ORIGINAL

 

Diagnósticos de enfermagem em puérperas fundamentados na teoria da consecução do papel materno: estudo transversal

 

Simone Silva dos Santos1, Cristine Alves Costa de Jesus1

 

1Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: conhecer o perfil diagnóstico de enfermagem de mulheres no pós-parto, internadas no Alojamento Conjunto, embasado na Taxonomia II da NANDA-I e na Teoria da Consecução do papel materno. Método: estudo descritivo, transversal, com abordagem quantitativa, realizado com 72 puérperas. Utilizou-se um instrumento semiestruturado para coleta de dados, contendo informações sociodemográficas, anamnese e exame físico. Os diagnósticos de enfermagem foram elencados a partir da NANDA-I. Para análise dos dados, adotou-se estatística descritiva, com frequências relativas e absolutas. Resultados: foram arrolados 638 diagnósticos de enfermagem, sendo 49 diferentes e quatro prevalentes em mais da metade das puérperas: Integridade tissular prejudicada, Dor aguda, Distúrbio no padrão de sono e Conhecimento deficiente. Conclusão: a caracterização do perfil diagnóstico das puérperas permite o conhecimento das reais necessidades de cuidado e possibilita uma assistência mais integral abrangendo todas as nuances envolvidas na consecução do papel materno.

 

Descritores: Diagnóstico de Enfermagem; Teoria de Enfermagem; Período Pós-Parto.

 

INTRODUÇÃO

O puerpério é o período desde a dequitação até oito semanas após o parto, em que o organismo materno retorna ao estado pré-gravídico. É considerado um dos momentos de maior transição na vida da mulher, com intensas mudanças físicas, emocionais, de autoimagem e de papéis sociais na família. Está associado a inúmeras dificuldades adaptativas, sendo passível de complicações, tais como o adoecimento psíquico, desconforto físico, dificuldade de reinserção no mercado de trabalho e nos ciclos de relacionamentos, entre outras, que impactam não só na vida da mulher, mas também da criança e da sociedade como um todo(1-3).

Além do cuidado físico, o olhar integral para as dimensões religiosas/espirituais e as crenças culturais da mulher no pós-parto é essencial para a elaboração de um plano de cuidado multidimensional que atenda às reais necessidades da mulher e seja direcionado às condições apresentadas por ela de forma eficaz e qualificada(4-5). Neste contexto, destaca-se a assistência de enfermagem pautada no Processo de Enfermagem (PE), que fundamenta a atuação do enfermeiro e favorece a investigação das necessidades de cuidado com mais profundidade.

O Diagnóstico de Enfermagem (DE) é a segunda etapa do PE, a qual é dinâmica, interativa, intencional, sistemática e requer um embasamento em um referencial teórico(5). Os DE correspondem a um arcabouço teórico-científico específico para a enfermagem e compreende o emprego de uma terminologia padronizada. A taxonomia diagnóstica da NANDA Internacional (NANDA-I) é uma dentre os diferentes sistemas de classificação e possui um alcance mundial. Contém 244 DE classificados em diagnóstico de risco, de promoção da saúde ou com foco no problema, os quais são organizados em treze domínios, compreendidos como esferas de conhecimento. Por exemplo, o domínio dois categoriza todos os diagnósticos relacionados à nutrição, o sete descreve os DE de papéis e relacionamentos e assim por diante, dentre os diversos sistemas.

Além dessa categorização que facilita a aplicação, cada DE é fundamentado em evidências clínicas, possibilitando uma representação fidedigna dos problemas e potencialidades do paciente/família/comunidade, abrangendo as dimensões psicológicas, espirituais e sociais(5).

No que concerne ao referencial teórico, a teoria de enfermagem de Ramona Mercer é uma teoria de médio alcance, cujo título "Consecução do papel materno" a descreve em sua essência. Nessa teoria, a mãe interagindo com seu filho desenvolve a identidade materna de forma contínua e evolutiva, adquirindo competência nos cuidados e fortalecendo a autoconfiança à medida que o papel materno se estabelece(6). É uma teoria específica para o ciclo gravídico-puerperal, fornecendo um subsídio teórico-científico-prático de suma relevância para a prestação de um cuidado que permeia as nuances dessa população, indo além do simples foco no útero gravídico. Isso favorece a identificação de potenciais influências no desenvolvimento do papel materno, embasando ainda a construção de um plano de cuidado e intervenções de enfermagem que contemplem o binômio mãe-filho, permitindo um olhar integral nos diversos contextos de cuidado(4).

Diante do exposto, nota-se que os DE fundamentados na Teoria de Mercer constituem-se um facilitador do processo de cuidado, integrando várias dimensões dos aspectos envolvidos na consecução do papel materno, além de favorecer a padronização de uma terminologia que facilita e aperfeiçoa o cuidado prestado. Estudos que relacionem os DE no puerpério, pautados em um referencial teórico direcionado, são essenciais. Assim, o objetivo desse estudo é conhecer o perfil diagnóstico de enfermagem de mulheres no pós-parto, internadas no Alojamento Conjunto, embasado na Taxonomia II da NANDA-I e na Teoria da Consecução do papel materno.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem quantitativa e delineamento transversal, proveniente de uma Dissertação de Mestrado em Enfermagem. Foi realizado em uma unidade de Alojamento Conjunto (ALCON) de um Hospital de Ensino localizado no Distrito Federal, que atende tanto público de risco habitual quanto de alto risco e conta com 33 leitos para gestantes e puérperas.

Antes do estudo, foi realizado um levantamento de dados para identificar o quantitativo de partos realizados no centro obstétrico que resultaram em internações no ALCON nos meses de julho, agosto, setembro e outubro de 2019, sendo registrados, respectivamente, 145, 149, 156 e 136 partos nesses meses. Para a seleção das participantes, foi adotada a amostragem probabilística, e para o cálculo amostral, utilizou-se um estudo preliminar, o software R® versão 3.4 e a fórmula descrita abaixo:

 

n˳=z2pqe2

 

O intervalo de confiança foi de 95% e a margem de erro foi de 10%, o que corresponde a um quantitativo mínimo de 72 participantes para integrar a amostra. Participaram do estudo as puérperas internadas no ALCON que atenderam aos critérios de inclusão, sendo elas: puérperas acima de 18 anos de idade, com filho vivo, que tiveram seus filhos prematuro tardio ou a termo (34-42 semanas de idade gestacional), internadas no pós-parto mediato até o 3° dia, cognitivamente orientadas e em condições físicas e mentais que possibilitassem a realização da anamnese e da avaliação física. Foram excluídas do estudo as mulheres no pós-parto encaminhadas a outras unidades de internação, mães de recém-nascidos internados em outras unidades e puérperas cuja gestação foi múltipla.

A coleta de dados ocorreu entre os meses de julho a outubro de 2020, período em que houve um total de 599 puérperas internadas no ALCON. Dessas, 15 não aceitaram participar do estudo, 133 não atenderam aos critérios de inclusão e 379 puérperas não foram entrevistadas devido à alta rotatividade da unidade, o que impossibilitou abordar todas as puérperas. Em média, foram realizadas 3 entrevistas diárias, com duração de aproximadamente 2 horas cada. No final, a amostra final foi composta por 72 puérperas.

Para a coleta de dados, foi realizada uma revisão bibliográfica sobre a temática puerpério, diagnósticos de enfermagem e Taxonomia II da NANDA-I, bem como o referencial teórico de Ramona Mercer, que embasou a construção do instrumento utilizado. Esse instrumento foi estruturado de acordo com os sistemas descritos por Mercer e cada questão contemplava os conceitos da Teoria. Posteriormente, o instrumento foi avaliado por três juízes com experiência clínica na área da sistematização da assistência de enfermagem e/ou obstetrícia. Após as avaliações dos juízes, foram feitas alterações no instrumento para adequá-lo ao uso no estudo.

Inicialmente, foram abordadas as mulheres que atendiam aos critérios de inclusão e a pesquisa foi devidamente explicada, esclarecendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após o aceite com assinatura, seguiu-se a primeira etapa, coleta dos dados nos prontuários, seguida da entrevista e da avaliação física.

A partir do processo de análise e síntese de Helland/Risner(7) e da Taxonomia II da NANDA-I(4), realizou-se o raciocínio para julgamento clínico e elencaram-se os DE com seus indicadores diagnósticos. Cada DE foi validado por um perito com expertise na área e, posteriormente, os diagnósticos foram listados.

As informações coletadas foram distribuídas em planilhas formando um banco de dados no software Microsoft Excel 2010. Empregou-se a estatística descritiva para análise das variáveis numéricas, com medidas de frequência absoluta, percentual, assim como descritivas de tendência central e de dispersão.

A pesquisa seguiu os preceitos da Resolução CNS 466/2012, preconizada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), e obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), sob o parecer n° 3.754.960 e CAAE 19024719.7.0000.0030.

 

RESULTADOS

A amostra foi composta por 72 puérperas, com média de idade de 27,9 (DP ±6,8) anos e mediana de 27,5. A distribuição das características sociodemográficas e econômicas pode ser observada na Tabela 1.

 

Tabela 1 - Caracterização do perfil sociodemográfico e econômico da amostra estudada (n=72). Brasília, DF, Brasil, 2020

Característica

N

 

%

Característica

N

%

Faixa Etária

 

 

 

Escolaridade

 

 

 

18-23

22

 

30,5

Fundamental incompleto

10

13,9

 

24-29

18

 

25,0

Fundamental completo

06

8,3

 

30-35

21

 

29,2

Médio incompleto

10

13,9

 

36-41

10

 

13,9

Médio completo

30

41,7

 

1

 

1,4

Superior incompleto

08

11,1

 

Raça/cor

 

 

 

Superior completo

08

11,1

 

Branca

18

 

25,0

Ocupação

 

 

Parda

46

 

63,9

Do lar

30

41,7

Preta

07

 

9,7

Desempregada

10

13,9

Amarela

01

 

1,4

Estudante

06

8,3

Situação Conjugal

 

 

 

Atividade remunerada

26

36,1

Casada/Relação estável

60

 

83,3

Renda familiar

 

 

Solteira

10

 

13,9

Até 1 salário mínimo

12

16,7

Divorciada/Separada

02

 

2,8

De 2 a 3 salários mínimos

37

51,4

 

 

 

 

Acima de 3 Salários mínimos

23

31,9

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

A maioria das entrevistadas era multípara, com gestação não planejada, mas aceita, tendo realizado mais de seis consultas de pré-natal. O parto foi realizado predominantemente por cesariana e a idade gestacional variou entre 39 e 40 semanas e seis dias, conforme evidenciado na Tabela 2.

 

Tabela 2 - Caracterização do perfil obstétrico da amostra estudada (n=72). Brasília, DF, Brasil, 2020

Característica

N

%

Característica

N

%

Paridade

 

 

Gestação Planejada

 

 

Primípara

34

47,2

Sim

16

22,2

Multípara

38

52,8

Não

56

77,8

Gestação Aceita

 

 

Tipo de parto

 

 

Sim

67

93,1

Vaginal

31

43,0

Não

05

6,9

Cesariana

41

57,0

N. de consultas de PN

 

 

IG no parto

 

 

Nenhuma

01

1,4

34 - 36 semanas e 6 dias

06

8,3

Uma a três

04

5,6

37 – 38 semanas e 6 dias

19

26,4

Quatro a seis

15

20,8

39 – 40 semanas e 6 dias

39

54,2

Mais de seis

52

72,2

41 – 42 semanas

08

11,1

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

Foram identificados 638 DE, com uma média de 8,9 DE por participante e uma mediana de 8. Dos 13 domínios descritos na taxonomia da NANDA-I(4), apenas o domínio de Princípios da Vida e Crescimento/Desenvolvimento não teve DE listados, enquanto os outros 11 apresentaram DE listados. Na Tabela 3, encontram-se os 49 diferentes DE detectados na população estudada, acompanhados de seus respectivos domínios.

 

Tabela 3 - Diagnósticos de enfermagem em puérperas segundo NANDA-I (n=72). Brasília, DF, Brasil, 2020

Diagnóstico de enfermagem

N

%

Domínio 1 – Promoção da Saúde

 

 

Comportamento de saúde propenso a risco

3

4,2

Manutenção ineficaz da saúde

2

2,8

Domínio 2 – Nutrição

 

 

Volume de líquidos excessivo

34

47,2

Sobrepeso

27

37,5

Obesidade

26

36,1

Amamentação ineficaz

20

27,8

Risco de sobrepeso

7

9,7

Amamentação interrompida

2

2,8

Domínio 3 – Eliminação e troca

 

 

Constipação

30

41,7

Risco de constipação

21

29,2

Incontinência urinária funcional

2

2,8

Eliminação urinária prejudicada

1

1,4

Domínio 4 – Atividade/Repouso

 

 

Distúrbio no padrão de sono

46

63,9

Fadiga

34

47,2

Deambulação prejudicada

18

25,0

Insônia

3

4,2

Risco de pressão arterial instável

3

4,2

Disposição para sono melhorado

1

1,4

Domínio 5 – Percepção/cognição

 

 

Conhecimento deficiente

37

51,4

Disposição para conhecimento melhorado

17

23,6

Domínio 6 – Autopercepção

 

 

Risco de baixa autoestima situacional

5

6,9

Distúrbio na imagem corporal

3

4,2

Disposição para autoconceito melhorado

2

2,8

Baixa autoestima situacional

1

1,4

Domínio 7 – Papéis e relacionamentos

 

 

Disposição para maternidade melhorada

18

25,0

Risco de maternidade prejudicada

14

19,4

Relacionamento ineficaz

10

13,9

Tensão do papel de cuidador

9

12,5

Processos familiares disfuncionais

8

11,1

Maternidade prejudicada

4

5,5

Risco de tensão do papel de cuidador

2

2,8

Risco de vínculo prejudicado

2

2,8

Domínio 8 – Sexualidade

 

 

Padrão de sexualidade ineficaz

6

8,3

Risco de processo perinatológico ineficaz

3

4,2

Disposição para processo perinatológico melhorado

3

4,2

Domínio 9 – Enfrentamento/tolerância ao estresse

 

 

Ansiedade

33

45,8

Medo

4

5,5

Disposição para poder melhorado

4

5,5

Enfrentamento ineficaz

1

1,4

Disposição para resiliência melhorada

1

1,4

Sentimento de impotência

1

1,4

Domínio 11 – Segurança/proteção

 

 

Integridade tissular prejudicada

60

83,3

Risco de quedas

29

40,3

Risco de sangramento

10

13,9

Risco de infecção

8

11,1

Integridade da pele prejudicada

7

9,7

Risco de infecção no sítio cirúrgico

1

1,4

Risco de trauma vascular

1

1,4

Domínio 12 – Conforto

 

 

Dor aguda

54

75,0

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

Na amostra estudada, quatro DE apresentaram prevalência superior a 50% e suas características definidoras estão descritas na Tabela 4. É importante ressaltar que cada DE identificado nas puérperas pode ter mais de uma característica definidora.

 

Tabela 4 - Características definidoras para os diagnósticos de enfermagem com frequência superior a 50%, segundo NANDA-I. Brasília, DF, Brasil, 2020

Diagnóstico de enfermagem/Características definidoras

N

%

Integridade tissular Prejudicada (n=60)

 

 

Dano tecidual

60

100,0

Tecido destruído

54

90,0

Dor aguda

46

76,7

Hematoma

6

10,0

Dor aguda (n=54)

 

 

Autorrelato da intensidade usando escala padronizada da dor

54

100,0

Expressão facial de dor

36

66,7

Comportamento protetor

20

37,0

Posição para aliviar a dor

13

24,1

Comportamento expressivo

1

1,8

Alteração no parâmetro fisiológico (taquicardia)

1

1,8

Distúrbio no padrão do sono (n=46)

 

 

Despertar não intencional

46

100,0

Dificuldade para manter o sono

46

100,0

Insatisfação com o sono

33

71,7

Não se sentir descansado

33

71,7

Dificuldade para iniciar o sono

3

6,5

Conhecimento deficiente (n=37)

 

 

Conhecimento insuficiente

37

100,0

Comportamento inapropriado

11

29,7

Seguimento de instruções inadequado

1

2,7

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

 

 

Na Tabela 5, estão listados os fatores relacionados aos quatro DE com prevalência superior a 50% na amostra estudada. É importante destacar que cada entrevistada pode apresentar mais de um fator relacionado para cada DE.

 

Tabela 5 - Fatores relacionados para os diagnósticos de enfermagem com frequência superior a 50%, segundo NANDA-I. Brasília, DF, Brasil, 2020

Diagnóstico de enfermagem/Fatores relacionados

N

%

Integridade tissular Prejudicada (n=60)

 

 

Conhecimento insuficiente sobre proteção da integridade tissular (pega correta na amamentação)

6

10,0

Dor aguda (n=54)

 

 

Agente físico lesivo (cirurgia/contração uterina/cólicas/sutura perineal/hematoma perineal)

54

100,0

Distúrbio no padrão do sono (n=46)

 

 

Interrupção causada pelo parceiro de sono (RN)

45

97,8

Padrão de sono não restaurador

34

73,9

Privacidade insuficiente

2

4,3

Barreira ambiental

1

2,2

Conhecimento deficiente (n=37)

 

 

Informações insuficientes

37

100,0

Conhecimento insuficiente sobre recursos

13

35,1

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

 

 

Em relação às condições associadas e população em risco dos DE prevalentes em mais de 50% da amostra, apenas o DE Integridade tissular prejudicada apresentou condições associadas. Dentre as puérperas com esse diagnóstico, 53 (88,3%) foram submetidas a procedimento cirúrgico (cirurgia/sutura perineal), cinco (8,3%) apresentaram trauma vascular e duas (3,3%) tiveram alteração hormonal. Nenhum dos DE teve população em risco identificada.

 

DISCUSSÃO

O perfil da amostra foi semelhante ao de outros estudos, com a maioria das mulheres sendo jovens, se autodeclarando pardas, com parceiro estável, nível médio de instrução e ocupação de donas de casa(2,8-9). As variáveis sociodemográficas estão relacionadas ao prognóstico, sendo essencial conhecê-las para traçar um plano de cuidado integral(8). A multiparidade, bem como as gestações não planejadas, mas aceitas, e a adesão ao pré-natal com mais de 6 consultas realizadas também estão em conformidade com a literatura(8-10). A prevalência de mulheres que tiveram hipertensão arterial gestacional (HAG) e diabetes mellitus gestacional (DMG) também foi descrita em outro estudo(9-11).

As evidências corroboram os achados do presente estudo em relação à prevalência do parto via cesariana em mulheres diagnosticadas com DMG e HAG(9-11). Apesar de apontar maiores riscos ao submeter gestantes com tais diagnósticos a uma cirurgia, na amostra estudada, poucas tiveram complicações no parto e no puerpério. Tais achados podem sugerir a qualidade na assistência, cuja condução em tempo oportuno favorece bons desfechos.

Dentre os DE apresentados, quatro tiveram prevalência em mais de 50% da amostra estudada, correspondendo aos descritos na literatura como principais problemas presentes no puerpério imediato(2,9,12). A Integridade tissular prejudicada teve predomínio nas entrevistadas, corroborando com outros estudos(2,12). Dentre as características associadas, destacam-se a ferida cirúrgica, lesão mamilar e perineal, edema de membros ou perineal e a episiotomia(2,12).

Para Torres(12), a prevalência de parto via cesariana e procedimentos invasivos é diretamente proporcional à presença desse diagnóstico. A autora argumenta que a cesárea deve ser reservada para situações de real necessidade, a fim de diminuir a incidência desse DE, uma vez que um puerpério menos traumático favorece o bem-estar materno e a interação do binômio(2,12).

Na prática obstétrica mais atualizada e baseada em evidências, utilizam-se recursos preventivos de lacerações perineais, como liberdade da mulher para escolher a posição de parto mais confortável, geralmente a posição verticalizada, massagem perineal com óleo vegetal e compressa morna perineal no final do período expulsivo(13-14). Atuar em conjunto com o processo fisiológico do parto, evitando a manobra de Valsalva e abolindo a manobra de Kristeller, já proscrita na obstetrícia, favorece o desprendimento fetal lento, permitindo uma distensão gradual do períneo e evitando lesões(13-14). O fato desse DE não estar presente em todas as puérperas pode estar associado à adoção de tais recursos e ao perfil de multiparidade da amostra, visto que a elasticidade perineal de uma mulher que já teve um ou mais partos vaginais diminui o risco de lacerações perineais(13). A episiotomia, por sua vez, é apontada como uma prática reservada a casos isolados, sendo considerada por alguns autores como desnecessária. Entretanto, muitos profissionais ainda a empregam na assistência, aumentando a taxa de traumas perineais e, consequentemente, o risco de infecções e hemorragias relacionadas a essa prática(2,8,15).

Com base no referencial teórico, é essencial o emprego de técnicas que previnam o dano tecidual e, quando houver, empregar recursos que favoreçam a cicatrização, sendo um cuidado que transcende o conforto para a dimensão do papel materno. Neste sentido, tal DE pode afetar a consecução do papel materno, não só por impactar na autoestima da mulher, mas também pela associação a outros DE, como a Dor aguda, que reflete negativamente em conceitos bem descritos por Ramona Mercer, tais como a experiência de parto, a satisfação e o estado de saúde(16).

Os fatores relacionados ao DE Dor aguda, identificados em 75% das puérperas, foram a ferida cirúrgica resultante da cesárea e da perineorrafia, hematomas e/ou lacerações perineais e cólicas uterinas, muito comuns no processo fisiológico do pós-parto. Outro estudo apontou esse DE em todas as entrevistadas que passaram por uma cesariana, tendo como fatores relacionados não só a incisão cirúrgica, mas também a infecção pós-parto e os agentes inflamatórios relacionados à incisão(2,9,17). Esse diagnóstico impacta na dimensão física e psíquica da mulher, restringindo o autocuidado, a realização dos cuidados do filho e a interação e o vínculo com o mesmo, resultando em sentimentos negativos em relação à sua autonomia e à consecução do papel materno(2,9,17).

A dor envolve diversos aspectos físicos, emocionais e culturais, havendo nuances do cuidado dentro de cada sistema descrito por Mercer. No macrossistema: as consistências culturais transmitidas; no mesossistema: o cuidado diário e o contexto da assistência à saúde; e no microssistema: o vínculo com o filho, a confiança e a satisfação no papel, a autoestima, a saúde da mãe, a tensão no papel, a sobrecarga física/psíquica, a ansiedade e a experiência do parto/pós-parto; consistindo num arcabouço que precisa ser considerado nas intervenções de enfermagem realizadas(4,6,16).

O Distúrbio no padrão de sono é definido pela NANDA-I(4) como "despertares com tempo limitado em razão de fatores externos". O diagnóstico foi identificado em 63,9% das entrevistadas, corroborando com os achados da literatura(2,12,18). A fragmentação do sono se inicia ainda na gestação e intensifica no trabalho de parto e nos primeiros meses após o parto(3,18). Para Silva et al.(18), "independentemente de como seja a rotina da mulher, com a chegada do filho, ela tem que se ajustar aos compromissos que a maternidade exige". Além disso, o padrão de sono do recém-nascido apresenta uma instabilidade na frequência e na duração, que melhora à medida que a criança cresce e que a família estabelece uma rotina, sendo, portanto, um fator que se estende ao longo do puerpério e exige uma adaptação materna importante(2,18). As características definidoras apontadas corroboram as de outro estudo(2,18), o qual descreve ainda uma limitação na realização das atividades diárias e uma diminuição da capacidade funcional, tendo como fatores relacionados a dependência da mulher no puerpério e a fragilidade física e emocional, desencadeadas pelo distúrbio no padrão do sono(2,18).

Os DE Dor aguda, ansiedade e fadiga compõem uma relação de causa e efeito com o Distúrbio no padrão de sono, destacando a necessidade de intervir em todos eles para promover uma rápida recuperação da mulher, melhorando o sono, o bem-estar, o autocuidado e as condições para cuidar do recém-nascido, favorecendo o desempenho do papel materno(18) segundo Torres(12). À luz da teoria de Mercer, o período puerperal exige demandas adaptativas da mulher em relação ao seu novo estado físico, psíquico, social e de aprendizagem quanto à rotina de cuidados do bebê, podendo se estender por meses para que se estabeleça a completa recuperação física(6).

Quanto aos setores de ALCON, uma reflexão se faz necessária quanto à implementação de rotinas assistenciais direcionadas às necessidades das puérperas, flexibilizando horários de visitas profissionais, exames e realização de medicamentos, além da manutenção de um ambiente calmo e silencioso, incentivando o sono diurno, para que a mãe consiga dormir quando o bebê dorme(1,9,12). Mercer(19) acresce, destacando o ALCON como um ambiente que deve ser íntimo e que a enfermeira deve oportunizar momentos com a puérpera, evitando fragmentação das ações, ampliando seu cuidado para promover o bem-estar da mulher e favorecendo a consecução do papel materno(19).

O DE Conhecimento deficiente é definido pela NANDA-I(5) como “ausência de informações cognitivas ou de aquisição de informações relativas a um tópico específico”. Também foi apontado em outro estudo, no qual a autora o associa às informações relativas à amamentação, aos cuidados com o bebê e ao desenvolvimento do papel materno(2,12).

É sabido que ocorrem inúmeras mudanças nos diversos âmbitos da vida da mulher no período gravídico-puerperal, sendo essas permeadas de sentimentos de incerteza e dúvida, requerendo, no entanto, conhecimento para o desempenho da maternidade(12).

O referido DE se relaciona ao perfil socioeconômico e a literatura evidencia maior acesso às informações em mulheres que possuem maior nível de escolaridade, idade superior a 35 anos e que tiveram adesão ao pré-natal(2,9,20). Tal perfil favorece a compreensão em relação às mudanças esperadas, aumentando a disposição para o conhecimento e a autonomia da mulher para agir no manejo da amamentação, nos cuidados com o filho, dentre outros(2,9). Entretanto, acredita-se haver outras variáveis envolvidas no DE conhecimento deficiente, uma vez que ele teve prevalência na amostra estudada, a qual foi majoritariamente composta por jovens, com médio grau de instrução e boa adesão ao pré-natal (mais de seis consultas).

Esse achado nos sensibiliza quanto à importância de avaliar a forma como as informações são transmitidas, considerando a individualidade e o contexto de vida da mulher e de sua rede de apoio, evitando excesso de informações e adotando uma linguagem mais clara, garantindo a compreensão das informações transmitidas(20). Para Caetano(20), tais pontos são indispensáveis para que a puérpera e sua parceria tenham autonomia e adquiram habilidades necessárias para realização dos cuidados nesse período.

O segundo estágio para a consecução do papel materno descrito por Mercer é o conhecimento e a aprendizagem frente às exigências de cuidado do filho(19). A teórica destaca a importância da interação da enfermeira com a puérpera, assim como os demais membros da equipe, nesse estágio, incentivando ainda a adoção de rotinas e processos de trabalhos que oportunizem a educação em saúde para além de materiais educacionais(18).

Como visto, o desenvolvimento do papel materno sofre impacto direto de diversos fatores, tais como o perfil materno, as características da criança, o estado de saúde da mulher, o local em que ela está inserida, a experiência de parto, dentre outros(6,16). Os DE prevalentes, Integridade tissular prejudicada, Dor aguda, Distúrbio no padrão de sono, Conhecimento deficiente, descritos no presente estudo, revelam alguns problemas que impactam no desenvolvimento da identidade materna(19). Neste sentido, as ações de enfermagem devem possibilitar um cuidado individualizado com intervenções direcionadas e abrangentes para que a mulher tenha sua autonomia preservada e desenvolva seu papel materno.

Este estudo possui como limitações a realização da coleta de dados restrita a um único hospital, representando apenas a realidade local, e a carência de pesquisas que relacionem o público estudado aos diagnósticos de enfermagem e à Teoria da Consecução do papel materno.

 

CONCLUSÃO

Os resultados desse estudo permitiram o conhecimento do perfil de diagnósticos de enfermagem de mulheres no pós-parto, internadas no Alojamento Conjunto. A fundamentação teórica pautada em uma Teoria específica ao público estudado e na Taxonomia II da NANDA-I ampliaram a compreensão dos fatores e dos contextos influenciáveis no bem-estar de uma puérpera, possibilitando ainda a caracterização sociodemográfica, o perfil clínico e epidemiológico e a discussão quanto às características definidoras, os fatores relacionados e de risco prevalentes na população estudada.

A discussão dos achados pautados na Teoria de Ramona Mercer, a Consecução do papel materno, possibilitou o embasamento teórico-científico, contribuindo para a enfermagem enquanto disciplina e para a prática assistencial focada nas reais necessidades da puérpera. Esse fato foi favorecido por se tratar de uma teoria específica ao público materno-infantil, mostrando-se como grande aliada na qualificação do cuidado e norteando a prática e as bases científicas da enfermagem.

Como contribuição, destaca-se a relevância da adoção de uma assistência integral à puérpera, considerando as necessidades de cuidado identificadas pelos diagnósticos de enfermagem, os quais contemplam as nuances individuais e coletivas relacionadas às intensas transições que a mulher vivencia, socialmente, pessoalmente e culturalmente.

O presente estudo norteia ainda o emprego das demais etapas do processo de enfermagem, como as intervenções de enfermagem que, pautadas em um embasamento científico, são capazes de integrar o cuidado e abranger a mulher, a criança, sua rede familiar e a sociedade como um todo. Os achados apresentados podem subsidiar futuras pesquisas que contribuem para ampliar o conhecimento referente a essa temática, considerando outros cenários, com maior representatividade.

 

*Artigo extraído da dissertação de mestrado “Diagnósticos de enfermagem em puérperas fundamentados na teoria da consecução do papel materno”, apresentada à Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

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Submissão: 25/10/2022

Aprovado: 21/07/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Santos SS, Jesus CAC

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