Nasogástrico (CNG)/ Cateter Nasoentérico (CNE)-dia e as Taxas de utilização desses dispositivos: VM, CVC, CVD, CVP, CNG/CNE, TOT e TQT.

Dentre os indicadores relacionados à ocorrência de incidentes não infecciosos foram coletadas as informações sobre as incidências anuais de Lesão por Pressão (LPP), quedas, lesão por dispositivo médico, extubação acidental, remoção acidental e obstrução de CNG/CNE.

Por fim, dentre os indicadores relacionados à ocorrência de incidentes infecciosos foram avaliadas as DI de PAV; DI de ITU relacionada a cateter vesical; DI de IPCS relacionada ao AVC e DI de flebites relacionada ao cateter venoso periférico.

Os dados dos relatórios mensais de indicadores de saúde foram coletados pelo pesquisador principal e digitados em uma planilha do software Microsoft Excel, por dois pesquisadores independentes.

Para a análise dos dados, utilizou-se o software SPSS versão 23. O teste Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para avaliar a normalidade da distribuição das variáveis contínuas. Realizou-se estatística descritiva. Os dados foram apresentados por meio de tabelas de frequência relativa e absoluta, medidas de tendência central (média ou mediana) e variabilidade (desvio padrão ou intervalo interquartílico), de acordo com a normalidade da distribuição dos dados de cada variável.

A pesquisa foi desenvolvida respeitando os aspectos éticos conforme a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética (CEP) em Pesquisa com Seres Humanos da instituição proponente, sob o parecer nº 4.214.221.

 

RESULTADOS

No período avaliado, estiveram internados na UTI 444 pacientes, com média de idade de 64,4 (±3,5) anos. Dentre as causas de internação, 315 (70,9%) foram por condições clínicas e 129 (29,1%) por condições cirúrgicas.

Dos 33 indicadores coletados na UTI, 9 (27,3%) referem-se ao funcionamento global da UTI, destacando-se o predomínio de internações financiadas pelo SUS (77,0%), a baixa taxa de reinternação em 24 horas (0,8%) e a menor taxa de mortalidade absoluta (25,4%), em relação à mortalidade esperada (26,5%), conforme descrito na Tabela 1.

 

Tabela 1 – Indicadores globais de funcionamento da UTI, coletados em 2020 (n=444). Viçosa, MG, Brasil, 2020

Indicadores globais de funcionamento da UTI

Parâmetros (n=444)

Número de pacientes-dia no ano n (%)

1.988 (100,0%)

Número de pacientes-dia no mês m(dp)

165,7 (±14,7)

Número de internação pelo SUS n (%)

342 (77,0%)

Número de internação por convênios/particular n (%)

102 (23,0%)

Taxa de ocupação dos leitos da UTI no mês m (dp)

90,5 (±3,0)

Tempo de permanência na UTI, em dias* m (dp)

5,4 (±1,7)

Taxa de reinternação em 24h* %

0,8%

Taxa de mortalidade absoluta* %

25,4%

Taxa de mortalidade estimada pelo SAPS III* %

26,5%

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Nota: m - média; dp – desvio padrão; n – frequência absoluta; % - frequência relativa (porcentagem).

*Indicadores de monitorização mensal obrigatória de acordo com a Instrução Normativa ANVISA/DC nº 4, de 24 de fevereiro de 2010.

 

Os indicadores relacionados à utilização de dispositivos invasivos corresponderam a 42,4% (14 indicadores) do total analisado. Verificou-se que o CVD (Cateter Vesical de Demora) foi utilizado em 63,2% dos casos, o CVP (Cateter Venoso Periférico) em 59,8% dos casos e os CNG/CNE (Cateter Nasogástrico/Cateter Nasoentérico) em 50,0% dos casos na UTI Adulto no ano de 2020 (Tabela 2).

 

Tabela 2 – Indicadores relacionados à utilização de dispositivos invasivos, coletados em 2020 (n=444). Viçosa, MG, Brasil, 2020

Indicadores relacionados à utilização de dispositivos invasivos

Parâmetros (n=444)

Paciente em uso de VM-dia no ano n(%)

873 (43,9%)

Paciente em uso de CVC-dia no ano n(%)

957 (48,1%)

Paciente em uso de CVD-dia no ano n(%)

1.257 (63,2%)

Paciente em CVP-dia no ano n(%)

1.189 (59,8%)

Paciente em uso de TOT-dia no ano n(%)

615 (30,9%)

Paciente em uso de TQT-dia no ano n(%)

258 (13,0%)

Paciente em uso de CNG/CNE-dia no ano n(%)

994 (50,0%)

Taxa de utilização de VM* %

43,9%

Taxa de utilização de CVC* %

48,1%

Taxa de utilização de CVD %

63,2%

Taxa de utilização de CVP %

59,8%

Taxa de utilização de CNG/CNE %

50,0%

Taxa de utilização de TOT %

30,9%

Taxa de utilização de TQT %

13,0%

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Nota: n – frequência absoluta; % - frequência relativa (porcentagem).

*Indicadores de monitorização mensal obrigatória de acordo com a Instrução Normativa ANVISA/DC nº 4, de 24 de fevereiro de 2010.

 

Dos seis (18,2%) indicadores relacionados à ocorrência de incidentes não infecciosos, verificou-se que a Lesão por Pressão (LPP) apresentou a maior incidência (5,2%), seguida da obstrução e remoção acidental de CNG/CNE (2,7% e 2,3%, respectivamente) (Tabela 3).

 

Tabela 3 – Indicadores relacionados à ocorrência de incidentes não infecciosos, coletados em 2020 (n=444). Viçosa, MG, Brasil, 2020

Indicadores relacionados à ocorrência de incidentes não infecciosos

Parâmetros (n=444)

Incidência de lesão por pressão no ano %

5,2%

Incidência de quedas no ano %

0,2%

Incidência de lesão por dispositivo médico %

-

Incidência de extubação acidental %

0,12%

Incidência de remoção acidental de CNG/CNE %

2,3%

Incidência de obstrução de CNG/CNE %

2,7%

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Nota: % - frequência relativa (porcentagem).

 

Dentre os quatro (9,5%) indicadores relacionados à ocorrência de incidentes infecciosos, a PAV foi a infecção com maior DI (37,8 × 1000 pacientes-dia em VM), conforme descrito na Tabela 4.

 

Tabela 4 – Indicadores relacionados à ocorrência de incidentes infecciosos, coletados em 2020 (n=444). Viçosa, MG, Brasil, 2020

Indicadores relacionados à ocorrência de incidentes infecciosos

Parâmetros (n=444)

Densidade de Incidência de PAV*(x1000 pacientes-dia em VM)

37,8

Densidade de Incidência de ITU relacionada a cateter vesical*(x1000 pacientes-dia com cateter vesical)

3,2

Densidade de Incidência de IPCS relacionada ao AVC*(x1000 pacientes-dia com AVC)

8,4

Densidade de Incidência de flebites relacionada ao cateter venoso periférico (x1000 pacientes-dia com CVP)

0,8

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

*Indicadores de monitorização mensal obrigatória de acordo com a Instrução Normativa ANVISA/DC nº 4, de 24 de fevereiro de 2010.

 

DISCUSSÃO

A partir dos resultados analisados, dentre as internações, independentemente da fonte de financiamento, houve predomínio de pacientes idosos internados devido a condições clínicas, corroborando os resultados de outras pesquisas(6-8). Esse cenário pode ser resultado tanto do processo de transição demográfica quanto da ampliação da expectativa de vida em países como o Brasil. As mudanças fisiológicas desenvolvidas em idades mais avançadas facilitam o desenvolvimento de doenças e complicações que necessitam de mais cuidados intensivos e especializados, culminando em maiores internações de pessoas idosas, quando comparado com as demais faixas etárias(8).

De forma geral, ao analisar os indicadores globais de funcionamento da UTI, foi possível perceber que o SUS se destacou como a fonte de financiamento mais utilizada nas internações de pacientes na UTI Adulto. Essa situação pode estar vinculada à garantia do acesso universal e gratuito aos diferentes serviços de saúde previsto pelo SUS, permitindo ampla cobertura assistencial da população(9).

Em relação ao tempo de permanência, considerado um importante indicador para analisar o desempenho e a qualidade da assistência(7), verifica-se grande heterogeneidade na literatura científica nacional, variando de um a 23 dias e relacionando-se com características inerentes aos pacientes e, também, à assistência ofertada(6-8,10). Nesse estudo, os pacientes permaneceram internados, em média, por 5,4 dias, tempo este considerado dentro da variação esperada para a realidade brasileira. Em contrapartida, pesquisa multicêntrica conduzida em 57 países evidenciou uma média de permanência na UTI de 27,7 dias e uma relação diretamente proporcional entre o maior tempo de permanência e a maior proporção do número de pacientes por enfermeiros(11). Salienta-se que, independentemente da localização, compete à equipe assistencial a administração eficiente do tempo de estadia do paciente, minimizando o uso inapropriado da UTI e, consequentemente, os riscos envolvidos(7).

No que se refere aos desfechos das internações, verificou-se que a maioria dos pacientes evoluiu positivamente da UTI, recebendo alta do setor. Esse resultado foi superior ao encontrado em uma pesquisa conduzida em uma UTI Adulto de um hospital público do Distrito Federal(8). Acredita-se que o predomínio de altas da UTI esteja relacionado à qualidade da assistência oferecida, a qual também pode ser evidenciada pela baixa taxa de reinternação dos pacientes em 24 horas (0,8%), quando comparada com outras unidades, cujas taxas foram de 2,4% (12) e 9,5%(13). Entende-se que altas taxas de reinternação impactam diretamente no aumento do risco de infecção do paciente e, consequentemente, agravamento de seu quadro clínico, condição esta que quadriplica o risco de óbito de acordo com o tempo de internação(14).

Além disso, acredita-se que a maior ocorrência de altas do setor também possa ser decorrente da própria localização da UTI, inserida em um hospital de médio porte, que não possui unidade de tratamento semi-intensivo e, com isso, atende pacientes com menor gravidade e menor risco de óbitos, os quais poderiam se beneficiar de unidades com menor complexidade assistencial. Nesse estudo, a menor gravidade dos pacientes pode ser comprovada pela baixa taxa de mortalidade estimada pelo SAPS III, quando comparada à de outras pesquisas conduzidas com pacientes críticos(7-8). No entanto, apesar de ter sido observada baixa taxa de mortalidade estimada, não se pode ignorar o desempenho assistencial dos profissionais da UTI, uma vez que a mortalidade real observada foi ainda menor do que a mortalidade prevista pelo escore de gravidade.

Em relação ao uso de dispositivos invasivos, ressalta-se que a taxa de utilização de VM e a taxa de utilização de CVC, consideradas de monitoramento mensal obrigatório, estiveram presentes em menos da metade dos pacientes (43,9% e 48,1%, respectivamente), o que também pode estar associado à menor gravidade dos pacientes. Apesar dos dados terem sido coletados no período de pandemia da Covid-19, o atendimento dos pacientes com sintomas respiratórios foi direcionado para outra unidade e, portanto, o cenário da pesquisa não sofreu influência desse contexto.

Nesse estudo, observou-se que os três dispositivos mais utilizados foram o CVD, CVP e o CNE/CNG. A predominância do uso desses três dispositivos também foi evidenciada em outros estudos(15-17). O uso do CVD em UTI é muito frequente dada a sua importância para a obtenção de parâmetros para avaliação do equilíbrio hemodinâmico, sobretudo na avaliação do controle da diurese e retenção urinária, bem como para a realização de exames diagnósticos, intervenções cirúrgicas e no pós-operatório(16). Entretanto, deve-se ressaltar que o tempo de utilização do CVD está associado ao processo de desenvolvimento de ITU e, por isso, ações preventivas devem ser incorporadas no processo de trabalho da equipe assistencial(16).

A alta taxa de utilização do CVP, por sua vez, pode ser explicada pelo fato de ser uma via de acesso rápido à corrente sanguínea, possibilitando não só o efeito hábil de fármacos e a administração de hemoderivados, como também viabilizando a realização de coleta de materiais para exames laboratoriais. Porém, a manipulação inadequada dessa via favorece o desenvolvimento de processos infecciosos, que podem acarretar sérios danos à saúde do paciente. Assim, é recomendada a adoção de bundles de prevenção de infecção de corrente sanguínea entre os profissionais de saúde da UTI(15).

Em relação aos dispositivos responsáveis pela nutrição enteral, vale ressaltar que o seu uso está indicado para pacientes que não conseguem fazer a ingestão oral de líquidos e alimentos, a fim de permitir a infusão de dietas e medicamentos no trato gastrointestinal ou diretamente na porção inicial do intestino delgado(17). No entanto, assim como todo dispositivo invasivo, os CNE/CNG também podem provocar a ocorrência de infecção, a partir da aquisição de patógenos pelo trato gastrointestinal, criando um ambiente adequado para bactérias multirresistentes(16). Além disso, ressalta-se a importância do correto posicionamento desses dispositivos a fim de prevenir a administração de líquidos no trato respiratório(17).

Vale ressaltar que os CNE/CNG também foram objetos de interesse de outra categoria de indicadores, relacionada à ocorrência de incidentes não infecciosos, destacando-se a obstrução e a remoção acidental desses dispositivos. Resultado semelhante ao encontrado em outros estudos(17-18). A obstrução no cateter pode ocorrer devido a falha assistencial, sendo, em sua maioria, decorrente de lavagens inadequadas do sistema durante a administração de dietas e/ou medicamentos(17). Assim, para minimizar a ocorrência desse incidente, reforça-se a importância da assistência de enfermagem na adoção de boas práticas relacionadas ao uso do cateter enteral, que vão além da sua correta instalação, abrangendo também as orientações à família e equipes e, principalmente, o cumprimento dos protocolos institucionais de lavagem(19).

Ainda em relação aos incidentes não infecciosos, ressalta-se a LPP, considerada como o incidente que demonstra a fragilidade assistencial de maior incidência no período avaliado. As LPP são agravos à saúde preveníveis, que geram danos para os pacientes, requerem tratamento prolongado e, consequentemente, aumentam os custos. Medidas preventivas como a mudança de decúbito devem ser incentivadas entre todos os profissionais a fim de reduzirem sua ocorrência(18).

No que tange aos indicadores relacionados aos incidentes infecciosos, vale apontar que a PAV se destacou como a principal infecção desenvolvida durante a internação na UTI, com DI superior à de outros estudos com população semelhante(20-21). A presença do TOT possibilita a comunicação direta de agentes patogênicos presentes na cavidade bucal com as vias aéreas inferiores, sobretudo quando não ocorre a correta higienização da cavidade bucal(21-22). Nesse contexto, a equipe de enfermagem assume papel fundamental na redução desse importante indicador assistencial, uma vez que a adoção de práticas preventivas como a higiene bucal, manutenção da cabeceira do leito elevada e controle da pressão do cuff podem ser intervenções efetivas para minimizar os riscos de ocorrência dessa infecção(21).

Este estudo apresenta como limitação o fato de ter sido realizado em uma única UTI, o que limita a generalização dos resultados devido às disparidades existentes em cada região do país. Há também o fato de ter sido utilizada análise documental e não a observação direta dos pacientes. No entanto, as informações que compõem os indicadores avaliados são coletadas diariamente pelos enfermeiros do setor, a partir da observação dos pacientes e, ao final do mês, analisadas pelo enfermeiro coordenador. Salienta-se ainda que a amostra deste trabalho, por ser referente a um ano, permite uma maior abrangência de pacientes e pode ser representativa da realidade.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que há uma variedade de indicadores assistenciais, mensalmente analisados pela equipe da UTI, que incluem aspectos relacionados ao funcionamento global do setor, utilização de dispositivos invasivos e ocorrência de incidentes infecciosos e não infecciosos, os quais estão em conformidade com os parâmetros nacionais e internacionais.

Foram observados aspectos positivos da assistência na UTI, como o predomínio de altas do setor, mortalidade absoluta inferior à mortalidade estimada pelo escore de gravidade e baixa taxa de reinternação em 24 horas. Grande parte dos indicadores avaliados foi referente à utilização de dispositivos invasivos, destacando-se o CVD, CVP e CNG/CNE, os quais demandam cuidados específicos da equipe de enfermagem para o correto manuseio e prevenção de incidentes e eventos adversos. Dentre os incidentes não infecciosos, as maiores incidências foram de lesão por pressão, obstrução e remoção acidental de CNG/CNE, respectivamente. Em relação aos incidentes infecciosos, a PAV se destacou com maior DI. Tais achados reforçam a necessidade de reavaliar a adesão às intervenções que possam prevenir a sua ocorrência.

Diante desse cenário, observa-se que esses resultados permitem compreender a importância da adequada coleta e análise dos indicadores assistenciais nos diferentes serviços de saúde, especialmente nas UTIs, que atendem pacientes gravemente enfermos. A partir da análise desses indicadores, é possível reconhecer a realidade institucional e viabilizar, de forma efetiva, recursos necessários para maior qualidade do atendimento. Além disso, a análise dos indicadores pode ser útil para o planejamento de estratégias educativas que busquem provocar mudanças no processo de trabalho com o intuito de garantir aos pacientes o acesso a um serviço seguro com menor ocorrência de incidentes.

Assim, espera-se que essa pesquisa possa contribuir para a ampliação do conhecimento sobre os resultados obtidos a partir da análise dos indicadores e fomentar pesquisas futuras direcionadas à implementação de intervenções que possam desencadear melhorias no processo de trabalho e na qualidade da assistência.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

REFERÊNCIAS

1. Serafim CTR, Dell’Acqua MCQ, Novelli e Castro MC, Spiri WC, Nunes HRC. Severity and workload related to adverse events in the ICU. Rev Bras Enferm. 2017;70(5):942-8. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0427

 

2. Bezerra JM, Fonseca IAC. Unidade de terapia intensiva adulto: percepção da equipe de enfermagem sobre o cuidado ao paciente grave. REAS. 2019;31:e1060. https://doi.org/10.25248/reas.e1060.2019

 

3. Leitão IMTA, Sousa FSP, Santiago JCS, Bezerra IC, Morais JB. Absenteeism, turnover, and indicators of quality control in nursing 119 care: a transversal study. Online Braz J Nurs. 2017;16(1):119-29. https://doi.org/10.17665/1676-4285.20175623

 

4. Oliveira CAS, Pinto FCC, Vasconcelos TB, Bastos VPD. Análise de indicadores assistenciais em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica na cidade de Fortaleza/CE. Cad Saúde Colet. 2017;1(25):99-105. https://doi.org/10.1590/1414-462X201700010220

 

5. Ministério da Saúde (BR), Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Instrução normativa ANVISA/DC Nº 4, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre indicadores para avaliação de Unidades de Terapia Intensiva. Brasília: Diário Oficial da União; 2010 [citado 2021 Out 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2010/int0004_24_02_2010.html

 

6. Pauletti M, Otaviano MLPO, Moraes AST, Schneider DS. Perfil epidemiológico dos pacientes internados em um Centro de Terapia Intensiva. Aletheia [Internet]. 2017 [citado 2022 Fev 20];50(1-2):38-46. Disponível em:  http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942017000100004&lng=pt

 

7. Aguiar LMM, Martins GS, Valduga R, Gerez AP, Carmo EC, Cunha KC, et al. Perfil de unidades de terapia intensiva adulto no Brasil: revisão sistemática de estudos observacionais. Rev Bras Ter Intensiva. 2020;4(33):624-34. https://doi.org/10.5935/0103-507X.20210088  

 

8. Severina IC, Moreira VR, Lima LR, Stival MM. Epidemiologic and morbimortality profile of the intensive care unit of a public hospital. REVISA. 2021;10(2):446-58. https://doi.org/10.36239/revisa.v10.n2.p446a458

 

9. Silva LS, Viegas SMF, Nascimento LC, Menezes C, Martins JRT, Potrich T. Universality of access and accessibility in the daily care of primary care: SUS user experiences. Rev Enferm Centro Oeste Min. 2020;10:e3575. https://doi.org/10.19175/recom.v10i0.3575

 

10. Ramos SM, Vaceli JVS, Cavenaghi OM, Mello JRC, Brito MVC, Fernandes MJ, et al. Associação entre funcionalidade e tempo de permanência de pacientes críticos em UTI. Fisioter. Bras. 2021 [;2(22):120-31 https://doi.org/10.33233/fb.v22i2.3896

 

11. Khanna AK, Labeau SO, McCartney K, Blot AI, Deschepper M. International variation in length of stay in intensive care units and the impact of patient-to-nurse ratios. Intensive and Critical Care Nursing. 2022;72:103265. https://doi.org/10.1016/j.iccn.2022.103265

 

12. Hammer M, Grabitz SD, Teja B, Wongtangman K, Serrano M, Neves S, et al. A Tool to Predict Readmission to the Intensive Care Unit in Surgical Critical Care Patients—The RISC Score. Journal of Intensive Care Medicine. 2021;36(11):1296-1304. https://10.1177/0885066620949164

 

13. Haruna J, Masuda Y, Tatsumi H, Sonoda T. Nursing Activities Score at Discharge from the Intensive Care Unit Is Associated with Unplanned Readmission to the Intensive Care Unit. J Clin Med. 2022;11(17):5203. https://doi.org/10.3390/jcm11175203

 

14. Silva RR, Pinheiro FA, Carvalho ACM, Oliveira CAB, Lima EKV, Cavalcante ABL, et al. Prevalência de readmissões após alta em uma Unidade de Terapia Intensiva de um hospital do interior de Rondônia. REAS. 2020;(42):e2871. https://doi.org/10.25248/reas.e2871.2020

 

15. Gonçalves KPO, Sabino KN, Azevedo RVM, Canhestro MR. Evaluation of maintenance care for peripheral venue catheters through indicators. Rev Min Enferm. 2019;23:e-1251. https://doi.org/10.5935/1415-2762.20190099

 

16. Paiva RM, Ferreira LL, Bezerril MS, Chiavone FTB, Salvador PTCO, Santos VEP. Infection factors related to nursing procedures in Intensive Care Units: a scoping review. Rev Bras Enferm. 2021;74(1):e20200731. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0731

 

17. Rosário OOM, Almeida LF, Camerini FG, Marins ALC, Paula VG, Pereira SRM. Unplanned withdrawals of invasive devices in an intensive care unit. Research, Society and Development. 2020;9(7):e371974143. https://doi.org/10.33448/rsd-v9i7.4143

 

18. Souza RF, Alves AS, Alencar IGM. Adverse events in the intensive care unit. Rev. enferm. UFPE on line. 2018;12(1):19-27. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i01a25205p19-27-2018   

 

19. Corrêa ASG, Ferreira CRG, Moreira GA, Junqueira HOD, Almeida LF, Pereira SRM, et al. Good nursing practices related to the use of enteral probe. Research, Society and Development. 2021;10(4):e53410414468. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.14468

 

20. Xelegati R, Gabriel CS, Dessotte CAM, Zen YP, Évora YDM. Adverse events associated to the use of equipment and materials in nursing care of hospitalized patients*. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e03503. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018015303503

 

21. Barros FRB. Adesão ao bundle de prevenção de pneumonia associada à ventilação mecânica. Rev Cuid. 2019;10(2):e746. https://doi.org/10.15649/cuidarte.v10i2.746

 

22. Mota EC, Oliveira SP, Silveira BRM, Silva PLN, Oliveira AC. Incidência da pneumonia associada à ventilação mecânica em unidade de terapia intensiva. Medicina (Ribeirão Preto) [Internet]. 2017 [citado 2022 Mar 23];50(1):39-46. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-833844.

 

Submissão: 18/07/2022

Aprovado: 24/07/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Paz DD, Toledo LV

Obtenção de dados: Paz DD, Souza LM, Brinati LM, Toledo LV

Análise e interpretação dos dados: Paz DD, Souza LM, Brinati LM, Coutinho JSL, Souza SM, Correia MDL, Toledo LV

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Paz DD, Souza LM, Brinati LM, Coutinho JSL, Souza SM, Correia MDL, Toledo LV

Aprovação final do texto a ser publicada: Paz DD, Souza LM, Brinati LM, Coutinho JSL, Souza SM, Correia MDL, Toledo LV

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Paz DD, Souza LM, Brinati LM, Coutinho JSL, Souza SM, Correia MDL, Toledo LV

 

image1.png