PESQUISA DE IMPLEMENTAÇÃO
Laís Caetano Silva1, Eliane de Fátima Almeida Lima1, Norma Suely Oliveira1, Aline Piovezan Entringer1, Luciana Mara Monti Fonseca2, Cândida Caniçali Primo1
1Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil
2Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
RESUMO
Objetivo: Descrever o processo de implantação de protocolo interdisciplinar para manejo da hipotermia terapêutica. Método: Pesquisa de implementação com abordagem participativa, que utilizou o Marco de Referência Consolidado para a Ciência da Implementação para elaboração e implementação do protocolo, realizada na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal de um hospital universitário, no sudeste do Brasil, com a participação da equipe interprofissional e gestores. Resultados: Foi elaborado e implantado o primeiro protocolo para hipotermia terapêutica na instituição. Foram realizados treinamentos que melhoraram o conhecimento da equipe. Fluxogramas e infográficos foram elaborados para direcionar o trabalho interprofissional nesse processo e transladar o conhecimento para a população usuária. Conclusão: O protocolo interdisciplinar para manejo da hipotermia terapêutica foi construído participativamente pela equipe. As capacitações em ciclos envolvendo os diferentes profissionais trouxeram grande interação entre eles e engajamento para obtenção de melhorias, com troca de experiências e aumento de conhecimento sobre hipotermia terapêutica.
Descritores: Protocolos Clínicos; Hipotermia Induzida; Ciência da Implementação; Asfixia; Recém-Nascido; Enfermagem Neonatal.
INTRODUÇÃO
A asfixia perinatal é um grave problema de saúde pública mundial, sendo a terceira principal causa de morte em crianças menores de cinco anos, precedida apenas da prematuridade e das malformações congênitas. Por ano, morrem de asfixia perinatal em torno de 1 milhão de recém-nascidos em todo o mundo, o que significa 30 a 35% dos óbitos neonatais(1-2).
A encefalopatia hipóxico-isquêmica é uma consequência grave da asfixia perinatal. A alteração neurológica e sua evolução dependem do tempo da duração do incidente hipóxico-isquêmico, que pode acontecer antes, durante ou após o parto(3-4). Essa condição clínica causa inflamação cerebral e imunossupressão, e pode ser classificada, por meio de escala, em três estágios: leve, moderada e grave(5).
Atualmente, a aplicação da hipotermia terapêutica é a única forma de tratamento utilizada na encefalopatia hipóxico isquémica. A eficácia na prevenção de lesão cerebral e melhora do desfecho neurológico ocorre quanto mais cedo for iniciada a hipotermia terapêutica, de forma ordenada nas primeiras seis horas de vida(6-7). Essa técnica terapêutica visa o resfriamento do recém-nascido a uma temperatura corporal ideal de 33,5ºC por um período de 72 horas, e tem como papel a neuroproteção, com a interrupção ou redução do processo da lesão cerebral(2,8-9).
A hipotermia terapêutica é um processo complexo, que desencadeia efeitos nos sistemas circulatório, cardiovascular, urinário, imunológico e gastrointestinal do recém-nascido. É necessário uma equipe interdisciplinar capacitada para manter a vigilância constante do recém-nascido submetido à hipotermia terapêutica; executar os cuidados de forma ininterrupta, segura e individualizada, conforme à complexidade clínica do recém-nascido(3-5,9-10).
O uso de protocolos clínicos sistematizados, aplicados por uma equipe de profissionais de saúde qualificada, com auditoria contínua, pode gerar uma mudança significativa na vida de recém-nascidos com asfixia perinatal(11-12).
Embora existam protocolos nacionais e internacionais(5,13-18) para hipotermia terapêutica, o hospital cenário da pesquisa ainda não tem implantado um protocolo baseado em evidências. Diante do exposto, a implementação de um protocolo adaptado às necessidades da instituição tem como finalidade favorecer a integração entre a equipe, a organização do processo do trabalho e contribuir para a segurança do paciente e melhoria sustentada da qualidade do cuidado. Dessa forma, este estudo tem como objetivo descrever o processo de implantação do protocolo interdisciplinar para manejo da hipotermia terapêutica.
Pesquisa de implementação com abordagem participativa, que utilizou o “Marco de Referência Consolidado para a Ciência de Implementação” - Consolidated Framework for Implementation Research (CFIR), versão 2009, como guia para a elaboração e implementação do protocolo, foram utilizados os seguintes domínios do CFIR: características da intervenção, características dos indivíduos, cenário interno e processo de implementação (http://www.CFIRguide.org/constructs.html).
O estudo foi conduzido na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) do hospital Universitário Cassiano Antônio Morais pertencente a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), localizado no Espírito Santo, Brasil.
Participou do estudo a equipe interprofissional composta por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeuta ocupacional, assistente social e psicólogo, responsáveis pela assistência de recém-nascidos asfixiados submetidos a hipotermia terapêutica. Foram excluídos os profissionais que estavam, por qualquer motivo, afastados da assistência durante o período da pesquisa. A pesquisa seguiu quatro etapas utilizando o ciclo PDCA, conforme Figura 1.
Figura 1 - Ciclo PDCA e etapas do projeto de elaboração e implantação do protocolo interdisciplinar de hipotermia terapêutica. Vitória, ES, Brasil, 2024
Um Grupo de Trabalho foi responsável pela elaboração, capacitação da equipe e implementação do protocolo. Esse Grupo foi composto por profissionais da UTIN que ocupam cargos de liderança, médicos da rotina, profissionais de enfermagem dos turnos diurno e noturno, fisioterapeutas, psicólogo e assistente social. Como critério de inclusão os profissionais deveriam ter mais de cinco anos de experiência em UTIN e pós-graduação em neonatologia.
Na etapa “Planejar/Plan”, o diagnóstico situacional foi feito com os dados dos recém-nascidos com asfixia, hospitalizados na UTIN no período de janeiro de 2018 a dezembro de 2022. Para essa etapa, foi elaborado um instrumento pelos pesquisadores com os dados: critérios de inclusão para o tratamento, intercorrências durante o período de internação, sexo, nascimentos com asfixia perinatal, e recém-nascidos de outras instituições admitidos para tratamento com hipotermia terapêutica. Os pesquisadores coletaram os dados no prontuário eletrônico em novembro e dezembro de 2022.
Em seguida, foi elaborado pela equipe de pesquisa um questionário online na plataforma Google Forms, contendo 26 perguntas para avaliar o conhecimento da equipe sobre encefalopatia hipóxico-isquémica e tratamento com hipotermia terapêutica. O questionário foi validado pelo Grupo de Trabalho. O questionário ficou disponível por 30 dias para preenchimento.
Na etapa “Executar/Do”, foi realizada uma busca na literatura recuperando diretrizes e recomendações nacionais e internacionais sobre hipotermia terapêutica. Foram identificados documentos do Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Pediatria, recomendações do Portal de Boas Práticas do Instituto Nacional Fernandes Figueira/ Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); protocolo da Protecting Brains & Saving Futures, e nas diretrizes de enfermagem do The Royal Children’s Hospital Melbourne(5,13-18). A partir desses documentos foram selecionadas as melhores práticas baseadas em evidências e a pesquisadora principal organizou a primeira versão do protocolo piloto para ser adaptado para a realidade local.
Para a elaboração do protocolo foram realizados três encontros com o Grupo de Trabalho em janeiro de 2023. No primeiro encontro, foram apresentados os objetivos da pesquisa, o diagnóstico situacional e discutido a primeira versão do protocolo. No segundo e terceiro encontros foram analisados cada um dos tópicos do protocolo, efetuado o alinhamento dos cuidados, adaptações das atividades à realidade local e finalizado o protocolo piloto, conforme recomendado nos itens dos domínios do CFIR: características da intervenção, características dos indivíduos e cenário interno. Os encontros tiveram duração de cerca de 90 minutos e foram coordenados pela pesquisadora principal, com auxílio de outra pesquisadora, ambas enfermeiras especialistas em neonatologia com experiência em coordenação de grupos.
A estrutura do protocolo seguiu a padronização do setor de qualidade da instituição hospitalar da pesquisa. Após a finalização do protocolo pelo Grupo de Trabalho, foram realizadas as oficinas de capacitação e de aplicação do protocolo. Para alcançar o maior número de profissionais nas diferentes escalas de plantão, foram realizadas 14 oficinas. As oficinas de capacitação e aplicação aconteceram nos meses de janeiro e fevereiro de 2023, com duração de 90 a 120 minutos. Os principais dados das oficinas foram registrados em diário de campo pelas pesquisadoras.
Durante as oficinas os profissionais tiveram a oportunidade de fazer sugestões e críticas ao protocolo. Ao finalizar as oficinas, o Grupo de Trabalho fez os ajustes no protocolo conforme as sugestões dos profissionais, e o protocolo foi implantado na unidade em março de 2023.
Na etapa “Verificar/Check”, após implantação do protocolo, em julho de 2023 foi aplicado novamente o questionário online pelo Google Forms. A finalidade do questionário foi avaliar se houve aumento do conhecimento da equipe após as oficinas. Também foi aplicado um questionário semiestruturado para identificar barreiras e facilitadores no processo de implementação do protocolo. O questionário foi estruturado com base no CFIR(19), sendo utilizado os domínios: características da intervenção, características dos indivíduos, cenário interno e processo de implementação.
A partir das respostas dos profissionais de saúde sobre as barreiras e os facilitadores no processo de implantação do protocolo, e com base no questionário sobre conhecimento da equipe, o Grupo de Trabalho discutiu os resultados e decidiu sobre a manutenção, alteração ou adaptação no protocolo. Após os ajustes, o protocolo foi enviado para o setor de qualidade, para aprovação e uso rotineiro no setor.
Na etapa “Atuar corretivamente/Action”, para a sustentabilidade do resultado, foi proposta a realização de atualização periódica do protocolo e manutenção das oficinas de capacitação como atividades de simulação e educação permanente.
Os dados quantitativos foram analisados por estatística descritiva.
O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa. Os participantes foram informados sobre o estudo e, após a leitura, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A fim de assegurar maior confiabilidade, validade e qualidade na elaboração da pesquisa, este estudo utilizou como ferramenta de apoio o Revised Standards for Quality Improvement Reporting Excellence (SQUIRE 2.0).
O diagnóstico situacional delineou o perfil dos recém-nascidos, descrevendo características perinatais, complicações clínicas durante a hipotermia terapêutica e desfechos.
De 2018 a 2022, 14 recém-nascidos foram internados para o tratamento de hipotermia terapêutica, sendo 57,14% do sexo masculino e 64,29% nasceu por parto vaginal. Todos os recém-nascidos foram reanimados com uso de Ventilação Positiva por Pressão, sendo que 92,5% evoluiu para intubação orotraqueal; 50% com necessidade de compressão torácica; e 42,85% utilizou drogas como adrenalina na reanimação. A maioria dos recém-nascidos (71,43%) tinha idade gestacional entre 38 a 40,6 semanas. Não houve diferença quanto ao diagnóstico de Encefalopatia Moderada ou Grave, tendo 50% cada tipo. O peso médio de nascimento foi 3.197g (2.206g – 4760g). A moda do apgar dos recém-nascidos submetidos a hipotermia terapêutica foi 0, 4 e 4, no 1º, 5º e 10º minuto. O período de internação teve média de 27 dias (16 a 100 dias).
Quanto as principais complicações clínicas, 100% teve distermia com temperaturas fora do alvo, e 87,71% teve convulsão; e 28,57% teve insuficiência renal.
Na avaliação do conhecimento antes das oficinas de capacitação, responderam ao questionário online 88 profissionais, sendo 31% enfermeiros, 27,6% técnicos de enfermagem, 20,7% médicos, 12,6% fisioterapeutas, 2,3% fonoaudiólogos e 1,1% psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, terapeutas ocupacionais e residentes de neonatologia. Enquanto, na segunda avaliação do conhecimento após as oficinas, responderam 46 profissionais, sendo 34,8% técnicos de enfermagem, 28,3% enfermeiros, 15,2% fisioterapeutas, 13% médicos, 4,3% fonoaudiólogos, 2,2% psicólogos e assistentes sociais.
Na primeira avaliação 97,7% souberam responder sobre a indicação da hipotermia terapêutica afirmando quando há condições clínicas de Encefalopatia Hipóxico Isquêmica Moderada ou Grave e, 65,1% disseram conhecer os critérios e 34,9 % não conhecer. Contudo, quando solicitado para citarem os critérios, 45% citaram, mas de forma incompleta; 40% não souberam responder e 14% responderam de forma inadequada.
Já na segunda avaliação, após a capacitação 97,8% responderam corretamente. Sobre os critérios de inclusão 95,7% responderam saber quais eram, e quando solicitado para citar os critérios, 41,3% souberam citar corretamente, 58,8% citaram critérios inadequados e 4,3% relataram não saber responder a pergunta. De forma geral, houve melhora do conhecimeto dos profissionais.
Na instituição em estudo, a técnica utilizada para a hipotermia terapêutica é a forma passiva, nas capacitações a equipe foi treinada para fazer o resfriamento e o reaquecimento com uso de material de baixo custo, como placas de gelo reutilizável/flexível, compressas frias e uso de temperatura ambiente. Quanto à pergunta dos recursos disponíveis, houve aumento de 55% para 73,9% de respostas corretas e completas.
Sobre como é realizado o resfriamento na instituição, na primeira avaliação 53,4% descreveram o procedimento, e os materiais como bolsas de gelo ou compressas frias; enquanto na segunda avaliação 80,4% responderam corretamente.
Sobre o tempo para iniciar a hipotermia terapêutica após nascimento houve um aumento de respostas corretas de 72,4% para 84,8%. Em relação ao período que o recém-nascido é submetido ao resfriamento, houve um aumento de respostas corretas de 83,7% para 91,3% após as oficinas.
Sobre como é realizado o reaquecimento, na primeira avaliação 51,65% acertaram e na segunda avaliação aumentou para 82,6%.
Quanto ao monitoramento da temperatura, antes da capacitação 13,64% relatou o material utilizado e que deveria manter a temperatura alvo. Após a capacitação, 30,4% descreveram os procedimentos para monitoramento.
Em relação às complicações, na primeira avaliação comparado a segunda pós-oficina, houve melhora das respostas. Os profissionais souberam citar bradicardia (88,5% para 93,5%); sangramento ativo (32,2% para 41,3%) e oligúria (34,5% para 39,1%).
Quanto a necessidade da equipe esclarecer a família sobre a hipotermia terapêutica, 89,1% disseram que conseguiriam explicar o tratamento e, 10,9% disseram que não conseguiria, pois compreendia que o médico junto com o psicólogo, eram os profissionais mais indicados.
Sobre os critérios para suspensão do Protocolo de Hipotermia Terapêutica, da primeira para a segunda avaliação houve aumento nos acertos dos critérios, sendo: 38,8% - 39,1% quando há hipotermia sustentada abaixo de 33ºC; 58,8% -73,9% sangramento não controlado e 51,8% - 63,9% hipertensão pulmonar não controlada.
Visando conhecer a opinião dos profissionais acerca da intervenção e seu processo de implantação, 72 profissionais responderam ao questionário baseado nos domínios do CFIR (Tabela 1).
Tabela 1 - Descrição das características da intervenção, dos indivíduos, do cenário interno e do processo de implementação baseado nos domínios do CFIR (n=72). Vitória, ES, Brasil, 2024
CFIR Domínios |
Concordo |
Concordo Parcialmente |
Não Concordo |
|||
N |
% |
N |
% |
N |
% |
|
Características da intervenção |
||||||
A elaboração do protocolo interdisciplinar para hipotermia terapêutica trará resultados quanto às melhorias dos cuidados prestados aos recém-nascidos com encefalopatia hipóxico isquêmica moderada/grave? |
71 |
98,6 |
1 |
1,4 |
0 |
0 |
O protocolo de hipotermia terapêutica é uma necessidade da UTIN? |
71 |
98,6 |
1 |
1,4 |
0 |
0 |
O protocolo está adaptado para atender a realidade da instituição? |
70 |
97,2 |
2 |
2,8 |
0 |
0 |
O protocolo é muito complexo, possui muitos passos e etapas que dificultam sua aplicação? |
13 |
18,1 |
16 |
22,2 |
43 |
59,7 |
O protocolo necessita de investimentos elevados para ser implementado? |
13 |
18,1 |
12 |
16,7 |
47 |
65,3 |
Características do indivíduo |
||||||
Os profissionais da UTIN apoiam o uso do protocolo? |
70 |
97,2 |
2 |
2,8 |
0 |
0 |
Cenário Interno |
||||||
A UTIN possui recursos disponíveis para a implementação do protocolo? |
63 |
87,5 |
8 |
11,1 |
1 |
1,4 |
Processo de Implementação |
||||||
Conhecer os dados sobre o uso do protocolo e o papel de cada profissional na tomada de decisão pode favorecer a manutenção do seu uso. |
72 |
100 |
0 |
0 |
0 |
0 |
Na avaliação do protocolo, 98,6% concordaram que trará resultados quanto às melhorias de cuidados prestados aos recém-nascidos. O protocolo foi considerado uma necessidade da UTIN por 98,6% e 97,2% concordaram que o protocolo está adaptado para atender a instituição. Dentre os que concordaram parcialmente citaram a falta de equipamentos.
Quanto a complexidade do protocolo, 59,7% não concordaram que o protocolo é complexo e que possui muitos passos para sua aplicação. Relataram que o protocolo é de fácil aplicação e com capacitação da equipe e materiais necessários é possível ser aplicado na instituição.
Quanto ao investimento elevado para o protocolo ser implementado, 65,3% não concordaram. Alguns relataram que o investimento é elevado quanto a aquisição do monitoramento cerebral.
Sobre as características do indivíduo, 97,2% apoiaram o uso do protocolo. E em relação ao cenário interno, 87,5% concordaram que a instituição possui recursos disponíveis para a implementação.
Quanto ao processo de implementação, 100% concordaram que o conhecimento do protocolo e do papel de cada profissional na tomada de decisão pode favorecer a manutenção do seu uso.
Em relação aos facilitadores e barreiras do processo de implementação do protocolo. Os facilitadores foram: capacitação da equipe, engajamento da equipe no processo do protocolo, documento elaborado, capacitação e recursos passíveis para aplicação de hipotermia terapêutica, atuação da equipe interprofissional e organização do serviço. Enquanto, as barreiras foram: falta de adesão da equipe multiprofissional, falta de equipamentos e estrutura, baixa frequência de casos do serviço, falta de interesse da gestão, comunicação ruim entre a equipe com discussão de erros e dificuldade na indicação inicial do tratamento. Por outro lado, muitos profissionais não veem barreiras para implementação do protocolo.
As sugestões apresentadas pelos profissionais para melhoria do protocolo e sua implementação foram: capacitação da equipe e avaliação de resultados após o tratamento. Destacaram também a necessidade de tecnologia e aquisição de equipamentos modernos para realizar o protocolo. Também sugeriram o uso de casos simulados para atualização da equipe, melhorar a integração com diferentes setores envolvidos, aumentar o quantitativo de profissionais para cuidar dos recém-nascidos em hipotermia terapêutica, elaborar material educativo para a equipe da neonatologia sobre o protocolo e para os pais/familiares, facilitar o transporte dos recém-nascidos que necessitam realizar o tratamento na instituição. Alguns participantes não deram sugestões por achar que o protocolo está bem estruturado e de fácil aplicação.
O Grupo de Trabalho após análise e discussão das sugestões fez as adequações no protocolo. Além do protocolo foram elaborados alguns materiais educativos: Folder com o passo-a-passo da assistência de enfermagem no resfriamento e reaquecimento do recém-nascido, Placas de alerta; Fluxogramas para elegibilidade dos recém-nascido asfixiados para hipotermia terapêutica; Indicação da hipotermia terapêutica na UTIN; e Realização da hipotermia terapêutica (Figura 2).
Figura 2 - Placas de alerta Resfriamento e Reaquecimento Protocolo de hipotermia terapêutica. Vitória, ES, Brasil, 2024
A hipotermia terapêutica é uma intervenção segura e benéfica, que resulta em uma redução significativa no desfecho combinado de mortalidade ou incapacidade neurológica grave. No Brasil, o tratamento foi iniciado nas últimas décadas e no local de estudo há aproximadamente seis anos(11). O que justifica o déficit de conhecimento dos profissionais em alguns processos de trabalho.
O protocolo de hipotermia terapêutica desenvolvido para a instituição de estudo, baseou-se nas melhores evidências, adaptadas às necessidades locais, realizando o tratamento de forma passiva por meio de materiais de baixo custo(19-20). Esta condição está presente em mais da metade das UTIN do Brasil destacando a relevância do estudo, mostrando a viabilidade e a eficácia do uso de compressas frias e pacotes de gelo como alternativa de resfriamento de baixo custo(21-22).
Os dados após capacitação da equipe, demonstram que os participantes adquiriram maior conhecimento quanto aos materiais utilizados no resfriamento de baixo custo, porém, torna-se ainda necessário melhorar o conhecimento quanto ao procedimento completo. Estudos comprovam que tanto o resfriamento servo-controlado e passivo reduzem efetivamente a temperatura retal para a temperatura alvo dentro do limite de tempo específico, embora a hipotermia terapêutica passiva necessite de um acompanhamento mais próximo e rigoroso por parte da equipe que presta assistência aos recém-nascidos(3,7,14,19).
Foi notável a melhora das respostas dos participantes quanto a fase de reaquecimento detalhando que a temperatura deve ser atingida de forma lenta e a temperatura central não deverá ultrapassar 0,5ºC por hora. No entanto, ainda necessitam se aprofundar mais acerca dos efeitos adversos e complicações. Estudos em adultos e em animais indicam que o reaquecimento rápido pode afetar adversamente os resultados, com convulsão de rebote e que o reaquecimento lento pode ajudar a preservar os benefícios do resfriamento(4,6-7,11). O que requer mais atenção da equipe que presta a assistência e o cuidado.
É fundamental o conhecimento adequado pela equipe de como a hipotermia compromete todos os sistemas orgânicos dos recém-nascidos asfixiados, que já estão gravemente debilitado para prevenir e evitar as complicações de um resfriamento exagerado(5,12-13).
As principais dificuldades para implantação do protocolo relatadas pelos profissionais foram a falta de capacitação e equipamentos com tecnologia, semelhante a outros estudos nos quais os centros de atendimento exigem mais capacitações com cursos práticos específicos tanto nas ferramentas diagnósticas e prognósticas, como enfatizam as vantagens sobre o uso do sistema servo controlado para a realização da hipotermia terapêutica de forma mais segura e eficaz e, do exame de eletroencefalograma de amplitude integrada que auxilia na detecção de convulsões e na inclusão ao tratamento de hipotermia. Além disso, o mesmo estudo aponta uma redução de equipamentos em termos populacionais, com risco de não se poder aplicar hipotermia terapêutica ou fazê-lo sem acompanhamento apropriado(12,22).
No esclarecimento à família, a maioria dos profissionais após as capacitações se sentiram capazes de conversar com os pais, pois adquiriram conhecimento e entenderam a importância de todos os profissionais se responsabilizarem. A comunicação com os pais dos recém-nascidos com Encefalopatia Hipóxico Isquêmica é um desafio que requer uma abordagem interdisciplinar(6,17-18). A manutenção de uma boa comunicação e o compartilhamento de informações são ferramentas essenciais para o estabelecimento da cooperação interdisciplinar. Dessa forma, quando ocorre essa relação torna-se possível realizar o tratamento de forma eficaz estabelecendo um relacionamento com a família para apoiá-la nessa difícil experiência(5,21).
È fundamental integrar as famílias nos cuidados nas UTINs, com o desenvolvimento de programas educacionais que estimulem a autonomia e envolvimento dos pais nos cuidados com seus filhos(23-24).
No processo de avaliação do protocolo interdisciplinar a maioria dos profissionais apoia a utilização do protocolo na UTIN, relatando que o setor dispõe de recursos para sua utilização e todos concordaram que conhecer o papel de cada profissional na tomada de decisão favorece a manutenção do seu uso. O principal facilitador foi a capacitação em equipe, assim como o seu engajamento e disponibilidade de equipamentos adequados para a implementação da hipotermia terapêutica. Da mesma forma, outros estudos apontam que o sucesso da hipotermia terapêutica requer uma constante capacitação dos profissionais, abordando o manejo do recém-nascido com Encefalopatia Hipóxico Isquêmica, monitoramento, cuidados intensivos e o trabalho em equipe interprofissional, que inclui habilidades de comunicação(11,19,21).
Pesquisas de implementação de evidências científicas na prática clínica são projetos desafiadores, que requerem uma atuação dinâmica, contínua e que provoque mudanças de comportamento profissional melhorando a cultura da organização. A ciência da implementação por meio de programas, protocolos, planos e projetos de intervenção implanta as melhores evidências na prática clínica contribuindo na redução das inconformidades e visando melhorar os resultados de saúde(24-25).
O uso de protocolos com funções e responsabilidades bem definidos, com fluxo de atendimento organizado que descreva o trabalho integrado entre equipes interprofissionais, apoiados em capacitações frequentes, são questões para padronizar os cuidados e possibilitar a implantação das melhores evidências na prática clínica(25-26).
Como limitações, o protocolo não foi avaliado pelos usuários, bem como as preferências dos pacientes não foram incluídas na elaboração do protocolo, e não obteve um número suficiente de casos de recém-nascidos asfixiados submetidos à hipotermia terapêutica durante o período de estudo. Outra limitação foi que o capacitação presencial não abrangeu toda equipe diurna e noturna da UTIN, maternidade e centro cirúrgico devido férias, licença médica e vínculos de funcionários em outros empregos. Diante dessas considerações, recomendam-se novos estudos que avaliem a utilização do protocolo e a manutenção dos resultados em longo prazo e a capacitação contínua da equipe.
O protocolo interdisciplinar foi construído de forma participativa pela equipe interprofissional. A manutenção dos cuidados baseados em evidências e preconizados em protocolo, requer conhecimento da equipe por meio de capacitações e simulações clínicas, comunicação da equipe e sua interação com outros setores envolvidos.
A formação do grupo de trabalho e as capacitações em ciclos envolvendo a equipe interprofissional trouxe grande interação entre os profissionais e engajamento para obtenção de melhorias, com períodos ricos de troca de experiências entre as especialidades.
Os materiais educativos com apresentação atrativa e criativa, transmitem as informações de forma simplificada, clara e objetiva. Esses materiais melhoraram a comunicação e a organização do fluxo de trabalho no serviço, e contribuíram para a translação do conhecimento cientifico para a população.
Este estudo contribuiu para a equipe interprofissional em terapia intensiva neonatal ao descrever como traduzir e aplicar as melhores evidências científicas no cuidado com o recém-nascido crítico, organizando um trabalho qualificado por meio da padronização das ações, fundamentadas nos princípios de segurança e efetividade.
O protocolo e materiais desenvolvidos podem ser aplicados e ajustados à realidade de outras instituições de saúde. O que aponta para o potencial dessa pesquisa ser aplicada a nível regional e nacional, pois descreve um método sistemático e inovador para a implementação das melhores evidências científicas na prática clínica.
*Artigo extraído da Dissertação de Mestrado “Protocolo multidisciplinar para hipotermia terapêutica em recém-nascidos”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil, em 2023.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
FINANCIAMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES). Código de Financiamento 001.
REFERÊNCIAS
1. Word Health Organization. Newborn mortality [Internet]. Genebra (CH): Word Health Organization; 2021 [citado 2024 Mar 23]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/levels-and-trends-in-child-mortality-report-2021
2. Moshiro R, Mdoe P and Perlman JM. A global view of neonatal asphyxia and resuscitation. Front Pediatr. 2019;7:489. https://doi.org/10.3389/fped.2019.00489
3. Thayyil S, Pant S, Montaldo P, Shukla D, Oliveira V, et al. Hypothermia for moderate or severe neonatal encephalopathy in low-income and middle-income countries (HELIX): a randomized controlled trial in India, Sri Lanka, and Bangladesh. Lancet Glob Health. 2021;9(9):e1273–85. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(21)00264-3
4. Abate BB, Bimerew M, Gebremichael B, Mengesha Kassie A, Kassaw M, Gebremeskel T, et al. Effects of therapeutic hypothermia on death among asphyxiated neonates with hypoxic-ischemic encephalopathy: a systematic review and meta-analysis of randomized control trials. PLoS One. 2021;16(2):e0247229. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0247229
5. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [citado 2024 Mar 23]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_recem_nascido_v1.pdf
6. Victor S, Rocha-Ferreira E, Rahim A, Hagberg H, Edwards D. New possibilities for neuroprotection in neonatal hypoxic-ischemic encephalopathy. Eur J Pediatr. 2022;181(3):875–87. https://doi.org/10.1007/s00431-021-04320-8
7. Walas W, Wilińska M, Bekiesińska-Figatowska M, Halaba Z, Śmigiel R. Methods for assessing the severity of perinatal asphyxia and early prognostic tools in neonates with hypoxic-ischemic encephalopathy treated with therapeutic hypothermia. Adv Clin Exp Med. 2020;29(8):1011-1016. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32820870
8. Danladi J, Sabir H. Perinatal Infection: A Major Contributor to Efficacy of Cooling in Newborns Following Birth Asphyxia. Int J Mol Sci. 2021;22(2):707. https://doi.org/10.3390/ijms22020707
9. Nakwa FL, Sepeng L, van Kwawegen A, Thomas R, Seake K, Mogajane T, et al. Characteristics and outcomes of neonates with intrapartum asphyxia managed with therapeutic hypothermia in a public tertiary hospital in South Africa. BMC Pediatr. 2023;23(1):51. https://doi.org/10.1186/s12887-023-03852-2
10. Roychoudhury S, Esser MJ, Buchhalter J, Bello-Espinosa L, Zein H, Howlett A, et al. Implementation of neonatal neurocritical care program improved short-term outcomes in neonates with moderate-to-severe hypoxic ischemic encephalopathy. Pediatr Neurol. 2019;101:64-70. https://doi.org/10.1016/j.pediatrneurol.2019.02.023
11. Variane GF, Cunha LM, Pinto P, Brandao P, Mascaretti RS, Magalhães M, Sant'Anna GM. Therapeutic Hypothermia in Brazil: A MultiProfessional National Survey. Am J Perinatol. 2019;36(11):1150-1156. https://doi.org/10.1055/s-0038-1676052
12. Arnaez J, Herranz-Rubia N, Garcia-Alix A, Grupo de Trabajo ESP-EHI. Unidades de Neonatología. Hospitales terciarios, España. Holistic approach of the care of the infant with hypoxic-ischaemic encephalopathy in Spain. An Pediatr (Engl Ed). 2020;92(5):286-296. https://doi.org/10.1016/j.anpedi.2019.05.013
13. Sociedade Brasileira de Pediatria. Hipotermia Terapêutica [Internet]. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2020 [citado 2024 Mar 23]. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22568c-DocCient_-_Hipotermia_Terap eutica.pdf
14. Sociedade Brasileira de Pediatria. Monitoramento do recém-nascido com asfixia perinatal [Internet]. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2020 [citado 2024 Mar 23]. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22631c-MO-_Monitoram_do_RN_c_a sfixia_perinatal.pdf
15. Sociedade Brasileira de Pediatria. Reanimação do recém-nascido ≥34 semanas em sala de parto: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria [Internet]. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2022 [citado 2024 Mar 23]. Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/biblioteca/reanimacao-do-recem-nascido-%E2%89%A534-semanas-em-sala-de-parto-diretrizes-2016-da-sbp/
16. Fundação Oswaldo Cruz (BR); Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Postagens: Hipotermia Terapêutica [Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2018 [citado 2023 Nov 10]. Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-recem-nascido/hipotermia-terapeu tica/
17. Protecting Brains & Saving Futures. Protocolo de hipotermia [Internet]. São Paulo: Protecting Brains & Saving Futures; 2023 [citado 2023 Nov 23]. Disponível em: https://pbsf.com.br/para-profissionais/
18. Royal Children’s Hospital Melbourne. Therapeutic hypothermia in the neonate [Internet]. [The Royal Children's Hospital Melbourne (AU)]: Nursing Clinical Effectiveness Committee; 2023 [citado 2023 Nov 12]. Disponível em: https://www.rch.org.au/rchcpg/hospital_clinical_guideline_index/Therapeutic_hypothermia_in_the_neonate/
19. Prashantha YN, Suman Rao PN, Nesargi S, Chandrakala BS, Balla KC, Shashidhar A. Therapeutic hypothermia for moderate and severe hypoxic ischaemic encephalopathy in newborns using low-cost devices - ice packs and phase changing material. Paediatr Int Child Health. 2019;39(4):234-239. https://doi.org/10.1080/20469047.2018.1500805
20. Oliveira NRGd, Teixeira GG, Fernandes KTMS, Avelar MM, Medeiros M, Formiga CKMR. Therapeutic hypothermia as a neuroprotective strategy in newborns with perinatal asphyxia - case report. Front Rehabil Sci. 2023;4:1132779. https://doi.org/10.3389/fresc.2023.1132779
21. Leite PNM, Teixeira RB, Silva GD da, Reis AT, Araujo M. Therapeutic hypothermia in neonatal hypoxic-ischemic encephalopathy: integrative review. Rev enferm UERJ [Internet]. 2020 [citado 2023 Nov 12];28:e42281. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/enfermagemuerj/article/view/42281
22. Kinoshita AN, Magalhães M, Rodrigues DP, Variane GFT, Pietrobom RFR, Gallaci CB, et al. Effectiveness of reaching and maintaining therapeutic hypothermia target temperature using low-cost devices in newborns with hypoxic-ischemic encephalopathy. Anat Rec (Hoboken). 2021;304(6):1217-1223. https://doi.org/10.1002/ar.24615
23. Bueno M, Vieira ACG, Bacchini F. Integration of the family to neonatal care: new care perspectives. Online Braz J Nurs. 2023;22:e20236634. https://doi.org/10.17665/1676-4285.20236634
24. Cunha CMC, Lima EFA, Galvão DMPG, Brito APA, Fonseca LMM, Primo CC. Breastfeeding assistance for preterm and low birth weight infants: best practices implementation project. Rev Esc Enferm USP. 2024;58:e20230380. https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2023-0380en
25. Bauer MS, Kirchner J. Implementation science: What is it and why should I care? Psychiatry Res. 2020;283:112376. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2019.04.025
26. Silva ESD, Primo CC, Gimbel S, Almeida MVS, Oliveira NS, Lima EFA. Elaboration and implementation of a protocol for the Golden Hour of premature newborns using an Implementation Science lens. Rev Lat Am Enfermagem. 2023;31:e3956. https://doi.org/10.1590/1518-8345.6627.3956
Aprovado: 03-Nov-2024