ORIGINAL

 

Características clínicas e epidemiológicas das internações pediátricas por COVID-19 na Amazônia brasileira: um estudo observacional

 

Janaina Corrêa dos Santos1, Rosemary de Carvalho Rocha Koga1, Luzilena de Sousa Prudêncio1, Demilton Yamaguchi Pureza1, Maria Izabel Côrtes Volpe1, Valéria Silva, Silvana Rodrigues da Silva1

 

1Universidade Federal do Amapá, Macapá, AP, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: Apontar os aspectos clínicos e epidemiológicos de crianças internadas por COVID-19 em um hospital público situado em um estado da Amazônia Brasileira. Método: Estudo observacional, descritivo, retrospectivo e documental com uma abordagem quantitativa dos casos de internação pediátrica por COVID-19. Resultados: No Hospital da Criança e Adolescente, foram registrados um total de 5016 casos suspeitos de COVID-19 em crianças. Destes, 666 foram confirmados com a doença e resultaram em 140 internações. Analisamos 136 notificações de crianças internadas por COVID-19. A maioria dos pacientes era lactente (39%) e pré-escolar (36%), com prevalência do sexo masculino (67,6%) e raça/cor preta/parda (86%). Além disso, 83,1% delas residem em área urbana. Quanto ao desfecho, 96,67% evoluíram para a cura e 3,33% resultaram em óbito. Conclusão: No contexto amazônico, a análise das características clínicas e epidemiológicas deste grupo etário é essencial para orientar os cuidados clínicos, prever a gravidade da doença e determinar o prognóstico.

 

Descritores: Infecções por Coronavírus; Saúde da Criança; Epidemiologia.  

 

INTRODUÇÃO

Os coronavírus são vírus RNA de origem zoonótica, descobertos pela primeira vez em 1966 por Tyrell e Bynoe. Eles causam infecções respiratórias em uma variedade de animais, incluindo aves e mamíferos. Sete desses vírus estão associados à patogenia humana: HCoV-229E, HCoV-OC43, HCoV-NL63, HCoV-HKU1, SARS-COV (responsável pela Síndrome Respiratória Aguda Grave), MERS-COV (causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e o mais recente - o SARS-CoV-2, patógeno da COVID-19(1,2).

A COVID-19 foi identificada pela primeira vez após o diagnóstico de pneumonia de causa desconhecida na província chinesa de Wuhan, em dezembro de 2019. Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a epidemia da COVID-19 como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional e, posteriormente, como pandemia em 11 de março de 2020, devido à sua rápida disseminação pelo mundo, afetando mais de 100 países e territórios nos cinco continentes e gerando altos índices de morbidade e mortalidade na população(3,4).

Embora as pessoas idosas com baixa imunidade sejam a população mais vulnerável ao novo coronavírus, é importante destacar que os vírus respiratórios também são uma causa frequente de infecções respiratórias em crianças e são considerados uma razão importante para internações(5).

Em crianças, as manifestações clínicas são similares às de adultos. Algumas crianças apresentam sintomas gastrintestinais, mas, em geral, a infecção evolui de maneira leve a moderada(5). As infecções em crianças por coronavírus no estado do Amapá são minoria e geralmente leves, tendo como principais sintomas: febre, tosse e dor de garganta. No entanto, não se pode descartar a possibilidade de evolução para gravidade, sendo nesse caso necessária a internação hospitalar(6).

Também foram identificadas síndromes inflamatórias associadas à COVID-19, incluindo a Síndrome Inflamatória Multissistêmica da Criança (MIS-C) que requer hospitalização e cuidados intensivos(7).

No início da pandemia, a ameaça imediata da COVID-19 na faixa etária infantil era considerada baixa, mas com o surgimento de novas variantes do vírus, esse risco aumentou(3). No Brasil, o número de mortes de crianças com idade até 11 anos chegou a 1.449 devido ao novo coronavírus. Além disso, mais de 2.400 casos da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) relacionada à COVID-19 foram identificados até dezembro de 2021, sendo 734 em 2020 e 716 em 2021. Em 2022, não foram notificados nenhum caso confirmado. Dos casos confirmados, o maior número de notificações foi em crianças de 1 a 4 anos (33,9 % / n = 491), 86 evoluíram para óbito (letalidade de 6%) e 1.220 tiveram alta hospitalar(8). No Amapá, apesar de a infecção se apresentar na maioria dos casos de forma assintomática ou leve, houve uma notificação de caso de SIM-P em 2021(6).

No início da pandemia, não havia no estado do Amapá dados oficiais sobre a situação epidemiológica específica de crianças infectadas. Segundo o Boletim Epidemiológico nº 08 sobre a população em geral até a semana epidemiológica 23 (31 de maio a 06 de junho de 2020), chegou ao total de 12.733 casos confirmados e, desses, 269 pessoas foram a óbito, sendo na faixa etária de 10 a 19 anos registrados 1 óbito em 2020(9).

Esses dados destacam a importância da vacinação nesta faixa etária para reduzir o número de óbitos por causa da COVID-19 no Brasil, cujos indicadores são mais elevados em comparação com outros países(10).

Sabemos que doenças respiratórias virais são muito comuns em pediatria e o surgimento da COVID-19 trouxe preocupação quanto ao impacto da doença nessa população. Dessa forma, conhecer a manifestação clínica e o desfecho clínico é a melhor forma de controle e prevenção dos agravos. Portanto, o presente estudo visa apontar os aspectos clínicos e epidemiológicos de crianças internadas por COVID-19 em um hospital público de um estado da Amazônia Brasileira.

 

MÉTODO

Estudo observacional, descritivo, retrospectivo e documental com abordagem quantitativa. O estudo foi realizado de janeiro de 2021 a novembro de 2022. O local do estudo foi o Hospital da Criança e do Adolescente (HCA), um hospital público do Sistema Único de Saúde (SUS) localizado em Macapá, um município na Região Amazônica.

Para definir a população do estudo, foram selecionados casos de crianças internadas por COVID-19 no Estado do Amapá. Esses casos foram obtidos a partir dos registros do banco de dados da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG)/COVID-19/EPI-SUS do Ministério da Saúde. Este banco de dados registrou um total de 489 casos de internações consolidadas devido à COVID-19 e 16 óbitos (3,27% do total) em todo o estado.

Na determinação da amostra para análise da pesquisa, foram selecionados os prontuários de crianças com idade inferior a 12 anos que foram internadas no HCA de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2022 e que tiveram diagnóstico positivo para a doença. Assim, a amostra selecionada foi de 136 casos de crianças internadas e 5 óbitos (3,67% do total) referentes ao Hospital da Criança e do Adolescente de Macapá-AP.

A coleta de dados foi feita por conveniência, selecionando todos os prontuários de crianças com idade de 0 a 12 anos que foram internadas no período de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2022 no Hospital da Criança e do Adolescente, localizado em Macapá, capital do estado do Amapá.

Os dados obtidos através dos formulários foram tabulados em planilhas eletrônicas do programa Excel versão 2010 (Microsoft Office). O tratamento estatístico foi realizado usando o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22 para Windows (IBM- SPPS STATISTICS 20). Foram criados dois bancos de dados, um com variáveis primárias e outro com variáveis secundárias. Para ambos os bancos de dados, nas análises de associações, foi considerado um intervalo de confiança (IC) de 95% e um nível de significância de 5% (p<0,05).

Por se tratar de uma pesquisa que envolve seres humanos, conforme descrito na Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012, o projeto foi aprovado em 2021 pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Amapá, com o parecer nº 5.103.121.

 

RESULTADOS

Em 2020, foram notificados um total de 1450 casos suspeitos de infecção por COVID-19, dos quais 1009 foram negativos e 441 foram confirmados. Destes, 75 resultaram em internações no HCA. Em 2021, foram notificados um total de 3052 casos suspeitos, com 2991 negativos e 73 confirmados, resultando em 21 internações no HCA.

Nos meses de janeiro e fevereiro de 2022, foram notificados um total de 514 casos, com 152 confirmações e 44 internações. Assim, durante o período estudado (de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2022), um total de 6.099 internações por diversas doenças foram registradas no HCA. Dos 132 óbitos ocorridos no hospital, 5 foram devido à COVID-19. Em resumo, foram registrados um total de 5016 casos suspeitos de COVID-19 em crianças no HCA, dos quais 666 foram confirmados e resultaram em 140 internações.

A Tabela 1 apresenta um resumo dos dados por ano de ocorrência (n=140). Foi observada uma prevalência de 17,0% (n=75) de internações em 2020, que aumentou para 28,76% (n=21) em 2021 e se manteve estável em 2022 com 28,94% (n=44).

 

Tabela 1 – Prevalência de casos de COVID-19 no HCA (n=140). Macapá, AP, Brasil, 2022

Casos

2020

Prevalência

2021

Prevalência

2022

Prevalência

Casos Notificados

1450

-

3052

-

514

-

Casos Positivados

441

30,41%

73

2,39%

152

29,57%

Casos Internados

75

17,0%

21

28,76%

44

28,94%

 

Para a realização deste estudo, foram analisados 136 prontuários de crianças internadas em um hospital público no Amapá, na Amazônia Brasileira, tendo como principal causa a COVID-19. As características sociodemográficas dessas crianças são descritas na Tabela 2 a seguir, na forma de resumo estatístico. Observou-se uma maioria de lactentes (39%, n=53) e pré-escolares (36%, n=49), com uma maior concentração de casos no primeiro ano de vida (35,29%, n=47). Houve uma prevalência do sexo masculino (67,6%, n=92) e uma maioria absoluta da raça/cor preta/parda (86%, n=117). Além disso, 83,1% (n=113) delas residem em área urbana, principalmente na cidade de Macapá-AP (78,2%, n=107). Também são apresentadas as associações entre as variáveis sociodemográficas dos pacientes do HCA e a variável desfecho cura/óbito (100%, n=136).

Os resultados indicam que não há associação (p>0.05) entre o desfecho e as variáveis sociodemográficas. Considerando esses aspectos, entende-se que outras análises, com um intervalo de tempo maior, devem ser realizadas para identificar se os fatores sociodemográficos estão relacionados ao desfecho de crianças hospitalizadas por COVID-19 no HCA, conforme observado neste estudo.

 

Tabela 2 - Características sociodemográficas de crianças internadas por COVID-19 no HCA, segundo faixa etária, sexo, raça/cor, zona de residência e associação de Qui-quadrado com a variável desfecho cura ou óbito (n=136). Macapá, AP, Brasil, 2022

 

 

 

Desfecho

                                                                                        Cura                         Óbito

Variável

N

%

N

%

N

%

Faixa etária

 

 

 

 

 

 

Lactente

53

39,0

51

37,5%

2

1,5%

Pré-Escola

49

36,0

49

36%

0

0%

Escolar

34

25,0

31

22,8%

3

2,2%

Total

136

100

 

 

 

 

 

 

 

 

 

p-valor

0.110

Sexo

 

 

 

 

 

 

Masculino

92

67,6

87

64%

5

3,7%

Feminino

44

32,4

44

32,4%

0

0%

Total

136

100

 

 

 

 

 

 

 

 

 

p-valor

0,115

Raça/cor

 

 

 

 

 

 

Amarela

1

0,7

114

83,8%

3

2,2%

Branca

9

6,6

8

5,9%

1

0,7%

Indígena

5

3,7

4

2,9%

1

0,7%

Parda/Preta

117

86,0

1

0,7%

0

0%

Sem registro

4

2,9

4

2,9%

0

0%

Total

136

100

 

 

 

 

 

 

 

 

 

p-valor

0,217

Zona de Residência

 

 

 

 

 

 

Rural

23

16,9

22

16,2%

1

0,7%

Urbana

113

83,1

109

80,1%

4

2,9%

Total

136

100

 

 

 

 

 

 

 

 

 

p-valor

0,610

 

Em relação aos sinais e sintomas, a maioria das crianças apresentou: febre (76,5%, n=104), tosse (61%, n=83), dispneia (50,7%, n=69), alterações na cor da pele (45,5%, n=61) e vômito (32,4%, n=44). Também foram apresentadas as associações de Qui-Quadrado entre essas variáveis e o desfecho (cura/óbito). Apenas a variável "vômito" apresentou associação estatística significativa (p<0.001), indicando que o número de óbitos em pacientes que apresentaram vômitos (4 óbitos) foi maior do que o valor esperado para esta categoria (1,6 óbitos).

Quanto ao tempo de internação, o tempo médio de internação dos pacientes no HCA foi de 4,24 ± 4,57 dias. Foi observada uma diferença estatística entre o tempo médio de internação de pacientes do sexo masculino (4,5 ± 5,03 dias) e do sexo feminino (3,7 ± 3,43 dias). Outras variáveis também foram consideradas: a maioria das crianças internadas por COVID-19 estava em enfermaria de isolamento (43,6%, n=58), possuía um estado nutricional adequado (85%, n=113) e tinha menos de 14 dias de sintomas quando foram internadas (n=115).

Em relação às variáveis de fator de risco/comorbidade, complicação, gravidade e desfecho clínico, um total de 85 crianças apresentou alguma comorbidade/fator de risco associado. Entre essas crianças, muitas eram menores de 2 anos (56,39%, n=75) e a maioria não possuía comorbidades (32,3%, n=43). Aproximadamente 3,68% (n=5) vieram a óbito e 96,32% (n=131) se recuperaram da infecção pelo coronavírus.

Nos resultados das associações entre o desfecho e as variáveis de fatores de risco e variáveis clínicas, apenas a variável clínica "uso de ventilação invasiva" apresentou associação significativa com o desfecho. Pacientes que fizeram uso de ventilação invasiva apresentaram uma frequência de óbitos observada (2) maior do que a esperada (0,2), com significância de p = 0,015.

 

DISCUSSÃO

Em relação ao número de internações, houve uma mudança na prevalência entre os anos de 2020 e 2021, com um aumento de 11%, mantendo-se estável entre 2021 e 2022. No primeiro ano da pandemia, o número de casos de COVID-19 na população infantil aumentou à medida que a transmissão na população geral também aumentou. No entanto, como resultado da ampla e constante imunização da população adulta, observou-se uma proporção elevada de casos em crianças.

Dados brasileiros mostram que a frequência de internação hospitalar de crianças com sintomas respiratórios em 2020 é menor comparada a anos anteriores. Apesar disso, os boletins epidemiológicos regionais apontam um crescimento no número de crianças diagnosticadas com COVID-19 no Brasil. Até a última semana de dezembro de 2020, foram notificadas na faixa etária de 0 a 19 anos 14.638 internações por COVID-19 e até agosto de 2021 já foram registradas 16.246 internações, um crescimento de quase 11% de um ano para o outro de hospitalizações nessa idade no país(11).

No Amapá, dados recentes de 2023 revelam o total de 5.829 casos de COVID-19 em crianças menores de 5 anos confirmados no estado(12). No início de 2023, nota-se uma oscilação de casos novos de internação de COVID-19 nas semanas epidemiológicas de 01 a 18 para COVID-19, com picos elevados na SE 03 e SE 05(13).

No Brasil, somente a partir de 2022 que as crianças de 5 a 11 anos passaram a compor o PNO e, portanto, receberem imunizante contra o SARS-CoV-2. No entanto, devido à falta de uma cobertura vacinal ampla e consistente para todas as faixas etárias e à circulação persistente do SARS-CoV-2, a retomada das atividades sem medidas de distanciamento, a emergência de novas cepas virais ainda pode prejudicar a saúde pública global(14).

Os resultados apontaram não haver associação entre desfecho e variáveis sociodemográficas. No entanto, sabe-se que desigualdades regionais no acesso aos serviços de saúde no Brasil, remetem a desfechos desfavoráveis das crianças economicamente vulneráveis(15).

Estudos das variações demográficas de COVID-19 destacam um considerável número de hospitalizações de crianças menores de 4 anos, o dado torna-se ainda mais proeminente para crianças com menos de 1 ano de idade(16). Dados acerca de gênero foram demonstrados por Meena et al.(17), que descreveram em um total de 4.857 casos pediátricos, 1.014 (57%) eram do sexo masculino. Fatores associados à raça/etnia, apontam a etnia africana e hispânica como aparentes grupos de risco à COVID-19(18).

Além da questão etária, sexo e raça, Faria et al.(19) problematizam a desigualdade social e territorial do Brasil, principalmente nos estados do norte e nordeste, em relação a crianças internadas por COVID-19. Oriundas de aglomerados populacionais, residem com numerosos familiares, em precárias condições de vida e insuficiência de saneamento básico.

Oliveira et al.(3), enfatizam nesse contexto, que o Brasil é uma nação de renda média com desigualdades socioeconômicas significativas, o que pode influenciar a qualidade dos serviços de saúde locais (incluindo a disponibilidade de leitos pediátricos hospitalares) e, portanto, contribuir para desfechos clínicos desfavoráveis.

Além disso, os dados demonstram que, em relação aos sintomas apresentados pelos pacientes avaliados, apenas os casos de vômito mostraram ter relação com um desfecho desfavorável, sendo que o número de óbitos nos pacientes que apresentaram tal sintoma foi maior. O envolvimento gastrointestinal é mais frequente em crianças, sendo que o vômito, por exemplo, é um sintoma duas vezes mais comum em crianças do que em pacientes adultos. Isso pode ser devido a diferenças na maturidade da ECA-2(20). Por isso, o uso de cuidados de suporte, como medicamentos que reduzem esse sintoma clínico, é essencial e inevitável(21).

Quanto aos sintomas mais comuns desenvolvidos por crianças, os resultados do presente estudo estão em consonância com a literatura. Oliveira et al.(22) descrevem os sinais e sintomas mais frequentes observados em crianças hospitalizadas com COVID-19, tais como: febre, tosse, dificuldade respiratória e dispneia. O desconforto respiratório está fortemente associado à baixa saturação de oxigênio (p<0,001), refletindo em quadro cianótico, principalmente em crianças em estado grave da doença. Além disso, crianças pequenas, especialmente bebês, aparentemente foram mais vulneráveis à infecção grave por SARS-CoV-2(23).

Em relação ao tempo de permanência, os dados apontaram que pacientes do sexo masculino passaram mais tempo internados do que pacientes do sexo feminino. O tempo médio de internação hospitalar evidenciado no estudo está em consonância com o estudo realizado em um complexo pediátrico, no município de João Pessoa-PB(24), onde verificou-se que a maioria das crianças apresentava um tempo de internação de 4 dias, demonstrando a qualidade e a gestão financeira adequada dos recursos públicos quanto à resolutividade dos casos e consequente regulação de leitos.

O presente estudo também está de acordo com outros trabalhos nacionais e internacionais que registraram um maior tempo de permanência hospitalar em pacientes do sexo masculino(23,24).

Observa-se que o hospital do estudo segue a recomendação da Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde no Brasil, tendo em vista que adotou as coortes e/ou separação (isolamento) de pacientes sintomáticos respiratórios, evitando o risco de transmissão para outros pacientes mais suscetíveis(25).

Com relação à questão nutricional dos participantes do estudo, sabe-se que o tratamento da COVID-19 depende essencialmente do próprio sistema imunológico do paciente. Dessa forma, a nutrição torna-se um fator primordial na regulação da homeostase imunológica. Por isso, uma ingestão insuficiente de proteína, energia e deficiências subclínicas de alguns macros e micronutrientes podem prejudicar a resposta imune desses pacientes(26). A população analisada estava dentro dos 14 dias máximos de incubação do vírus, período em que estiveram sintomáticas e sem apresentar imunossupressão(23).

Embora os dados deste estudo tenham mostrado que a maioria dos pacientes não tinha comorbidades, existe uma atenção considerável para crianças com condições médicas preexistentes e fatores de risco para a evolução de formas graves da COVID-19. Isso inclui condições metabólicas (como obesidade e diabetes tipo 2), doenças genéticas, asma, problemas cardíacos e pulmonares, problemas neurológicos e neuromusculares, bem como imunossupressão. Isso se deve ao maior risco de evolução para uma doença grave em comparação com crianças sem tais condições médicas(27).

Quanto ao desfecho da doença, 3,68% dos pacientes vieram a óbito. De acordo com a revisão de Bezerra et al.(28), a COVID-19 em crianças pode se apresentar de várias formas, desde o acometimento de vias aéreas superiores em casos leves, passando por pneumonia sem complicações e sem falta de oxigênio em casos moderados, até pneumonia grave com dificuldade respiratória ou Síndrome Respiratória Aguda Grave em casos graves. Esses casos graves podem envolver o comprometimento de diversos órgãos, representando um risco de morte.

Em todo o mundo, a morte associada à infecção por SARS-CoV-2 em crianças foi raramente relatada. No presente estudo, o uso de ventilação invasiva esteve associado ao desfecho fatal de pacientes, talvez devido à própria condição clínica dos pacientes, bem como por se tratar de um procedimento de alto risco para complicações(29).

Em suma, o menor índice de casos sintomáticos e letalidade de infecções pelo vírus SARS-CoV-2 em crianças não deve permitir que seja desviado o foco de uma população altamente vulnerável, com potenciais implicações de desfechos críticos(30). A COVID-19 apresentou muitos desafios, como a necessidade de diagnóstico em massa, estruturas hospitalares, sobrecarga de profissionais, complicações e graves desfechos de saúde(22). Estudos epidemiológicos são fundamentais para fornecer informações que contribuem para a formulação de políticas públicas eficazes, bem como informar à comunidade científica e de saúde sobre as respostas de atuação e as medidas a serem tomadas para fortalecer a saúde infantil diante da infecção pelo SARS-CoV-2(31).

 

CONCLUSÃO

A análise das características clínicas e epidemiológicas de crianças hospitalizadas por COVID-19 é essencial para orientar os cuidados clínicos, prever a gravidade da doença e determinar o prognóstico. Neste estudo, as infecções por SARS-CoV-2 parecem ter afetado mais os meninos, com maior exposição àqueles com menos de 4 anos de idade, pardos e negros, residentes em área urbana da Macapá-AP.

Algumas limitações do estudo devem ser consideradas, como o fato de haver apenas um serviço pediátrico de saúde pública em todo o estado e a ausência ou preenchimento incompleto/ilegível de alguns prontuários, o que dificultou a análise de algumas variáveis.

É necessário investir em ações como a elaboração de protocolos, fluxos assistenciais e estratégias específicas que possam reduzir os indicadores associados às hospitalizações pediátricas por COVID-19, principalmente em regiões mais vulneráveis, como o norte do Brasil. Isso se deve ao fato de que a doença pode se manifestar de formas variadas, desde um resfriado comum até sintomas sistêmicos graves, conforme identificado em uma unidade pediátrica da rede pública de Macapá-AP.

 

*Artigo extraído da dissertação de mestrado “Características clínicas e epidemiológicas de internações pediátricas por COVID-19 em uma unidade hospitalar da rede pública do Amapá, Amazônia Brasileira”, apresentada à Universidade Federal do Amapá, Macapá, AP, Brasil.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

REFERÊNCIAS

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10. Instituto Butantan (BR). Covid-19 já matou mais de 1.400 crianças de zero a 11 anos no Brasil e deixou outros milhares com sequelas [Internet]. São Paulo: Instituto Butantan; 2020 [citado 2023 jan 10]. Disponível em: https://butantan.gov.br/noticias/covid-19-ja-matou-mais-de-1.400-criancas-de-zero-a-11-anos-no-brasil-e-deixou-outras-milhares-com-sequelas?lang=EN

 

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Submissão: 29/01/2023

Aprovado: 26/12/2023

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Santos JC dos, Koga R de CR, Prudêncio L de S, Pureza DY, Volpe MIC, Silva V, Silva SR da

Obtenção de dados: Santos JC dos, Koga R de CR, Silva V, Silva SR da

Análise e interpretação dos dados: Santos JC dos, Koga R de CR, Silva SR da

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Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Santos JC dos, Koga R de CR, Prudêncio L de S, Pureza DY, Volpe MIC, Silva V, Silva SR da

 

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