ORIGINAL

 

Aleitamento materno e o processo de adaptação no contexto familiar: abordagem qualitativa

 

Patrícia Alves Paiva de Oliveira1, Luciana Barbosa Pereira1,  Thamires de Jesus Gonçalves1, Carla Silvana de Oliveira e Silva1, Orlene Veloso Dias1, Clara de Cássia Versiani1, Cristiano Leonardo de Oliveira Dias1

 

1Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Compreender a adaptação das mulheres ao processo de amamentação e o apoio familiar e dos serviços de saúde. Método: Estudo qualitativo fundamentado no referencial metodológico da Etnoenfermagem, conforme a Teoria de Enfermagem Transcultural de Leininger. Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada. Resultados: Evidenciaram-se três categorias temáticas: “Enfrentando algo inesperado, mutável e desafiador”; “Convivendo com dúvidas, incertezas e desorientação” e “Identificando fontes de apoio para a manutenção da amamentação”. Conclusão: O processo de adaptação do aleitamento materno é permeado por dúvidas, incertezas e desafios. As mulheres apoiam-se em suas experiências prévias e na cultura familiar e sofrem influência direta destas. O papel da atenção básica é essencial nesse contexto.

 

Descritores: Aleitamento Materno; Antropologia Cultural; Enfermagem.

 

INTRODUÇÃO

A baixa adesão ao aleitamento materno exclusivo (AME) é um fenômeno mundial, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), que mostraram que apenas 23 países, de 194, apresentam amamentação exclusiva acima dos 60%. Os índices do AME no Brasil obtiveram melhora nas últimas décadas, contudo, a prevalência de 45,8% ainda está aquém do recomendado e esperado pela OMS até o ano de 2030(1-3).

Frequentemente, a mulher silencia suas dificuldades em função de carregar, de modo isolado, o peso do desmame precoce e de suas consequências para a saúde do filho. Por isso, as mulheres apoiam-se em conhecimentos arraigados e condizentes com sua cultura e, muitas vezes, associados a mitos ou crenças como: “seios pequenos não produzem boa quantidade de leite”, “ingerir caldo de cana, bebidas alcoólicas e canjica irão aumentar a produção do leite”, “bebê sente sede, por isso deve-se ofertar água/chás” e “usar mamadeira/chupeta não interfere na amamentação”(4-7).

Outras razões de insucesso reconhecidas pelas mulheres, nas últimas décadas, são problemas com as mamas, recusa do bebê ao seio, interpretação errônea do choro da criança e necessidade de trabalhar fora do ambiente domiciliar. Esses fatores potencializam o desmame precoce(4-8).

O apoio continuado à amamentação, após a alta hospitalar, tem sido preconizado como importante recurso para sua manutenção como prática alimentar dominante. É inegável a relevância da família, das pessoas mais próximas à nutriz, que dão, predominantemente, o apoio emocional e informativo, do meio sociocultural em que se insere, além do papel da atenção primária como fonte de apoio instrucional(8-10).

Faz-se necessária a compreensão dos recursos familiares utilizados para solucionar os problemas enfrentados durante a amamentação, quais os saberes transmitidos, os atores envolvidos nessas vivências, bem como a integração de crenças, mitos e cultura. A compreensão profissional sobre esses aspectos pode nortear a prática de saúde de modo a direcionar melhor orientação na promoção, apoio e proteção do aleitamento materno (AM)(11).

Assim, delineou-se como objetivo deste estudo compreender a adaptação de mulheres ao processo de amamentação e como tem sido o apoio familiar e dos serviços de saúde.

 

MÉTODO

Este é um estudo qualitativo embasado na Etnoenfermagem, conforme proposto por Madeleine Leininger. Esta teoria se enquadra ao tema da pesquisa por revelar o comportamento do indivíduo considerando seu contexto cultural. Leininger menciona que, na etnografia focalizada, a enfermeira pode entender um fenômeno com base em uma pequena quantidade de informantes. O termo "informante" é usado para nomear as pessoas que concedem informações referentes às crenças e costumes de um grupo, apresentando sua personalidade cultural(12).

O cenário do estudo contemplou quatro Estratégias Saúde da Família, situadas em um município do norte de Minas Gerais, Brasil, no ano de 2019. Não houve contato prévio com os participantes antes das entrevistas; o contato com eles ocorreu por meio de visitas domiciliares, durante as quais o pesquisador expressou seus objetivos com a pesquisa e as razões para seu desenvolvimento. Foram consideradas aptas para inclusão no estudo as mulheres em puerpério e em amamentação de crianças de zero a dois anos, que consentiram livremente em participar do estudo, respeitando os preceitos éticos e que demonstrassem potencial para revelar informações substanciais para o estudo, com pontos de vista similares ou diferentes sobre o fenômeno em estudo. Para isso, uma das enfermeiras autoras deste estudo esteve em campo, por meio de ações de estágio curricular por um semestre letivo. Como critério de exclusão, consideraram-se as mães que possuíam alguma contraindicação à amamentação.

As participantes foram nove puérperas consideradas "informantes-chave", por serem aquelas que vivenciam e conhecem o fenômeno, identificadas pelos códigos IC-1 [...] IC-9; e sete pessoas próximas às puérperas, indicadas por elas como apoiadores familiares no processo do AM, definidos neste estudo como "informantes-gerais", codificados como IG1, IG2 [...] IG7. Os informantes gerais foram orientados a revelar suas opiniões e visões, mesmo que divergentes das informantes-chave. Não houve recusa ou desistência de nenhum participante.

Foram utilizados dois modelos facilitadores durante a coleta e organização dos dados: o Observation-Participation-Reflection Model (Modelo Observação–Participação-Reflexão-OPR) foi utilizado como facilitador no momento da coleta de dados, por meio da observação e escuta ativa; e o Stranger-Friend Model (Modelo Estranho-Amigo), onde o pesquisador, ao imergir no campo de pesquisa, é considerado uma pessoa estranha. Assim, após o contato com a pessoa a ser pesquisada, o pesquisador sai do seu papel de estranho para assumir o papel de amigo, a fim de descobrir os fenômenos do indivíduo(12,13).

Realizou-se um pré-teste com três mulheres na Estratégia Saúde da Família de outro polo. Para a coleta de dados, utilizou-se um roteiro semiestruturado composto por duas partes, e as perguntas foram feitas oralmente aos participantes durante a entrevista, realizada em uma única visita domiciliar. A primeira parte se refere às questões de perfil socioeconômico e dados relativos à amamentação e à criança. Os dados relativos ao informante geral contemplaram idade, grau de parentesco ou relação com o informante geral.

A segunda parte destinou-se à entrevista, constituída por duas questões norteadoras, a saber: 1) Como foi para você o processo de adaptação à amamentação? Fale-me sobre as suas dúvidas/problemas enfrentados e as soluções encontradas. 2) Quem você reconhece como apoiador ou ajudante nesse processo de adaptação e por quê?

Os informantes participaram voluntariamente, após esclarecimento sobre os objetivos e finalidades da pesquisa, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de Autorização para Gravação de Voz em duas vias. As entrevistas foram gravadas em um smartphone - modo offline, com aplicativo de gravador digital, e tiveram uma duração média de 10 minutos. Em seguida, os discursos foram ouvidos e transcritos na íntegra por meio do software Microsoft Office Word 2007, e não foi necessária nenhuma correção por parte dos participantes, pois as orientações foram dadas após o término das entrevistas.

Para a análise dos dados, foram seguidas as quatro fases propostas por Leininger: coleta e documentação dos dados brutos a partir das observações e anotações de tudo o que ocorre durante a permanência no campo de pesquisa, registradas em um diário de campo; identificação de descritores e componentes, com base na etapa anterior, verificando as semelhanças e diferenças entre os comportamentos dos informantes; análise contextual e de padrão, na qual as informações obtidas foram transcritas e organizadas conforme as categorias encontradas, e examinadas minuciosamente com o auxílio do software Microsoft Office Excel 2007; identificação dos temas, achados relevantes e formulações teóricas, permitindo a síntese do pensamento e uma análise criativa das informações trabalhadas nas etapas anteriores, o que possibilitou a elaboração de categorias temáticas.

O número de participantes foi definido a partir da saturação dos dados, considerando a heterogeneidade da população pesquisada(14). A pesquisa atendeu às normas da Resolução 466/2012 que norteia pesquisas com seres humanos e obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com Seres Humanos da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), conforme parecer nº 2.896.717. Foram seguidos os requisitos Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ) para orientar a escrita de estudos qualitativos.

 

RESULTADOS

A amostra configurou-se heterogênea, como pretendido, entre as nove informantes-chave e as sete informantes gerais, conforme descrito nas Figuras 1 e 2. Notam-se diferenças quanto a variáveis obstétricas e sociodemográficas para os participantes. Houve unanimidade de respostas no primeiro grupo quanto ao local em que receberam as primeiras orientações sobre o AM, o hospital.

A classificação dos tipos de AM está de acordo com o Ministério da Saúde, sendo: Aleitamento Materno Exclusivo (AME) quando a criança recebe somente leite materno, diretamente da mama ou ordenhado, ou leite humano de outra fonte, sem outros líquidos ou sólidos; Aleitamento Materno Predominante (AMP) quando a criança recebe, além do leite materno, água ou bebidas à base de água (água adocicada, chás, infusões), sucos de frutas e fluidos rituais; Aleitamento Materno Misto (AMM) quando a criança recebe leite materno e outros tipos de leite; Aleitamento Materno Complementar (AMC) quando a criança recebe, além do leite materno, qualquer alimento sólido ou semissólido com a finalidade de complementá-lo, e não de substituí-lo(15).

 

 

Informantes

Chave

 

Estado Civil

 

Escolaridade

 

Orientações do AM

 

Idade atual do RN

 

Padrão AM

 

AM na 1ª h

Necessidade de Complemento

no hospital

IC 1

Solteira

Ens. Médio Incompleto

Hospital

4 meses

AMP

Sim

Não

IC 2

União estável

Ens. Fundamental Completo

Hospital

3 meses

AME

Não

Sim

IC 3

Casada

Ens. Médio Completo

Hospital

6 meses

AMM

Não

Sim

IC 4

Solteira

Ens. Médio Incompleto

Hospital

5 meses

AME

Sim

Não

IC 5

Casada

Ens. Médio Completo

Hospital

3 dias

AME

Não

Sim

IC 6

Casada

Ens. Médio Completo

Hospital

2 meses

AMM

Sim

Sim

 

IC 7

Casada

Ens. Superior Completo

Hospital

3 meses

AME

Sim

Não

 

 

IC 8

Casada

Ens. Fundamental Completo

Hospital

9 meses

AMC

Sim

Não

IC 9

Solteira

Ens. Superior Incompleto

Hospital

44 dias

AMM

Sim

Sim

Legenda: AME: Aleitamento Materno Exclusivo; AMP: Aleitamento Materno Predominante; AMM: Aleitamento Materno Misto; AMC: Aleitamento Materno Complementar.

Figura 1 - Características socioeconômicas das informantes-chave pesquisadas. Montes Claros, MG, Brasil, 2019

 

Informantes

Gerais

Estado Civil

Escolaridade

Grau de parentesco com a informante-chave

IG 2

Casada

Ens. Fundamental Incompleto

Sogra

 

IG 3

Casada

Ens. Médio Completo

Mãe

IG 4

Casado

Ens. Médio Completo

Marido

IG 6

Casada

Ens. Médio Completo

Mãe

IG 7

Casado

Ens. Superior Completo

Marido

IG 8

Casado

Ens. Médio Completo

Marido

IG 9

Casada

Ens. Fundamental Completo

Mãe

Figura 2 - Características socioeconômicas dos informantes-gerais pesquisadas. Montes Claros, MG, Brasil, 2019

 

A análise possibilitou a identificação de três categorias temáticas apresentadas a seguir.

 

Enfrentando algo inesperado, mutável e desafiador

Nesta categoria, percebeu-se que a amamentação, no contexto domiciliar, representa algo imprevisível, um fenômeno carregado de expectativas e descobertas. Dificuldades e dúvidas foram citadas pelas participantes no processo de adaptação à AM, e essas vivências podem influenciar na manutenção do aleitamento materno. As dúvidas e dificuldades envolveram questões do manejo da amamentação, como posicionamento, pega, posição para amamentar e a descida do leite, e estão presentes tanto entre as mães quanto entre os apoiadores, como relatado nas falas a seguir:

 

No começo da amamentação dela (a nutriz) o peito ficou sensível. E o que dificultou também foi que ela não deixava o bebê pegar toda a aréola, aí eu fui orientando ela a pegar e levantar a mama do jeito certo, o bebê foi abocanhando e deu tudo certo. (IG4)

 

No início eu senti um pouco de dúvida, por exemplo, na questão de quanto em quanto tempo eu devo colocar pra mamar, se o leite estava satisfazendo a criança, mas depois eu já comecei a saber mais sobre a amamentação e não tive mais muitas dúvidas. Mas, nas primeiras semanas, a gente fica bem apreensiva, com aquele medo e já tem a dificuldade da pega e a gente tem que ensinar a criança a pega primeiro para depois a gente pegar o jeito. (IC7)

 

No manejo da amamentação, outros problemas citados relacionam-se aos traumas mamilares e outras alterações mamárias que levam as mulheres a associarem a prática da amamentação à dor e ao sofrimento, enquanto os familiares mais próximos sentem-se impotentes diante dos desafios que vão surgindo ao longo da lactação:

 

Ah... Foi muito sofrido, porque ela (a nutriz) chorava com a inflamação no peito e doía demais sabe? Minha filha (a nutriz) sofreu muito. A gente ficava sem saber o que fazer por que é uma coisa que, eu vou fazer o quê? (IG9)

 

Quando eu fui dar de mamar o meu peito rachou e eu tinha que morder uma toalha ou uma fralda de tanta dor que eu sentia. Acho que é até por isso que algumas mães desistem né? Por causa dessas coisas. (IC7)

 

As preocupações com a quantidade de leite produzido, o "pouco leite", ou com sua qualidade, "leite fraco", permanecem como desafios enfrentados no cotidiano de muitas famílias e se mostram como crenças culturalmente enraizadas em nossa sociedade, capazes de interferir sobremaneira na prática da amamentação. Por outro lado, a falta de apoio continuado do serviço de saúde ou o despreparo de alguns profissionais para o manejo adequado dessas situações só reforçam esses mitos e crenças, como pode ser percebido nas falas a seguir:

 

Ele mamava o dia inteiro e quando eu tirava o peito da boca dele ele chorava com fome. Eu sentia que o meu peito tava vazio porque ele chorava no peito mesmo, quando passava muito tempo que ele tava no peito [...] Minha irmã já tinha dado (composto lácteo) pra minha sobrinha, ai eu peguei e comprei e dei pra ele pra fazer o teste, deu certo. Eu fui no PSF dois dias depois e a enfermeira falou que podia dar. Eu penso que é bom dar porque vai que ele tá sentindo fome e sede, por exemplo, ele toma água numa vontade! (IC1)

 

No início da amamentação dela o neném mamava muito e a noite ele chorava demais por que quase não estava saindo o leite então a médica passou a fórmula para dar no período que o peito fosse encher de leite. (IG6)

 

Eu não o deixava por livre demanda... Eu tirava quando ele dormia, porque ele pode ficar acostumando a ficar no peito e não é bom né? Porque pega manha. (IC1)

 

Convivendo com dúvidas, incertezas e des(orientação)

Nessa categoria, evidencia-se que a prática da amamentação, embora muito desejada pela mãe/família, sofre influência de diversos atores sociais e, por vezes, a orientação fornecida pelos serviços/profissionais não é percebida como algo que traga clareza para a tomada de decisão.  

 

O bebê sugava forte e acabou ferindo meu peito [...] Eu passei somente a pomada “meme” para ajudar na cicatrização. [...] Me falaram para tomar plasil também que ajudava o leite a descer. (IC6)

 

A respeito da minha filha todo mundo que chega aqui em casa fala uma coisa diferente para eu fazer, por exemplo: alguns falam pra dar chá outros falam pra não dar [...] cada um fala uma coisa. Mas, a orientação que me chamou mais atenção foi quando alguns médicos me disseram que não posso amamentar o bebê deitada porque pode engasgar, mas tem outros que já me falaram que pode amamentar deitada. Tem médico que fala: “Você pode dar água!” outros falam: “Não é para você dar água o leite já sustenta”. Cada um fala uma coisa e a cabeça da gente fica meio bagunçada. (IC6)

 

Ele já toma leite de caixinha, [...]. Ofertei água depois que ele começou a tomar esse leite, porque praticamente tem só açúcar né? Aí a enfermeira falou que não tinha problema, porque não tinha dado nenhuma reação (idade do lactente: quatro meses). (IC1)

 

À medida que o tempo avança, novos desafios se impõem, como o trabalho fora do ambiente familiar e a introdução de outros alimentos ao bebê, e esses eventos repercutem em toda a dinâmica familiar. Assim, mães e apoiadores procuram soluções que julgam adequadas à manutenção da amamentação, mesmo que nem sempre sejam cientificamente apoiadas:

 

Hoje nós estamos preocupados porque ela (a nutriz) vai ter que aprender a dar a mamadeira para o menino, por que ela volta a trabalhar no mês que vem e depois que ele pegou o peito, ele não quer mais saber da mamadeira [...] Não pensamos em tirar o leite dela não, a gente pensa em dar a mamadeira com o leite normal mesmo. Nós já compramos quatro mamadeiras pra ver se algum bico parecia com o bico do peito dela, mas é grosso demais e não acha uma mamadeira igual. Só quer peito e peito e não quer saber de mais nada! (IG2)

 

Creio que dar canjica, cuscuz (...) esses alimentos têm proteínas que realmente as mães precisam durante a amamentação [...] São as substâncias, vitaminas que contem nesses alimentos que ajudam... Então nós estamos fazendo cuscuz, canjica, não estou deixando ficar sem esses alimentos e toda hora eu a mando tomar bastante água e suco porque isso fortalece e ajuda a melhorar. Realmente antes eu apenas escutava as pessoas falando isso e hoje eu vejo que ajuda mesmo. (IG6)

 

Por outro lado, a experiência pessoal prévia com a amamentação, ou observada pelos envolvidos nas vivências familiares ou de amigos, embasa a tomada de condutas frente a essa nova vivência. Se essas experiências são positivas, reforçam a confiança e segurança acerca da amamentação e facilitam o enfrentamento de suas dificuldades:

 

Eu não tive muita dúvida porque esse é o meu segundo filho [...]. (IC2)

 

Não senti dúvida em nenhum momento sobre a amamentação. Porque antes de eu casar eu fui babá por muito tempo quando meu filho chegou eu sabia como lidar com uma criança. (IC4)

 

Identificando fontes de apoio para a manutenção da amamentação

O apoio recebido para a manutenção da amamentação é reconhecido pelas entrevistadas como algo positivo. Contudo, foram citados pelas mulheres os serviços hospitalares, na ocasião do nascimento de seus filhos, na família, em especial a experiência das avós e o apoio do companheiro, foram destacados, conforme as falas a seguir:

 

No primeiro momento eu reconheço como apoiadoras as enfermeiras que me orientaram no hospital e o meu esposo que sempre está do meu lado. Ele me apoia, me cutuca o tempo inteiro, toda hora: põe pra mamar! Olha esse menino! (IC5)

 

No início foi tranquilo tive o apoio do hospital [...] o apoio que tive constante foi do meu marido, que ficou comigo. (IC3)

 

A gente perguntava, pra mãe da gente (avó paterna) e tal, o que seria bom pra fazer e orientava-a na hora da amamentação. (IG8)

 

Essas falas elucidam apoio pontual hospitalar e apoio continuado, feito essencialmente pelos familiares.

 

DISCUSSÃO

Algumas mulheres possuem dificuldades para adaptar-se à prática do AM por não estarem adequadamente preparadas e/ou por depararem-se com uma rotina diferente da esperada. Não obstante, os problemas ligados ao manejo da amamentação, em especial a pega incorreta do recém-nascido (forma como apreende a mama) ou o mau posicionamento deste ou da mãe na hora da mamada, continuam a gerar problemas mamários e experiências negativas com a amamentação(16).

A persistência dessas inadequações pode levar ao desmame precoce. Portanto, a mãe deve ser orientada sobre o manejo correto da amamentação desde o pré-natal e ser apoiada de modo oportuno em seu domicílio(17-19). A atenção pré-natal precisa ser revista como um momento oportuno de educação perinatal e a visita domiciliar proposta como intervenção de cuidados na Atenção Básica deve ser implementada não apenas como uma ação pontual, mas como uma ação diagnóstica, a partir da qual podem ser necessárias condutas individualizadas de cuidado continuado(20).

A dor ao amamentar e os transtornos com a mama são mencionados pelas puérperas, muitas vezes como uma experiência inerente à amamentação. Contudo, é sabido que o apoio e o suporte adequados podem mudar essa realidade(19-21).

A associação do choro da criança exclusivamente à fome, sem considerar outros fatores envolvidos nessa forma de comunicação do recém-nascido, fomenta na lactante e na família a construção do ideário do “leite fraco” ou do “pouco leite” que, por conseguinte, se transmuta em um valor socialmente aceito, portanto, uma cultura. Há também o fato de que as mães ficam tensas, ansiosas e frustradas com choro do bebê e esses sentimentos podem ser repassados a eles, ocasionando mais choro(18).

Quando esse discurso é endossado por outras pessoas como familiares, amigos e até por profissionais, acaba por minar as ações pontuais de apoio recebidas no ambiente hospitalar levando as mulheres concluírem que são incapazes de satisfazer as necessidades nutricionais de seus filhos(17). Por isso, a relevância de ações de capacitação profissional e a adoção de políticas favoráveis, como a Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação (IUBAAM), suportando a Iniciativa Hospital Amigo da Criança(20).

Vale salientar que quando a criança é exposta a outros tipos de leite e líquidos, os benefícios garantidos pelo AME diminuem e essa prática associa-se fortemente ao desmame precoce(17,20,22).

A força desse ideário coletivo foi desvelada por este estudo que também revelou que a introdução precoce de fórmulas lácteas significou alívio e/ou solução para os problemas vivenciados. Essa foi a solução de mães que tiveram que retornar ao trabalho precocemente. Esse motivo também foi citado como obstáculo à manutenção do AM em estudo que afirma que a grande dificuldade, muitas vezes, é dar continuidade a amamentação quando as mães precisam trabalhar fora do ambiente domiciliar e, então, acabam introduzindo precocemente fórmulas infantis ou outros alimentos comida e o uso de mamadeiras/chupetas(23).

A mulher que já teve uma experiência positiva de amamentação se dispõe a amamentar por um período de tempo mais longo. Seu conhecimento prévio é crucial, maior prevalência e para autoeficácia do AM, fato que pode ser influenciado também, por programas educacionais. Mas, é necessária uma abordagem diferente para primíparas e multíparas, considerando esse conhecimento adquirido e as experiências vividas e buscar processos de ensino-aprendizagem voltados a essas diferentes demandas(19,23,24). Neste estudo, percebeu-se a influência direta da cultura e da prática da amamentação como aspectos capazes de alterar o seu curso.

Considerando o processo de ensino, observou-se a importância da efetiva capacitação dos profissionais de saúde no manejo da amamentação, considerando toda sua complexidade e o impacto profissional na tomada de decisão materna/familiar. Para realizar tais medidas, o profissional deve ter, além do embasamento teórico e clínico, aptidão para a comunicação, usando as habilidades de ouvir e aprender e as habilidades de desenvolver a confiança e dar apoio propostas em cursos de aconselhamento em amamentação(15,19).

Além disso, por mais que a protagonista da amamentação seja a mulher, suas decisões são influenciadas fortemente por seus companheiros e familiares. A influência pode dificultar ou favorecer o AM, pois o apoiador ao transmitir suas experiências, pode difundir mitos, tradições e crenças enraizadas na família, sem nenhum embasamento científico, o que também foi observado neste estudo, e que chama a atenção para a necessidade de estratégias de inclusão desses agentes nas ações de educação perinatal(17,22,25).

Vale ressaltar que divergência de orientações, assim como orientações não embasadas cientificamente dadas às nutrizes pelos profissionais de saúde elucidam necessidade de melhoria nos processos de formação profissional referentes à amamentação. Alguns profissionais de saúde têm tido condutas inadequados para apoiar a amamentação, como falta de habilidade no suporte às nutrizes e oferecer informações contraditórias/ enganosas e configuram-se como barreiras à amamentação(2,26).

Por fim, percebeu-se necessidade de um serviço de apoio continuado à nutriz principalmente durante o puerpério, já que é nesse período que surgem as principais demandas. Chamou atenção o fato de que, neste estudo, as mulheres apontaram, de forma unânime, que o hospital foi a sua principal fonte de informação sobre AM. Por isso, a criação de iniciativas focadas para o sucesso do AM na atenção básica à saúde tem sido uma preocupação comum a vários países(20).

No âmbito da atenção primária devem-se orientar as gestantes e mães sobre direitos e vantagens do AM, promover o AME e AMC, explicar como manter a lactação e como amamentar, mesmo se vierem a ser separadas de seus filhos e executar/implementar grupos de apoio à amamentação acessíveis a todas as gestantes e nutrizes, procurando envolver também os familiares(20).

Aponta-se como limitação do estudo a amostra reduzida e esta não deve ser generalizada a priori. Os resultados desta investigação podem ser generalizados apenas a posteriori, dependendo das semelhanças dos casos aqui apresentados com outras situações que envolvem mulheres no processo de amamentação.

Os dados apresentados contribuem para prática dos profissionais envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, pois favorecem o estabelecimento de estratégias de fortalecimento da cultura enquanto instrumento facilitador da amamentação a fim de minimizar visões equivocadas sobre AM para todos envolvidos nesse processo.

 

CONCLUSÃO

O processo de adaptação ao AM no domicílio é permeado por dúvidas, incertezas e desafios que se colocam de modo distinto em função do tempo de lactação e de experiências prévias. Os problemas mamários e os mitos ligados à prática da amamentação foram destacados neste estudo e mostraram-se interligados, confirmando o forte impacto cultural na prática do aleitamento materno. O papel dos profissionais de saúde e dos serviços, em especial da atenção básica, precisam ser revistos no sentido de buscarem uma atenção individualizada e continuada, que leve em conta a importância da amamentação como promoção da saúde.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

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Submissão: 24/02/2023

Aprovado: 07/08/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Pereira LB, Gonçalves TJ, Versiani CC

Obtenção de dados: Pereira LB, Gonçalves TJ, Versiani CC

Análise e interpretação dos dados: Pereira LB, Gonçalves TJ, Dias OV, Versiani CC, Dias CLO

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Paiva PA, Pereira LB, Gonçalves TJ, Versiani CC, Dias OV, Dias CLO, Silva CSO

Aprovação final do texto a ser publicada: Paiva PA, Pereira LB, Gonçalves TJ, Versiani CC, Dias OV, Dias CLO, Silva CSO

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Paiva PA, Pereira LB, Gonçalves TJ, Versiani CC, Dias OV, Dias CLO, Silva CSO

 

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