ORIGINAL

 

COVID-19 e demanda de trabalho de enfermagem em unidades de terapia intensiva: coorte retrospectiva

 

Tayná Oliveira Mendes1, Rute Merlo Somensi2, Rúbia Knobeloch dos Santos1, Andreza Mello da Silva2, Renata Neto Pires2, Rita Catalina Aquino Caregnato1, Luccas Melo de Souza1

 

1Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil

2Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil

 

RESUMO

Objetivo: identificar a demanda de trabalho de enfermagem e o quadro de equipe em duas unidades de terapia intensiva exclusivas para pacientes com a Doença do Novo Coronavírus. Método: estudo de coorte retrospectivo com 107 adultos/idosos de duas unidades de tratamento intensivo exclusivas para pacientes com Doença do Novo Coronavírus. Os dados foram coletados em prontuário eletrônico, considerando um período de 63 dias. A demanda de trabalho de enfermagem foi analisada a partir do Nursing Activities Score. Resultados: Predominaram homens (67,3%) com média de 59,3±16,8 anos de idade. A pontuação média do Nursing Activities Score foi 91,4 (variando de 32,9 a 155,7 pontos), indicando que são necessárias 21,8 horas de assistência no dia. Identificou-se que 40,2% dos pacientes tiveram média do Nursing Activities Score acima de 100 pontos, demandando mais de 24 horas de cuidado direto em um dia. A média diária do Nursing Activities Score nas unidades variou de 82,79 a 128,64 pontos, sem diferença estatística entre elas. A razão ideal de paciente: profissional de enfermagem foi de 1:1. Conclusão: o estudo identificou uma elevada demanda assistencial do trabalho de enfermagem, tanto por paciente quanto por unidade.

 

Descritores: Enfermagem; COVID-19; Cuidados críticos; Carga de trabalho; Dimensionamento de pessoal; Unidades de terapia intensiva.

 

INTRODUÇÃO

O ano de 2020 foi escolhido pelo Conselho Internacional de Enfermeiras e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o ano Internacional da Enfermagem. Foi, então, lançada a Campanha Nursing Now, que contou com a adesão de 30 países. A nível mundial, alguns dos principais objetivos da campanha foram melhorar a educação, estimular o desenvolvimento profissional e regularizar as condições de trabalho da enfermagem, trazendo influência política mundial através da visibilidade(1). Neste mesmo ano, foi declarada, pela OMS, a pandemia da Doença do Novo Coronavírus, com diferentes momentos (COVID-19)(2,3).

Com o avanço da segunda onda do Novo Coronavírus (SARS-CoV-2) no Brasil, com predomínio da variante Gama, houve alterações nas características dos indivíduos considerados de risco na primeira onda. Durante esse período, no país, houve o aumento em 19% dos casos de óbito em pacientes sem comorbidades prévia, além do aumento em 13% dos casos de infecção grave. Com as adaptações virais, houve o surgimento da variante Delta no segundo semestre de 2021, cepa com maior virulência que a Gama. Estima-se que, em agosto de 2021, 70% dos casos de COVID-19, no Brasil, eram resultantes da variante Delta. Devido à alta virulência, causou a suplantação dos casos da variante anterior(2,3).

No Brasil, até o mês de março de 2023, havia mais de 37 milhões de casos diagnosticados e mais de 690 mil mortes, com taxa de letalidade de cerca de 1,9%(4). Entretanto, os dados podem estar subestimados. A vacinação mostrou-se eficaz em todo o mundo, com queda no número de casos e de mortes na proporção que a cobertura vacinal avançou, além da mudança do perfil de internados, com casos de menor gravidade(5).

Durante a pandemia de SARS-CoV-2, a necessidade de abertura de novos leitos demandou mudanças no atendimento hospitalar, no mundo todo, sobretudo no que se refere a estrutura física, que precisou ser alterada rapidamente. Pacientes gravemente enfermos trouxeram novos desafios para a atuação a beira leito e gestão das equipes de saúde. Visando fornecer uma resposta rápida à demanda mundial de internados pela COVID-19, foram criados novos leitos em internação e em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) e realizadas adaptações que incluíram a necessidade de realocação de equipes de outros serviços para leitos de terapia intensiva(6).

A enfermagem, maior contingente de trabalhadores em estabelecimentos de saúde, ganhou destaque mundial, atuando com excelência, capacidade de gestão, ensino e conhecimento científico. Destaca-se, também, por ser a categoria profissional que presta cuidado ininterrupto nas 24 horas de assistência, com capacidade técnica especializada e visão holística do paciente(7).

Especialmente no primeiro ano de pandemia, em que não havia vacina, diversos profissionais foram afastados de suas atividades por terem contraído a COVID-19 e outros foram a óbito. Concomitante ao aumento da taxa de absenteísmo por doença e número de leitos de UTIs, houve a sobrecarga de trabalho, como um reflexo da inadequação prévia do dimensionamento profissional(7,8).

Nesse aspecto, estudos têm relacionado um maior tempo de permanência em instituição hospitalar, maior exposição a infecções relacionadas à assistência, bem como maior número de desfechos desfavoráveis com o aumento da demanda de trabalho da equipe de enfermagem(8). No Brasil, a Resolução 543/2017 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) dispõe sobre o dimensionamento de recursos humanos, visando manter o quantitativo adequado de profissionais nas diversas áreas assistenciais(9). No entanto, a inadequação e sobrecarga da enfermagem são vistas frequentemente, o que justifica o uso diário de instrumentos para a mensuração da carga de trabalho de enfermagem(7).

Com a evolução da pandemia e a alta complexidade dos pacientes com COVID-19, o Conselho Federal de Enfermagem trouxe, na época, novas recomendações ao dimensionamento de pessoal em UTIs que atendiam pacientes com COVID-19. O Parecer Normativo 02/2020 do COFEN recomendava a adequação de um enfermeiro a cada cinco leitos que atendiam pacientes com COVID-19, ou fração, um técnico de enfermagem a cada dois leitos, ou fração, além de um técnico de enfermagem a cada cinco leitos para serviços de apoio a cada turno(10).

Alguns estudos realizados na Europa demonstraram uma demanda de trabalho significativamente maior em pacientes com COVID-19 quando comparados àqueles sem a comorbidade. Esse aumento foi avaliado a partir do Nursing Activities Score (NAS). Nos pacientes com COVID-19, foi registrado um aumento de 33% do score, apontando a relação 1:1 entre profissional da enfermagem e pacientes(11,12).

Diante do contexto pandêmico, da necessidade de remanejo e dimensionamento de pessoal de enfermagem e da complexidade dos pacientes com COVID-19 nos primeiros anos de pandemia, surgiu a seguinte questão de pesquisa: qual a demanda de trabalho da enfermagem em pacientes com COVID-19 internados em unidades de terapia intensiva quando havia predominância da variante Gama no Brasil?

Frente ao exposto, o estudo se justifica pela necessidade da análise da carga de trabalho de enfermagem através de instrumentos validados, a fim de dimensionar o pessoal de enfermagem, com vistas à saúde do trabalhador e à segurança do paciente. Passados os momentos de maior gravidade da COVID-19, o estudo também serve de registro histórico da demanda de trabalho a que a equipe de enfermagem foi submetida durante a pandemia.

Portanto, o objetivo do presente estudo foi identificar a demanda de trabalho de enfermagem e o quadro de equipe em duas unidades de terapia intensiva exclusivas para pacientes com a Doença do Novo Coronavírus.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo de coorte restrospectivo, do tipo documental, norteado pela ferramenta Strengthening the Reporting of Observational studies in Epidemiology (STROBE).

Foi realizado em duas UTIs exclusivas para pacientes com COVID-19 de um complexo hospitalar da cidade de Porto Alegre, sul do Brasil. Essas unidades não atendiam pacientes em tratamento intensivo, mas foram transformadas em UTIs pela demanda da pandemia da COVID-19.

As unidades A e B possuíam, cada uma, 16 leitos, 12 enfermeiros (três por turno) e 60 técnicos de enfermagem (15 por turno) em atividade (total de 144 profissionais). Os turnos são divididos em manhã, tarde e noites A e B. Portanto, por dia, cada unidade possuía 9 enfermeiros e 45 técnicos de enfermagem (total de 108 profissionais/dia nos 32 leitos das duas unidades).

A população do estudo incluiu todos os prontuários de pacientes internados nas unidades A e B no período entre 01 de julho e 01 de setembro de 2021, considerando como critérios de inclusão: ter resultado positivo de transcrição reversa seguida de reação em cadeia de polimerase (rT-PCR) para COVID-19 e/ou teste positivo de Amplificação isotérmica mediada por loop de transcrição reversa (rT-LAMP); possuir idade superior ou igual a 18 anos. No final, 107 prontuários foram elegíveis. Realizou-se o acompanhamento durante 63 dias (nove semanas completas) e interrompeu-se a coleta de dados em 01 de setembro pela baixa do número de casos de pacientes com COVID-19 e planejamento de fechamentos das duas unidades.

Os dados foram coletados do prontuário eletrônico dos pacientes, via sistema eletrônico de gerenciamento de leitos do hospital. Foram investigadas as seguintes variáveis: unidade, desfecho (óbito ou alta), total de dias de internação no hospital, sexo, idade, presença de comorbidades - hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes melittus (DM) e doença hepática, renal ou cardíaca - e o escore diário do NAS. Foram extraídos todos os escores do NAS que foram registrados pelos enfermeiros na avaliação diária dos pacientes das UTIs entre as nove semanas do estudo. As variáveis tempo de internação no hospital e óbito foram acompanhadas/consideradas mesmo após a alta dos pacientes da UTI.

O NAS começou a ser utilizado nas UTIs do complexo hospitalar em junho de 2021, após capacitação individual e coletiva dos enfermeiros pela equipe do estudo. Abrangeu a aplicação correta da escala, bem como esclarecimento de dúvidas e da inserção do NAS como instrumento para dimensionamento da equipe de enfermagem na instituição. Foi realizada, posteriormente, auditoria dos dados in loco, além de feedback para os gestores e enfermeiros assistenciais, visando padronizar a coleta, aumentar a acurácia e diminuir erros de coleta e aferição.

O NAS foi preenchido pelos enfermeiros do turno da noite, através da análise das atividades realizadas nas últimas 24 horas, conforme escala assistencial, com uso do instrumento eletrônico disponível no sistema de gestão do hospital. No total, foram coletados 986 escores de NAS do prontuário eletrônico dos 107 pacientes que compuseram a população.

O NAS destaca-se entre os instrumentos utilizados para mensurar a carga de trabalho, sendo criado por Miranda e colaboradores(13) e traduzido e validado no Brasil por Queijo(14,15). Desenvolvido a partir do Therapeutic Intervention Scoring System (TISS-28), o NAS é composto por sete categorias, divididas em 23 itens que incluem atividades básicas, gerenciais, suporte a familiares, dentre outras atividades de enfermagem. Cada item possui uma pontuação que deve ser somada a fim de estabelecer o escore do paciente de acordo com o tempo de assistência demandado por ele nas últimas 24 horas, sendo o seu máximo 176,8%. Cada ponto do NAS corresponde a 14,4 minutos, portanto, uma pontuação diária de 100 significa uma assistência ininterrupta de enfermagem, sugerindo um profissional exclusivo para o cuidado deste paciente(13,15).

Para estipular o dimensionamento de pessoal, levou-se em conta o índice de segurança de 20% preconizado pelo COFEN no Parecer Normativo 02/2020(10). Assim, utilizou-se o seguinte cálculo: PE = (E. (u NAS/100)) + 20%. Salienta-se que: PE = número de profissionais de enfermagem necessários; E = número de equipes de enfermagem; u NAS = média de pontos do NAS da Unidade(8,10-16). Os dados sobre o número de profissionais atuantes nas UTIs foram fornecidos pela gestão das UTIs.

Após a coleta bruta dos dados no prontuário eletrônico, eles foram tabulados no software Excel (ano 2019, Microsoft Office Professional Plus, versão 2305, Estados Unidos da América) sendo posteriormente analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences (ano 2021, IBM Corporation, versão 20, Estados Unidos da América). Utilizaram-se os seguintes testes estatísticos: Teste qui-quadrado de Pearson para comparar variáveis categóricas, teste Mann Whitney para variáveis independentes e teste T de Student para diferença entre médias. Foram considerados estatisticamente significativos os valores com p<0,05.

Este estudo respeitou os aspectos éticos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Utilizou-se de Termo de Compromisso para Utilização de Dados e houve dispensa de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, dadas as características da coleta de dados. Além disso, os pesquisadores do estudo têm o compromisso institucional sobre o que se refere ao uso de dados dos pacientes conforme Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. O projeto de pesquisa foi submetido à avaliação por comitê de ética em pesquisa sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética número 45203121.6.0000.5335, com aprovação em agosto de 2021 (parecer 4.935.618).

 

RESULTADOS

Conforme os valores expressos na tabela 1, observa-se que 67,3% da população foi composta por pacientes do sexo masculino com considerável percentual de indivíduos com histórico de tabagismo 30,4%, HAS 53,3% e DM 32,7%. A idade média da amostra foi de 59,3 anos±16,8 (mínima 19 e máxima 96) e 25% dos pacientes ficaram internados no hospital por pelo menos 22 dias (variando de 01 a 70 dias) e 63 (58,9%) foram a óbito.

Quanto ao NAS o escore médio foi 91,4, semelhante entre as duas unidades (90,9 e 92,5). Ainda, dentre os 107 pacientes, 43 (40,2%) apresentaram média final do NAS maior que 100 pontos, sendo o escore mínimo de 32,9 pontos e o maior de 155,7 pontos.

 

Tabela 1- Caracterização geral da amostra e por unidades de tratamento de intensivo(n=107). Porto Alegre/RS, Brasil, 2021.

Variáveis

Geral (n=107)

A (n=70)

B (n=37)

Valor de p

Sexo masculino*

72 (67,3)

47(67,1)

25(67,6)

0,964

Idade**

59,3 (16,8)

61,8(16,5)

54,8(16,6)

0,041

Histórico de Tabagismo****

24 (30,4)

19(37,3)

5(17,9)

0,073

Histórico Doença pulmonar*

14 (13,1)

10(14,3)

4(10,8)

0,612

Histórico de Câncer*

19 (17,8)

13(18,6)

6(16,2)

0,762

Histórico Hipertensão*

57 (53,3)

38(54,3)

19(51,4)

0,772

Histórico Diabetes Mellitus*

35(32,7)

26(37,1)

9(24,3)

0,179

Histórico Doença Renal

21(19,6)

14(20,0)

7(18,9)

0,893

Histórico Doença Hepática*

8 (7,5)

4(5,7)

4(10,8)

0,340

Histórico Doença Cardíaca*

21 (19,6)

14(20,0)

7(18,9)

0,893

Dias de internação***; *****

13 (7-22)

7(11,5 21,25)

7(14-22,5)

0,663

Desfecho*

 

 

0,250

Alta hospitalar*

44(51,1)

26(37,1)

18(48,6)

 

Óbito

63 (58,9)

44(62,9)

19(51,4)

 

NAS**

91,4 (21,1)

90,9(22,5)

92,5(18,4)

0,720

Nota:*variáveis expressas em frequência absoluta (frequência relativa), Teste qui-quadrado de Pearson; **média (±desvio padrão), Teste T de Student; *** mediana (percentil 25-percentil 75). ****n<107; *****Teste de Mann-Whitney. Nursing Activities Score(NAS)

 

Na tabela 2 estão apresentadas as pontuações médias do NAS conforme características da amostra. Não houve diferença estatisticamente significativa na média do NAS em relação às variáveis demográficas e de saúde. Entretanto foi encontrado um valor significativamente maior nos pacientes que foram a óbito (95 versus 86,3).

 

Tabela 2 – Média do NAS conforme características da amostra(n=107). Porto Alegre/RS, Brasil, 2021.

Variáveis

média(±DP*)

Valor de p

Sexo

 

0,804

Masculino

91,1(21,5)

 

Feminino

92,2(20,5)

 

Histórico de Tabagismo

 

0,941

Sim

91,1(22,9)

 

Não

90,7(21,7)

 

Histórico Doença Pulmonar

 

0,429

Sim

95,6(21,7)

 

Não

90,8(21,0)

 

Histórico de Câncer

 

0,934

Sim

90,5(19,0)

 

Não

91,6(21,6)

 

Histórico Hipertensão

 

0,874

Sim

91,1(21,5)

 

Não

91,8(20,8)

 

Histórico Diabetes Mellitus

 

0,802

Sim

90,8(18,0)

 

Não

91,8(22,6)

 

Histórico Doença Renal

 

0,452

Sim

94,6(24,2)

 

Não

90,7(20,3)

 

Histórico Doença Hepática

 

0,874

Sim

92,6(14,5)

 

Não

91,4(21,6)

 

Histórico Doença Cardíaca

 

0,333

Sim

87,4(25,0)

 

Não

92,4(20,1)

 

Desfecho

 

0,036

Alta hospitalar

86,3(21,3)

 

Óbito

95,0(20,4)

 

Nota: *Desvio padrão (DP). Teste t de Student.

 

Na figura 1 estão expressos os valores referentes à média diária do NAS dos 63 dias de acompanhamento. A média máxima do NAS foi de 128,64 pontos no dia 18 e a média mínima de 82,79 no dia dois.

 

Figura1

Figura 1 – Média diária do NAS nos 63 dias (9 semanas) de acompanhamento(n=107). Porto Alegre/RS, Brasil, 2021.

 

Ainda, não se encontrou correlação significativa entre a média do NAS e o número de dias de hospitalização, conforme teste de Spearman (rs=0,139; p=0,153).

Ao realizar a soma das médias diárias do NAS nas duas unidades do estudo, chegou-se a 96.164,5 pontos. Ao dividir pelos 63 dias do estudo, identificou-se escore médio diário de 1.526,4 pontos. Portanto, o cálculo do dimensionamento foi PE = (4. (1526,4/100)) + 20%, resultando em uma necessidade de 73,27 profissionais de enfermagem nas 24 horas.

 

DISCUSSÃO

Ao longo dos últimos anos, o uso de instrumentos capazes de medir a carga de trabalho em unidades de terapia intensiva (UTI) tem sido foco de estudo contínuo. Acredita-se que cerca de 40% da receita financeira dessas unidades seja destinada à equipe de enfermagem. Portanto, um dimensionamento correto, além de garantir assistência de qualidade e segura, também culmina em desfechos econômicos favoráveis à instituição de saúde(14).

Em uma revisão sistemática publicada em 2020, abrangendo 71 artigos, foram encontrados 27 sistemas para medir carga de trabalho de enfermagem em terapia intensiva. Houve um aumento significativo desses instrumentos a partir de 1974, ano de publicação do Therapeutic Intervention Scoring System (TISS), originalmente elaborado visando avaliar o grau de gravidade dos pacientes, mas que posteriormente tornou-se uma ferramenta de dimensionamento para enfermagem. Atualmente, o NAS que teve sua elaboração através do seu antecessor TISS, é o instrumento amplamente utilizado para o dimensionamento de pessoal, sendo baseado na duração das atividades de enfermagem, sem necessariamente refletir sobre a gravidade dos pacientes(13,14).

Com a pandemia de COVID-19, houve um aumento na demanda de cuidados críticos a pacientes em uso de ventilação mecânica, terapia de substituição renal, além da posição prona, exigindo diversos profissionais de saúde para sua execução. Tais características influenciam na carga de trabalho de enfermagem(11,12).

No presente estudo, predominou o sexo masculino, com idade média de 59,3 anos, dados que corroboram com um estudo brasileiro de abrangência nacional, onde avaliaram 31.968 indivíduos com internação por síndrome respiratória aguda grave causada pela COVID-19(17). Segundo o estudo, 60% dos pacientes internados por COVID-19 eram do sexo masculino com predominância entre os idosos (45,2%) e a faixa etária entre 40 a 59 anos (37,7%). Achados científicos têm associado o sexo masculino a desfechos mais graves(17,18).

No estudo brasileiro, 24,7% dos indivíduos internados tinham diagnóstico de DM e 41% da amostra eram portadores de doença cardiovascular, semelhante aos dados da presente pesquisa(17). Em outro estudo publicado em 2020, com uma amostra de 5.700 indivíduos hospitalizados em Nova Iorque, resultados similares foram encontrados no que tange às características demográficas da amostra, com predomínio da população masculina (60,3%), idade média de 63 anos e pacientes com diagnóstico de HAS (56,6%) e DM (33,8%)(19). Assim, os resultados deste estudo são reflexo da população em geral internada com síndrome respiratória aguda grave por COVID-19.

Pacientes com diagnósticos de DM e HAS tem apresentado uma alta predominância para desfechos desfavoráveis, fato que pode estar relacionado a fisiopatologia dessas doenças crônicas. A DM é uma doença crônica inflamatória, o que implica em uma propensão maior para infecções. Além disso, estudos destacam que a enzima conversora de angiotensiva 2 (ACE2) atua como receptor para infecção do coronavírus. Nesses estudos, relaciona-se que a expressão da ACE2 está aumentada na DM, determinando em uma eliminação viral diminuída e aumento da hiperinflação. Quanto à HAS, acredita-se que de igual forma a gravidade está relacionada a expressão do ACE2(20-22).

O escore médio do NAS foi de 91,4 pontos por paciente e 40,2% da amostra estava com um escore médio acima de 100 pontos, indicando mais de 24 horas de cuidado direto de enfermagem no dia. A média máxima do NAS foi de 128,64 pontos no dia 18 e a mínima de 82,79 no dia dois. Ainda, o maior escore do NAS de um paciente foi 155,7. Identificou-se, também, uma média do NAS significativamente mais alta nos pacientes que foram a óbito em comparação aos que tiveram alta hospitalar (95 versus 86,3 pontos). Segundo estudos que analisaram o valor do NAS em pacientes com e sem COVID-19, o NAS está entre 20%-33% mais alto nos pacientes com COVID-19(11,12,23).

Em um estudo realizado em três hospitais Belgas, com 95 pacientes com COVID-19 e 1.604 sem COVID-19, o valor médio do NAS encontrado nos pacientes com a doença foi de 92 pontos, versus 71 pontos. Em cerca de 30% dos pacientes com COVID-19, o valor do NAS era maior que 100 pontos(12). Em um estudo italiano que comparou o NAS dos primeiros 15 pacientes com COVID-19 da unidade com o valor do NAS de 474 pacientes que foram atendidos em 2019 na mesma unidade, o valor médio do NAS foi de 84 pontos nos pacientes com a doença, versus 63 pontos(11). Ainda, em dois estudos da Bélgica, o valor do NAS estava significativamente aumentado nos pacientes que evoluíram a óbito durante a internação(12,23).

Em relação ao dimensionamento do pessoal de enfermagem, a pontuação média do NAS encontrada neste estudo sugere uma razão paciente/equipe de enfermagem de 1:1, haja vista que uma pontuação de 91 pontos sugere que, em um dia inteiro, foi necessário que durante 21,8 horas houvesse ao menos um profissional de enfermagem a beira leito com aquele paciente. Tais dados corroboram com demais estudos sobre o tema, mas difere da legislação brasileira sobre dimensionamento de enfermagem vigente na época do estudo(11,12,23).

A Resolução nº 543/2017 do Conselho Federal de Enfermagem preconiza uma razão 2:1 paciente/técnico de enfermagem e 10:1 paciente/enfermeiro. Já o Parecer Normativo 02/2020 do COFEN preconiza que o quantitativo de enfermagem em atendimento a pacientes com COVID-19 em terapia intensiva seja de um técnico de enfermagem a cada 2 leitos, um enfermeiro para cada cinco leitos, além de um técnico de enfermagem a cada cinco leitos para serviços de apoio assistencial em cada turno. Conforme o referido parecer, o Índice de Segurança Técnica (IST) deve ser de 20% em unidades que atendem pacientes com COVID-19(9-10).

Destaca-se que a sobrecarga de trabalho da equipe de enfermagem está relacionada ao aumento das infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS), aumento de eventos adversos, bem como um aumento na mortalidade(24,25). Vale ressaltar, ainda, a necessidade de novos estudos para discorrer sobre o tema de aumento de eventos adversos na pandemia, como aumento das IRAS.

O dimensionamento adequado das unidades seria de 73,27 profissionais de enfermagem em 24h, através do dimensionamento realizado pelo valor do NAS. Conforme a recomendação do Parecer Normativo 02/2020, em uma UTI com 16 leitos, já acrescido do IST de 20%, o dimensionamento de enfermagem para as unidades seria de quatro enfermeiros, 10 técnicos de enfermagem e quatro técnicos de enfermagem para serviços de apoio, por turno, totalizando 72 profissionais. Ressalta-se que o enfermeiro deve ter capacidade técnica para avaliar a complexidade do paciente designando que um técnico de enfermagem fique exclusivamente com um paciente, nos casos que se aplicam (pronação, hemodiálise, dentre outros)(10).

A partir dos dados de dimensionamento fornecidos pela coordenação das UTIs, há um superdimensionamento da escala de técnicos de enfermagem (valor real 60 técnicos, valor dimensionado 56) e subdimensionamento para enfermeiros (valor real 12, valor dimensionado 16), quando relacionadas a Resolução COFEN 543/2017 e Parecer Normativo 02/2020, visto que a NAS não traz diferenciação entre membros da equipe de enfermagem. Entretanto, salienta-se que em um estudo anterior à pandemia, realizado em São Paulo, foi sugerido um valor de IST de 40%, devido à alta taxa de absenteísmo da categoria, sugerindo que pode haver um subdimensionamento em nível nacional(9,10,26).

Como limitações, salienta-se que o NAS foi implementado nas unidades estudadas durante o período de pandemia e ainda não era aplicado nas UTIs como ferramenta de dimensionamento, podendo influenciar no seu preenchimento. Além disso, o instrumento foi preenchido por diferentes enfermeiros, podendo acarretar pontuações diferentes para o mesmo paciente, devido ao tempo de experiência distintos em terapia intensiva. Os achados devem ser interpretados com cautela, pois se referem a recorte de único hospital, referência em atendimento de alta complexidade.

Esta pesquisa contribui para a gestão de enfermagem e segurança do paciente e do trabalhador de enfermagem, pela análise da demanda do trabalho em unidades de terapia intensiva e adequado dimensionamento de pessoal durante a pandemia da COVID-19. Além disso, traz o registro histórico da carga de trabalho de enfermagem durante a variante Delta do coronavírus, refletindo a carga dimensionada pela própria equipe assistencial.

 

CONCLUSÃO

O estudo apontou um elevado escore médio de NAS por paciente e por unidade. Houve associação de altos escores do NAS com mortalidade. Diante ao exposto, evidencia-se que existe uma demanda assistencial de enfermagem aumentada em pacientes com COVID-19, sendo, portanto a razão 1:1 de paciente: equipe de enfermagem ideal para o atendimento destes, haja visto os altos valores de NAS.

Ressalta-se que o adequado dimensionamento da equipe aumenta a qualidade da assistência prestada, além disso traz ao profissional um ambiente de trabalho seguro, com menor riscos de falhas, contribuindo para a diminuição de doenças ocupacionais e afastamento.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

REFERÊNCIAS

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Submissão: 03-Ago-2023

Aprovado: 28-Jul-2024

 

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Concepção do projeto: Mendes TO, Somensi RM, Pires RN, Caregnato RCA, Souza LM

Obtenção de dados: Mendes TO, Santos RK, Silva AM,

Análise e interpretação dos dados: Mendes TO, Somensi RM, Pires RN, Souza LM

Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Mendes TO, Santos RK, Pires RN, Caregnato RCA, Souza LM

Aprovação final do texto a ser publicada: Mendes TO, Somensi RM, Santos RK, Silva AM, Pires RN, Caregnato RCA, Souza LM

Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Mendes TO, Souza LM

 

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