PRÁTICA AVANÇADA

 

Posicionamento de entidades do campo da enfermagem brasileira sobre a ampliação do escopo de práticas

 

Livia Angeli-Silva1, Renata Corrêa de Barros2, Isabella Koster2, Elisiane Gomes Bonfim3, Jacinta de Fátima Sena da Silva1, Márcia Teles de Oliveira Gouveia3

 

1Associação Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, Brasil

2Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

3Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

Nós, representantes de entidades do campo da enfermagem que têm participado ativamente do debate sobre a ampliação do escopo de práticas da enfermagem no Brasil, fomos surpreendidas com o Editorial intitulado “Mais avanços do que retrocessos na implementação da Prática Avançada de Enfermagem no Brasil”, publicado em 22 de dezembro de 2023. Ao vermos nossas entidades citadas no referido Editorial, gostaríamos de esclarecer as discussões e deliberações ocorridas no âmbito do Grupo de Trabalho de Práticas Avançadas de Enfermagem no Brasil (GT-PAE), instituído pelo Ministério da Saúde. Além disso, expressamos nossa posição em relação ao papel da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) no que diz respeito à avaliação de cursos voltados para as Práticas Avançadas em Enfermagem (PAE).

Destacamos que o GT-PAE foi inicialmente constituído para discutir as PAE. No entanto, os representantes das instituições que o integram concordaram coletivamente que, dadas as especificidades e necessidades do Sistema de Saúde brasileiro, seria mais apropriado abordar as Práticas de Enfermagem como um todo. Nesse sentido, observamos divergências entre os objetivos, discussões e encaminhamentos desse GT e o que foi mencionado no Editorial.

Nossas entidades têm conduzido a discussão de forma coletiva, visando à formulação de uma proposta coesa para o Brasil, alinhada aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Buscamos também valorizar a política de formação e as instituições de ensino brasileiras, que são exemplos de inovação e práticas para outros países. Reconhecemos que o Brasil possui avanços significativos tanto no campo da Enfermagem quanto no Sistema Único de Saúde, os quais são ainda pouco considerados nas atuais modelagens internacionais do que é compreendido como PAE. Por isso, temos nos dedicado ao debate em consonância com as necessidades da população e dos territórios, aproveitando nossas potencialidades, a fim de evitar a simples importação de modelos internacionais. Como parte desse processo, publicamos o documento “Práticas avançadas em enfermagem no Brasil: valorização do trabalho interprofissional e coerência com os princípios do Sistema Único de Saúde”, em julho de 2023(1).

Outro aspecto a ser esclarecido diz respeito à relação formação-regulamentação. Ao afirmar que enquanto a regulamentação do campo avança no Brasil, a formação não acompanha o mesmo ritmo, o Editorial reforça a ideia de um suposto atraso no país em relação aos processos formativos de enfermeiras(os) de outros países. Ressaltamos que o Brasil possui um nível de formação universitária em enfermagem, com graduação de longa duração (mínimo 4.000 horas) consolidado e avançado em comparação a outros países e pós-graduação lato sensu, com destaque para a formação nos moldes de residência (5.760 horas teórico-práticas), e stricto sensu compatível com qualquer outra área de conhecimento. A afirmação supracitada ainda nega os problemas/fragilidades da regulamentação do exercício profissional que dificultam que enfermeiras(os) desenvolvam o que atualmente já está previsto na Lei do Exercício Profissional(2).

Também foi citada a “convergência” da Comissão sobre Práticas Avançadas do Cofen “com o Conselho Internacional de Enfermagem quanto à definição das competências de um EPA brasileiro para que este seja reconhecido como tal no país e também em outras realidades”. Tal convergência não é consenso na enfermagem brasileira, uma vez que não houve nenhum processo coletivo que tenha sido pautado e levado às decisões conjuntas, envolvendo democraticamente entidades que legitimamente tem construído diretrizes para formação de enfermeiras(os) no país, nem mesmo as instituições formadoras. Foi justamente diante de tal necessidade de construção ampla e conjunta que o Ministério da Saúde instituiu o referido GT com o objetivo de, coletivamente, pensar as necessidades do sistema de saúde e refletir sobre nossos atuais processos formativos e regulatórios para, nesse sentido, construir uma proposta de ampliação de escopo de prática da(o) enfermeira(o) no Brasil.

Portanto, a responsabilização das representantes da área da CAPES de impedir o avanço da formação de “Enfermeiros de Prática Avançada” (EPA) de acordo com os moldes internacionais é improcedente, visto que elas coordenam as comissões e grupos regulares de consultores e avaliam a qualidade dos pareceres apresentados por consultores ou comissões. A pós-graduação no Brasil é regida por normativas legais com requisitos gerais e específicos, sendo internacionalmente reconhecida e tendo um legado a ser preservado. Não há proposta consensuada para a enfermagem quanto à formação mais adequada, pois precisaria fazer sentido para nosso contexto e ter reconhecimento das demais áreas e instituições brasileiras.

Destacamos que nos encontros realizados até dezembro de 2023 no âmbito do GT-PAE, têm acontecido estudos e reflexões acerca da formação, regulamentação e atuação das chamadas PAE em outros países, inclusive com constatações da heterogeneidade da implantação da EPA nos diversos cenários(3-5). Foram analisados ainda estudos acerca das práticas de enfermagem no Brasil que demonstram realização de práticas tidas como avançadas em outros países no cotidiano das(os) enfermeiras(os) brasileiras(os)(6). Por ainda ser um momento inicial dessa discussão, não foi possível deliberar sobre o melhor modelo a ser adotado no Brasil. Isso requer uma análise mais aprofundada nas reuniões seguintes do GT-PAE, pactuadas para acontecer em um período de 12 meses, com previsão de um produto coletivo no final do ano de 2024.

Diante disso, destacamos que a ABEn, ABEFACO e ABENFO são entidades que vêm somando esforços na produção de debates e conhecimento sobre a ampliação das práticas de enfermagem considerando os contextos nacional e internacional, mas não se restringindo a modelos pré-estabelecidos. Especialmente, reiteramos o compromisso de nossas associações com a enfermagem brasileira, com o SUS e a parceria com os Ministérios da Saúde e da Educação, bem como com as instituições que são referência internacional na comunidade científica, a exemplo da CAPES. Prezamos pelo debate democrático, que dialogue com os avanços internacionais, mas sempre considerando as necessidades brasileiras e nossas conquistas no campo da formação, regulação, atuação e associação.

 

REFERÊNCIAS

1. Associação Brasileira de Enfermagem; Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade; Federação Nacional dos Enfermeiros; Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras; Executiva Nacional dos Estudantes de Enfermagem. Práticas Avançadas em Enfermagem: valorização do trabalho interprofissional e coerência com o SUS. Nota de posicionamento. Brasília: ABEn, ABEFACO, FNE, ABENFO, ENEEnf; 2023 [citado 2024 fev 01]. Disponível em: https://www.abennacional.org.br/site/wp-content/uploads/2023/11/Praticas-Avancadas-em-Enfermagem.pdf

 

2. Brasil. Lei 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a Regulamentação do Exercício da Enfermagem e dá outras providências [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 1986 [citado 2024 fev 01]. Disponível em: https://www.cofen.gov.br/lei-n-749886-de-25-de-junho-de-1986/


3. Heale R, Rieck Buckley C. An international perspective of advanced practice nursing regulation. Int Nurs Rev. 2015;62(3):421-9. https://doi.org/10.1111/inr.12193

 

4. Parker JM, Hill MN. A review of advanced practice nursing in the United States, Canada, Australia and Hong Kong Special Administrative Region (SAR), China. Int J Nurs Sci. 2017;4(2):196–204. https://doi.org/10.1016/j.ijnss.2017.01.002


5. Yang BK, Johantgen ME, Trinkoff AM, Idzik SR, Wince J, Tomlinson C. State Nurse Practitioner Practice Regulations and U.S. Health Care Delivery Outcomes: A Systematic Review. Medical Care Research and Review. 2021;78(3):183-196. https://doi.org/10.1177/1077558719901216


6. Sousa MF de, coordenadora. Práticas de Enfermagem no Contexto da Atenção Primária à Saúde (APS): estudo nacional de métodos mistos [Internet]. Brasília: Editora ECoS; 2022 [citado 2024 fev 06]. Disponível em: https://www.nesp.unb.br/images/pdf/relatorio_ppenf.pdf

 

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