RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Trajetória para implementação de programa de navegação de pacientes na oncologia: relato de experiência

 

Fernanda Felipe Pautasso1, Denilse Damasceno Trevilato1, Rita Catalina Aquino Caregnato2, Maiara Anchau Floriani3, Nicole de Moraes Pertile3, Antonio Dal Pizzol Junior3, João Lucas Campos de Oliveira1

 

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

2Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil

3Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Descrever a trajetória para a implementação de um Programa de Navegação para pacientes oncológicos. Método: Estudo descritivo, tipo relato de experiência realizado em um Centro de Oncologia do Sul do Brasil. Resultados: O processo de implementação da navegação ocorreu em quatro etapas: a primeira iniciou com implementação da navegação para pacientes privados com câncer de cabeça e pescoço; a segunda envolveu o piloto do programa de navegação de pacientes com câncer de mama para entender as principais barreiras enfrentadas pelas pacientes; a terceira etapa, foi elaborar e aprovar a Política do Programa de Navegação Institucional. Na última, o Programa de Navegação da linha de cuidado da mama foi implementado para pacientes com indicação de neoadjuvância. Obteve-se redução de 70% na mediana de tempo de indicação e primeira consulta oncológica, de 28,6% no tempo entre sintoma e diagnóstico, 26,0% no tempo entre diagnóstico e início de tratamento. Conclusão: A implementação de um Programa de Navegação para pacientes com câncer exige dedicação e comprometimento institucional onde se evidencia um melhor cuidado oncológico, tendo o enfermeiro como protagonista da gestão e efetivação do processo.

 

Descritores: Enfermeiros; Oncologia; Navegação de Pacientes; Neoplasias da Mama; Programa; Enfermagem Oncológica.

 

INTRODUÇÃO

No Brasil, em quase todas as regiões — com exceção da região Norte onde o câncer de colo uterino é o que apresenta maior mortalidade — a primeira causa de morte por câncer em mulheres é o de mama(1-2). Para o triênio de 2023-2025, são estimados 73.610 novos casos da neoplasia(2), o que justifica estratégias políticas e organizacionais que visam o controle e o diagnóstico precoce da doença, a fim de alcançar menores taxas de mortalidade e melhoria na qualidade de vida das pacientes(3-5).

As taxas de sobrevida por câncer de mama, em relação ao diagnóstico, são de cerca de 80% em estágios iniciais, 30 a 50% nos intermediários e 5% em estágios avançados(3-4). Diante desse cenário, para maximização do impacto terapêutico, a extensão das modalidades e otimização temporal devem ser consideradas, além da oferta de serviços e do acesso em tempo oportuno(4,6).

Mesmo sendo considerada a neoplasia com bom prognóstico quando diagnosticada e tratada oportunamente, a demora em acessar os serviços de saúde é uma das razões que influencia desfavoravelmente a taxa de mortalidade por câncer de mama, que permanece elevada no Brasil(6). Isso faz com que a doença seja diagnosticada em estágios mais avançados, reduzindo a sobrevida e aumentando a morbimortalidade(4,6). Motivo para esse fato é que ainda existe uma grande disparidade na oferta e utilização dos serviços de rastreamento, diagnóstico e assistência a pessoas com câncer entre as regiões do país, comprometendo a acessibilidade ao tratamento para o alcance dos melhores desfechos(4,6-8).

Uma estratégia eficaz utilizada em âmbito internacional para promover a obtenção dos melhores desfechos clínicos relacionados ao câncer de mama é a navegação de pacientes (NP). Desenvolvida nos Estados Unidos, em 1990, pelo médico Harold Freeman no Hospital Harlem em Nova York, a NP é uma prática baseada em evidências(9-10). Definida como um processo sistematizado, executado por um profissional denominado navegador de pacientes, envolve a avaliação das necessidades, planejamento e implementação de ações para a coordenação do cuidado focado em auxiliar os pacientes na superação das barreiras que dificultam seu acesso à assistência em saúde(11). É uma das formas eficientes de colocar em prática o cuidado centrado na pessoa, ou seja, em suas necessidades e prioridades(8-10). É através desse processo que o navegador consegue atuar junto aos pacientes com diagnóstico ou suspeita de câncer, focado em eliminar as barreiras que dificultam o seu acesso aos serviços de saúde e à assistência necessária dentro do tempo oportuno(8,12).

Desde a sua idealização, a NP se multiplicou para além dos EUA, consolidando-se também no Canadá e Austrália(12-13). Atualmente, a NP vem sendo implementada globalmente, no entanto, só há cerca de oito anos é que se pode observar que tal estratégia vem se fortalecendo na América Latina(14). Na Argentina, por exemplo, em 2018, foi implementado no país, pelo Instituto Nacional do Câncer, o Programa Nacional de Navegação de Pacientes com Câncer de Mama(15). Tanto nos países mais desenvolvidos como nos emergentes, o enfermeiro se destaca na NP, ganhando o status de nurse navigator, ou enfermeiro navegador(12). Esse profissional atesta resultados clínicos satisfatórios na oncologia(16), melhorando o tempo para diagnóstico e tratamento, satisfação dos pacientes e articulando o trabalho multidisciplinar(17).

No Brasil, a existência de programas de NP ainda é incipiente e somente em 2018 divulgou-se a primeira publicação sobre o tema em língua portuguesa(12). Em 2020, foi publicado o primeiro artigo que evidenciou o desenvolvimento de um programa NP para pacientes com câncer de cabeça e de pescoço em um centro de alta complexidade em oncologia (CACON), totalmente estruturado para a realidade brasileira, juntamente com a Escala de Avaliação de Necessidade de Navegação (EANN)(12). Em setembro de 2022, a NP passou a ser regulamentada por meio da aprovação da Lei Nº 14.450, que criou o “Programa Nacional de Navegação de Pacientes para Pessoas com Neoplasia Maligna de Mama”(18).

Atualmente, a existência do Enfermeiro Navegador (EN) é considerada um diferencial para a assistência aos pacientes nos serviços de oncologia(14), e, portanto, guarda relação com a prática avançada de enfermagem, visto que a NP corresponde a uma forma de gerenciar e prover o cuidado na qual o EN precisará de um rol de competências tanto clinicamente avançadas na especialidade a ser navegada, como eminentemente relacionais, para viabilizar os objetivos do processo de NP(12).

No Brasil, tanto o conhecimento científico quanto o empírico/prático sobre NP e protagonismo do enfermeiro neste processo são incipientes, tornando relevante a descrição de experiências exitosas, que sejam capazes de expandir esse modelo de prática profissional. Nesse sentido, o objetivo deste artigo consistiu em descrever a trajetória para a implementação de um Programa de Navegação para pacientes oncológicos.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo descritivo, do tipo relato de experiência. Para sua elaboração, utilizou-se o checklist denominado Revised Standards for Quality Improvement Reporting Excellence (SQUIRE 2.0)(19), buscando a transparência e a reprodutibilidade do conteúdo do relatório científico.

O campo de ação do estudo foi um hospital oncológico de Porto Alegre, pertencente a um complexo hospitalar filantrópico com atendimento aos pacientes do Sistema Único de Saúde, Sistema de Saúde Suplementar e privados. Considerado um Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), é um dos três CACON existentes no Rio Grande do Sul, Brasil. Nessa instituição, são assistidos pacientes oncológicos de todas as especialidades, com atendimento de consultas eletivas ambulatoriais, prestação de serviços de diagnóstico e tratamento, unidades para internação, cirurgias e encaminhamento de pacientes críticos para Centros de Terapia Intensiva. A implementação do Programa de NP para as pacientes de câncer de mama foi desenvolvida no período de 15 de outubro de 2019 a 15 de agosto de 2022, mantendo continuidade até os dias atuais.

O presente relato descreve a experiência profissional da primeira autora deste artigo. Os resultados são apresentados em etapas, seguindo a cronologia dos fatos e respeitando a descrição de processos e fluxos de trabalho, rotinas e estratégias de intervenção relacionados à NP no programa do campo de estudo. Para tornar a experiência reprodutível, buscou-se, além da descrição narrativa do processo de implementação do programa de NP, apresentar a ilustração de processos inerentes a esta ação, utilizando o software CANVA. Como não exigiu nenhuma forma de coleta e exposição de dados, não foi necessária a submissão ao comitê de ética.

 

RESULTADOS

O processo de implementação da navegação de pacientes, como um todo na instituição do estudo, não foi rápido. A seguir apresenta-se as etapas, denominadas: 1. Tentativa de implementação da Navegação de pacientes; 2. Piloto do Programa de Navegação de pacientes com câncer de mama; 3. Estruturação da Política do Programa de Navegação de Pacientes Institucionais; e 4. Implementação do Programa de Navegação de pacientes com câncer de mama.

 

Tentativa de implementação da Navegação de Pacientes

Iniciou em 2019, quando a enfermeira, primeira autora deste artigo, assumiu a supervisão de enfermagem, de operações dos ambulatórios oncológicos do CACON e tentou implementar um programa de NP desenvolvido no seu mestrado. Havia intenção, por parte dos gestores superiores, de entender e introduzir a NP nos setores ambulatoriais, contudo, eram escassos os recursos humanos disponíveis para implementar o modelo proposto, não havendo suporte. Em outubro de 2019 essa enfermeira gestora iniciou a NP com pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço privados, dedicando-se, aproximadamente, duas horas na sua jornada diária de trabalho, para atender somente os pacientes direcionados pelos cirurgiões desta especialidade. Em pouco tempo, não foi possível dar seguimento, visto que o pouco tempo dedicado à função limitou a realização do processo de NP.

Em 2020, com a pandemia COVID-19, ocorreu uma tentativa de retomar os atendimentos aos pacientes com câncer de cabeça e de pescoço por teleconsulta de enfermagem, porém, mais uma vez, devido ao próprio cenário de agravamento, a estratégia não foi implementada.

No final de 2020, uma fundação internacional lançou um edital para projetos de instituições de saúde brasileiras direcionados à melhoria da assistência a pacientes com câncer de pulmão. A enfermeira gestora e a outra enfermeira oncologista elaboraram um projeto propondo o desenvolvimento e a estruturação de um programa de NP para câncer de pulmão, sendo submetido ao edital em janeiro de 2021, o qual foi selecionado, recebendo fomento, para sua execução, pelo período de dois anos.

Nesse período, um oncologista clínico assumiu a chefia do serviço de mastologia e em reunião direcionada ao planejamento de estratégias propôs estruturar um programa de NP nessa especialidade, vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Piloto de programa de navegação de pacientes com câncer de mama 

O programa de NP com câncer de mama foi estruturado pela enfermeira gestora e por duas enfermeiras assistenciais, e apresentado para a direção do CACON e para equipe do ambulatório do SUS, sendo aprovada a realização de um projeto piloto por trinta dias. A finalidade era compreender o motivo das pacientes chegarem à primeira consulta com o mastologista, via regulação municipal, sem diagnóstico, com demora para conseguir realizar exames de imagem complementares e biópsia de mama confirmatória.

Antes de iniciar o piloto, realizou-se a capacitação das enfermeiras. Estabeleceu-se que a execução do processo de navegação deveria iniciar com a avaliação da necessidade de navegação das pacientes, logo após a primeira consulta com o mastologista no CACON, conforme descrito na Figura 1.

 

https://lh3.googleusercontent.com/jDdKuhlMn1ZTczMf5dyT1eHJyLZKJMIN_JBh_MxhkFvSZbDLG_x6KZgZKWGp9izhqk3q4oRwMRWfRxgboIexinMWhKM1jX7vZ4b6Sgpvgdf6GaL4li-XBJqcm-gWxQ4A7Qfhnvontlin176p-UOdew

Figura 1 – Fluxo do programa de navegação de pacientes piloto. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022

 

O programa piloto ocorreu de 15 de abril a 14 de maio de 2021. Durante a sua realização, a enfermeira gestora e as duas colegas assistenciais, avaliaram e acompanharam 39 pacientes, conforme fluxo ilustrado na Figura 2.

 

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Figura 2 – Principais resultados do programa de navegação piloto. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022

 

Com os resultados do teste piloto, identificou-se as principais barreiras enfrentadas pelas pacientes do SUS ao ingressarem, via regulação municipal, no serviço de atenção oncológica. O fato de todas as pacientes necessitarem de exames de imagem complementares para diagnóstico e a maioria não chegar ao serviço com biópsia, com definição de diagnóstico de câncer de mama, confirmou um dos fatores que justificava a demora na definição do tratamento e o seu início, pois havia uma oferta específica e a capacidade de atendimento era limitada comparado à quantidade de pacientes. Esses resultados foram posteriormente apresentados aos gestores dos serviços, desencadeando uma análise visando à melhoria dos processos nas áreas.

Apesar dos resultados alarmantes, após a realização do piloto, infelizmente, devido à demanda de atendimentos nos ambulatórios, não foi possível seguir com o programa. Como as enfermeiras assistenciais e a gestora dividiam suas atividades específicas dos seus cargos com a realização da navegação, o aumento crescente da demanda assistencial e de gestão consumiam suas horas de trabalho, tornando inviável o seguimento na implementação efetiva do programa proposto.

 

Estruturação da Política do Programa de Navegação de Pacientes Institucional

Em julho de 2021, a enfermeira gestora foi convidada a se dedicar ao projeto para o qual foram contemplados com o recurso financeiro da fundação internacional. A proposta era a estruturação de um programa de navegação para pacientes da linha de cuidado de câncer de pulmão, de forma que oportunizasse a integração da atenção primária e terciária, focando em qualificar o acesso da população assistida ao rastreamento, diagnóstico e tratamento. Assim, ela deixou de atuar na supervisão dos ambulatórios oncológicos para dedicar-se integralmente ao projeto.

No início de 2022 o setor “Escritório de Valor” do complexo hospitalar iniciou suas atividades e o projeto ficou sob a coordenação da gestora dessa unidade. A coordenadora do escritório e a diretora de operações do complexo hospitalar, vislumbrando os resultados e possíveis benefícios da NP, reconheceram a sua importância e entenderam que esse tipo de programa deveria ser implementado na instituição de forma organizada e estruturada. Dessa forma, elaborou-se a estrutura básica da política do Programa de Navegação Institucional, posteriormente aprovada pela direção executiva. Foi definido que os programas de NP nas unidades do complexo hospitalar devem seguir a estrutura conforme apresentado na Figura 3.

 

image5.png

Figura 3 – Estrutura básica da Política do Programa de Navegação de Pacientes. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022

 

O processo de navegação de enfermagem foi também padronizado (Figura 4), podendo ser adaptado de acordo com as peculiaridades dos pacientes assistidos nos programas de navegação da instituição. Para tanto, estabeleceu-se que, para a avaliação de necessidade de navegação dos pacientes, seria utilizada a EANN.

 

https://lh3.googleusercontent.com/AtIS9QAKgzTizLEl2qt5L60nxPYZNnuhDc94-HxTSLF1_eI_694bvlS3lqxEwe1Ymys92nDdRrWmP_yQa5gfOAoiF8aiLWpR4LRCjWzR2haHw7yUXoKMTlTi6b6wcoC85HM8chIR23QknuS7fySJxw

Figura 4 - Etapas do Processo Institucional de Navegação de Enfermagem. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022

 

Implementação do Programa de Navegação de pacientes com câncer de mama

Após instituída a política institucional, definiu-se que o primeiro programa a ser estruturado e implementado deveria ser para pacientes com câncer de mama. Esse direcionamento ocorreu pelo fato de o câncer de mama ser uma das linhas de cuidado estratégicas da instituição, incluída no monitoramento de desfechos. Nesse mesmo período, o chefe do serviço de mastologia do CACON sinalizou barreiras no fluxo assistencial dos pacientes com indicação de neoadjuvância de mama, compostas por tempos inadequados entre as consultas de especialidades, acesso à complementação diagnóstica e falta de sistematização nas discussões de conduta agravadas por carência de integração multidisciplinar, indicadores de interesse direto da essência da NP.

Esse conjunto de barreiras poderiam levar a desfechos desfavoráveis e piora na qualidade de vida tanto durante, quanto no pós-tratamento. Entendeu-se que uma estratégia deveria ser planejada para mudar esse cenário, então, o ambulatório Neomama (Figura 5) foi estruturado e o Programa de Navegação da linha de cuidado de mama teve seu início com foco nas pacientes com diagnóstico de neoplasia de mama e com indicação de tratamento neoadjuvante (Figura 6).

 

image2.png

Figura 5 – Fluxo do Ambulatório Neomama. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022

https://lh3.googleusercontent.com/CUaESX08xMY-4HpZivjpiunekmYVq82J6LM5Jx8B0h5e3DtEYg-TtSemVn6iQnjlzsXaMDZ3NAjiPdnY3elOyeIEUg5YNnHHThc8vt7Bz8Of07gBSxdfgVWRRpjRROjFLsOMhpioEYU9GECQ2XzsdA

 

Figura 6 - Fluxo do Programa de Navegação para pacientes da linha de cuidado de câncer de mama e indicação de tratamento neoadjuvante. Porto Alegre, RS, Brasil, 2022

 

Os critérios para inclusão das pacientes no programa foram definidos, a saber: ter diagnóstico de câncer de mama e indicação de neoadjuvância com tratamento a ser realizado na instituição. Como critério de exclusão: realização de tratamento fora da instituição.

O teleatendimento na pré-consulta com a oncologia objetivava orientar as pacientes sobre a consulta, garantindo que viessem mais preparadas. Elas eram incluídas em agenda específica do ambulatório Neomama e após iniciarem seu tratamento, seguiam para a equipe geral da oncologia clínica. A finalidade era garantir que as pacientes tivessem atendimento ágil e início do tratamento com brevidade.

O Programa de Navegação para pacientes com indicação de tratamento neoadjuvante e o ambulatório Neomama tiveram início em 19 de maio de 2022. Em agosto de 2022, o Programa de Navegação foi ampliado, de forma que começaram a ser incluídas pacientes de todas as modalidades de tratamento para neoplasia de mama.

No final de 2022, o projeto financiado pela fundação internacional chegou ao fim e, devido aos resultados positivos relacionados a esse projeto e ao Programa de Navegação da linha de cuidado de câncer de mama, a Diretora de operações aprovou a estruturação do “Núcleo de Desfechos” e do “Núcleo de Navegação de pacientes”. Assim, com o recurso do projeto, foi possível realizar uma readequação física do escritório de valor para acomodar os dois Núcleos e, finalmente, o “Núcleo de Navegação de pacientes” foi inaugurado oficialmente em março de 2023.

Com a implementação do programa, foi possível reduzir de forma expressiva os tempos de jornada das pacientes com câncer de mama, principalmente as pacientes com indicação de neoadjuvância: houve uma redução de 70% na mediana de tempo entre indicação e primeira consulta com a oncologia clínica (de 105 para 31,5 dias); redução de 28,6% do tempo entre sintoma ou a primeira consulta e o diagnóstico (de 21 para 15 dias); 26% de redução do tempo entre diagnóstico e início de neoadjuvância (de 77 para 57 dias); e o tempo entre indicação do tratamento e início de neoadjuvância (de cerca de 30 para 8 dias). De maio de 2022 até maio de 2023, mais de 200 pacientes foram navegadas, obtendo-se uma média de 98 pacientes por navegadora.

 

DISCUSSÃO

Embora nos últimos anos tenham-se registrado importantes avanços nos métodos de diagnóstico de câncer de mama e nas opções de tratamento, as mulheres diagnosticadas ainda enfrentam uma jornada emocional complexa e tortuosa(20-21). Mesmo que o câncer de mama possa ter uma elevada taxa de cura e sucesso no tratamento, no Brasil, ainda morrem cerca de 12,78 mulheres a cada 100.000/ano pela doença, sendo o atraso no diagnóstico e/ou tratamento uma das causas mais plausíveis para essa taxa(22-24). Diante disso, os programas de NP buscam, entre outros, eliminar e/ou diminuir essa iniquidade que é o atraso no cuidado oportuno, ao mesmo tempo em que promovem um olhar crítico da equipe multidisciplinar sobre as ações de 2021, o que permitiu identificar e compreender quais as principais barreiras enfrentadas por essas mulheres ao ingressarem no serviço de oncologia para realizar o seu tratamento. Tais dados fundamentaram oportunidades de melhoria e foram imprescindíveis para a reestruturação de diversos processos institucionais, de forma a suavizar essa jornada tão difícil que é o enfrentamento do câncer. Além disso, o programa evidenciou a necessidade premente da estruturação e implementação de um programa de navegação institucional com foco nessas pacientes, para melhorar a assistência, o acolhimento e prover suporte integral durante todo o continuum do tratamento. Isso forneceu subsídios para o estabelecimento da Política de Navegação nos serviços. Corroborando com a literatura que indica que é importante desenvolver políticas, procedimentos, diretrizes e processos para formalizar o programa de navegação nos serviços de saúde(25).

A implementação do Ambulatório Neomama e do PN para as pacientes da linha de cuidado de câncer de mama, com a atuação do enfermeiro navegador, possibilitou uma melhora na assistência prestada através da garantia de uma coordenação de cuidados eficiente e com um olhar centrado nas necessidades e peculiaridades de cada uma delas. Destarte, isso refletiu diretamente nos resultados, garantindo, através do processo de navegação de enfermagem, que estas mulheres obtivessem acesso ao tratamento em tempo oportuno, para, então, viabilizar a redução de 26% no tempo entre diagnóstico e início do tratamento. Esse dado, somado com a qualificação de integração multidisciplinar promovida, tem um definido potencial impacto em desfechos clínicos. Assim, fica corroborada a impressão da literatura internacional, que salienta o papel crescente e inovador dos PN com liderança do enfermeiro(24).

O EN é o profissional que permanece em constante comunicação com os pacientes, realizando educação em saúde e identificando as barreiras individuais que cada uma pode vir a enfrentar durante a sua caminhada no tratamento oncológico, inclusive(12,24). A implementação desses programas envolve uma série de ações que devem ser planejadas coletivamente para garantir o sucesso no suporte a pacientes vulneráveis e na melhoria dos desfechos(11,25). A articulação de competências clínicas e gerenciais é um emblema da natureza do profissional enfermeiro(14), e, portanto, nada mais justo que ele seja legitimado para liderar a programação e implementação de PN em diferentes linhas de cuidado, ao exemplo do câncer de mama.

O envolvimento do chefe do serviço de mastologia, dos profissionais da assistência, dos coordenadores e da direção executiva da instituição foram pontos definidores para o sucesso da implementação do PN. Uma vez que é fundamental que todas as principais partes interessadas sejam envolvidas — como gestores, direção executiva e profissionais — para que todos possam ter um olhar dos processos e sejam realistas na estruturação das ações do programa, observando as necessidades e peculiaridades das pacientes e do serviço de saúde(25).

O objetivo principal do PN de Enfermagem é identificar e remover barreiras que possam impedir ou dificultar o acesso ao tratamento e cuidado(22,24). A atuação da EN no programa, através da avaliação de necessidade de navegação utilizando a EANN12, oportunizou a obtenção dos principais resultados relacionados à melhoria dos tempos de acesso ao tratamento. A profissional pode identificá-las e trabalhar junto às pacientes na implementação de estratégias de educação em saúde para a promoção de adesão ao tratamento. Junto à equipe multidisciplinar, pode-se desenvolver estratégias de comunicação, focando na integração de profissionais com um olhar voltado a colocar pacientes no centro do cuidado.

De acordo com um estudo qualitativo, envolvendo sete enfermeiros navegadores em Queensland, na Austrália, ao contribuir para uma cultura de integração assistencial, os profissionais conseguem apoiar práticas de cuidado integrado que estreitam as relações entre profissionais de saúde(26). Isso potencializa a compreensão da navegação realizada pelo enfermeiro, como um modelo de cuidados integrados, ilustrando a complexidade, diversidade e amplitude do seu papel e a sua capacidade de contribuir para uma desfragmentação de todo o sistema de saúde(26). Em um ano, mais de 200 pacientes foram navegadas por uma única EN e todas tiveram seu cuidado coordenado considerando suas necessidades e vontades, integrando-as a toda à equipe multiprofissional.

Por fim, dentre as diversas estratégias realizadas para melhorar a coordenação do cuidado e reduzir os desafios decorrentes da complexidade da assistência oncológica, a NP é uma intervenção que demonstra benefícios consideráveis para os resultados das pacientes com câncer de mama(20,22,24), e isso também foi evidenciado com a operacionalização do PN descrito e os resultados apresentados no relato em tão pouco tempo de funcionamento. Apesar disso, considera-se vital recomendar estudos robustos para que os PN, e, especialmente, aqueles liderados por enfermeiros, agreguem-se de maior status de cientificidade.

Como limitação deste relato, é importante salientar que o artigo descreve apenas um caso específico, em um CACON único, dentro de um contexto diverso e heterogêneo da realidade brasileira. Em contrapartida, acredita-se que o estudo é inovador e potente para disseminar a NP, facilitar a implementação de outros PN, além de consolidar o enfermeiro como protagonista nessas promissoras modalidades de atuação profissional.

 

CONCLUSÃO

O relato evidencia várias dificuldades enfrentadas para implementação de um Programa de Navegação para pacientes com câncer, a trajetória foi árdua e demorada, mas quando implementado evidenciou a melhoria do cuidado oncológico, tendo o enfermeiro como protagonista da gestão e efetivação deste processo.

A experiência relatada ilustrou a trajetória para a implementação de um Programa de Navegação para pacientes na oncologia. O processo durou em torno de 2 anos e meio, e foi realizado em quatro etapas. Em todas as fases, o enfermeiro foi protagonista nas atividades de planejamento, gestão e da própria execução da NP. Os resultados preliminares da implementação do programa indicam que as pacientes navegadas com câncer de mama já apresentam uma melhora nos tempos relacionados às etapas da jornada de tratamento. Dessa forma, acredita-se na inovação do estudo e na aplicabilidade da NP como forma de qualificar a assistência prestada e conectar sistema e serviços de saúde em prol do cuidado centrado na pessoa.

Por fim, espera-se que, a partir deste relato, os profissionais de saúde e gestores possam se sensibilizar quanto à NP, no sentido de visualizá-la como meio de melhoria do cuidado oncológico do país, estimulando que outros serviços implementem esta estratégia. Nas implementações, recomenda-se que o enfermeiro seja considerado como ator-chave, tanto na gestão dos programas, como na efetivação do processo de navegação. Para isso, acredita-se ser necessário que o profissional atenda a um rol de competências clínicas avançadas, além da habilidade gerencial que lhe é inerente.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

REFERÊNCIAS

1. Santos MO, Lima FCS, Martins LFL, Oliveira JFP, Almeida LM, Cancela MC. Estimated Cancer Incidence in Brazil, 2023-2025. Rev Bras Cancerol. 2023;69(1):e-213700. https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n1.3700

 

2. Instituto Nacional de Câncer (BR). Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil/Instituto Nacional de Câncer [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2022 [citado 2023 ago 26]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2023-incidencia-de-cancer-no-brasil

 

3. Dourado CARO, Santos CMF, Santana VM, Gomes TN, Cavalcante LTS, Lima MCL. Breast cancer and analysis of the factors related to the disease detection and staging methods. Cogitare Enferm. 2022; 27:e81039. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v27i0.81039_en

 

4. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (BR). A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2019 [citado 2023 ago 26]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/situacao-do-cancer-de-mama-no-brasil-sintese-de-dados-dos-sistemas-de-informacao

 

5. Teixeira MS, Goldman RE, Gonçalves VCS, Gutiérrez MGR, Figueiredo EM. Primary care nurses’ role in the control of breast cancer. Acta Paul Enferm. 2017;30(1):1-7. https://doi.org/10.1590/1982-0194201700002

 

6. Sousa SMMT, Carvalho MGFM, Santos LA, Mariano SBC. Access to treatment of women with breast cancer. Saúde debate. 2019;43(122):727–41. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912206

 

7. Tomazelli JG, Silva GA. Breast cancer screening in Brazil: an assessment of supply and use of Brazilian National Health System health care network for the period 2010-2012. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(4):713–24. https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000400004

8. Freitas Júnior R, Rahal RMS, Gioia SMS, Cipriani L. Guia de Boas Práticas em Navegação de Pacientes com Câncer de Mama no Brasil [Internet]. Goiânia: Conexão Soluções Corporativas; 2021 [citado 2023 ago 26]. Disponível em: https://www.sbmastologia.com.br/wp-content/uploads/2022/01/Guia-de-Boas-Praticas-em-Navegacao-de-Pacientes-com-Cancer- de -Mama-no-Brasil_-1-2.pdf

9. Freeman HP. The origin, evolution, and principles of patient navigation. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2012;21(10):1614–1617. https://doi.org/10.1158/1055-9965.EPI-12-0982

 

10. Kelly KJ, Doucet S, Luke A. Exploring the roles, functions, and background of patient navigators and case managers: A scoping review. Int J Nurs Stud. 2019;98:27-47.  https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2019.05.016

 

11. Johnson F. The Process of Oncology Nurse Practitioner Patient Navigation: A Pilot Study. Clin J Oncol Nurs. 2016;20(2):207-10. https://doi.org/10.1188/16.CJON.207-210

 

12. Pautasso FF, Lobo TC, Flores CD, Caregnato RCA. Nurse Navigator: development of a program for Brazil. Rev Latino-Am Enferm. 2020;28:e3275. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3258.3275

 

13. Esparza A. Patient navigation and the American Cancer Society. Semin Oncol Nurs. 2013;29(2):91-6. https://doi.org/10.1016/j.soncn.2013.02.004

 

14. Pautasso FF, Zelmanowicz AM, Flores CD, Caregnato RCA. Role of the Nurse Navigator: integrative review. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0102. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0102

 

15. Pesce V, Robles N, Di Sibio A. Documento programático de navegación de pacientes en cáncer de mama. 2. ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Instituto Nacional del Cáncer; 2023 [citado 2023 ago 31]. Disponível em: https://bancos.salud.gob.ar/sites/default/files/2023-05/2023-05-05-manual-programatico-para-navegadoras-navegadores-CM.pdf

 

16. Rodrigues RL, Schneider F, Kalinke LP, Kempfer SS, Backes VMS. Clinical outcomes of patient navigation performed by nurses in the oncology setting: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2021;74(2):e20190804. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0804

 

17. Oh J, Ahn S. Effects of Nurse Navigators During the Transition from Cancer Screening to the First Treatment Phase: A Systematic Review and Meta-analysis. Asian Nursing Research. 2021;15(5):291-302. https://doi.org/10.1016/j.anr.2021.10.001

 

18. Brasil. Lei nº 14.450, de 21 de setembro de 2022. Cria o Programa Nacional de Navegação de Pacientes para Pessoas com Neoplasia Maligna de Mama. Diário oficial da união [Internet]. 2022 [citado 2023 ago 30]. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2022/lei-14450-21-setembro-2022-793228-publicacaooriginal-166091-pl.html

 

19. Ogrinc G, Davies L, Goodman D, Batalden P, Davidoff F, Stevens D. SQUIRE 2.0-Standards for Quality Improvement Reporting Excellence-Revised Publication Guidelines from a Detailed Consensus Process. J Am Coll Surg. 2016;222:317-23. https://doi.org/10.1016/j.jamcollsurg.2015.07.456

 

20. LeClair AM, Battaglia TA, Casanova NL, Haas JS, Freund KM, Moy B, et al. Assessment of patient navigation programs for breast cancer patients across the city of Boston. Support Care Cancer. 2022;30(3):2435–2443. https://doi.org/10.1007/s00520-021-06675-y

 

21. Borchartt DB, Sangoi KCM. The importance of the navigator nurse in cancer patient care: an integrative literature review. Research, Society and Development. 2022;11(5):e25511528024. http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v11i5.28024

 

22. Lunders C, Dillon EC, Mitchell D, Cantril C, Jones J. The Unmet Needs of Breast Cancer Navigation Services: Reconciling Clinical Care With the Emotional and Logistical Challenges Experienced by Younger Women with Breast Cancer in a Healthcare Delivery System. J Patient Exp. 2023;10. https://doi.org/10.1177/23743735231171126

 

23. Instituto Nacional de Câncer (BR). Atlas da mortalidade [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2022 [citado 2023 ago 26]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/app/mortalidade

 

24. Uzunkaya Öztoprak P, Koç G. A current approach to early diagnosis and treatment of breast, colorectal and cervical cancers in women: “Nurse navigation program” and “nurse navigator”. J Educ Res Nurs. 2023;20(3):284-287. https://doi.org/10.14744/jern.2021.21186

 

25. International Society of Nurses in Cancer Care. Guide on How to Implement a Nurse Navigation Programme for Cancer Patients [Internet]. [lugar desconhecido]: ISNCC; 2021 [citado 2023 ago 30]. Disponível em: https://citycancerchallenge.org/uploads/2023/02/How-to-Implement-a-Nurse-Navigation-Programme-for-Cancer-Patients-FINAL.pdf

 

26. Roque AC, Gonçalves IR, Popim RC. Experience of care nurses: approaches to the principles of navigation of cancer patients. Texto Contexto Enferm. 2023;32:e20230020. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2023-0020en

 

Submissão: 31/08/2023

Aprovado: 04/12/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Pautasso FF

Obtenção de dados: Pautasso FF

Análise e interpretação dos dados: Pautasso FF, Oliveira JLC de

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Pautasso FF, Trevilato DD, Caregnato RCA, Floriani MA, Pertile N de M, Pizzol Junior AD, Oliveira JLC de

Aprovação final do texto a ser publicada: Pautasso FF, Trevilato DD, Caregnato RCA, Floriani MA, Pertile N de M, Pizzol Junior AD, Oliveira JLC de

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Pautasso FF, Trevilato DD, Caregnato RCA, Floriani MA, Pertile N de M, Pizzol Junior AD, Oliveira JLC de

 

image6.jpg