REVISÃO DE ESCOPO
Ultrassonografia na prática assistencial do enfermeiro do bloco operatório: revisão de escopo
Eduardo Tavares Gomes1, Rafaela Ingridy dos Santos2, Simone Danielly Vidal de Negreiros Adelino2, Jacqueline Augusta do Nascimento Oliveira2, Débora Cristina Silva Popov3
1Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
2Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
3Universidade Paulista, São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
Objetivo: identificar na literatura científica aplicações para o uso da ultrassonografia por enfermeiros no bloco operatório. Métodos: revisão de escopo realizada de acordo com a metodologia proposta pelo Instituto Joanna Briggs para responder à pergunta norteadora: Quais os possíveis usos da ultrassonografia por enfermeiros do bloco operatório? Os artigos foram buscados nas principais bases internacionais de literatura científica e cinzenta. Os descritores utilizados serão ultrassonografia e centros cirúrgicos. A pesquisa se orientou pelo acrônimo P-C-C: P – Participantes: Equipe de Enfermagem do Centro Cirúrgico; C – Conceito: Ultrassonografia; C - Contexto: Centro Cirúrgico. Registro do protocolo: osf.io/p8zne. Resultados: os estudos encontrados versavam sobre três usos principais da ultrassonografia para enfermeiros perioperatórios no cenário do bloco operatório: avaliação gástrica (N=7), avaliação de conteúdo vesical (N=10) e auxiliar para punção periférica venosa e arterial (N=3). Conclusão: os enfermeiros perioperatórios devem buscar formação para práticas avançadas incluindo o uso de ultrassonografia como auxiliar em sua prática.
Descritores: Ultrassonografia; Centros Cirúrgicos; Enfermagem Perioperatória; Centro Cirúrgico Hospitalar; Enfermagem de Centro Cirúrgico.
INTRODUÇÃO
A especialização da Enfermagem nas diversas áreas se tornou requisito fundamental para a assistência prestada aos pacientes perante a diversidade de recursos tecnológicos na área da saúde(1). O profissional precisa ter conhecimento teórico-prático e saber desenvolver o raciocínio crítico durante sua jornada de trabalho, além de agregar recursos, ferramentas e tecnologias disponíveis para auxiliar nesse processo(2).
A Enfermagem Perioperatória é uma área que vem crescendo à proporção que evoluem as técnicas cirúrgico-anestésicas e tecnologias assistenciais de forma geral. Nos últimos anos, o enfermeiro se empoderou do uso de tecnologias para prevenção de hipotermia, de lesões decorrentes do posicionamento e de acidentes na eletrocirurgia.
O uso da ultrassonografia, como instrumento de trabalho do enfermeiro, é uma fronteira que vem sendo ultrapassada paulatinamente, nas duas últimas décadas, e deve ganhar espaço na rotina da enfermagem perioperatória à medida que o recurso vai se tornando disponível nos blocos operatórios.
Na sala de admissão do Centro Cirúrgico, sala operatória - SO ou Sala de Recuperação Pós Anestésica - SRPA, o enfermeiro pode e deve aprimorar suas práticas e utilizar as tecnologias disponíveis para o cuidado com segurança. Técnicas de imagem são complementares ao exame físico e favorecem, com acurácia diagnóstica, o trabalho do enfermeiro(3). Entre os métodos de imagens disponíveis, a ultrassonografia (USG) é bem aceita e incorporada às diversas áreas da saúde, por ser um recurso não invasivo, compacto e de baixo custo.
A partir dos anos 2000, a ultrassonografia começou a ser utilizada no centro cirúrgico com mais frequência pelos anestesistas e apenas mais recentemente pelos enfermeiros. Em 2021, o Conselho Federal de Enfermagem reconheceu, através de Resolução, a Ultrassonografia como recurso para a prática do enfermeiro(4).
Embora a premência e relevância do tema, não são identificadas revisões existentes relacionadas ao tópico de interesse nas principais bases de registros de protocolos International prospective register of systematic reviews (PROSPERO), US National Library of Medicine (MEDLINE), Cumulative Index to Nursing and Allied Health (CINAHL), Cochrane Database of Systematic Reviews e JBI Database of Systematic Reviews and Implementation Reports) reforçando a lacuna sobre o tema. Então, decidiu-se por fazer uma revisão com o identificar na literatura científica aplicações para o uso da ultrassonografia por enfermeiros no bloco operatório.
MÉTODOS
Tipo de estudo
Revisão de escopo elaborada consoante a proposta metodológica do Joanna Briggs Institute (JBI)(5). É um método que permite identificar conceitos e lacunas na pesquisa em determinada área(6-7). O protocolo de pesquisa foi registrado na plataforma Open Science Framework (OFS) (https://osf.io/p8zne/). A elaboração deste artigo seguiu o roteiro do Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)(8).
Cenário do estudo
Esta revisão foi elaborada a partir de dados levantados em seis bases e/ou portais: MEDLINE e CINAHL; Web of Science; Scopus Info Site (Scopus); Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciência da Saúde (LILACS); Excerpta Medica Database (EMBASE).
Período
O estudo foi realizado entre junho e setembro de 2022, sendo a extração dos dados realizada em 13 de julho.
População
A população do estudo foi composta pelos 749 artigos científicos encontrados nas buscas ocorridas nas bases de dados e na literatura cinzenta disponível no Google Scholar.
Critérios de seleção
Foram incluídos nas buscas artigos publicados a partir de 2000, considerando que a partir dessa década houve grande incremento nas tecnologias do centro cirúrgico e difusão do uso da ultrassonografia como recurso assistencial para procedimentos à beira-leito em diversos cenários.
Os critérios de inclusão foram: a busca ocorreu por artigos publicados em português, inglês e espanhol que relataram ou abordaram o uso da ultrassonografia como recurso assistencial para procedimentos no bloco operatório. Contudo, a depender da análise do resumo em inglês, e de acordo com o protocolo do estudo, textos em outros idiomas poderiam ser incluídos e solicitada a tradução de um profissional, mas não houve artigo incluído com este recurso.
Foram incluídos artigos independentemente da natureza da pesquisa, podendo ter sido incluídos editoriais, opinião de especialistas, estudos teóricos, observacionais, analíticos e de revisão. Foram excluídos estudos com uso da ultrassonografia para diagnóstico médico de doenças. Não foram incluídos artigos que não tenham versão completa encontrada.
Esta revisão incluiu os delineamentos de estudos experimentais, quase-experimentais, observacionais e transversais. Os estudos de revisão foram conferidos com a busca inicial para completar o corpus de análise, quando atendessem os critérios de elegibilidade e não houvessem sido encontrados nas buscas. Revisões, estudos qualitativos, protocolos de estudos, textos e pareceres foram considerados para inclusão nesta revisão de escopo, incluindo relatos de experiência.
Coleta de dados
Definiu-se como pergunta norteadora a seguinte questão: Quais os possíveis usos da ultrassonografia por enfermeiros do bloco operatório?. Para responder à pergunta norteadora, a pesquisa se orientou pelo acrônimo P-C-C: Participantes – Conceito – Contexto. A revisão de escopo considerou estudos que incluíam relatos de uso de ultrassonografia para a prática assistencial do enfermeiro no cuidado de pacientes cirúrgicos sem limite de idade submetidos a procedimentos cirúrgicos. O conceito de interesse foi a ultrassonografia utilizada como recursos para procedimentos realizados por enfermeiros perioperatórios. O contexto de interesse foi o ambiente do centro cirúrgico, incluindo da admissão do paciente até a sala operatória e a sala de recuperação pós-anestésica.
Estratégias de fonte de seleção de evidências
Realizou-se uma pesquisa inicial limitada a MEDLINE e CINAHL para identificar artigos sobre o tema e encontrar os principais termos descritores. Com a ajuda de uma bibliotecária, com experiência em pesquisa em saúde, foram desenhadas as estratégias de busca adequadas para cada fonte de informação (Figura 1). As buscas ocorreram em julho de 2022, por meio do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), via Comunidade Acadêmica Federada (CAFe), no login da Universidade de São Paulo (USP).
Base de Dados |
Estratégia de busca |
Medline via PubMed |
(("ultrasonography"[MeSH Terms] OR "ultrasonography, doppler, color"[MeSH Terms]) AND ("surgicenters"[MeSH Terms] OR "operating rooms"[MeSH Terms])) AND (2000:2022[pdat]) |
Scopus |
( KEY ( "ultrasonography" OR "ultrasonography, doppler, color" ) ) AND ( KEY ( "surgicenters" OR "operating rooms" ) ) AND ( LIMIT-TO ( EXACTKEYWORD , "Operating Room" ) ) |
Web of Science |
((TS=(ultrasonography)) OR (TS=(ultrasonography, doppler, color))) AND ((TS=(surgicenters)) OR (TS=(operating rooms))) |
LILACS |
"ULTRAS-SONOGRAFIA" or "ULTRASO-NOGRAPHY" or "ULTRASO/" [Descritor de assunto] and ( "CENTRO cirurgico" ) or "procedimento cirurgico OPERATorio" [Descritor de assunto] |
CINAHL |
(MW ultrasonography OR MW ultrasound) AND (MW surgicenters OR MW operating room) |
EMBASE |
ultrasonography:kw AND 'operating room'/exp |
Figura 1 - Estratégias de busca utilizadas por base de dados. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2022
A lista de referência de todos os estudos selecionados para avaliação foi examinada para se adicionarem estudos aos selecionados provenientes da busca. Os resultados de cada pesquisa foram armazenados no EndNote web. Fontes de estudos não publicados e literatura cinzenta a serem pesquisadas incluíram registro internacional de ensaios clínicos Clinical Trials, Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (REBEC), The Cochrane Database of Systematic Reviews e PROSPERO database, além do Banco de Teses e Dissertações da CAPES e do Google Scholar, contudo, para os registros dessas bases foram buscados os artigos decorrentes das produções (projeto, dissertações, teses). Como pesquisa secundária, a referência citada pelos artigos encontrados foi consultada.
Seleção dos estudos
Os artigos encontrados foram arquivados na plataforma Endnote web e as duplicadas removidas. A primeira análise foi baseada em título e resumo. Em seguida, o texto completo das citações selecionadas foi avaliado em detalhes com base nos critérios de inclusão. Todas as etapas foram realizadas por dois revisores independentes, usando um instrumento desenvolvido pelos autores. Os pesquisadores avaliaram os usos da ultrassonografia no centro cirúrgico dentro das possibilidades de aplicação pela Enfermagem Perioperatória como recurso para sua prática assistencial. Quaisquer divergências entre os revisores foram resolvidas por meio de discussão e consenso sem a necessidade de um terceiro revisor. Não foi realizada avaliação de qualidade metodológica ou de nível de evidência dos estudos.
Os motivos da exclusão de estudos, em texto completo, foram registrados e relatados na revisão. Os resultados da busca e seleção são a seguir relatados na íntegra e apresentados em um diagrama de fluxo de PRISMA Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)(8).
Os dados extraídos são a seguir apresentados em forma tabela, de maneira alinhada com o objetivo desta revisão de escopo. Um resumo narrativo acompanha os resultados tabulados e/ou gráficos e descreve como os resultados se relacionam com o objetivo e as perguntas das revisões.
A scoping review considera o produto da busca a bancos de acesso público, sem necessidade de aprovação em Comitê de Ética em pesquisa. Contudo, as pesquisas com seres humanos só foram incluídas quando apresentavam o registro de aprovação por algum Comitê de Ética.
RESULTADOS
Os artigos que retornaram nas buscas foram um total de N=738. Na busca pela literatura cinzenta, uma tese foi encontrada no Banco de Teses da CAPES e foi encontrado o artigo oriundo. Mais quatro trabalhos foram encontrados pela análise das referências dos artigos originados nas buscas e seis foram encontrados no Google Scholar, totalizando onze artigos incluídos a partir da literatura cinzenta (Figura 2).
Fonte: Fluxograma PRISMA-ScR adaptado de Tricco et al., 2018.
Figura 2 – Fluxograma do processo de seleção dos artigos para a revisão de escopo. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2022
No processo de análise pelo título e resumo, foram excluídos artigos sobre diagnósticos médicos (N=229) e sobre procedimentos privativos do profissional médico (N=243), como drenagem pleural, acesso central e profundo e procedimentos intervencionistas como biópsias e extração de tumores. Embora tenha havido um recorte para o bloco operatório, houve exclusão de N=16 trabalhos realizados em outros cenários (Figura 2). Por fim, 19 artigos compuseram o corpus de análise.
Os artigos que integraram a revisão de escopo foram produzidos, principalmente, nos Estados Unidos (N=7) e Brasil (N=5). Os autores eram, em sua maioria, anestesiologistas (N=10), seguido por enfermeiros (N=9). Os artigos produzidos por anestesiologistas foram aqui incluídos, porque versavam sobre uso da ultrassonografia em situações que o enfermeiro perioperatório também utiliza o recurso. No processo de seleção dos artigos, os trabalhos produzidos por anestesiologistas eram estudos com o uso da ultrassonografia para a realização de bloqueios e acessos centrais, principalmente. Ainda que a maioria dos artigos tenha sido sobre a avaliação de conteúdo vesical, não foi encontrada revisão de literatura sobre o tema, enquanto as duas revisões encontradas foram sobre o uso da ultrassonografia para punção periférica de acessos venosos e arteriais. A figura 3 apresenta um resumo dos estudos utilizados na revisão (Figura 3).
País / Ano |
Revista |
Tipo de Estudo |
Uso da USG* |
Principais resultados |
Coréia do sul 2021(9) |
Signa Vitae |
Observacional |
Avaliação de conteúdo gástrico antes de cirurgias de emergência pediátrica. |
Em jejum, o tempo para estômago vazio foi de 6,5 horas (sensibilidade =0,767; especificidade =0,811). |
Estados Unidos 2021(10) |
Pediatric Anesthesia |
Coorte retrospectiva |
USG para punção venosa periférica difícil em pediatria. |
O uso de USG (N=12728 punções) aumentou o sucesso na inserção dos cateteres (OR 2,61; p<0,001). |
China 2021(11) |
J of Perianesthesia Nursing |
Experimental |
Avaliação de conteúdo gástrico pré-operatório. |
A USG foi utilizada (N=75) para avaliar conteúdo gástrico na abreviação do jejum com solução de carboidrato versus placebo (água aromatizada). |
Brasil 2021(12) |
Rev Bras Anestesiol |
Observacional |
Avaliação do volume vesical para investigação de retenção urinária. |
Ocorreu retenção urinária em 19 (7,39%) dos 257 pacientes avaliados, considerando retenção de volumes maiores de 600ml. |
Brasil 2021(13) |
Rev Gaucha Enferm |
Observacional |
Avaliação do volume vesical para investigação de retenção urinária. |
Retenção urinária pela ultrassonografia em 33,2% das 205 avaliações. |
Brasil 2019(14) |
Rev SOBECC |
Observacional |
Avaliação do volume vesical para investigação de retenção urinária. |
Os enfermeiros (N=34) opinaram que USG é facilitadora no diagnóstico da retenção; o grau de confiança e segurança constatado foi alto e muito alto; se mostraram satisfeitos com a tecnologia; consideraram importante seu uso para autonomia do enfermeiro e opinaram que o uso do ultrassom portátil para detecção de retenção urinária na recuperação anestésica só apresentou vantagens. |
Itália 2019(15) |
Minerva Anestesiologica |
Editorial |
Avaliação de posicionamento de cateter gástrico. |
Apresenta evidências de que a USG pode confirmar a posição do cateter gástrico. |
Estados Unidos 2019(16) |
Minerva Anestesiologica |
Observacional |
Avaliação de posicionamento de cateter gástrico. |
Dos 149 adultos que receberam cateter gástrico no intraoperatório, 110 tiveram a posição identificada corretamente e 14% mal estava posicionado. |
Turquia 2018(17) |
Med Sci Monit |
Observacional |
Avaliação de conteúdo gástrico em jejum. |
Dos 120 pacientes em jejum pré-operatório, 20,8% estavam com conteúdo residual gástrico acima do corte de 340mm² de área de sessão antral. |
Brasil 2017(18) |
Rev Bras Anestesiol |
Experimental |
Avaliação de conteúdo gástrico em jejum. |
Foi realizada a avaliação foi quantitativa (área do antro e volume gástricos e relação volume gástrico/peso dos participantes) e qualitativa, pela ausência ou presença de conteúdo gástrico nas posições de decúbito lateral direito e supina. |
Brasil 2017(19) |
Rev Assoc Med Bras |
Experimental |
Avaliação de conteúdo gástrico. |
USG foi utilizada para comparação do conteúdo gástrico em grupos de pacientes com jejum, após a ingestão de líquidos claros, leite e comida sólida. Foi possível avaliar o volume gástrico e a natureza do conteúdo. |
Noruega 2016(20) |
J of Perianesthesia Nursing |
Observacional |
Avaliação do volume vesical para investigação de retenção urinária. |
Em pacientes pediátricos, a retenção urinária pós-operatória foi identificada em 74% dos casos, com incidência de 18,5% de volumes que extrapolaram o dobro da capacidade da bexiga. Os autores sugerem que protocolos com o uso da USG podem reduzir o número de sondagens de alívio em crianças. |
China 2014(21) |
PLoS ONE |
Revisão Sistemática |
USG para punção arterial. |
USG aumentou o sucesso na primeira punção. A técnica mostrou-se superior a palpação tradicional quando utilizada por usuários experientes, em crianças menores e em procedimentos cirúrgicos eletivos. |
França 2014(22) |
British J of Anaesthesia |
Observacional |
Avaliação do volume vesical para investigação de retenção urinária. |
No momento da alta da recuperação anestésica, 44% dos pacientes submetidos a cirurgias de grande porte apresentavam volume urinário >500ml e apenas 54% destes apresentavam sinais de distensão vesical. |
Estados Unidos 2013(23) |
General Medicine |
Revisão Sistemática |
USG para punção venosa periférica. |
USG aumenta o sucesso nas punções pediátricas no centro cirúrgico e diminui número de tentativas em pacientes em geral. |
Estados Unidos 2013(24) |
J of Perianesthesia Nursing |
Observacional |
Avaliação do volume vesical para investigação de retenção urinária. |
Incidência de 20,6% de retenção urinária pós-operatória. |
Estados Unidos 2009(25) |
J of Perianesthesia Nursing |
Relato de Experiência |
Avaliação do volume vesical para investigação de retenção urinária. |
A avaliação pós-operatória com USG foi instituída para pacientes com alto risco de retenção antes da alta hospitalar. |
Estados Unidos 2000(26) |
AORN Journal |
Observacional |
Avaliação do volume vesical para investigação de retenção urinária. |
A USG foi utilizada na amostra de N=324 pacientes estratificados por risco de retenção definido pelos pesquisadores. |
Estados Unidos 2000(27) |
J of Perianesthesia Nursing |
Observacional |
Avaliação do volume vesical para investigação de retenção urinária. |
Em um ano, a incidência de retenção urinária avaliada por palpação foi de 1,4% versus 19,4% de incidência quando avaliado por USG num período de nove meses. |
*USG: Ultrassonografia
Figura 3 - Características dos estudos que compuseram a revisão de escopo, segundo o país e ano de publicação, periódico, desenho do estudo, situação em que a ultrassonografia foi utilizada e principais resultados. Belo Horizonte, MG, Brasil, 2022
DISCUSSÃO
Os estudos encontrados versavam sobre três usos principais da ultrassonografia para enfermeiros perioperatórios no cenário do bloco operatório: avaliação gástrica (N=7), avaliação de conteúdo vesical (N=10) e auxiliar para punção periférica venosa e arterial (N=3).
Cabe ressaltar que os países divergem quanto ao progresso da apropriação da tecnologia pela enfermagem, considerando-se vários fatores, como a disponibilidade da ultrassonografia dentro do bloco operatório, a oferta de cursos de formação e a própria organização da profissão e o estágio de ampliação das práticas avançadas para a enfermagem. Por exemplo, enquanto o uso da ultrassonografia por enfermeiros para avaliação cardíaca, pulmonar e outros usos vem se tornando realidade no Mundo, a ausência de resultados nesta revisão indica que essa ainda não é realidade para a enfermagem perioperatória brasileira(28).
Avaliação do conteúdo gástrico e do posicionamento de sonda
Sete artigos investigaram a utilização da ultrassonografia para avaliação do conteúdo gástrico e do posicionamento da sonda gástrica ou enteral. A pesquisa nesse campo parece ser promissora em aprimorar a técnica para contribuir com a possibilidade de estudos sobre redução do jejum pré-operatório. Dois estudos descrevem com detalhe a técnica de avaliação quantitativa (área do antro e volume gástricos e relação volume gástrico/peso) e qualitativa (ausência ou presença de conteúdo gástrico)(18-19).
Dois outros trabalhos avaliaram o posicionamento do cateter instalado em posição gástrica em situação de intraoperatório(15-16). Para os autores, a prática é corriqueira na sala operatória por anestesiologistas e, nessa situação, é mais difícil utilizar a radiografia para confirmar o posicionamento.
Um dos estudos avaliou que 14% dos cateteres avaliados por ultrassom estavam mal posicionados(15). Um dos estudos, ao encontrar que 20,8% dos pacientes pesquisados (N=120) estavam acima do ponto de corte de 340mm² de sessão antral, alerta que mesmo os pacientes de jejum podem apresentar conteúdo residual significativo no estômago e sugerem avaliação mais critério, considerando o método da ultrassonografia barato e não invasivo(17).
Apenas um dos estudos sobre a temática foi realizado por enfermeiros, mostrando o quanto a prática é inovadora e precisa ser difundida(11).
Avaliação de conteúdo vesical
A alta proporção de artigos na amostra sobre o tema reflete que a avaliação de conteúdo vesical para investigação de retenção urinária (RU) pós-operatória é uma prática amplamente difundida na literatura, embora na realidade brasileira não tenha a proporcional inserção nas salas de recuperação pós-anestésicas. Apenas dois estudos sobre a aplicação da técnica no bloco operatório foram realizados por anestesistas, enquanto todos os demais foram realizados por pesquisadores enfermeiros(12,22).
Em um dos estudos(14), os enfermeiros entrevistados (N=34) opinaram que a USG é facilitadora no diagnóstico da RU e afirmaram ter elevado grau de confiança, segurança e satisfação com a tecnologia. Além da percepção mais técnica sobre o uso do recurso na Sala de Recuperação Pós-anestésica, os entrevistados consideraram importante seu uso para autonomia do enfermeiro e opinaram que o uso do ultrassom portátil só apresentou vantagens(14).
Apesar de elevados índices entre adultos, a retenção urinária apresentou, nas pesquisas analisadas, incidência mais elevada entre crianças(12-13,20,22,24). Dois trabalhos sugeriram classificação para o risco de retenção urinária e protocolos que incluam avaliação ultrassonográfica rotineira para pacientes de alto risco(25-26) e um terceiro revelou a discrepância entre a incidência de retenção urinária registrada no período de um ano sem ultrassom comparado com nove meses com a tecnologia(27).
Apesar de ainda não existir um consenso na literatura quanto ao volume padrão definido para caracterizar a RU, os estudos aqui considerados utilizaram pontos de corte de 500 e até 600ml(12,22). O estudo realizado em pediatria encontrou que 18,5% dos pacientes tinham volume vesical com o dobro do estimado para a idade(20). A definição do volume a ser considerada RU muda a incidência que os resultados apontarão ao final da pesquisa.
Por fim, vários autores recomendam a prática de avaliar pacientes em recuperação anestésica de forma sistemática utilizando USG, a partir de protocolos bem delineados que norteiem a rotina nas unidades de recuperação, considerando o risco dos pacientes(9,10,12,14).
Punção periférica venosa e arterial
Poucos estudos sobre o tema no cenário do bloco operatório foram encontrados (N=3). Considerando a gama de trabalhos realizados por enfermeiros sobre o uso de ultrassom para punção periférica em pediatria, emergência e terapia intensiva, a baixa produção na área da enfermagem perioperatória pode estar atrelada à dificuldade com o dimensionamento de pessoal, ocasionando um direcionamento do enfermeiro para atividades gerenciais com afastamento do enfermeiro da assistência direta(29).
Os estudos são claros, independentemente do cenário, que a punção periférica guiada por ultrassonografia, tanto para acessos arteriais quanto venosos, tem mais sucesso do que a técnica tradicional de palpação quanto mais difícil for o acesso(10,21,23).
Enfermeiros vêm utilizando a ultrassonografia para punção de acessos venosos periféricos e centrais de inserção periférica, além de cateteres arteriais, e a habilidade e experiência do profissional melhoram os resultados, minimizando o risco trauma vascular(30). A proficiência para o uso da tecnologia acontece a partir de 20 a 25 punções guiadas por ultrassom(30-31).
O trabalho de revisão apresentado teve por limitação a restrição de idiomas, considerando que pode haver significativa produção além dos idiomas considerados. Os estudos produzidos por não-enfermeiros não foram capazes de aprofundar em como questões relacionadas à própria enfermagem, enquanto profissão impactam negativamente na apropriação de recursos tecnológicos, como cenários de exploração, sobrecarga de trabalho, dimensionamento incorreto e remuneração inadequada.
Embora avaliando procedimentos que os enfermeiros habilitados realizam no país, pesquisas de outros profissionais não trazem o olhar da enfermagem, o que limita a compreensão de outros aspectos como a curva de aprendizagem para enfermeiros, a inserção do recurso dentro das suas atividades já estabelecidas no bloco operatório e outras possíveis barreiras para o uso da ultrassonografia na prática assistencial.
CONCLUSÃO
Deve-se considerar que a produção de conhecimento na área está diretamente relacionada à inserção de uma prática avançada na rotina dos enfermeiros de um país. Os estudos brasileiros produzidos por enfermeiros, no bloco operatório, versavam sobre avaliação de retenção urinária pós-operatória. Outras práticas com ultrassonografia já utilizadas em outras áreas por enfermeiros, como avaliação pulmonar, cardíaca e verificação da intubação traqueal, não foram citados nos estudos, refletindo que ainda não são práticas avançadas da enfermagem perioperatória brasileira.
A realidade dos enfermeiros dos centros cirúrgicos brasileiros precisa garantir uma atenção ao paciente não apenas indireta, mas no cuidado direto, colocando o enfermeiro na centralidade do cuidar. O enfermeiro do bloco operatório, habilitado e com o lastro das evidências, deve executar sua prática avançada ao lado do paciente desde a admissão no centro cirúrgico até a alta, sendo indispensável em todas as etapas desde o período pré-operatório, transoperatório e recuperação pós-anestésica.
Os enfermeiros perioperatórios devem buscar formação para práticas avançadas incluindo o uso de ultrassonografia como auxiliar em sua prática. Sugere-se a elaboração de protocolos institucionais para os enfermeiros e ainda se ressalta a necessidade de investimentos em capacitação, tendo em vista uma melhor assistência aos pacientes em perioperatório.
Este estudo traz um levantamento do estado da arte acerca do uso da ultrassonografia por enfermeiros perioperatórios no centro cirúrgico, com o potencial de despertar para a apropriação do recurso na prática no país e para o desenvolvimento de mais pesquisas sobre o tema produzidas por enfermeiros.
Ainda se destacam as possibilidades de evidências a serem desenvolvidas por enfermeiros, tendo em vista a carência de padronização, por exemplo, no procedimento do uso da USG para verificação e confirmação da localização das sondas gástricas ou entéricas, ou mesmo contribuindo para verificação de conteúdos gástricos, contribuindo para evidências de redução do tempo de jejum pré e pós-operatório, o que pode representar avanços inquestionáveis nas atribuições e procedimentos do enfermeiro na SRPA e período perioperatório.
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
REFERÊNCIAS
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Submissão: 15/10/2022
Aprovado: 03/09/2023
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