ORIGINAL
Fatores associados à decisão vacinal de gestantes frente à vacinação contra Covid-19: estudo misto
Luiz Henrique dos Santos Ribeiro1, Audrey Vidal Pereira1, Alessandro André Leme1, Valdecyr Herdy Alves1, Adriano Maia dos Santos2, Tatiana do Socorro dos Santos Calandrini1
1Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil
2Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil
RESUMO
Objetivo: Analisar os fatores que influenciaram a decisão de gestantes vinculadas à Atenção Primária em Saúde, em se vacinarem contra Covid-19. Método: Estudo misto faz parte de um projeto guarda-chuva, cujo recorte foi realizado com 42 gestantes, que responderam ao questionário e participaram de entrevista semiestruturada. Os dados passaram por análise estatística simples e análise temática. Resultados: Fatores significativos associados à aceitação vacinal: orientação/estímulo para vacinação realizados pelo enfermeiro, apoio de familiares, medo de estar contaminado ou morrer por Covid-19 e possibilidade de proteger o feto. Fatores atrelados a hesitação: medo de efeitos adversos provenientes da vacinação, medo de agulha e notícias falsas em mídias digitais. Conclusão: A hesitação vacinal pode impactar diretamente na imunização coletiva dificultando a ampliação da cobertura vacinal necessária para proteger a população. A necessidade permanente de estratégias profissionais e políticas públicas contribui para ampliar confiança na vacinação contra a Covid-19 no país.
Descritores: Gestantes; Covid-19; Vacinação.
INTRODUÇÃO
O Brasil tem um Programa de Imunização com vasta atuação relacionada à redução de morbimortalidades provocadas por doenças imunopreviníveis. Com o avanço da tecnologia relacionada ao desenvolvimento das vacinas pode-se observar historicamente uma evolução significativa em sua capacidade de ampliar cobertura vacinal, cujos benefícios sociais e econômicos tem comprovado reconhecimento nacional e internacional(1).
No entanto, a taxa de cobertura vacinal vem caindo sob a influência de alguns fatores como por exemplo, o aumento de grupos antivacinas e veiculação de notícias falsas relacionadas à vacinação. Esse movimento abre margem para divergências de opinião entre liberdade individual e a necessidade de decisão organizacional e proteção coletiva da vida(1-2).
Com o advento da pandemia, segundo a edição extraordinária do Observatório Covid-19 Fiocruz, em 2021 a taxa de mortalidade pela Covid-19 entre grávidas e puérperas brasileiras foi de 7,2%, sendo um percentual maior do que a taxa nacional de mortalidade de 2,8%; caracterizando o país com o maior número de mortes maternas(3). Importante destacar que mulheres grávidas tinham maior chance de desenvolver formas graves de Covid-19 contribuindo para o aumento das taxas de mortalidade em comparação com pessoas não grávidas(4-5).
Mesmo que ainda persista pouco consenso quanto à vacinação de gestantes contra Covid-19, assinalando uma questão controversa ao levar em conta a dificuldade em realizar ensaios clínicos para validar segurança das mesmas; existem vários estudos que valorizam a continuidade de investigações e a manutenção da vacinação para esse grupo populacional(6-7). Pois, ainda que a decisão de se vacinar seja realizada pela própria mulher, a eficácia das vacinas que supera os riscos para esse grupo específico deve ser amplamente divulgada a partir de informações atualizadas.
Vale destacar que em relação a vacinação contra Covid-19 voltada especificamente para mulheres grávidas, o medo de eventos adversos pós-vacinação e preocupações com os efeitos nocivos ao feto pode levar gestantes a uma tendência de apresentar maior resistência a vacinação do que as pessoas não grávidas(8-9).
Essa resistência tem sido relacionada ao conceito de hesitação vacinal perpassa o processo de recusa ou de atraso em relação à aceitação de vacinas, mesmo que estas estejam disponíveis a população, cujos comportamentos são influenciados por fatores que se inter-relacionam, cujo modelo teórico faz referência à confiança, complacência e conveniência, que foi proposto pela OMS desde 2011(10).
Esse modelo pode ser ampliado levando-se em conta questões que envolvem comunicação e contexto(11). Assim, a confiança está relacionada a sensação de segurança das vacinas, ao sistema de saúde e as recomendações de gestores ou profissionais de saúde. A complacência resulta da baixa percepção da necessidade da vacina diante do baixo sentimento de risco de contrair a doença. A conveniência considera as condições de acesso geográfico e econômico, além da capacidade de compreensão das informações em saúde. A comunicação está relacionada a divulgação do conhecimento, informação e orientação presencial ou através das tecnologias e mídias sociais, gerando possibilidade de acreditar em informações falsas. Já o contexto inclui etnia, escolaridade, religião, ocupação e status socioeconômico(10-11).
Deste modo, para garantir o êxito do desenvolvimento e eficácia da vacinação contra Covid-19 para gestantes também se torna necessário investir cada vez mais em processos que levem em conta os comportamentos das pessoas com vistas a necessidade de ampliar estímulo da aceitação e diminuir posicionamentos relacionados à hesitação, resistência ou recusa vacinal(12-13).
Estimativas de aceitação e hesitação global da vacina contra Covid-19, sobretudo entre gestantes ainda são desconhecidas, tornando-se necessário identificar os desafios envolvidos nesse processo, contribuindo para acelerar a cobertura vacinal e por sua vez ampliar poder de decisão individual e organizacional com foco em especificidades relacionadas às gestantes.
Assim, a partir da hipótese de que gestantes podem ter maior hesitação vacinal contra Covid-19 do que a população não grávida, este estudo tem como objetivo analisar os fatores que influenciaram a decisão de gestantes à vacinação contra Covid-19.
MÉTODO
Parte de um projeto guarda-chuva tipo websurvey intitulado Vacinação e Covid-19: tomada de decisão de usuários e trabalhadores da Atenção Primária à Saúde, este estudo misto sequencial explanatório foi realizado sob influência de John Creswell, cuja coleta e análise de informações qualitativas serão realizadas a partir dos resultados preliminares produzidos via coleta e análise de dados quantitativos por meio de um questionário online aplicado as gestantes durante a pandemia e posterior etapa qualitativa através de entrevistas individuais semiestruturadas(14).
A coleta de dados foi realizada entre abril e junho de 2022, tendo início após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer de aprovação Nº 5.569.429). Os questionários foram respondidos via Google forms com orientações sobre o processo de participação e sinalização referente ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE que viabilizava possibilidade de prosseguimento ou recusa de participação. Deste modo a participante sinalizava o aceite das condições para prosseguir e ciência de que o consentimento era implícito ao ler, clicar e avançar no preenchimento do questionário enviado via contato digital por WhatsApp, por exemplo, cuja duração prevista era entre 10 a 15 minutos. As entrevistas tinham como questões: O que você pensa sobre vacinação contra Covid-19? Quais os motivos que levaram você a se vacinar contra Covid-19? Quais as razões contribuíram para que você tivesse resistência em se vacinar contra Covid-19? Foram realizadas em consultórios da unidade de saúde, em horário disponível das participantes. Foram utilizadas medidas protetivas contra Covid-19, como o distanciamento, máscara cirúrgica e álcool a 70%. Os instrumentos foram elaborados pelos pesquisadores.
A previsão de participantes se deu por amostragem não probabilística, sendo ampliada a partir da técnica snowball sampling(15). Os critérios de inclusão foram: gestantes maiores de 18 anos vinculadas a unidades de saúde da atenção básica e com familiaridade com recursos digitais. Como critérios de exclusão: gestantes com incapacidade intelectual.
Os dados quantitativos foram analisados a partir de estatística descritiva simples e as informações oriundas das entrevistas foram transcritas e submetidas a procedimentos de Análise Temática(16).
RESULTADOS
A idade média das gestantes foi de 27 anos, sendo que a maioria referiu ter ensino fundamental e renda equivalente a um salário-mínimo. Quanto à cor da pele, 47,6% autodeclararam branca e 50% negra, quando somado o quantitativo de pardas (21,4%) e pretas (28,6%). Mais da metade (52%) eram evangélicas e 97% relataram ser heterossexuais. Grande parte (40,5%) relatou morar com três pessoas no mesmo domicílio e 42,8% ter apenas um filho. Dente 52,8% das gestantes que referiu imunização com mais de duas doses, 46,3 % foram imunizadas somente com Biontech-Pfizer.
Em meio às situações que interferiram na decisão de gestantes em relação à vacinação contra Covid-19 podem ser observadas variáveis significativas tanto com relação aos fatores associados à aceitação quanto à hesitação vacinal, que foram compiladas na Tabela 1.
Tabela 1 – Fatores associados à decisão de gestantes em relação à vacinação contra Covid-19. Região de saúde do Médio Paraíba do Estado do Rio de Janeiro, 2022
Variáveis |
n |
(%) |
A aceitação de se vacinar contra Covid-19 foi influenciada por / pelo(a)* |
|
|
Estímulo/orientação realizada por enfermeiro |
23 |
54,8 |
Estímulo/orientação realizada por outro profissional da equipe de saúde |
3 |
7,2 |
Campanhas realizadas na internet, rádio, jornal e televisão |
4 |
9,5 |
Familiares |
3 |
7,2 |
Cursos e capacitações para profissionais e trabalhadores de saúde |
2 |
4,8 |
Vídeos e palestras de pesquisadores / especialistas que trabalham com vacinas |
2 |
4,8 |
Amigos |
1 |
2,4 |
Mensagens, vídeos e postagens em redes sociais (Instagram, Facebook/Meta, WhatsApp) |
4 |
9,5 |
Medo de morrer contaminado por Covid-19 |
4 |
9,5 |
Medo de ser contaminado por Covid-19 |
4 |
9,5 |
Possibilidade de proteger o feto via placenta |
5 |
11,9 |
Possibilidade de proteger o bebê pela amamentação |
3 |
7,2 |
Gratuidade das vacinas disponibilizadas pelo MS facilita o acesso à vacinação |
31 |
73,8 |
Disponibilidade das vacinas na unidade de saúde assim que teve liberação do MS |
11 |
26,2 |
Local de vacinação próximo da residência facilita o acesso à vacinação |
2 |
4,8 |
A resistência em se vacinar contra Covid-19 foi influenciada por / pelo(a)* |
|
|
Familiares |
5 |
11,9 |
Campanhas realizadas na internet, rádio, jornal e TV |
3 |
7,2 |
Mensagens, vídeos e postagens em redes sociais (Instagram, Facebook/Meta, WhatsApp) |
4 |
9,5 |
Profissional de saúde – médico |
2 |
4,8 |
Agente comunitário de saúde |
3 |
7,2 |
Amigos |
1 |
2,4 |
Medo de agulha |
6 |
14,2 |
Falta de tempo |
4 |
9,5 |
Possibilidade de ter eventos adversos provenientes da vacinação contra Covid-19 |
3 |
7,2 |
Arrependimento em não ter se vacinado assim que vacinas foram disponibilizadas |
3 |
7,2 |
Recusa de vacina(s) como a Coronavac e Oxford-AstraZeneca |
2 |
4,8 |
Descrédito na proteção efetiva / prolongada das vacinas contra Covid-19 |
1 |
2,4 |
Questionamento quanto à origem das vacinas contra Covid-19 |
1 |
2,4 |
Tipo específico da vacina disponível no dia da vacinação dificulta o acesso a vacinação |
2 |
4,8 |
Unidade de saúde ou local de vacinação longe da residência dificulta o acesso |
6 |
14,2 |
Demora por parte do MS em garantir as vacinas para a população dificulta o acesso |
8 |
19,0 |
Demora nas filas existentes nos locais de vacinação dificulta o acesso |
7 |
16,7 |
Datas programadas por faixa etária e grupos específicos limitada o acesso a vacinação |
10 |
23,8 |
Falta de vacina no dia em que foi a unidade de saúde / local de vacinação |
1 |
2,4 |
*Participante poderia marcar mais de uma opção |
|
|
Além dos dados quantitativos, também foram analisadas falas das gestantes provenientes das entrevistas, podendo-se identificar temas que se repetiram formando categorias associadas à aceitação e hesitação vacinal: A veiculação de fake news ou de conteúdos científicos sobre vacinas contra Covid-19, a partir de tecnologias de informação influenciando a decisão vacinal das gestantes; Medo associado ao Covid-19 suscita sentimento de aceitação vacinal e o medo atrelado à vacinação amplia hesitação; Amigos, familiares e profissionais podem estimular a aceitação ou hesitação vacinal das gestantes; A influência de práticas educativas realizadas por profissionais de saúde ampliam a possibilidade de aceitação vacinal.
Um destes fatores identificados foi a influência exercida pelo profissional de saúde. Em destaque pode-se observar que 11,9% das gestantes sinalizaram que os profissionais de saúde apresentavam posicionamentos resistentes a vacinação.
A fala da participante elucida essa questão:
Vi médicos falando que com os anos aparecem outras doenças (G28)
No entanto, também foi pontuado pelas gestantes que o estímulo/orientação realizados pelo enfermeiro (54,8%) e o estímulo/orientação realizados por outros profissionais de saúde (7,2%) faziam vinculação à aceitação vacinal. A influência de práticas educativas realizadas por profissionais de saúde, neste estudo em destaque os enfermeiros, ampliam a possibilidade de aceitação vacinal. Essa questão pode ser exemplificada a partir das seguintes falas:
Mas se for necessário e o enfermeiro ou médico disser que preciso, eu tomo (G029)
Os profissionais estudam e eu confio, nas orientações do pessoal que trabalha no posto perto de casa (G030)
As campanhas realizadas na internet, rádio, jornal e TV, foram identificadas por 9,5% sendo vinculados à aceitação e 7,2% associados à hesitação. As mensagens, vídeos e postagens em redes sociais (Instagram, Facebook/Meta, WhatsApp) foram apontadas igualmente por 9,5% das gestantes sendo associados à aceitação e por 9,5% à resistência. Como forma de caracterizar as respectivas associações pode-se observar as falas destas gestantes:
Eu vi muitos vídeos e tive relatos de amigos que tomaram e que não ficaram bem [...] vi no kwaia. Não acredito, eu vi na internet, não tomo (G028)
Eu achei bom, eu vi reportagens na internet que estava melhorando os casos e resolvi tomar, as notícias ajudaram a ver o que estava acontecendo (G031)
Nas redes sociais sempre tem muita coisa, mensagem negativa sobre vacina, ideal saber onde ler e o que fazer, vacinei mesmo com medo, a gente recebe muito mensagem, Facebook e as vezes no WhatsApp (G032)
Os familiares também foram apontados influenciando tanto a aceitação (7,2%), quanto à hesitação vacinal (11,9%). No entanto, as informações qualitativas destacaram aspectos relacionados a aceitação, como pode ser visto a partir do relato da participante:
Minha família também ficou falando para tomar (G029)
De modo específico, em relação à aceitação, 19% das participantes assinalaram respectivamente, que a preocupação com a proteção do feto via placenta e o medo de ser contaminado ou morrer por Covid-19 foram indicativos para vacinação logo que foram disponibilizadas as doses pelo SUS. A fala da participante reforça essa questão:
Eu vacinei porque estava com medo de morrer e prejudicar o meu bebê (G037)
Dentre os fatores que mais se destacaram atrelados à hesitação vacinal encontram-se o e o medo de agulha (14,2%) e a possibilidade de ter eventos adversos provenientes da vacinação contra Covid-19 (7,2%). O arrependimento em não ter se vacinado assim que as vacinas foram disponibilizadas aparece sendo sinalizado por 7,2%. As falas a seguir podem exemplificar o quanto o medo pode influenciar o comportamento das gestantes:
Eu tive medo da terceira dose, medo de trombose (G020)
Muita gente onde moro foi tendo reação, dor no braço, febre. Tive medo (G028)
DISCUSSÃO
Mesmo que a taxa de vacinação desse grupo de gestantes tenha sido alta (95,2%), e somente duas participantes (4,8%) relatando que não se vacinaram, deve-se considerar a possibilidade de correlação entre os fatores identificados pelas mesmas que levam a dúvidas e questionamentos direcionados tanto à aceitação e confiança quanto à resistência ou até recusa.
Pode-se observar a existência de fatores identificados pelas gestantes que interferem no processo de decisão vacinal, tanto de aceitação quanto de hesitação: o uso de tecnologias de informação relacionado à veiculação de assuntos sobre vacinação contra Covid-19, o medo da gestante de ser contaminada ou morrer por Covid-19, a preocupação em proteger o feto, o medo de efeitos colaterais da vacinação para si e para o feto, e a influência de amigos, familiares e profissionais de saúde.
As mídias digitais e redes sociais podem influenciar o processo de decisão das gestantes, a partir do acesso tanto às notícias falsas que ampliam hesitação ou recusa vacinal dificultando a prevenção de agravos e a proteção da saúde; quanto às informações verídicas e atualizadas que contribuem para ampliar aceitação vacinal e cuidado com a saúde. O jornal, rádio, TV, mídias digitais e redes sociais (Instagram, Facebook/Meta, WhatsApp), podem ser veículo de informações associados à aceitação(17), mas também à hesitação. O avanço de fake news e desinformações caracteriza processo epidêmico que vem afetando os modos de comunicação na vida cotidiana e por sua vez, a saúde ao redor do mundo(18) deixando a população menos confiante e mais complacente em relação ao processo de vacinação(11,19).
O medo de ser contaminado ou morrer por Covid-19 levou as gestantes desse estudo a relatarem maior possibilidade de aceitação vacinal. Foi identificado nos estudos(12,20) ratificando o quanto pode aumentar a vontade da gestante de se vacinar.
Por sua vez, o medo de eventos adversos provenientes da vacinação, o medo de agulha e a preocupação em gerar danos ao feto também aparecem sendo sinalizado pelas gestantes como possibilidade de hesitação vacinal nos seguintes estudos(9,11).
Nesse contexto de tensões e contradições, os familiares, amigos e profissionais de saúde também podem influenciar tanto a aceitação quanto à hesitação vacinal. Assim, a decisão de vacinar pode ser influenciada por visões conflitantes. Em relação aos profissionais, nesse estudo pode-se destacar os registros referentes ao trabalho das(os) enfermeiras(os) relacionado à orientação sobre vacinação. A importância do estímulo/orientação realizados pelos profissionais de saúde em relação à vacinação pode ser identificada em estudo realizado por Dara et al.(20) na Índia. No entanto, também existem posicionamentos resistentes a vacinação que suscitam questionamentos e ponderações que dificultam o discernimento da população(21). O processo de comunicação entre profissionais e população deve ser vivenciado levando-se em conta o contexto e a existência de fatores relacionados à etnia, escolaridade, religião, ocupação e renda que interferem no poder de decisão das pessoas. Assim, torna-se importante que realizem abordagens de maneira sensível e transparente a fim de instrumentalizar atitudes coerentes com a divulgação de evidências científicas atualizadas.
Especificamente, dentre os fatores que mais se destacaram, associados pelas gestantes à aceitação vacinal, foi a expectativa de garantir a proteção do feto. A preocupação com a proteção do feto via placenta é um indicativo identificado pelas gestantes para vacinação logo que foram disponibilizadas pelo SUS, sendo um fator amplamente mencionado nos estudos(11,22) ampliando possibilidade de confiança e aceitação da vacinação.
Em meio aos fatores que mais sobressaíram nos registros das gestantes atrelados especificamente à hesitação vacinal, encontram-se as datas programadas por faixa etária e grupos específicos, a demora por parte do Ministério da Saúde em garantir as vacinas e a demora nas filas existentes nos locais de vacinação.
Outro fator identificado nos registros das gestantes que contribuiu para hesitação foi a preocupação com a rápida aprovação das vacinas contra Covid-19 para uso emergencial, sendo também identificado por Skjefte et al.(9) em um estudo online e transversal realizado com mais de 17 mil mulheres de 16 países. No entanto, os autores apontam que o avanço no desenvolvimento das vacinas pode contribuir para ampliar confiança e aceitação das mesmas em diferentes contextos.
Vale destacar, que a hesitação relacionada à vacinação contra Covid-19 está num contexto de resistências e recusas que tem sido ampliado mediante desinformação ou preocupações de segurança, também impactando a confiabilidade direcionada ao uso de outras vacinas, como por exemplo, contra a gripe, poliomielite e sarampo(10). Deste modo, a hesitação vacinal pode influenciar diretamente na imunização coletiva dificultando ampliar cobertura vacinal necessária para proteger a saúde da população, tanto em relação à Covid-19 quanto às doenças como sarampo, poliomielite, gripe, etc. Em relação às gestantes, ao fazerem parte de um grupo com especificidades que também se associam ao feto, convivem com mais fatores associados à hesitação vacinal contra Covid-19 do que a população não grávida.
Assim, ratifica-se o quanto é importante operacionalizar políticas públicas de saúde no contexto do SUS, reforçando o processo de vacinação como um bem público gerenciado por uma rede competente de serviços de saúde, que deve permanecer com a perspectiva de gratuidade com vistas ao maior alcance populacional.
CONCLUSÃO
Os desafios para reverter as baixas coberturas vacinais de gestantes no contexto da pandemia fazem parte da realidade cotidiana dos serviços de saúde, no Brasil e demais países do mundo. Num contexto em que se pode observar crescente movimento relacionado à hesitação vacinal, divulgar informações atualizadas sobre a decisão de gestantes em relação a vacinação contra Covid-19, viabiliza o compartilhamento do conhecimento científico atualizado com vistas a tomada de decisão consciente.
Os profissionais de saúde, em destaque os enfermeiros, podem contribuir de modo significativo com processos de incentivo à vacinação e, por sua vez, ao envolvimento da população com vistas à ampliação de coberturas vacinais. Desse modo, esse estudo aponta para a necessidade permanente de estratégias profissionais e políticas públicas que reforcem a ampliação de confiança e segurança no processo de vacinação contra a Covid-19 no país.
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Aprovado: 01-Set-2023