ORIGINAL

 

Repercussões psicoemocionais em estudantes de Enfermagem na pandemia do COVID-19: estudo descritivo-exploratório

 

Ágatha de Oliveira Correa1, Mikaella Silva Damasceno1, Gabriela Fernandes Campos1, Camila Pureza Guimarães da Silva2, Rita de Cássia Almeida da Costa1, Gizele da Conceição Soares Martins3, Érika Bicalho de Almeida Brugger1, Angela Aparecida Peters1

 

1Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

2Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

3Universidade Federal do Rio de Janeiro, Macaé, RJ, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Identificar as repercussões psicoemocionais da pandemia da Covid-19 em estudantes do último ano do curso de Enfermagem e as estratégias de enfrentamento adotadas por eles. Método: Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva exploratória realizada por meio de entrevista com questionário semiestruturado composto por questões abertas sobre o tema. Resultados: Foram criadas duas categorias temáticas: Repercussões da pandemia da Covid-19 na dimensão psicoemocional de estudantes do último ano do curso de Enfermagem e Estratégias de enfrentamento adotadas, durante a pandemia da Covid-19, pelos estudantes do último ano do curso de Enfermagem. Os resultados apontaram um aumento significativo das crises de ansiedade, desmotivação, dificuldade de concentração, distúrbios do sono e do repouso. Conclusão: Faz-se necessário o desenvolvimento de estratégias intersetoriais de promoção da saúde e prevenção relacionadas à saúde mental em parceria com as instituições de ensino.

 

Descritores: COVID-19; Estudantes de Enfermagem; Saúde Mental.

 

INTRODUÇÃO

A alta transmissibilidade da Covid-19 exigiu das autoridades sanitárias, em todo o mundo, medidas drásticas de isolamento social, que foram desde lockdowns severos, com a paralisação das atividades de setores públicos e privados, ao fechamento das fronteiras, sendo mantidas apenas atividades de serviços essenciais. Tais medidas foram necessárias para conter a disseminação do vírus e evitar o colapso dos sistemas de saúde, devido à disparidade entre a demanda de pacientes e a capacidade de resposta desses sistemas(1). O fechamento de instituições de ensino em mais de 194 países, afetando mais de 91% dos estudantes matriculados(2), foi justificado devido à grande circulação de pessoas nesses ambientes, o que poderia potencializar a disseminação do vírus.

Do ensino fundamental ao ensino superior, as instituições precisaram se adaptar a uma nova realidade didática, para não interromper suas atividades por completo. No nível de ensino universitário, instituiu-se o Ensino Remoto Emergencial (ERE). Dessa forma, professores precisaram adequar os seus métodos de ensino para as plataformas digitais, assim como os estudantes, às suas estratégias e locais de estudo(2-3).

No entanto, o isolamento social, produto do confinamento, tem sido apontado como um dos maiores fatores geradores de impacto negativo na saúde mental das pessoas expostas a essas situações. Estudo chinês com 1.210 participantes revelou que 53,0% das pessoas confinadas apresentaram sequelas psicológicas, dentre as quais sintomas depressivos, ansiosos e estresse, sendo os maiores impactos sentidos pelas mulheres, estudantes e pessoas com algum sintoma associado à Covid-19(4). Estudo realizado com 237 estudantes de instituição de ensino superior pública, situada no centro-oeste brasileiro, demonstrou que o distanciamento social ocasionado pela pandemia trouxe experiências demarcadas por preocupação, ansiedade, angústia, abalos e instabilidade emocional(5).

Acredita-se que as consequências da pandemia sobre a saúde mental podem perdurar por muitos anos, caracterizando-se também pelo aumento de doenças mentais, como o transtorno de estresse pós-traumático e o burnout. Isso se deve, em parte, pela determinação social dos problemas de saúde mental, que, em face das medidas de controle da Covid-19, geraram impactos socioeconômicos e sentimentos de solidão(2,5,6).

Diante desse contexto, outra investigação, com 477 membros da comunidade acadêmica de uma Faculdade de Enfermagem, incluindo professores e estudantes, identificou que 19,29% estavam em sofrimento psíquico possivelmente deflagrado ou maximizado pelo isolamento social decorrente da Covid-19(7).

Além disso, a interrupção repentina da vida universitária e a possibilidade de contratação como força de trabalho emergencial nas unidades onde realizavam estágio, para estudantes de Enfermagem concluintes, supõe uma interrupção abrupta de sua formação. Isso representa uma diminuição na aquisição de competências para enfrentar a responsabilidade no trabalho, circunstância que gera uma amálgama de sentimentos e alterações psicoemocionais devido a maior vulnerabilidade a distúrbios psicossociais. Contudo, a repercussão que a pandemia da Covid-19 terá na saúde mental dos estudantes ainda é incerta(2-3,7).

Diante do impacto esperado da pandemia entre os estudantes, é fundamental o desenvolvimento de estudos com foco na experiência destes, a fim de contribuir para o desenvolvimento de estratégias de promoção da saúde relacionadas à saúde mental. Com base no exposto, o presente estudo teve por objetivo identificar as repercussões psicoemocionais da pandemia da Covid-19 em estudantes do último ano do curso de Enfermagem e as estratégias de enfrentamento adotadas por eles.

 

MÉTODO

Estudo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa, realizado em uma instituição de ensino superior de administração privada, localizada no município de Juiz de Fora, Minas Gerais (MG).

Os participantes do estudo foram 18 estudantes de graduação em Enfermagem, em amostragem intencional com estudantes no último ano do curso – concluintes –, durante o ano de 2020. O convite foi feito por contato telefônico. Os critérios de inclusão foram: idade igual ou superior a 18 anos, estar no último ano do curso de Enfermagem e em desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e aceitar participar voluntariamente do estudo. Os critérios de exclusão foram: evasão do curso, afastamento por motivos médicos e aqueles que não desejaram participar, totalizando 4 estudantes excluídos.

O critério de saturação utilizado foi atingir o percentual de entrevistas de no mínimo 80% dos estudantes de graduação do último ano do curso de Enfermagem.

A coleta de dados aconteceu por meio de entrevistas entre os meses de setembro e outubro de 2020, em ambiente remoto, por vídeo chamada, através do Google Meet. A escolha por esse meio de comunicação se deu pela necessidade de distanciamento social decorrente da pandemia da Covid-19. As entrevistas foram agendadas conforme disponibilidade dos participantes e realizadas pelas pesquisadoras do estudo, capacitadas pela pesquisadora principal, sem relação de proximidade com os entrevistados.

Para direcionamento da entrevista, foi aplicado um questionário semiestruturado com dados demográficos para caracterização dos participantes e com questões abertas referentes à temática, a saber: Como você se sentiu quando começou a pandemia da Covid-19? Quais foram as consequências da interrupção das práticas para você, que estava quase no final do curso? Que sentimentos elas despertaram? O que mais te preocupa? Quais estratégias você utilizou para aliviar as consequências emocionais? Como foi a finalização do seu TCC?

A partir das respostas, foi possível compreender as vivências dos estudantes do último ano do curso durante a pandemia Covid-19 e como eles lidaram com as consequências emocionais.

As entrevistas foram gravadas e tiveram duração em média de 45 minutos. A fim de manter maior fidedignidade, foram transcritas após sua realização, sendo disponibilizadas, em seguida, ao estudante para leitura e validação das informações.

A análise dos dados foi feita por meio da técnica de análise de conteúdo temático-categorial(8). Inicialmente, leituras flutuantes foram realizadas, para aproximação e imersão dos pesquisadores sobre os achados e contextos das falas. Em seguida, leituras sucessivas e exaustivas subsidiaram o levantamento das unidades de registro (temas) e sua marcação nos depoimentos foram, posteriormente, agrupadas em unidades de significação para formar as categorias temáticas, considerando a similitude dos sentidos extraídos dos excertos. Tal processo aconteceu sem a utilização de softwares. A apresentação e interpretação dos dados consideraram os recortes temáticos e os fragmentos de texto correspondentes e se fundamentou na literatura nacional e internacional disponível.

Todos os preceitos éticos para pesquisas envolvendo seres humanos foram respeitados, assim como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição Sociedade Universitária para o Ensino Médico Assistencial (SUPREMA), que pertencente à Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora-MG (CAAE 40091520.2.0000.5103; Parecer: 4.643.563).

Os participantes são mencionados segundo códigos alfanuméricos para garantia de anonimato das informações. Todos leram, assinaram e receberam uma via do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Esta pesquisa seguiu as diretrizes COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research) para pesquisas qualitativas.

 

RESULTADOS

 

Caracterização dos participantes

Participaram do estudo 18 estudantes no último ano de graduação em Enfermagem, durante o ano de 2020. Foram excluídos 4 estudantes de acordo com os critérios predefinidos. Dos 18 estudantes selecionados, todos desejaram participar da pesquisa. O perfil dos participantes do estudo foi predominantemente do gênero feminino (n = 15; 83,3%), solteiro (a) (n = 15; 83,3%), que residia com familiares (n = 11; 61,1%) – dentre os demais, um (n = 5,5%) morava em república e seis (n = 33,3%) sozinhos –, e de médio nível socioeconômico (n = 15; 83,3%). A faixa etária compreendeu o público adulto-jovem – 21 a 31 anos de idade –, com média de 23,4 anos. Ressalta-se que dez (n = 55,5%) estudantes possuíam atividade remunerada. Com relação ao período letivo em curso, treze (n = 72,2%) estavam no 8º e cinco (n = 27,8%) no 7º período letivo.

 

Processo de codificação e categorização dos achados

A partir da leitura e codificação dos depoimentos, foi possível identificar 15 unidades de registro que foram alocadas em 4 unidades de significação. Em seguida, por similitude de sentidos, formaram as categorias temáticas: Repercussões da pandemia da Covid-19 na dimensão psicoemocional de estudantes do último ano do curso de Enfermagem e Estratégias de enfrentamento adotadas, durante a pandemia da Covid-19, pelos estudantes do último ano do curso de Enfermagem, conforme Figura 1.

 

Unidades de Registro

Unidades de Significação

Categorias Temáticas

Angústia

Sentimentos e emoções negativas deflagradas pela pandemia da Covid-19

 

Repercussões da pandemia da Covid-19 na dimensão psicoemocional de estudantes do último ano do curso de Enfermagem

Medo

Frustração

Desmotivação

Problemas no sono

Respostas psicoemocionais à pandemia da Covid-19

Estresse

Incertezas

Preocupação com o futuro

Automedicação

Enfrentamento negativo às respostas psicoemocionais oriundas da pandemia da Covid-19

Estratégias de enfrentamento aos fatores psicoemocionais, vivenciados pelos estudantes de enfermagem na pandemia da Covid-19

Uso de tabaco

Uso de álcool

Afastamento

Suporte social

Enfrentamento positivo às respostas psicoemocionais oriundas da pandemia da Covid-19

Atividade física

Atividades de lazer

Figura 1 – Sistematização da análise de conteúdo temático-categorial das entrevistas. Juiz de Fora, MG, Brasil, 2020

 

Repercussões da pandemia da Covid-19 na dimensão psicoemocional de estudantes do último ano do curso de Enfermagem

As repercussões da pandemia da Covid-19 na saúde mental dos estudantes concluintes do curso de Enfermagem investigado podem ser divididas em dois tipos: sentimentos e emoções negativas relacionadas à sintomatologia depressiva e respostas psicoemocionais diversas relacionadas às expectativas com o futuro.

Os concluintes relataram ter sentimentos associados à angústia que impactaram negativamente suas vidas, desencadeando reações desagradáveis, perturbando os hábitos de sono, causando uma desorganização de suas rotinas diárias e levando a pensamentos de insegurança e perda da capacidade de agir de forma voluntária e livre, como se observa nestes relatos:

 

[...] tive um ataque de pânico quando saí de casa em plena pandemia. Tive problemas de concentração e problemas para dormir. Foi uma sensação de insegurança, com um pouco de medo, mas até o pico da pandemia eu tinha esses sentimentos. (E2)

 

Tive dificuldade de me concentrar e de dormir. (E3)

 

Tive muita angústia, porque não sabíamos do que se tratava, se íamos ter que ficar sem ir à faculdade. E com familiar parte do grupo de risco, senti muita insegurança. (E12)

 

Em contrapartida, outros concluintes mencionaram o medo como uma repercussão emocional da insegurança relacionada à situação nova e inesperada, que representou um perigo para suas vidas e de seus familiares, conforme se observa nos relatos:

 

[...] tive muito medo, não medo de acontecer comigo, mas de contrair e transmitir à minha família. Tive pouco contato com pessoas acometidas pela Covid-19, mas ainda sentia muito medo e insegurança. (E13)

 

Foi um momento muito difícil, fiquei perdido, com muito medo. [...] Também me senti inseguro, porque saímos das clínicas (estágios) e não tínhamos data definida para voltar. (E14)

 

Me senti com muito medo, por ter sido muito rápido. [...] sem saber como faríamos o Trabalho de Conclusão de Curso, me senti frustrada. (E15)

 

Outro aspecto a ser destacado são as reações psicoemocionais, como desmotivação e falta de interesse pelas atividades habituais, como revelam estes depoimentos:

 

Me senti desmotivada, tive uma crise de ansiedade, também me senti desanimada com toda a situação que me cercava. (E1)

 

Me senti desmotivado. No começo, eu não me senti segura para sair de casa. (E3)

 

Me senti desmotivado, sem energia para continuar com minhas responsabilidades, queria deixar tudo todos os dias. (E5)

 

No decorrer da pandemia surgiram preocupações acerca do futuro, diante dos acontecimentos que foram apresentados em relação à sua formação profissional, corroborando para maximizar os danos psicossociais. Essa questão se reflete em suas respostas:

 

Esperávamos nos formar no final do ano [...]. Havia muita insegurança e ansiedade em relação à formatura, já tínhamos planejado a data, e a pandemia atrapalhou. Vi que meus planos estavam desfeitos devido ao tempo que ficamos em casa, sem aulas, e, como já estava terminando, fiquei muito preocupada. (E4)

 

A interrupção do estágio foi estressante, porque nós planejávamos acabar o mais rápido possível, ficamos ansiosos, nos cobrávamos muito. (E7)

 

Eu me senti totalmente perdida e com muito medo de tudo. Eu não podia opinar sobre nada, não sabia o que ia acontecer, se eu ia conseguir me formar, trabalhar. Foi um dos piores momentos da minha vida, não sabia o que fazer. (E9)

 

Despertou, em mim, tristeza por não saber o que aconteceria. (E18)

 

Estratégias de enfrentamento aos fatores psicoemocionais, vivenciados pelos estudantes de enfermagem na pandemia da Covid-19

Diante dos desafios impostos pela pandemia, os concluintes precisaram lançar mão de estratégias de enfrentamento às repercussões psicoemocionais e para adaptar as atividades habituais à nova realidade. Dentre as estratégias mencionadas, o suporte social e a prática de atividade física e de lazer foram classificadas como positivas, pois, além da redução das pressões psicoemocionais decorrentes da pandemia, ainda podem promover saúde e bem-estar. Em contrapartida, mecanismos negativos, como o afastamento, a automedicação e o uso de álcool e tabaco, foram mencionados.

O suporte social foi a estratégia de enfrentamento mais mencionada nos relatos dos concluintes. Acredita-se que pode estar relacionado ao componente humano do processo de formação em Enfermagem, que envolve atitudes de escuta e cooperação. Ademais, o uso de aplicativos de conversa foi mencionado como ferramenta para encurtar as distâncias, na tentativa de enfrentar a situação, como se observa nas falas:

 

O apoio da minha família foi primordial, porque passamos muito tempo juntos, e conversávamos. Se não fosse minha família, amigos, os profissionais, as pessoas que eu gosto, não sei como seria. (E5)

 

Conversei muito com as pessoas de quem gosto e sou próximo, falei sobre estar desmotivado, sobre ter perdido o rumo. [...] conversava muito no WhatsApp com meus amigos. (E6)

 

Fui para o campo para estar com minha família e conversar com meus amigos, mesmo que só pela internet. (E14)

 

Ainda acerca das estratégias positivas, ou seja, que, além de agir sobre o estressor – a pandemia –, também repercutiam efetivamente sobre os níveis de saúde e bem-estar dos concluintes, a prática de atividade física e de lazer, como assistir filmes, passear e leitura, foram mencionadas, como se atestam nos relatos:

 

Eu tinha minhas distrações, que era assistir filmes. (E6)

 

Fiz atividade física todos os dias e isso me ajudou muito. (E7)

 

Eu estava tentando lidar com isso, porque eu vi que no começo não tínhamos previsão de quando a pandemia iria passar, não tínhamos previsão de nada, então eu estava aprendendo a lidar, tentando ocupar meu tempo o máximo possível. Li livros e vi congressos de psicólogos, fui me adaptando. (E9)

 

Eu fazia atividade física, mesmo em casa, e isso me ajudou. (E11)

 

A atividade física me ajudou bastante. (E13)

 

No entanto, para lidar com as repercussões da pandemia da Covid-19, também foi mencionada a automedicação, apesar de este ser um grupo de que se espera conhecimento acerca dos riscos dessa prática. Provavelmente, esta foi decorrente das ansiedades e tentativas de melhorar os problemas do sono. Os excertos a seguir ilustram essa realidade:

 

Tenho usado automedicação, mas não ansiolíticos ou antidepressivos, apesar de ter vontade; não me sinto segura quando saio de casa. (E5)

 

Tive a necessidade de procurar ajuda psicológica, e usei automedicação (ansiolíticos e antidepressivos), pois tive problemas de concentração e para dormir. (E13)

 

Tive a necessidade de procurar ajuda psicológica e recorri à automedicação. (E16)

 

No entanto, cabe mencionar que dois concluintes mencionaram uso de medicação com prescrição médica, como se observa nas seguintes falas:

 

Fiz uso de medicação prescrita pelo médico (paroxetina). (E10)

 

Passei a usar ansiolítico, mas com acompanhamento. (E12)

 

O ato de fumar e o uso de bebidas alcoólicas também foram mencionados por um concluinte como estratégias para minimizar a ansiedade relacionada a pandemia:

 

Nesse período de pandemia, eu pude observar que meu ato de fumar aumentou bastante, como válvula de escape. O uso de bebida alcoólica também. (E16)

 

Algumas estratégias mencionadas pelos concluintes denotam a passividade diante do problema, por meio do afastamento e distração, como se pode destacar nas descrições seguintes:

 

Foquei mais no meu Projeto de Fim de Ano e em alguns projetos pessoais,  

Me senti aliviada por conta da pandemia, por não estar dentro do hospital. (E8)

 

Parei de assistir noticiários, parei de buscar informações sobre a pandemia, procurei sair de dentro do meu apartamento. (E10)

 

Tentei estudar outras matérias. Fiz cursos pela internet. (E14)

 

Eu focava em outras coisas, e isso me deixava mais tranquila. (E17)

 

DISCUSSÃO

Os resultados apresentados demonstram aspectos importantes para direcionar as discussões acerca das repercussões psicoemocionais da pandemia da Covid-19 em estudantes do curso de Enfermagem, além das estratégias de enfrentamento adotadas por eles. É necessário considerar, ainda, a relevância do perfil dos entrevistados, que se assemelha a de participantes de outros estudos.

É salutar compreender as relações de gênero dadas às influências culturais, sociais e hormonais no desenvolvimento de desordens mentais. Maiores prevalências de problemas de saúde mental têm sido identificadas entre as estudantes universitárias(9).

A determinação psicossocial e cultural do adoecimento mental leva à reflexão acerca do contexto no qual as mulheres estão inseridas, que envolve inferioridade e subordinação à figura masculina, desigualdades no mercado de trabalho, responsabilidades pelo trabalho doméstico, cuidado com parentes e familiares, imposição de padrões da beleza, dentre outras diversas condições que estruturam a sociedade patriarcal e influenciam sua saúde e adoecimento. Ainda, a percepção de medo da Covid-19 é maior entre as mulheres, que, nesse período pandêmico, tiveram exacerbadas as demandas de seus múltiplos papéis sociais. Isso denota a importância do debate de gênero de forma transversal na formação em Enfermagem(10).

No presente estudo, observou-se a presença de estudantes cada vez mais jovens na Enfermagem, uma vez que se identificou concluintes do curso com aproximadamente 21 anos de idade, achado recorrente na literatura(11-12). Isso reflete o rejuvenescimento da área, decorrente, dentre outros fatores, das políticas de incentivo à formação superior no Brasil e da importância dada à independência financeira e postergação da adoção de vínculos conjugais, reforçada pela amostra deste estudo, majoritariamente solteira e com atividade remunerada. No entanto, estudo aponta que, entre estudantes que trabalham, são maiores as dificuldades de conciliação com as atividades acadêmicas, o que pode resultar em redução do desempenho acadêmico(9).

Reforçando a necessidade de se considerar o perfil dos estudantes universitários nas discussões acerca da saúde mental, um estudo mostrou que morar com os pais e ter pessoas conhecidas ou parentes infectados pela Covid-19 pode ter contribuído para aumento dos níveis de ansiedade(13),o que corrobora com os achados deste estudo.

No entanto, cabe refletir que serem estudantes universitários particularmente da área de saúde pode ser um fator de proteção aos sentimentos de angústia e ansiedade pelo acesso a informações sobre a pandemia, o que mitiga os sentimentos de impotência e propicia a adoção de estratégias para prevenção e promoção à saúde(13). Essas considerações vão ao encontro de estudo brasileiro que mostrou que ser estudante de graduação é fator de proteção para a percepção de medo e angústia da vitimização de familiares(10).

A pandemia da Covid-19 encontrou, em países latino-americanos, um ambiente propício para o caos – conjunturas políticas instáveis, crises econômicas e colapso nos sistemas de saúde –, acentuando, no Brasil, as desigualdades sociais. Apesar de, nos últimos dois anos, a investigação sobre as repercussões da pandemia na saúde mental terem sido recorrentes, é válida a continuidade dos estudos acerca do tema, tendo em vista as mudanças constantes no cenário mundial e internacional e os problemas de saúde mental decorrentes serem considerados a quarta onda da pandemia(14).

Os efeitos da pandemia foram diversos no campo psicoemocional, de acordo com o externado pelos entrevistados, que evidenciaram um aumento significativo de crises de ansiedade, desmotivação, dificuldade de concentração e perturbação do sono e repouso. Essas manifestações surgem em consequência do isolamento e distanciamento social, adotados como medidas preventivas para a disseminação do vírus, que podem ter sido fatores essenciais para a ocorrência dos resultados apresentados, semelhantes a outros estudos(2,6-7,10,15).

A angústia que as pessoas sentiram é compreensível, dado o impacto da pandemia nas suas vidas. Durante o período de distanciamento social, preocupações com sua duração, frustração ou tédio devido à diminuição do contato social, além de falta de suprimentos e informações sobre o andamento da pandemia e os problemas econômicos futuros são fatores de estresse. Tudo isso pode ocasionar mudanças na alimentação, no humor e na ansiedade, como demonstram os resultados deste estudo. Além disso, podem ocorrer conflitos familiares e uso excessivo de álcool ou drogas ilícitas. Esses dados corroboram com estudos de Portugal e Grécia, que identificaram aumento dos casos de diversas desordens mentais e manifestações psicoemocionais após a suspensão das aulas presenciais(15-16).

As informações veiculadas pela mídia, o grande aumento do número de óbitos e casos positivos de Covid-19, bem como a interrupção das atividades universitárias foram alguns dos elementos que, segundo os estudantes entrevistados, estiveram relacionados à presença de incerteza no seu desenvolvimento profissional. Estudo desenvolvido na Grécia com 1.000 universitários sobre o impacto de sua saúde mental no lockdown considerou que a pandemia é um fenômeno inesperado que tem causado incerteza a nível mundial, referindo-se, ainda, que o comportamento que as pessoas têm adotado nessa situação está intimamente relacionado ao ambiente que as cerca, e essa incerteza é a representação de um complexo sistema de adaptação a novos estilos de vida(16).

No entanto, o período de adaptação aos novos estilos de vida por parte dos estudantes foi dificultado ao considerar que o cenário de pandemia trouxe uma crise econômica ainda maior ao Brasil, causando inúmeros desempregos e grande instabilidade financeira(14). Essa circunstância de prejuízo econômico gera estresse e prejudica o bem-estar mental da população, sendo uma questão apontada por alguns dos participantes do estudo como um agente que teve impacto na dimensão psicoemocional, gerando ansiedade, estresse e pressão, o que é uma situação recorrente em estudos publicados (14-17)

As estratégias de enfrentamento dos problemas emocionais e promoção do bem-estar psicológico que os entrevistados adotaram foram: a prática de atividade física e o desvio de atenção excessiva das notícias e informações sobre a pandemia, voltando-se para outros focos, como livros, filmes, conversas descontraídas com redes sociais de apoio, como família e amigos, e o uso de álcool e tabaco. Apesar de serem efetivas na redução dos níveis das manifestações psicoemocionais, algumas das estratégias adotadas pelos estudantes são consideradas negativas do ponto de vista de manutenção da saúde e bem-estar geral(17-18).

Os efeitos da pandemia foram expressos pelos estudantes no aumento do consumo de medicamentos, como ansiolíticos e antidepressivos, sem prescrição médica. Em um estudo realizado com 305 estudantes da área da saúde, já havia sido identificado que a prevalência de automedicação nesse grupo é maior do que na população geral, o que se encontrou associado à formação em farmacologia que esses estudantes recebem durante graduação(18).

A pandemia aumentou os fatores associados à automedicação na população, como mencionado em uma investigação na qual se destaca um aumento de pessoas que se automedicam, principalmente os jovens, sendo os analgésicos os medicamentos mais procurados sem prescrição, tendo estreita relação com o medo de adoecer ou de sintomas somatizantes. Outros fatores associados à automedicação em estudantes da área da saúde são a pressão dos grupos familiares e uma sociedade dominada por obrigações acadêmicas e trabalhistas. Com o exposto, reforça-se a posição de que são múltiplos os efeitos psicossociais que uma população exposta à pandemia pode experimentar(2,6,10, 17-19) .

Ainda acerca das estratégias negativas, o uso de álcool e tabaco por estudantes universitários foi identificado em outros estudos(10-15) e parece ser algo comum, tendo em vista sua licitude, serem práticas socialmente aceitas, favorecerem a sociabilidade e o relaxamento. Estudo identificou que o consumo de álcool e tabaco é maior entre os estudantes do último ano do curso, sendo a atividade física um fator de proteção para o consumo. Observou, também, que, após a entrada dos estudantes na universidade, houve aumento do consumo de tabaco e a prática de exercícios físicos(18).

Outro dado identificado na literatura é a influência do gênero no consumo de álcool, sendo maior entre os homens, fato este corroborado neste estudo, uma vez que o consumo de álcool e tabaco foi mencionado apenas por um estudante do gênero masculino como estratégia de enfrentamento à pandemia. Assim, parece ser parte da cultura acadêmica o consumo de álcool, especialmente quando os estudantes não moram com os pais, como evidenciado em outros estudos(10). No entanto, deve-se considerar que o consumo de álcool pode influenciar negativamente o desempenho acadêmico(18).

As estratégias de afastamento ou esquiva foram mencionadas pelos estudantes, mas são pouco eficazes para a solução dos problemas, pois, nessas situações, os participantes apontaram comportamentos passivos e de resignação ao problema – pandemia e interrupção das atividades presenciais. Estudo demonstrou que essa não é uma estratégia de enfrentamento comum entre estudantes de Enfermagem, mas, quando adotadas, elas interferem negativamente na qualidade de vida e desempenho acadêmico deles(19) .

Do exposto, este estudo lembra a vulnerabilidade da saúde mental dos jovens e a importância de buscá-la, de modo que os resultados encontrados fornecem uma importante diretriz para focar a atenção na saúde mental dos jovens, considerando que uma boa saúde mental também facilita o desempenho de funções nas pessoas, famílias, comunidades e sociedades, além de ser fundamental na resposta dos países à Covid-19 e na recuperação da pandemia.

 

Limitações do estudo

A amostra abrangeu parte significativa dos estudantes do último ano da faculdade de enfermagem da instituição selecionada. Contudo, a pesquisa poderia ser aplicada em outras instituições, o que contribuiria para o uma visão mais abrangente sobre o tema em estudo.

 

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo sugerem que os estudantes de enfermagem vivenciaram experiências que desencadearam repercussões de cunho psicoemocionais por apresentarem sentimentos que impactaram em sua saúde mental. Porém, a resiliência diante da adaptação às mudanças apresentadas no modo de vida e a motivação para continuar com sua formação acadêmica permitiu gerar e aplicar estratégias para controlar os processos de enfrentamento diante da pandemia da Covid-19.

Ao considerar os resultados obtidos, confirma-se a importância de realizar estudos com abordagem qualitativa que permitam estudar os fenômenos em profundidade e conhecer as implicações que os eventos têm na subjetividade do ser humano.

Faz-se necessário o desenvolvimento de estratégias intersetoriais de promoção da saúde e prevenção relacionadas à saúde mental em parceria com as instituições de ensino, como a ampliação do atendimento psicológico com profissionais especializados e desenvolvimento de ações que visam a integração dos professores e alunos para trocas de experiências.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

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Submissão: 24/04/2023

Aprovado: 07/08/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Correa AO, Damasceno MS, Campos GF, Martins GCS, Peters AA

Obtenção de dados: Correa AO, Damasceno MS, Campos GF, Martins GCS

Análise e interpretação dos dados: Correa AO, Campos GF, Silva CPG, Costa RCA, Martins GCS, Peters AA

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Correa AO, Damasceno MS, Silva CPG, Costa RCA, Martins GCS, Brugger EBA, Peters AA

Aprovação final do texto a ser publicada: Correa AO, Damasceno MS, Campos GF, Silva CPG, Costa RCA, Martins GCS, Brugger EBA, Peters AA

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Correa AO, Damasceno MS, Campos GF, Silva CPG, Costa RCA, Martins GCS, Brugger EBA, Peters AA

 

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